Barrado portenho - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 21/10
Dois milhões de pares de sapatos brasileiros deveriam estar pisando solo argentino. Estão impedidos de cruzar a fronteira. Foram comprados e não podem ser entregues pelas medidas protecionistas do governo Kirchner. A indústria de máquinas e aparelhos elétricos deixou de faturar US$ 750 milhões pelas restrições. As automobilística e aeronáutica exportaram US$ 1 bilhão a menos.
A exportação da indústria química caiu US$ 200 milhões. A coluna entrou em contato nos últimos dias com vários setores prejudicados pelo protecionismo argentino. Eles se queixam de que o governo brasileiro está passivo e não tem defendido os interesses da indústria. Nem os empresários argentinos compreendem a postura do governo brasileiro diante das medidas de restrição ao comércio.
Os executivos argentinos não falam abertamente porque têm medo de retaliações por parte do ministro Guillermo Moreno, que controla tudo com mão de ferro. Um empresário do ramo de máquinas que faz negócios com o Brasil contou que o governo tem usado até a TV estatal para expor quem faz críticas à política de restrição à importação.
- Estamos vivendo uma ditadura no comércio exterior. Quem fala mal do governo é criticado na TV. Nós, argentinos, somos favoráveis ao Brasil porque as medidas econômicas são irracionais. Já ouvi queixa de empresário brasileiro que recebeu ligação de um alto integrante do governo argentino para que reduzisse preços. E ele baixou, por medo - disse o executivo argentino.
Nosso saldo comercial com os argentinos caiu de US$ 4,4 bilhões para US$ 1,8 bi este ano. De janeiro a setembro, exportamos US$ 13,4 bilhões. No mesmo período de 2011, foram US$ 16,8 bi. Não há problema algum na redução do saldo, mas o que preocupa é a forma como as exportações estão caindo. O governo argentino acabou com a licença automática de importação. Só pode importar quem o governo autoriza e a decisão é arbitrária, segundo empresários.
- A indústria de calçados tem 2,2 milhões de pares que já foram vendidos mas aguardam liberação para entrar. Há mais de 50 mil pares pendentes de 2011. São mais de nove meses de espera e ninguém sabe os critérios técnicos da restrição - disse o diretor da Abicalçados (Associação da Indústria de Calçados) Heitor Klein.
O diretor de comércio exterior da Abimaq (Associação da Indústria de Máquinas), Klaus Curt Müller, disse que a perda está na casa de 30%, com picos de 50%. A saída é buscar outros mercados.
- A Argentina é um mercado importante, mas os empresários brasileiros estão tendo que mirar outros países na América do Sul, como a Colômbia, para compensar - disse Muller.
De janeiro a setembro, a receita de manufaturados caiu de US$ 15 bilhões para US$ 12 bi, em relação a 2011. A venda de veículos de transporte, que inclui veículos, aeronaves e embarcações, foi US$ 1 bilhão menor, uma queda de 16%. A exportação de automóveis leves caiu quase 30%; de tratores, 20%.
A Argentina passa por uma crise de divisas. Está faltando dólares no país. O governo decidiu que as empresas só podem importar se comprovarem que estão exportando. É a volta do comércio compensado, dos anos 70.
- Regredimos 30 anos na Argentina. Os empresários brasileiros também estão sendo prejudicados e não podemos contar nem com uma postura mais firme do governo brasileiro - disse o empresário argentino.
O normal seria o governo usar os canais diplomáticos para defender os interesses das empresas brasileiras atingidas pelo intervencionismo e protecionismo da Argentina.