Saturday, March 06, 2010

Não dá para não ver


Fiel ao regime comunista, combatente em Angola, Guillermo Fariñas
transformou-se em dissidente e está na 23ª greve de fome contra
abusos do regime castrista. Desta vez, diz que vai até o fim


Duda Teixeira

Alejandra Ernesto/EFE
PELE, OSSOS E CONSCIÊNCIA
Guillermo "Coco" Fariñas: "Há momentos na história em que é preciso haver mártires"

Morrer pela liberdade e pela democracia é viver eternamente", dizia o pedreiro Orlando Zapata, com a força interior que nos momentos de trevas brilha em certas consciências, como um farol que salva a humanidade. Honrando da forma mais extrema suas convicções, Zapata morreu há duas semanas, depois de 85 dias de greve de fome. Enquanto a família velava o morto e a polícia prendia mais de100 cidadãos preventivamente para evitar protestos, cinco dissidentes – quatro deles presos políticos – iniciaram greves de fome como homenagem póstuma ao companheiro tombado. Temendo novas mortes, os mais influentes membros da oposição democrática ao regime comunista lançaram uma campanha para demovê-los da ideia. Quatro acataram os argumentos. Um persistiu: Guillermo Fariñas, o "Coco" (careca). Ele clama pela libertação de duas dezenas de presos políticos com problemas de saúde. Na quarta-feira 3, quando completava oito dias sem água nem comida, Fariñas, 48 anos, desmaiou e foi internado. Recebeu 4 litros de soro. Ao retomar a consciência, pediu que os tubos fossem arrancados, do mesmo jeito que já fizera outras tantas vezes, em suas 22 greves de fome anteriores. Negou-se a comer e foi expulso do hospital. "Quero morrer", disse ele, ecoando Zapata. "Há momentos na história em que é preciso haver mártires."

Enquanto Zapata se foi na escuridão das prisões e hospitais, Fariñas transformou-se numa denúncia ambulante que nem os de olhos bem fechados podem fingir que não enxergam. Sua trajetória, que vai de homem leal ao regime a uma voz cortante da dissidência, é um caso exemplar. Seguindo o caminho do pai, que lutou no Congo com Che Guevara, Fariñas foi militante da União de Jovens Comunistas e soldado das Forças Armadas. Em 1981, combateu em Angola. Ganhou duas medalhas por bravura e o direito de aprimorar seu treinamento na União Soviética. Começou aí o despertar de sua consciência. Desolação, corrupção e incompetência grassavam no país que o regime cubano queria emular. De volta a Havana, ele denunciou diretores de um hospital que desviavam lençóis e leite em pó das crianças. Foi preso. Em 1989, quando o general Arnaldo Ochoa foi fuzilado sob acusação de tráfico de drogas em um processo sumário até hoje misterioso, Fariñas discordou e caiu em desgraça no partido. Em busca de uma nova carreira, formou-se em antropologia e psicologia. Fundou uma agência de notícias independente, a Cubanacán, e começou a escrever textos para o exterior. Em 1997, iniciou a primeira das 23 greves de fome que transformaram seu corpo em pele sobre ossos dolorosamente protuberantes. A penúltima delas foi pelo prosaico direito de acessar a internet. Em sete meses de protestos perdeu 30 quilos e acabou numa cadeira de rodas. "Irei até o fim", diz agora. Como as pessoas honradas o ajudarão?

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