Saturday, June 05, 2010

A paciência está no fim


É o que avisam filmes como Antes da Lua Cheia, em sua missão
de dizer ao mundo o que os iranianos têm de calar


Isabela Boscov

Divulgação
NO PASARÁN!
Um dos filhos do músico Mamo tenta salvá-lo, com a ajuda de uma mulher misteriosa
(a belíssima Golshifteh Farahani): de alguma maneira, defende o diretor, a morte em vida
que é a opressão ainda vai ser derrotada

Desde sua explosão no cenário internacional, em meados dos anos 90, o cinema vindo do Irã tem cumprido com êxito uma missão: ajudar o público estrangeiro a distinguir um estado repressivo e irracional da nação que esse estado controla – ou seja, distinguir entre o Irã e os próprios iranianos, que sufocam sob as doutrinas dos aiatolás e de figuras como Mahmoud Ahmadinejad. Ativo e prolífico, esse cinema é entretanto pouco visto por seus próprios cidadãos. Para driblarem a censura, os diretores submetem às autoridades roteiros repletos de subterfúgios – e então filmam enredos bem mais diretos, o que quase sempre resulta em veto à sua exibição no país. Tem-se assim uma situação singular: um cinema de raízes, feito em locações reais e estreitamente ligado às pequenas histórias das pessoas comuns, mas que tem como alvo o restante do mundo. É coerente, então, que esses filmes tenham se preocupado em seguir de perto as mudanças de ânimo dos iranianos. Na primeira leva a estourar, a maioria das tramas era protagonizada por crianças – uma expressão da frustração dos iranianos em viver sob uma tutela incompreensível. Depois, passou-se a um ciclo dedicado às mulheres, que, sob seus chadores, são a feição emblemática de uma sociedade fundada sobre proibições. Depois, à medida que a inquietação social começou a aumentar, o leque se abriu e as metáforas foram ficando cada vez mais transparentes, como demonstra Antes da Lua Cheia (Niwemang, Irã/Iraque/França, 2006), que estreia no país na sexta-feira.

Dirigido por Bahman Ghobadi, o filme acompanha um grupo de músicos curdos, liderados pelo velho Mamo, que se prepara para tocar em um festival do outro lado da fronteira, no Curdistão iraquiano. É uma ocasião de celebração: os curdos foram cruelmente perseguidos por Saddam Hussein, e há décadas Mamo, um ícone folclórico, não se apresenta. Esse pequeno respiro, porém, vem eivado de terrores. Os papéis estão em ordem, mas a cada barreira policial atravessada pelo velho ônibus do grupo os medos se acirram. A certa altura, o bando recolhe uma cantora, e a simples presença de uma mulher pode mandá-los todos para a prisão, ou pior. Pouco a pouco, a alegria quase certa vai virando miragem – e o filme, que começara cômico, vai se tornando aflitivo e delirante. A apresentação no festival, afinal, nunca chegará a se concretizar – foi só um sonho.

A quem pense que Ghobadi é um derrotista, porém, um esclarecimento: seu recado é dado logo na primeira cena, em que um promotor de brigas de galo cita o filósofo dinamarquês Kierke-gaard para dizer que qualquer um pode derrotar a morte – basta estar vivo. É uma maneira elegante de avisar, aos opressores, que a batata deles está assando. E, quando ela estiver pronta para sair do forno, os espectadores de cinema vão estar entre os primeiros a ficar sabendo.

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