Saturday, May 29, 2010

Instrução à força


No sensacional O Profeta, um menino ignorante e desprotegido
vai parar na prisão – e, em vez de se destruir, constrói-se


Isabela Boscov

Everett Collection/Keystone
NÃO DEIXE NINGUÉM CONTAR
Tahar Rahim, ao centro, como Malik: uma trajetória espetacular, que põe a plateia
em situações imprevisíveis


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Um dos nomes mais sólidos do cinema francês contemporâneo, Jacques Audiard, de 58 anos, constrói a história espantosa de O Profeta (Un Prophète, França/Itália, 2009) com o apetite e o impulso inovador de um diretor iniciante: eis um filme que nunca cessa de surpreender e de envolver, e que é um desafio constante às preconcepções que se possa ter sobre seu protagonista. Em cartaz no Festival Varilux, de 2 a 10 de junho, em nove capitais do país, e com estreia em circuito comercial no dia 11, o enredo segue Malik El Djebena, um rapaz de origem árabe, desde seu primeiro dia em uma prisão francesa. Malik, de 19 anos, é analfabeto, desprotegido e assustadiço. Portanto, uma presa ideal para criminosos como o corso César Luciani (Niels Arestrup, uma presença intimidante), que tem todos no lugar sob suas ordens. Luciani quer que um detento seja assassinado; Malik é escolhido para a tarefa. Seu pavor é tanto que, na aflitiva cena em que ele deve executar a missão, se tem a certeza de que vai falhar. Mas ele não falha – e aí se inicia uma das mais espetaculares trajetórias já imaginadas para um personagem. Revelar seus detalhes seria um desrespeito. No minucioso trabalho de Audiard e do roteirista Thomas Bidegain, cada pequeno lance é o apoio para o próximo desenvolvimento. Os caminhos são imprevisíveis, mas jamais inverossímeis. À medida que Malik vai descobrindo o alcance de sua inteligência, o que se pede é que o espectador decida qual emoção ele provoca com maior intensidade, se a empatia ou o mal-estar.

Autor dos memoráveis Um Herói Muito Discreto e De Tanto Bater, Meu Coração Parou, o diretor reformula aqui um gênero antes icônico no cinema francês, mas que havia meio século andava abandonado. Reformula-o, primeiro, como estilo, abolindo do filme qualquer sugestão de que há um "grande plano" traçado para o personagem, e de que a plateia necessita apenas ir se inteirando dele. O trabalho de câmera torna cada situação vivida por Malik fluida e insegura: suas decisões têm de ser tomadas por instinto, momento a momento, e não raro fazem o coração disparar. Mais notável ainda é a maneira como Audiard e Tahar Rahim, um ator excelente, compartilham a tarefa de criar um personagem como nenhum outro que se tenha visto: um menino ignorante e sem futuro que, ao ser preso, não se destrói – mas, ao contrário, se constrói, até tornar-se um homem em pleno domínio de si mesmo e de seu destino. Um destino que, conforme a extraordinária cena final resume, é feito de partes iguais, e difíceis de separar, de glória e perversidade.

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