Saturday, March 13, 2010

A opção pelo carrasco


Solidário com o amigo Fidel Castro, Lula recusou o pedido
de socorro feito por cinquenta oposicionistas cubanos e compara
presos políticos aos bandidos das cadeias de São Paulo


Augusto Nunes

Rolando Pujol/EFE

O Itamaraty só tira voto no Burundi", desdenhava Ulysses Guimarães da influência da política externa sobre o comportamento do eleitorado. Desde que o chefe de governo não se comporte como o mais desastrado tripulante da nau dos insensatos, descobriu o presidente da República neste verão. Durante uma demorada escala em assuntos cubanos, Lula consumou a opção pelo carrasco. Pode não ter perdido votos no Brasil. Mas o que perdeu no exterior foi muito além do Burundi.

Lula perdeu simbolicamente, por exemplo, o título de Homem do Ano concedido pelo jornal espanhol El País, cassado por textos que censuram o apoio recorrente ao iraniano Mahmoud Ahmadinejad e ao venezuelano Hugo Chávez, a hostilidade à democracia hondurenha e, sobretudo, a rejeição do pedido de socorro formulado por cinquenta presos políticos cubanos. Perdeu o respeito de entidades dedicadas à defesa dos direitos humanos. Perdeu a confiança de companheiros de resistência ao regime militar que não renunciaram à coerência. E também perdeu o direito de sonhar com o Nobel da Paz.

Promovido à categoria dos inimputáveis desde o escândalo do mensalão, Lula soube agora que só tem validade em território brasileiro o salvo-conduto que dispensa de ter juízo os bebês de colo, os doidos varridos e demais portadores. Nas democracias adultas, nenhum governante está autorizado a produzir impunemente tamanha sequência de atitudes e falatórios desmiolados.

"Quando uma pessoa manda uma carta a um presidente, só pode dizer que ele a recebeu se protocolar a carta", ensinou no desembarque em Havana, fazendo de conta que nem sabia da existência da carta cujo recebimento o Planalto acusou. (Lula ainda não leu). Informado da morte de Orlando Zapata no 85º dia da greve de fome, usou um obsceno pronome reflexivo para transformá-lo em suicida: "Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por fazer uma greve de fome. Vocês sabem que sou contra, porque fiz greve de fome".

Como se merecesse tal qualificação o anedótico jejum simulado durante uma paralisação dos metalúrgicos em 1980. "O pessoal escondia bala, acordava para roubar bolacha, uma vergonha", contou José Maria de Almeida. Lula tentou contrabandear para a cela um pacote de balas. O fim da comédia foi celebrado por carcereiros e encarcerados com um jantar de confraternização. Prato principal: lula à dorée.

"Temos de respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos", reincidiu o presidente numa entrevista à Associated Press. Para manter no Brasil o assassino companheiro Cesare Battisti, Lula tem ignorado ostensivamente determinações da Justiça e do governo italianos. "Eu acho que a greve de fome não pode ser utilizada como um pretexto para libertar pessoas em nome dos direitos humanos", foi em frente. "Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade."

A subordinação a códigos jurídicos ilegais, impostos pela mais antiga ditadura do planeta, e a comparação afrontosa aos prisioneiros de consciência foram reproduzidas por jornais do mundo inteiro. "Lula é cúmplice da tirania dos Castro", afirmou o jornalista e psicólogo Guillermo Fariñas, em greve de fome há mais de duas semanas.

No trato de assuntos domésticos, a aguda intuição política pode compensar carências resultantes da má formação intelectual. Pode até definir resultado de eleição. Mas não basta para determinar diretrizes da política externa. Se tivesse mais apreço pela acumulação de conhecimentos, se aprendesse a ouvir conselheiros confiáveis, Lula saberia que figuras como Gandhi e Nelson Mandela fizeram da greve de fome um instrumento de resistência.

Também saberia que Herman Goering, o segundo na hierarquia nazista, tentou escapar da condenação em Nuremberg invocando o mesmo argumento enunciado por Lula. Afirmou que não cometera nenhum crime, apenas cumprira as leis alemãs – e estas, por mais desumanas que parecessem a outros povos, só diziam respeito aos próprios alemães.

Em nome de quê, perguntou insistentemente, os juízes pretendiam julgar os atos do governo nazista? Em nome de um conjunto de valores que encarnam a noção de civilização, ouviu. Desses valores decorre a ideia de que existem direitos humanos que se aplicam a todos os cidadãos do planeta. O presidente precisa decidir: ele agia como bandido quando lutava contra o regime militar ou o direito de resistir à tirania é um valor universal?

Lula tem de escolher que lugar pretende ocupar na história: ao lado do carrasco ou dos injustamente condenados. Por enquanto, move-se na frente oposta à dos que lutam pela liberdade.

Ricardo Stuckert/PR
"Lula é cúmplice da tirania dos Castro", afirma o jornalista
e psicólogo Guillermo Fariñas, há mais de duas semanas
em grevede fome

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