Saturday, April 10, 2010

Entrevista: James Cameron


O visionário de Avatar

O cineasta diz que a sequência do filme de maior faturamento
da história mostrará a necessidade de encontrar um equilíbrio
entre desenvolvimento e meio ambiente


Diogo Schelp

Ethan Miller/Getty Images
"Avatar 2 e Avatar 3 precisam responder: a humanidade pode ser salva? Os Na’vi podem ter uma mensagem de esperança para nós?"


O cineasta canadense James Cameron, de 55 anos, é o criador de alguns dos maiores sucessos do cinema, como O Exterminador do Futuro, Aliens, Titanic e, recentemente, Avatar, uma produção de mais de 300 milhões de dólares que ultrapassou a marca de 2 bilhões de dólares de faturamento em venda de ingressos. Cameron planeja dar sequência a Avatar. Profeta da tecnologia aplicada ao cinema e dono de um dom quase infalível para saber o que fará sucesso entre os espectadores, Cameron também tenta ser um visionário do meio ambiente. Ele esteve no mês passado no Brasil para participar, em Manaus, do Fórum Internacional de Sustentabilidade, realizado pela Seminars e promovido pelo Lide. Aproveitou a ocasião para sobrevoar pela primeira vez a Floresta Amazônica e conhecer a região onde será construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Após a visita, decidiu organizar uma campanha internacional contra a usina. Cameron concedeu a seguinte entrevista a VEJA.

Qual foi sua motivação para filmar Avatar?
O filme surgiu da minha necessidade de dizer algo sobre como a destruição da natureza ameaça o mundo. Gosto de comparar a questão ambiental com o naufrágio do Titanic. Quando foi dado o aviso de que havia um iceberg na rota do navio, não dava mais tempo de desviar. O impacto ocorreu noventa segundos após o sino de alerta ter sido tocado. A questão é: o mundo já se encontra no estágio em que nada mais pode ser feito para evitar o desastre ambiental? Ou estamos em um momento anterior, em que ainda dá tempo de reduzir o ritmo de poluição e de destruição para evitar o pior? Avatar é a minha maneira, como artista e cineasta, de tocar o sino de alerta. Uma das imagens recorrentes em Avatar é a dos personagens abrindo os olhos. Há sempre alguém acordando no filme. A mensagem subliminar é que a sociedade precisa acordar para os problemas ambientais e lidar com eles.

Avatar valoriza experiências sensoriais como entrar em uma floresta cheia de flores coloridas ou sentir a terra sob os pés nus. A humanidade esqueceu como apreciar essas sensações?
Sim. As pessoas estão se afastando não apenas da natureza, mas do contato humano. Os jovens têm as suas interações sociais on-line, em vez de pessoalmente. As aventuras acontecem em jogos de computador, não mais fora de casa. A interação com a realidade, com outras pessoas e com a natureza está diminuindo. A tecnologia permite isso.

O senhor, contudo, é o diretor de cinema que mais usa tecnologia no mundo. Como explicar esse paradoxo?
De fato, é um paradoxo. Eu sempre tive uma relação de amor e ódio com a tecnologia. Durante as filmagens de Avatar, os atores tiveram de entrar em contato com o lado mais primitivo de si próprios e, ao mesmo tempo, atuar nas condições mais high-tech possíveis. Para dar uma ideia da tecnologia envolvida, este foi o primeiro filme a demandar uma memória de 1 petabyte (1 milhão de gigabytes) para ser armazenado. Para processar as imagens digitais, na Nova Zelândia, tivemos de desenvolver o computador mais potente do Hemisfério Sul. Ou seja, não podemos ser ludistas e afirmar que toda tecnologia é ruim. A solução para salvar nosso planeta também passapelo uso da tecnologia. Por isso, penso que, antes de construir uma hidrelétrica como a de Belo Monte, no Pará, por exemplo, o governo brasileiro poderia buscar outras saídas para atender à necessidade de energia do país. Todo projeto de represa com um impacto negativo sobre os moradores da região deveria ser evitado. A alternativa, no nível nacional, pode ser aumentar a eficiência no uso de energia nas cidades.

