Saturday, June 19, 2010

A crise do outro golfo


Para salvar-se da catástrofe no Golfo do México, Obama visita
a região de novo, fala à nação do Salão Oval e, em lance
melancolicamente populista, demoniza a empresa petrolífera


André Petry, de Nova York

Fotos Ted Jackson/AP e Petesouza/Corbis/Latin Stock
"MENTALIDADE DE MANADA"
Obama, com o vazamento de óleo ao fundo: a opinião pública americana
não fala de outra coisa, sinal de que Nietzsche tinha razão

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Desde o começo, o vazamento de petróleo do poço aberto no fundo do mar do Golfo do México mesmerizou os americanos. Diariamente, de manhã à noite, todos os noticiários, das rádios aos blogs, falam do vazamento, que chega neste domingo ao seu 62º dia. O volume do óleo jogado no mar, dizia-se no início, era de 1 000 barris por dia, mas logo a estimativa passou para 5 000, depois para 12 000, 25 000, 30 000, 40 000, até que, na semana passada, bateu em 60 000 barris por dia, com alguns especialistas dizendo que talvez chegue a 100 000. É coisa para Exxon Valdeznenhum botar defeito. Com as imagens dramáticas de fogo no mar e pelicanos recobertos de óleo, a opinião pública americana tornou-se a mais acabada definição do fenômeno social que o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900) chamou, pioneiramente, de "mentalidade de manada": não se fala em outra coisa e não se discute outro assunto – até o momento em que só se falará de outra coisa e só se discutirá outro assunto. Com a obsessão pública, o vazamento passou a dominar a política e, na semana passada, cinco meses antes da eleição legislativa, atingiu o auge.

Fustigado pela oposição e até por aliados incomodados com seu ar de alheamento, o presidente Barack Obama montou seu programa de ataque. Na segunda-feira, voltou a visitar os estados do sul, onde o óleo já chegou às praias, devastando aves, peixes, empregos e o turismo. Na terça, fez seu primeiro pronunciamento à nação no Salão Oval, durante o qual convocou os americanos a cumprir a "missão nacional" de superar a dependência do petróleo, aproveitando a catástrofe para lubrificar sua proposta de "energia limpa". Na quarta, teve um encontro fechado com a cúpula da BP, o gigante petrolífero dono do poço no Golfo do México, para quem sobrou o pior subproduto da politização. A BP foi tratada pelo governo americano como forasteira intrusa, incompetente e insensível.

Na demonização da empresa, Obama chegou a pedir a demissão do executivo Tony Hayward – que, ao depor no Congresso na quinta-feira, declarou, candidamente, que não tomou parte das decisões sobre o poço que vazou. Além da cabeça de Hayward, Obama disse que a BP não podia pagar dividendos e tinha de reservar dinheiro para indenizar todo mundo, incluindo até os petroleiros prejudicados pela decisão da Casa Branca de decretar moratória na exploração de petróleo no mar. A coisa ganhou um ar tão hostil que irritou até os ingleses do outro lado do Atlântico – a sigla da BP vem de British Petroleum e sua sede é em Londres. Um dos mais exaltados, o conservador Norman Tebbit, ex-ministro de Margaret Thatcher, chamou a reação americana de uma "exibição grosseira, fanática e xenofóbica" da "petulância presidencial contra uma multinacional".

Os ataques à BP procuram ocultar a responsabilidade do próprio governo no acidente, mas Obama, em sua estratégia, fez cabelo, barba e bigode. Depois do encontro na Casa Branca, a BP saiu pedindo desculpas públicas pelo vazamento e anunciou três medidas: não pagará os dividendos de 10,5 bilhões até o fim do ano, separou 20 bilhões de dólares para indenizar as vítimas e deu uma contribuição "voluntária" de 100 milhões para compensar os petroleiros desempregados pela moratória. E Tony Hayward já começou a ser desidratado, deixando de responder pela BP no caso do desastre. É claro que nenhuma companhia no mundo conseguiria enfrentar o poder de fogo da Casa Branca, mas a questão central está na confusão dos interesses políticos com a vida de uma empresa. A Casa Branca apertou o torniquete contra a BP, que, sem dúvida, cometeu um erro, ou um conjunto de erros, fatal, provocando a catástrofe. Mas, até onde se sabe, e até onde a própria Casa Branca diz saber, a empresa fez tudo legalmente e sob fiscalização das autoridades. Demonizar a BP, excedendo em muito a devida responsabilização da companhia por seus erros, é um lance melancolicamente populista de Washington. Não fará bem nem aos pelicanos.

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