Pressão dos alimentos - ALBERTO TAMER
O Estado de S.Paulo - 14/10
A nova redução da Selic anunciada esta semana pelo Banco Central, agora a menor taxa real da história, apenas 1,66% descontada a inflação, confirma que a meta, a prioridade, é crescer. O Brasil rejeita o imobilismo que domina a economia mundial, registrado nas análises do Fundo Monetário Internacional, divulgadas em Tóquio. Não se trata apenas de política monetária isolada, de liberar recursos do compulsório, injetar liquidez no sistema, mas de medidas complementares da equipe econômica para oferecer mais estímulos à demanda interna, à produção, investimentos e agora, também às exportações.
Algumas medidas avançam mais rapidamente, outras ainda não, mas o objetivo é transmitir ao setor privado a confiança no futuro, diálogo entre empresários, governos e autoridades monetárias que não existe lá fora.
Mas, pode-se argumentar, temos o que eles não têm, espaço monetário e fiscal para agir, como juros altos que podem ser reduzidos, endividamento baixo do governo - menos da metade dos EUA e da Europa - um sistema financeiro saudável, não foi envolvido pela crise de 2008, o potencial do mercado interno... Sim, mas tudo isso não surgiu do nada. Foi construído no governo Fernando Henrique, com o real e o ajuste fiscal, reforçado no governo posterior e intensificado agora no atual.
A ameaça da inflação. Esse é um desafio que o Brasil tem e eles não. Até onde o governo poderá continuar estimulando a demanda interna sem mais pressão sobre os preços? Não haveria uma contradição entre a Selic de 7,25% declinante, e IPCA pressionado? O Banco Central não teria sido imprudente ao reduzir pela décima vez a taxa de juros?
A resposta está em outra pergunta: o que realmente está pressionando os preços? Foi um consumo estimulado pelo crédito e a renda? Com o câmbio atual, não estaríamos importando a pressão dos preços das commodities agrícolas? Ou, mais, até quando podemos conviver com inflação de 5%? Os preços dos alimentos não estão em forte alta no mercado mundial?
Não assusta. Em sua última análise de mercado, no relatório de 4 de outubro, a FAO diz que os preços aumentaram muito, com queda da safra americana, mas foram compensadas em parte pelos estoques e a produção em outros países. Ao contrário do que ocorreu no passado, grandes produtores, como Brasil, Rússia, Argentina, não anunciaram redução das exportações para atender seus mercados.
"Entre agosto e setembro o índice de preços dos cereais aumentou 1%, é 7% acima do mesmo período do ano passado, mas mesmo assim, 4% abaixo do pique registrado em abril de 2008,"diz o boletim. A queda mais acentuada, de 4,2%, foi no preço do açúcar, segundo a FAO, devido à produção do Brasil.
Motivos. A organização não chega a apontar claramente as causas desse comportamento dos preços dos alimentos, mas a OCDE e o próprio FMI mostram que se deve a alguns fatores como desaceleração econômica nos países de maior consumo, a menor importação para aumentar estoques, como na China e no Japão, e acima de tudo, a necessidade de não forçar a alta dos preços porque precisam gerar receitas que não encontram em seus mercados.
Com base nesses dados e outras análises de mercado, Thiago Curado, da Tendências Consultoria, concorda que os preços de alimentos têm configurado a principal pressão inflacionária nos últimos dois meses, "mas o repasse ao consumidor final deve se atenuar a partir de outubro". A partir de agora, a expectativa é de acomodação dos preços desses produtos. Para 2013, a expectativa é que haja forte queda de preço dessas commodities, com a normalização das condições de oferta, principalmente no Brasil.
O que pode pesar. Enquanto a produção industrial não reage com as novas medidas de estímulo, continua havendo o recurso das importações ainda beneficiadas pelo câmbio. Não será por esse caminho, portanto, que a economia deixará de crescer com inflação administrada em torno de 5%. E se for mais? E se o real valorizado e importações mais baratas deixarem de ajudar na formação dos preços? É sem dúvida um problema que merece atenção, a equipe econômica deve estar preparada, como alerta o FMI, mas o desafio é outro. É crescer 4% nos próximos trimestres com base em investimentos, no mercado interno, enquanto a economia mundial, fragilizada pela inércia, definha.
Afinal, o Brasil convive com inflação média de 5% há 10 anos...