Na construção de um projeto como o de Belo Monte há duas forças legítimas em conflito: o desenvolvimento econômico e a defesa do ambiente.É possível conciliar os dois, desde que se encontre um meio-termo. Em Avatar não existe o meio-termo. Por quê?
A explicação é simples: a solução moderada provavelmente não é a melhor solução. Imagine um caçador sufocando um animal aos poucos. Ele aperta o seu pescoço, depois solta só um pouquinho – e assim sucessivamente até que o animal para de respirar. Quando a civilização bate de frente com a natureza, não dá para ter meio-termo. Ou o governo constrói a represa de Belo Monte, ou não a constrói.

Em Avatar 2, o meio-termo entre economia e meio ambiente será encontrado?
Sim. O próximo filme não deverá ser tão preto no branco quanto o primeiro. Durante uma projeção de Avatar no Equador, a anciã de uma tribo indígena criticou o filme por escolher a violência como solução para o conflito ambiental. Por isso, pretendo mostrar, na continuação da obra, que as partes têm de chegar a um acordo. Outras questões a que Avatar 2 e, talvez, Avatar 3 precisam responder: a humanidade pode ser salva? O modo de vida dos Na’vi (o povo azul que habita Pandora, a lua fictícia do filme) pode transformar o planeta Terraou estamos condenados? Os seres humanos serão capazes de absorver as ideias poderosas de Pandora e aplicá-las à própria vida, de maneira a recuperar tudo o que perderam? Em outras palavras, os Na’vi podem ter uma mensagem de esperança para nós, terráqueos? O primeiro Avatar é apenas o tiro inaugural de uma gigantesca batalha de ideias e civilizações.

O que mais haverá de novidade no próximo filme?
Ele se passará parte em terra, parte em um ambiente subaquático, em um oceano.

O senhor já comparou os índios brasileiros aos Na’vi, que, na ficção, vivem em perfeita harmonia com a natureza. A analogia não é exagerada?
Eu acredito que os índios vivem em harmonia com a natureza, mas não naquela linha romântica do bom selvagem. A relação dos povos indígenas com a floresta é de vida ou morte. Podemos aprender com eles, no entanto, a compreensão intuitiva que têm do meio ambiente. Trata-se de uma sabedoria desenvolvida ao longo de milhares de anos. Os índios sabem que plantas podem ser úteis e quais devem evitar. Eles vivem firmemente conectados ao seu mundo. Não estou falando de energia de cristais ou outras bobagens new wave, mas de conhecimentos práticos sobre a natureza que os índios adquiriram e que a ciência levaria 150 anos para descobrir.

O senhor sobrevoou a Floresta Amazônica. Consegue se imaginar rodando um filme naquele lugar?
Com certeza. Eu adoro desafios e acho que fazer um filme em um ambiente como esse é tecnicamente desafiante. Para capturar a beleza e a essência da realidade da floresta, as nossas câmeras 3D em alta definição são perfeitas. Sempre que vejo algo de que gosto, quero filmar em 3D. Eu já fiz inúmeros filmes sob a água, como os documentários sobre os destroços do Titanic e do Bismarck (navio alemão da II Guerra Mundial). Consegui registrar imagens espetaculares de ambientes muito hostis, por isso não vejo a hora de fazer o mesmo na Amazônia. Esse projeto, no entanto, não precisa ter relação direta com uma continuação de Avatar. Penso apenas em fazer um documentário complementar à história de ficção.

Com todos os efeitos especiais disponíveis, faz sentido filmar na floresta?
Eu já provei que não. Em Avatar, criamos do zero uma floresta tropical extraterrestre com todos os detalhes: as gotas de água sobre as folhas, as plantas e até os insetos. Tudo o que se vê ali jamais existiu fisicamente. A única filmagem de floresta real que fizemos serviu somente como referência, nem sequer foi usada no produto final. Apenas levamos os atores para o Havaí para andar pela floresta e fazer alguns exercícios de interpretação. Dessa forma, quando eles voltaram para o ambiente vazio e asséptico do estúdio, sabiam se movimentar como se estivessem em uma mata fechada. Avatar foi feito desse modo porque uma superprodução em uma floresta de verdade causaria grande impacto ambiental e também porque queríamos criar uma paisagem extraterrestre totalmente diferente de tudo o que conhecemos.

