Saturday, April 24, 2010

Reeleição ou mandato único?


Não existe resposta definitiva sobre o que é melhor para
o funcionamento da democracia brasileira, mas o assunto
vai e volta conforme a conveniência dos políticos


Daniel Pereira

Fotos Wilson Pedrosa; Orlando Brito; Sergio Dutti/AE
METAMORFOSE AMBULANTE
O presidente Lula era contra a reeleição, mas agora é um defensor intransigente do modelo: quatro anos é pouco para fazer obras


Justifica-se plenamente a percepção geral de que as convicções dos políticos às vezes parecem densas como o ar e sólidas como uma nuvem. Candidato à Presidência da República, o ex-governador José Serra defendeu na semana passada o fim da reeleição e a fixação do mandato presidencial em cinco anos. Serra é do PSDB, partido que patrocinou a mudança na Constituição e permitiu um segundo mandato ao tucano Fernando Henrique Cardoso. Até bem pouco tempo atrás, o presidente Lula e seu partido, o PT, partilhavam da mesma ideia de Serra. Hoje, no entanto, Lula se transformou em entusiasta da reeleição. Ou seja, nos últimos treze anos, líderes das duas maiores e mais representativas legendas do país mudaram radicalmente de posição. Tucanos, que eram a favor, agora são contra. Petistas, que eram contra, agora são a favor. Reconhecer erros, acertos e propor mudanças pode ser resultado da experiência, do amadurecimento e ponto de partida de um esclarecedor debate sobre os benefícios de cada modelo. Seria muito positivo se esse fosse o caso na discussão atual sobre a manutenção da reeleição ou a volta do mandato único de cinco anos.

Em 1997, quando mobilizou sua base de apoio no Congresso para aprovar a emenda da reeleição, o presidente Fernando Henrique era dono de uma popularidade alta, conquistada, principalmente, com o sucesso do Plano Real. O tucano argumentava que a reeleição era vital para garantir a conclusão do processo de estabilização da economia, o controle da inflação. Teoricamente, nada impediria a troca se outro candidato do partido disputasse e ganhasse a eleição com o mesmo programa econômico de FHC. Mas na prática as coisas eram diferentes. Fernando Henrique temia que as divisões internas sobre a política econômica e o rosário interminável de crises externas se combinassem numa mistura explosiva que poderia pôr a perder os avanços institucionais e a estabilidade conquistados no primeiro mandato. Mas havia mesmo a possibilidade de um sucessor do mesmo partido de FHC embicar o Brasil para um caminho diferente do seguido nos quatro anos anteriores? Havia.

EM BENEFÍCIO PRÓPRIO
Os ex-presidentes Fernando Henrique, que aprovou a reeleição, e José Sarney, que teve o mandato fixado em cinco anos


Diz o cientista político David Fleischer, professor da UnB: "Parece óbvio que, se José Serra fosse candidato e tivesse sido eleito presidente em 1998, ele seguiria uma política monetária e econômica diferente da implantada por FHC".

Os críticos do modelo com reeleição têm como mais forte argumento o de que os governantes desperdiçam parte do primeiro mandato a fim de pavimentar o caminho para o segundo. Gastam tempo e energia com estratégias eleitorais em vez de empregá-los em projetos essenciais. A busca de votos os impediria também de tomar medidas necessárias, mas impopula-res. Enquanto houver reeleição, sustentam eles, nenhum governante conseguirá fazer as essenciais reformas política, tributária e, muito menos, a trabalhista. Também pesa nas críticas o uso ostensivo da máquina pública em benefício do candidato à reeleição. "A reeleição deturpa o processo eleitoral. A ação da máquina é mais truculenta. É muito difícil separar o candidato, pessoa física, do governador ou presidente em busca de novo mandato", diz o deputado federal Ronaldo Caiado. Relator do fracassado projeto de reforma política, Caiado admite que o fim da reeleição não foi incluído no texto por uma razão curiosa: a oposição temia que o presidente Lula aproveitasse sua força no Parlamento para viabilizar uma emenda constitucional que lhe permitiria disputar o terceiro mandato.

Em outro momento, em 2005, acuado pelo escândalo do mensalão, Lula chegou a orientar seus aliados para que acelerassem a tramitação do projeto que acabava com a reeleição. Livre do escândalo, a proposta foi convenientemente esquecida - e o presidente, crítico da reeleição, aderiu a ela com gosto, elegendo-se em 2006. "Em quatro anos, você não consegue fazer nenhuma obra estruturante", diz hoje o presidente. A ex-ministra Dilma Rousseff reza pela mesma cartilha. Ex-ministro do governo Fernando Henrique, Serra pregou em Minas Gerais o fim da reeleição e a fixação do mandato presidencial em cinco anos. Debate construtivo à vista? Provavelmente não. Para o cientista político Paulo Kramer, o fim da reeleição só emergiu como ideia porque Serra tenta seduzir com a proposta o ex-governador mineiro Aécio Neves para a Vice-Presidência da chapa. Ainda que a discussão sobre o tema fosse realmente adiante, os especialistas lembram que, de modo geral, os congressos tendem a não querer mudar as regras do jogo - e isso se mostra mais evidente quando se trata de abolir a reeleição. Explica Kramer: "Só um político reconhecidamente desastroso não consegue se reeleger, e quem está no poder tende a se beneficiar das coisas como elas estão". O debate outra vez dificilmente sairá das estreitas vias das conveniências.

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