A guerra paulistana - EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA
No Rio de Janeiro, no Recife, em Belo Horizonte e Porto Alegre, as eleições municipais morreram logo no primeiro turno. Sobrou São Paulo, com um segundo turno que monopolizará o noticiário nacional e deixará cicatrizes nos dois partidos mais influentes do país (o PMDB é grande como um elefante, mas amorfo como um invertebrado). Até o fim de outubro, o centro da política brasileira atenderá pelo nome de São Paulo e terá a forma de um campo de batalha, com dois lutadores apenas. Os próximos capítulos nos reservam cenas de inteligência e de luz, entremeadas de golpes de foice, com sangue e gritos de dor. Dá um pouco de medo, é verdade, mas o segundo turno em São Paulo não poderia ser mais oportuno. Na maior metrópole do continente, PT e PSDB terão de mostrar a cara, o que será bom. Depois deste mês de outubro, a gente saberá mais, bem mais, sobre esses dois partidos.
O enfrentamento paulistano tem dimensões nacionais. José Serra, pelo PSDB, já disputou duas vezes a Presidência da República. Fernando Haddad, ex-ministro da educação, ascende como principal liderança de uma nova geração petista, ungido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles brigam por uma prefeitura cujo orçamento ultrapassa o tamanho de um pequeno país sul-americano - e brigam por muito mais. Diante dos olhos dos eleitores, dois programas de desenvolvimento nacional medirão forças e não podem abrir mão de arma nenhuma. Usarão tudo o que têm.
O campo de batalha está pronto, livre de paraquedistas de ocasião. A aventura russomânnicalevou um providencial cartão vermelho do eleitorado. Celso Russomanno, que se consagrou na televisão como fiscal do consumidor, conseguira fazer uma boa largada ao transpor para o horário eleitoral o personagem que o tornara famoso. Prometia ser um fiscal do eleitor e do cidadão, a autoridade enfezada contra o funcionalismo frouxo. Russomanno atraiu a mentalidade conservadora, aquela que acredita que um feitor, com chicote na mão, dará jeito na cidade, graças à imagem que acumulou em sua trajetória televisiva. Durou pouco. Seusrivais mostraram que não havia solidez em suas propostas, como aquela de cobrar mais do passageiro que usa mais o ônibus urbano, e Russomanno se dissolveu no ar como um pesadelo na luz da manhã. Agora, é com José Serra e Fernando Haddad. O Brasil inteiro olha para eles. Qual é a do PT? Qual é a do PSDB? É em São Paulo que saberemos.
Ainda no domingo à noite, no dia do primeiro turno, José Serra abriu fogo tentando vincular a candidatura de Fernando Haddad ao mensalão que está sentado no banco dos réus no Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Haddad revidou no dia seguinte, afirmando que o DNA dessa modalidade original de corrupção vem de Minas Gerais, do mensalão tucano, que aconteceu antes e ainda não foi a julgamento. A disputa entre petistas e tucanos para ver que lado é mais honesto - ou menos desonesto - é necessária, ainda que insalubre, mas não sera fácil para nenhum dos dois. O julgamento do mensalão faz sangrar o PT, é claro, e Serra tem razão em bater na ferida. Ao mesmo tempo, não haverá como ligar o escândalo do mensalão ao nome de Fernando Haddad, escolhido por Lula, entre outros motivos, justamente por não ter nada a ver com aquilo tudo. De outro lado, Haddad tem razão em bater no mensalão mineiro, durante o qual Marcos Valério tirou a patente dessa engenhosa fórmula de delito. Mas também não terá como comprometer nessa bandalheira específica o nome de José Serra.
Por isso, no duelo bestial para escandas mais baixas, mas não veremos um golpe fatal. Haverá outras frentes de luta. Uma parte da contenda terá de ser pautada pela condução da prefeitura durante a atual gestão, apoiada por Serra. Aí, sim, a suspeita de corrupção na secretaria que cuidava da aprovação de prédios em São Paulo pode fazer diferença. Se o PT demonstrar que, na prefeitura paulistana, a corrupção andou de mãos dadas com a ineficiência administrativa, estará perto de um nocaute.
O eleitorado tem mais preocupações com o município do que com o julgamento do mensalão em Brasília. As propostas de governo terão de ser esclarecidas. Serra e Haddad terão de responder sobre a cidade, sem esquecer o cenário nacional. Quem vencerá? Aquele que for consistente, propositivo e que, na hora da briga mais violenta, mostrar um mínimo deconsideração humana pelo adversário. Além da prefeitura, os dois podem ganhar (ou perder) o respeito do país