O realismo mágico do PT no FMI
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Lia Lubambo DESRESPEITO
Botero, ex-ministro colombiano da Fazenda, acusa o representante brasileiro no Fundo de ter violado acordo e estremecido as relações do Brasil com a Colômbia
REALISMO MÁGICO DO PT NO FMI
O economista Paulo Nogueira Batista Júnior foi nomeado, em 2007, diretor executivo e representante brasileiro no Fundo Monetário Internacional (FMI). Descrente do capitalismo e alinhado à ala mais atrasada do PT, ele é um estranho no ninho em Washington. Há dois meses, abriu um conflito diplomático com a Colômbia, país que divide com o Brasil e um grupo de outras economias menores uma cadeira no diretório do Fundo. Nogueira Batista demitiu a representante colombiana, María Inés Agudelo, alegando escassez de qualificações profissionais para o posto. Rodrigo Botero, ex-ministro da Fazenda da Colômbia e experiente analista da política latino-americana, revela que a demissão foi motivada pelo choque de visões a respeito de política econômica. "O fato é que Agudelo defendia políticas como as que são adotadas no Brasil com sucesso desde os anos 90", afirma Botero. "Mandar a Washington um representante que execra a própria política econômica de seu país é uma manifestação clara do realismo mágico latino-americano por parte do governo brasileiro." De Boston, onde vive, Botero conversou com o editor Giuliano Guandalini.
"A destituição de María Inés Agudelo por Nogueira Batista viola o acordo de cavalheiros que existe há pelo menos quatro décadas entre o Brasil e a Colômbia. Nunca houve antes um incidente como esse. Nogueira Batista alega que ele, como diretor executivo da cadeira, teve amparo institucional ao demitir Agudelo. Foi o rompimento com uma prática saudável de convivência em que se cultiva a tolerância, com o respeito a profissionais nomeados por outros países. O Brasil adotou a atitude de tratar o incidente como uma questão exclusiva do ministro da Fazenda, Guido Mantega, responsável pela indicação de Nogueira Batista. Mas esse incidente afeta diretamente as relações bilaterais entre os países. Não estamos diante de uma questão meramente burocrática. O Planalto e o Itamaraty devem compreender que a grosseria de Nogueira Batista não colabora em nada para a boa vontade de outros países em relação à política internacional brasileira."
"Nogueira Batista não pode invocar o argumento de incompetência para destituir a colombiana. Agudelo possui mais credenciais acadêmicas que Nogueira Batista. As diferenças de Batista com Agudelo se devem a concepções incompatíveis sobre política econômica. Não é segredo para ninguém que Batista é crítico de uma política econômica que tenha um regime de metas de inflação, que empregue a flexibilidade cambial e que persiga metas de superávit fiscal primário. Esses são, em essência, os fundamentos da política econômica colombiana. São princípios que Agudelo, como representante de seu país, era obrigada a defender no FMI. Seria inconcebível que a Colômbia permitisse que um detrator de sua política econômica interviesse nas discussões do Fundo. Agora, se bem entendo, as políticas mencionadas são as mesmas que vêm sendo aplicadas com sucesso no Brasil desde os anos 90. Mandar a Washington um representante que execra a política econômica de seu próprio país é uma manifestação clara do realismo mágico latino-americano por parte do governo brasileiro. Mas isso é problema brasileiro, que não concerne à Colômbia."
"As relações entre Colômbia e Brasil, no FMI, foram tradicionalmente cordiais, baseadas no respeito mútuo. A afronta de Nogueira Batista constitui um desrespeito, um insulto. O governo colombiano notificou o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, de que Nogueira Batista não está autorizado a interferir em assuntos relacionados à Colômbia. A manutenção da harmonia nas relações requer que o Brasil reconheça a validade do acordo de cavalheiros que acaba de ser violentado e ofereça garantias de que aceita restabelecer a situação que imperava antes da chegada de Nogueira Batista ao FMI."
"Existem aspectos desconcertantes na diplomacia brasileira na América Latina. Dou três exemplos recentes. Primeiro, ter declarado que Hugo Chávez é o melhor presidente que a Venezuela teve em 100 anos. Segundo, ter equiparado o preso político e mártir da ditadura cubana Orlando Zapata, falecido na prisão depois de uma greve de fome, a um delinquente comum. Isso é uma indecência, uma obscenidade. O terceiro foi permitir que a Embaixada do Brasil em Honduras servisse de palco para a ópera-bufa encenada por Manuel Zelaya. Além de revelarem falta de profissionalismo diplomático, esses episódios contribuem para a percepção de que a política regional tem um viés a favor do chavismo. Minha impressão é que essa aparente esquizofrenia tem uma explicação em função das tensões no interior do PT. Lula teve de repudiar a plataforma de seu partido e adotar uma política econômica ortodoxa. Esse alinhamento exigiu que Lula apaziguasse o descontentamento da extrema esquerda do PT. Como prêmio de consolação, delegou a gestão das relações latino-americanas a personagens como Marco Aurélio Garcia e seus seguidores."
"O Brasil atua como uma potência. De fato, como uma superpotência. No entanto, mesmo as superpotências devem saber lidar com as nações vizinhas. A Colômbia não tem pretensão de ser uma grande potência, mas não é um país insignificante, o qual se possa atropelar. Somos a quarta maior economia da América Latina."
"A Colômbia ocupa um lugar particular na América Latina. Não faz parte do Mercosul e também não pretende participar de projetos como a Telesur e o Banco del Sur. A Colômbia é contra a proposta de substituir a OEA (Organização dos Estados Americanos) por uma organização que exclua o Canadá e os Estados Unidos. Ao contrário de outros países da região, mantivemos o sistema democrático durante as décadas de 70 e 80, quando prevaleciam as ditaduras militares no Cone Sul. O país também não apoiou a invasão argentina às Malvinas, em 1982. A Colômbia atribui importância primordial às relações com Canadá, Estados Unidos e União Europeia, tendo negociado acordos de livre-comércio com esses países. Aos nossos vizinhos que aspiram a encontrar uma fonte de dinamismo comercial e progresso tecnológico no Rio da Prata, desejamos sorte. Mas o interesse colombiano não recomenda seguir seu exemplo. A vontade de discordar da opinião majoritária dos sul-americanos em determinados temas não trará aplausos ao estado colombiano no Foro de São Paulo ou no Movimiento Continental Bolivariano (ambos eventos de esquerda). O custo dessa impopularidade é tolerável."