Saturday, May 15, 2010

A conspiração virtuosa


Um conjunto de fatores que combinam virtudes e potencialidades
brasileiras com o excesso de liquidez lá fora colocou o Brasil
no portfólio dos investidores como o porto mais seguro
e atraente para o capital produtivo no atual cenário


Lauro Jardim

Ana Paula Paiva/Valor/Folha Imagem
Daniel Aratangy/Valor/Folha Imagem
Vantagem
Bracher: "Quando um país paga juros de 10%
ao ano e o outro 2,5%, o investidor faz mesmo
força para achar que o que paga 10% é melhor"
País exótico
Kayath: "Até ganharmos o grau de investimento,
éramos uma espécie de Zâmbia; agora,
aplicar aqui é uma rotina"

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Patrice Etlin, diretor no Brasil do Advent, um dos maiores fundos de private equities do mundo, tinha enorme dificuldade em vender a ideia de que o país era um bom lugar para investir. Isso quando era recebido. "No, thanks" era a resposta mais comum a seus pedidos de reunião para falar das maravilhas do Brasil. Isso foi há dez anos. Etlin via o copo meio cheio. Os donos do dinheiro viam o copo meio vazio. Agora, o panorama mudou radicalmente. Etlin e outros captadores de recursos estrangeiros para investir no Brasil recebem oferta de 2 dólares para cada 1 que eles se dispõem a usar para comprar negócios promissores no país. Os próprios captadores se veem na posição de alertar os investidores para alguns fatos básicos da vida, entre eles o de que o Brasil, por mais atraente que seja, oferece certos riscos. Diz Etlin: "Eles têm uma visão simplista e muitas vezes distante do Brasil".

Os números comprovam esse estado de espírito:

• A estimativa é que, até o fim do ano, terão entrado no Brasil 45 bilhões de dólares em investimentos externos diretos, um recorde. Alguns setores, como a agropecuária e a mineração, estão atraindo o dobro do que captaram no ano passado.

• Na bolsa de ações, a Bovespa, com as variações de praxe do ramo, o capital externo supera em volume o dinheiro investido por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras.

• Nos IPOs (aberturas de capital de empresas), mais da metade do total de ações ofertadas é comprada por estrangeiros.

As pesquisas reforçam também o mesmo sentimento revelado pelos números:

n Uma pesquisa da Unctad (Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento) com 400 líderes mundiais de empresas mostra que em 2011 o Brasil será o quarto destino preferido dos investidores. À sua frente, apenas China, Estados Unidos e Índia.

n Uma das maiores consultorias e administradoras de fortunas do mundo, a americana Merrill Lynch fez um levantamento com 282 gestores globais e apontou o Brasil, no mês passado, como o segundo melhor porto seguro para investimento nos países emergentes. A Rússia liderou.

São, portanto, inúmeras as evidências de que o momento vivido pela economia brasileira atualmente, aos olhos do mundo, ultrapassa as fronteiras da euforia, das bolhas e daquele tão repetido quanto vazio jargão segundo o qual "o Brasil é a bola da vez" – quando chega mais dinheiro especulativo do que produtivo e o investidor entra já pensando na largura da porta de saída. Um exemplo perfeito desse novo patamar foi dado por Zeinal Bava, presidente da Portugal Telecom (PT). Ao explicar as razões pelas quais ele defendia a rejeição da proposta de compra da sua participação na Vivo feita pelos seus sócios espanhóis da Telefônica, Bava disse: "Sair do Brasil é amputar o futuro da Portugal Telecom, uma vez que a escala e o crescimento são fatores críticos de sucesso no nosso setor". Em uma só frase, ele resumiu o conjunto de virtudes e potencialidades que se combinam agora para fazer do Brasil uma aposta ao mesmo tempo atual e de longo prazo. A saber:

• Os brasileiros já consomem produtos e serviços em volume suficiente para formar um mercado que não pode mais ser ignorado.

• O ritmo de crescimento do mercado brasileiro supera o dos Estados Unidos, da Europa e do Japão, tradicionais devoradores de produtos.

• O Brasil tem vantagens evidentes mesmo em comparação com outras "nuvens de gafanhotos" do varejo, as centenas de milhões de novos integrantes da classe média na China, Índia e Rússia. Naqueles países, quando se comparam as hipotecas imobiliárias com o tamanho do PIB, nota-se que os consumidores estão se endividando em um porcentual bem acima do brasileiro – 12% deles contra apenas 3% dos brasileiros. Esse indicador chega a 64%, em média, nos países europeus. No jargão dos economistas, essas porcentagens são evidências irrefutáveis de que a economia brasileira está "menos alavancada" e, portanto, mais sólida do que a dos velhos e novos-ricos.

