Três homens e alguns segredos
Por que Benedito? O enredo que responde a essa pergunta parece levar à repetição de uma história tão ou mais antiga do que as eleições: amigo de mandatário é beneficiado materialmente com contratos milionários feitos sem licitação ou ao arrepio delas e, mais tarde, devolve a gentileza custeando despesas do seu antigo benfeitor. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) investigam dezenas de negócios da Dialog, empresa de Benedito de Oliveira, com o governo, cujos termos e irregularidades ilustram com nomes e números o milenar enredo narrado acima. Criada em 2004, a Dialog saiu da irrelevância para o domínio quase hegemônico da prestação de serviços e realização de eventos para ministérios e outros órgãos públicos. Não se sabe a razão, mas no ano passado o Ministério da Pesca propôs usar 72% de tudo o que gastou em 2009 em um único contrato com a Dialog. Seriam entregues a Benedito 94 milhões de reais para... criar uma frota pesqueira? Montar fazendas de camarão no Nordeste? Ensinar a pescar? Não. Nada disso. O Ministério da Pesca queria destinar 94 milhões à Dialog para ela fornecer, entre outras coisas, cafezinho a funcionários e visitantes. Cada xicrinha custaria aos pagadores de impostos do Brasil a fortuna de 352,22 reais. Atenção: o Ministério da Pesca se dispôs a pagar ao empresário 352,22 reais por 50 mililitros de café na xícara, usando para isso o dinheiro dos impostos subtraídos dos brasileiros honestos que acordam cedo e vão trabalhar. Com o valor que Benedito receberia por uma única xicrinha, qualquer dona de casa do Brasil compraria 40 quilos de café torrado e moído (9 reais o quilo) e serviria 4 000 chávenas de café forte. Em outras palavras, uma família brasileira de quatro pessoas, cada uma tomando três xícaras de café por dia, levaria onze meses para gastar o mesmo que o empresário receberia do Ministério da Pesca por uma mísera xicrinha de 50 mililitros. Seria o cafezinho mais caro da história do planeta se o Tribunal de Contas da União não tivesse percebido a tramoia e suspendido o processo de contratação da Dialog. Benedito foi "convidado" para acompanhar o encontro com arapongas pelo amigo Luiz Lanzetta, dono de uma empresa contratada pelo PT para assessorar a campanha presidencial e que se demitiu na semana passada. O empresário alugou a casa onde funcionava o comitê liderado por Lanzetta. Tudo o que se referia à administração estava sob a responsabilidade de certo Jorge Luiz Siqueira, que, até o ano passado, era coordenador de serviços e logística do Ministério da Agricultura. Pois bem, milhões de reais em contratos justamente de serviços e logística obtidos pela Dialog junto ao Ministério da Agricultura estão agora sob investigação da Controladoria-Geral da União. O ninho dos espiões tinha outro personagem da órbita de Benedito. Ele se chama Luiz Carlos Ferreira, consultor da Dialog, que na Casa do Lago Sul cuidava dos pagamentos em dinheiro vivo feitos a pedido da Lanza, a empresa de Lanzetta. Os três sombrios personagens desta reportagem devem se encontrar de novo, sob trovões, raios e chuva, em comissão investigadora do Congresso que, na semana passada, aprovou a convocação de Jorge Hage, ministro da Controladoria-Geral da União. Hage tem informações sobre os contratos fechados pela Dialog com ministérios, órgãos reguladores e a Presidência, incluindo o do cafezinho mais caro do mundo. A meta é verificar se há alguma relação entre o dinheiro do empresário e o dinheiro da campanha presidencial petista. Os americanos Ben Self e Scott Goodstein, especialistas em internet a serviço do PT que vieram ao Brasil às expensas de Benedito de Oliveira Neto, foram convidados a depor pela comissão. Diz o deputado Gustavo Fruet, do PSDB do Paraná: "Uma empresa que ganhou milhões em contratos com o governo nos últimos anos e se envolve na campanha da candidata desse mesmo governo é suspeita por definição". O empresário investigado por tentar vender ao governo
cafezinho a 352 reais a xícara tem uma equipe cuidando
das finanças do comitê da campanha presidencial do PT
Daniel Pereira e Alexandre OltramariReprodução/AE Benedito de Oliveira: ele alugou a casa, pagou a viagem de marqueteiros e indicou os funcionários que cuidam do dinheiro
Três homens que aparecem nesta reportagem têm muito em comum. Os três frequentaram o comitê eleitoral do PT, em Brasília. Os três têm ligações com uma empresa de eventos, a Dialog, que faturou dezenas de milhões em negócios com o governo federal. Os três não falam, nunca deram entrevistas e se esquivam de explicar o que realmente fazem – ou faziam – na campanha petista. As digitais do trio – o empresário Benedito de Oliveira Neto, o contador Luiz Carlos Ferreira e o ex-funcionário público Jorge Luiz Siqueira – apareceram no bojo do escândalo que foi a tentativa de montar um grupo de policiais e arapongas para espionar adversários e aliados incômodos. O elo mais forte entre esses três senhores é o dinheiro. Há duas semanas, em entrevista a VEJA, o delegado aposentado da Polícia Federal Onézimo Sousa revelou que o serviço de espionagem custaria 1,6 milhão de reais. Quem pagaria? Benedito de Oliveira. Como? Em dinheiro vivo.Sergio Dutti O CONTADOR
Luiz Carlos Ferreira, ex-funcionário
de Benedito, é o encarregado de todos
os pagamentos da casa onde funciona
a comunicação da campanha
de Dilma RousseffSergio Dutti AMIZADE
O comitê era gerenciado por pessoas indicadas pelo empresário