Saturday, April 17, 2010

À sombra de um vulcão distante


Nuvem vulcânica liberada por uma erupção na Islândia
provoca caos aéreo na Europa


Carolina Romanini

Arni Saebeger/Getty Images
Sopro vulcânico
Coluna de fumaça sobe da cratera do Eyjafjallajokull, na Islândia:
o vulcão ficou adormecido por 187 anos debaixo de uma geleira

VEJA TAMBÉM

O pintor inglês William Turner (1775-1851) é famoso por suas pinturas do pôr do sol. Só recentemente se tornou claro que os esplêndidos amarelos e laranjas que ele viu e pintou eram reflexos da luz solar na poeira vulcânica do Monte Tambora, que explodiu em 1815. Se isso serve de consolo, os europeus desfrutam agora bonitos entardeceres graças a um vulcão de nome impronunciável, o Eyjafjallajokull. Ele entrou em erupção na Islândia na quarta-feira da semana passada e expeliu uma gigantesca nuvem de cinzas vulcânicas que tornou perigoso voar sobre boa parte da Europa. Com os aviões retidos em solo e os principais aeroportos operando apenas para voos de emergência, instalou-se o caos no sistema aéreo do continente, com reflexos na aviação em todo o mundo. A pergunta no momento é quanto tempo isso vai durar. A resposta, infelizmente, é difícil. A última erupção do Eyjafjallajokull ocorreu em dezembro de 1821 e só terminou em janeiro de 1823. A atividade vulcânica atual pode ser mais curta ou mais longa. Não há como saber com certeza.

O caos nas viagens, na melhor das hipóteses, deve durar dias. Mesmo que o vulcão silencie, a velocidade da dispersão das cinzas dependerá das condições climáticas. Na pior das hipóteses, ou seja, a continuidade da atividade vulcânica, os europeus precisarão estabelecer novas rotas que contornem as áreas de perigo, mesmo que sejam mais longas e demoradas. Seria um transtorno brutal para a indústria aérea, cujas finanças não andam em boa fase. Voar dentro da nuvem vulcânica está fora de questão. Formada por gases tóxicos, como dióxidos de enxofre e de carbono, e minúsculas partículas sólidas de silício e vidro, ela é um perigo para os aviões. O material em suspensão é abrasivo e pode causar danos à fuselagem e ao para-brisa da aeronave. Mais perigoso é o estrago dentro das turbinas. O calor dos motores, que chega a 2 000 graus, é suficiente para derreter as partículas vulcânicas suspensas na atmosfera. Essa massa derretida é aderente e entope as peças e os sistemas de ventilação das turbinas, que podem parar. No incidente mais conhecido, em 1982, um Boeing 747 teve os quatro motores paralisados por detritos vulcânicos. Por sorte, os pilotos conseguiram religar três deles depois de planar durante quinze minutos.

É ainda mais assustador constatar que todo esse caos está sendo causado por um vulcão de pequenas proporções. Como se localiza debaixo de uma geleira, o Eyjafjallajokull vai provocar algum alagamento e já forçou a evacuação de algumas centenas de fazendeiros que vivem em seus arredores. "Essa é uma atividade vulcânica normal na Islândia, que não teria chamado atenção não fosse a nuvem sobre a Europa", disse a VEJA a geofísica Bergthora Thorbyarnardottir, do Instituto Meteorológico da Islândia. O pior, nesse caso, seria a erupção do Katla, localizado na mesma cordilheira. Sua potência explosiva é dez vezes maior que a do Eyjafjallajokull. "O material vulcânico expelido pelo Katla produziria uma nuvem que poderia encobrir a Europa por muito mais tempo. Isso baixaria drasticamente a temperatura e resultaria em uma crise aérea de meses", disse a VEJA a geofísica Gillian Foulger, da Universidade Durham, na Inglaterra.

O caos aéreo na Europa é um lembrete da fragilidade do homem diante do poder imensurável de forças além de seu controle. A crosta terrestre, o espaço em que estão presentes as condições necessárias para o sustento da vida, representa menos de 0,5% do diâmetro da Terra. O restante é formado por material incandescente, a matéria-prima dos vulcões. Uma erupção pode alterar o clima planetário e, com isso, arruinar o modo de vida da humanidade. Isso já ocorreu no passado (veja o quadro ao lado). Por sorte, o Eyjafjallajokull é dos pequenos.

Com reportagem de Carolina Melo e Thiago Mattos

Blog Archive