Levantando o pano - ADRIANO PIRES e ABEL HOLTZ
O Estado de S. Paulo - 24/10
O entusiasmo entre os industriais com a emissão da Medida Provisória (MP) 579 e com a anunciada modificação nas tarifas de energia elétrica estaria escondendo a correta percepção do que está de fato sendo imposto ao setor elétrico. Além do aspecto eleitoral, ao fazer o anúncio do corte das tarifas algumas semanas antes das eleições, a medida destrói conceitos do modelo estabelecido pelo próprio governo em 2004 e agride algumas legislações vigentes.
Antes de tudo, a reversão das concessões de hidrelétricas anteriores a 1995, que a MP 579 afeta na sua quase totalidade e que pertenciam a empresas estatais federais e estaduais. No caso das estatais estaduais, elas pertencem a governos de Estados liderados pelo principal partido de oposição ao governo. E aqui está mais um aspecto político engendrado de forma bastante objetiva e que acaba levantando suspeitas sobre as verdadeiras intenções do governo.
A reversão que está sendo feita, caracterizada pelo retorno das concessões à União pelo pagamento dos ativos não amortizados e o estabelecimento de uma tarifa de operação e manutenção, tem sido chamada de renovação das concessões, indevidamente. Ainda que, na sequência, o governo venha a fazer a contratação das empresas atuais concessionárias para operarem as mesmas usinas recebendo um valor dimensionado para operação e manutenção, há uma clara transformação conceitual de concessão para prestação de serviços.
Porém, de acordo com o preceito constitucional, a reversão é válida, mas a prestação de serviços teria de ser feita por órgão ou entidade do controle do governo ou por uma empresa definida por licitação para contratação do operador. Aqui não cabe nem o conceito de notória especialidade, por haver muitas empresas que poderiam participar dessa licitação em igualdade de condições.
Também cabe registrar o desrespeito ao definido em contrato. Algumas das usinas inseridas na lista daquelas afetadas pela referida MP alegam ter direito a uma extensão do prazo de concessão, como definido em seus contratos - este seria o caso da Hidrelétrica de São Simão, como afirma a Cemig.
A maior decepção foi ver que a MP não mexeu com os tributos. Na verdade, o que se está fazendo é a diminuição de encargos jogando para o contribuinte e pressionando as empresas a produzirem energia retirando os lucros que lhes permitem existir e buscar financiamentos para novos investimentos. Os tributos continuam no mesmo nível de antes. É bom lembrar que foi promessa de campanha da nossa presidente extinguir o PIS/Confins da energia elétrica.
Outro aspecto pouco percebido diz respeito a conceder esses contratos de operação com tarifas definidas pelo governo, quando deveriam ser estabelecidas num leilão, como definido pelo regramento vigente do setor elétrico.
Ao serem definidas as cotas de garantia física e potência das hidrelétricas com concessões vincendas, para conhecimento das empresas afetadas, está explícito que a remuneração das usinas se dará pela Receita Anual de Geração, corrigida por reajustes anuais e revisões tarifárias promovidas a cada cinco anos. Ou seja, a geração passa a ter tarifas reguladas, como ocorre com o segmento de distribuição. Convém lembrar que as tarifas obtidas nos últimos leilões de hidrelétricas atenderam à tal modicidade tarifária pelo fato de uma parcela da energia gerada ter sido comercializada para o mercado livre. Sem o mercado livre, os preços seriam mais elevados.
Há um temor no mercado de que a tarifa de operação e manutenção a ser definida pelo governo não suportará novos investimentos nas usinas nem tampouco a substituição e a manutenção de equipamentos danificados e inoperantes que venham a ser necessárias.
Por último, fazemos duas perguntas: Como vão ficar os acionistas das empresas, dado que as medidas como propugnadas parecem não permitir a geração de resultados e, pois, de dividendos? E até que ponto as atuais medidas se restringem, exclusivamente, às concessões vincendas, e não a todas as demais?