Obviamente, boa parte do entusiasmo dos investidores se deve à lente de aumento que eles deitam sobre as virtudes do Brasil e aos tapa-olhos para as notórias e resistentes imperfeições da economia brasileira. Mas existe outra razão objetiva subjacente muito forte. Um cálculo recente do Tesouro dos Estados Unidos dá conta de que as empresas e os investidores americanos estão deitados sobre um colchão de liquidez de cerca de 1,4 trilhão de dólares, o equivalente ao PIB do Brasil. Esse Everest de dinheiro está sendo remunerado a juros, em muitos casos, abaixo da inflação. Portanto, o dinheiro está queimando na mão dos investidores, e gastar rapidamente é uma necessidade. "Nas minhas palestras lá fora, noto que eles não ouvem alertas e não se interessam em fazer perguntas", diz Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. A gestora acaba de lançar em Taiwan um fundo de ações de empresas brasileiras. Em apenas trinta dias, atraiu 200 milhões de dólares. Agora, prepara-se para lançar um fundo de ações em Luxemburgo e pretende captar 1 bilhão de dólares.

"Quando se olha para o resto do mundo, estamos muito bem", afirma Cândido Bracher, presidente do Itaú BBA. "Além disso, quando um país remunera o seu capital com juros de 10% ao ano e outro paga 2,5%, o investidor faz mesmo força para achar que o que paga 10% é melhor." Um dos financistas brasileiros mais respeitados pelos estrangeiros, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, hoje comandando a Gávea Investimentos, concorda com Bracher e lembra que, mesmo com a liquidez excessiva, o Brasil não conseguiu, proporcionalmente, ultrapassar as médias históricas do que se coloca de dinheiro no país. Diz Armínio: "Os fundos de pensão estrangeiros investem aqui entre 2% e 5% do seu patrimônio. Nada, portanto, que os comprometa", afirma Armínio.

O que os estrangeiros se recusam a enxergar no Brasil:

• A asfixiante escassez de mão de obra especializada.

• A incapacidade de todos os nossos governantes atuais e passados de conter a explosão teratológica do gasto público,...

• ...produzindo como resultado um país cuja poupança interna – ou seja, a capacidade de investimento própria – é a mais baixa entre todos os emergentes.

• A educação universalizada, mas atolada em níveis tão baixos nas disciplinas técnicas que faz do Brasil o lanterninha entre as nações viáveis nas comparações internacionais.

Oscar Cabral
Razões de sobra
Armínio: "Em termos relativos, o Brasil é o destaque
na crise. Além do mais, o dinheiro está queimando
na mão deles"


Vital para a virada do Brasil aos olhos estrangeiros foi a novidade anunciada no primeiro semestre de 2008, poucos meses antes da quebra do Lehman Brothers, o estopim da crise financeira mundial. Em menos de trinta dias, o Brasil ganhou o grau de investimento dado por duas agências de classificação de risco, a Standard & Poor’s e a Fitch, e entrou pela porta da frente no clube dos países seguros para investir. "Até então, éramos uma espécie de Zâmbia. Depois da chancela do grau de investimento, aplicar aqui faz parte da rotina", afirma Marcelo Kayath, copresidente do banco de investimento do Credit Suisse no Brasil. A classificação oficial positiva abriu para o país os cofres dos fundos de pensão, como o americano Calpers, o maior do mundo, dono de um patrimônio de 200 bilhões de dólares. Sem o "grau de investimento", esses fundos eram simplesmente proibidos de investir no Brasil diretamente. Desde o sinal verde, o Calpers já investiu 1 bilhão de dólares no país.

Nem a eleição presidencial abala o humor dos investidores. Assim como eles também não demonstram preocupação com um eventual aumento de intervenções estatais na economia num futuro governo. De novo, se no Brasil essa discussão existe, os investidores externos passam batido pelo debate – ao menos até agora. De modo geral, para eles, Dilma Rousseff e José Serra são iguais. "Eles medem as coisas assim: Dilma é Lula e Serra é FHC", diz um banqueiro que discorda dessa visão, mas prefere o anonimato. "São governos que eles já conhecem e aprovam. Portanto, seria mais do mesmo." Segundo esse ponto de vista, os investidores estrangeiros parecem acreditar na versão petista da atual campanha eleitoral – com a diferença de que acham Serra e Dilma bons candidatos.

Nas últimas semanas, embora não tenha atingido ainda a economia real, a crise do euro freou um pouco esse apetite todo – e nem poderia ser diferente. Há, no entanto, consenso de que é uma prudência necessária, mas passageira. A propensão para tomar riscos no curto prazo diminuiu, e o número de negócios arrefeceu um pouco. Todo mundo ficou mais cauteloso. Mas, como enfatiza Luiz Galvão, do BBI, braço de investimentos do Bradesco, mesmo nesses momentos de retração temporária o Brasil sofre incomparavelmente menos do que no passado. Diz Galvão: "Em termos de potencialidade e segurança, os investidores internacionais nos veem como uma réplica dos Estados Unidos nos anos 50". Uma comparação mais do que auspiciosa.

Jonne Roriz/AE
Da água para o vinho
Etlin, do Advent: antes, dispensavam-no com um
"no, thanks"; hoje, ele leva 2 de cada dólar que
se propõe a captar

Com reportagem de Thiago Prado

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