Qual é a sua participação no projeto da Nasa para explorar Marte?
Pertenço à equipe da Nasa responsável por desenvolver a câmera que será os olhos de um laboratório de 3 bilhões de dólares a ser instalado em Marte, em 2011. Nossa câmera será 3D. Ou seja, eu vou rodar um filme em três dimensões em Marte, sem efeitos especiais. Isso é incrível. Adoro desenvolver equipamentos robóticos, câmeras, veículos submersíveis. Essa é minha outra vida, paralela à de cineasta.

Como o senhor influencia nas invenções?
Funciona assim: eu estudo um problema e aprendo o suficiente para imaginar uma solução. Não tenho conhecimento técnico para saber que material deve ser usado ou para desenhar o
circuito elétrico, mas eu consigo imaginar o que é preciso fazer. Geralmente há uma lacuna entre o que eu quero e a tecnologia existente. Então eu reúno os engenheiros e proponho uma saída. Às vezes minhas ideias estão corretas, outras vezes minha equipe encontra uma solução ainda melhor. Minha função é desafiá-los a ir além do que já foi feito antes. Isso vale tanto para a invenção de um veículo submersível para chegar às profundezas do oceano quanto para desenvolver um sistema de câmera 3D para um filme. Ou, no caso de Avatar, para o sistema de captura do desempenho dos atores, que eu imaginei claramente quinze anos atrás. Ao criar o desafio, outras pessoas foram capazes de resolvê-lo. Eu sou um generalista.

O futuro da indústria cinematográfica é o 3D?
Com certeza. Nos anos 40, as pessoas discutiam se um dia todos os filmes seriam coloridos. Historicamente, o cinema evoluiu no sentido de estar mais e mais próximo da maneira como experimentamos as sensações. Os primeiros filmes eram mudos e em preto e branco. A não ser que a pessoa seja cega para cores e surda, não é assim que ela percebe a realidade. Pois bem, se nós vemos o mundo em três dimensões, por que os filmes têm de ser planos? É simples assim.

As televisões também serão 3D?
Sim. Inclusive, minha equipe já fez versões da câmera 3D de Avatar que podem ser usadas em programas televisivos, como eventos esportivos. Em breve teremos uma Copa do Mundo transmitida ao vivo e em três dimensões. Mas há uma diferença essencial entre a experiência 3D no cinema e em casa. No nosso lar há um sofá, uma mesa, e do outro lado da sala está a TV. A área do campo de visão preenchida pela TV é pequena. No cinema, é trinta vezes maior. Por isso, o efeito na TV nunca vai ser o mesmo.

Como foi perder o Oscar de melhor filme para Guerra ao Terror, um filme muito mais barato que o seu e ainda por cima dirigido por sua ex-mulher, Kathryn Bigelow?
Pessoalmente, tive sentimentos contraditórios. Senti alegria e tristeza pela escolha do prêmio. Eu estava desapontado pela equipe do filme, que tinha uma grande expectativa em relação ao prêmio. Por outro lado, Kathryn e eu somos amigos e colaboradores há muito tempo. Emocionalmente, significou muito para mim vê-la ganhar. É a primeira vez que uma mulher ganha como melhor diretora. Foi ótimo que tenha sido ela. Dito isso, os dois filmes abordam de maneira bastante diferente uma questão política: a guerra no Iraque. Avatar tem uma mensagem clara contra o uso militar para fins imperialistas. Não está certo enviar soldados para matar iraquianos a torto e a direito apenas para garantir o fornecimento de petróleo. O filme de Kathryn não discute isso, mas mostra o trauma psicológico que a guerra causa nos soldados. Um grande fator que levou Avatar a perder o Oscar é o fato de o filme ser tão deslumbrante visualmente que os membros da Academia não deram muito crédito à históri

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