Saturday, March 06, 2010

Não conte para ninguém


Nestes tempos de cerco ao cigarro, figuras públicas
estão entre os que ainda persistem em fumar - e, por
motivos óbvios, entre os que mais escondem o hábito


Juliana Linhares

Fotos Dida Sampaio/AE, Lisa Jack/Contour/Getty Images e Danilo Verpa/Folha Imagem
O FUMACÊ CONTINUA
Lula, o jovem Obama e Ciro: errar é humano e recair também, mas tem gente que ainda acredita que fumar é "de esquerda"


Luana Piovani faz, Thaila Ayala faz, Leonardo DiCaprio faz. Lula e Barack Obama tentam evitar, mas também fazem. O pessoal da moda faz, o do mundo artístico em geral também, e o da balada então nem se fala. Tem até vegetariano que cortou a carne por motivo de saúde, mas vive com o maldito na mão. Como é possível que nos dias de hoje pessoas jovens, bonitas, famosas e bem informadas, muitas criadas já em plena era de condenação universal ao tabagismo, continuem a fumar? Primeiro, porque o cigarro é um vício rápido - é começar e não conseguir mais largar. Segundo, porque existe em muitos meios uma aprovação mal disfarçada à nicotina. Sem contar a imagem de rebeldia associada ao cigarro, reavivada pelas proibições vigentes, e o mito do emagrecimento, vivo e forte em vários nichos. Quem não sabe, por exemplo, que modelos acendem um cigarro atrás do outro para enganar a fome? A pouca concessão que famosos em geral fazem é fumar escondido, para não prejudicar a imagem nem dar "mau exemplo", ou dizer que abandonaram o cigarro recentemente. "Hoje a moda é ser saudável, correr na praia, comer sushi. As celebridades mais bem-sucedidas seguem esse roteiro. Quem fuma não quer mostrar", diz Edson Giusti, que presta consultoria em gestão de imagem.

Stephen Fernandez/Sphash News, The Grosby Group e Rogerio Pallatta
LINDAS, FAMOSAS E BAFORENTAS
Lady Gaga, no palco e fora dele, a modelo Alessandra Ambrosio e até a vegetariana Thaila


No mundo da moda, fumar é normalíssimo. Gisele Bündchen fumou anos a fio e só parou em 2007, quando resolveu desacelerar a agenda. "As modelos não assumem porque já são tão criticadas pelo fato de ser magras que não querem ter mais essa patrulha atrás delas", diz um especialista no meio. Jesus Luz, apesar da companhia famosa e antitabagista, assume que fuma. "Mas só em momentos de muita ansiedade. Evito ser fotografado, porque não quero ser má influência para ninguém", ressalva. Alessandra Ambrosio, mãe de Anja, 1 ano e meio, fumou antes da gravidez, recaiu depois e vira e mexe é flagrada no ato, mas os amigos garantem, com a cara mais séria do mundo: "Ela fuma muito pouco, só quando termina um trabalho e vai tomar um drinque com alguma amiga. Mesmo assim, são aqueles cigarrinhos mentolados ou de cravo". Caroline Ribeiro diz que parou há um mês, primeiro para não prejudicar o filho João Felipe, de 6 anos, mas também por autointeresse. "Faço muitos catálogos de moda nos Estados Unidos. Nesse tipo de trabalho, os empregadores pagam por hora. Se você sai para fumar, é logo recriminada, porque perde tempo e vão ter de pagar mais", conta.

Eric Risberg/AP
PELO LIVRE-ARBÍTRIO
Limbaugh, da direita que fuma charuto: "Acréscimo aos prazeres da vida"


A atriz Luana Piovani também admite apenas uma relação eventual com o cigarro. "Ela só fuma quando bebe, e são aqueles mais fraquinhos, mentolados", tenta suavizar uma amiga. Juliana Paes engrossa o coro dos que juram ter acabado de largar o vício. "Ela sempre teve o cuidado de não aparecer. O padrão de comportamento repetitivo de um artista que aparece sempre bebendo ou fumando pode ser ruim para futuras campanhas publicitárias", diz seu empresário, Ike Cruz. Sabrina Sato também fuma e disfarça. "Ela não gosta de aparecer com cigarro porque até nossos pais não sabem que ela fuma", explica a irmã e empresária Karina. Por sinal, Sabrina também parou. Thaila Ayala só fuma de modo esporádico "e está diminuindo cada vez mais". Ela é da tribo dos vegetarianos que fumam. Quem morou na Europa pode voltar infectado. Na Inglaterra, então, faça sol (quase nunca) ou chuva (sempre), o pessoal sai do pub para dar suas tragadas. Daniel Rad-cliffe, o bruxinho Harry Potter, é uma chaminé, daqueles que a cada "corta" do diretor corre para acender um. Harry, o príncipe caçula, fuma desde os 14, pelo menos - mesmo tendo a tia-avó, Margaret, morrido com problemas pulmonares. Numa seara em que raríssimos assumem o vício, Leonardo DiCaprio fala a respeito. Recentemente, apelou para os adesivos para parar, e apresentou uma reação bizarra: "Tive pesadelos horríveis envolvendo assassinatos".

André Coelho/Ag. Globo, Francisco Silva/Agnews/Ag. O Dia, e The Grosby Group
DEVAGAR, QUASE PARANDO
Na turma dos que disfarçam, Luana "só fuma raramente", Juliana "acaba de parar", Daniel e Harry desconversam. Só DiCaprio assume: adesivos lhe dão "pesadelos"


Nos meios moderninhos, subsiste a ideia de que fumar é um ato de desafio às regras e, no mundo inteiro, tem até uma conotação de esquerda. "Tanta repressão tinha de ter seu lado bom", diz a gerente de loja Taí-se Ciocarri, 25, que de tanto enfrentar a fila do chiqueirinho para fumar na noite carioca acabou conhecendo o atual namorado. A conotação esquerdizante do cigarro só não existe nos Estados Unidos, onde quem fuma, em geral, é a direita, impulsionada pela aversão a controles do estado sobre a vida privada. Louco por cigarrilhas, a ponto de ter um aspone, o inesquecível Delúbio Soares, só para segurar seu vício debaixo da mesa, Lula foi intimado a largá-las depois do recente episódio de hipertensão. Aldo Rebelo, do PCdoB, fuma "cinco cigarrinhos de palha por dia" sorrateiramente, porque "as pessoas até toleram que você fume, mas não querem que faça exposição pública desse hábito". Ciro Gomes, do PSB, manda informar que parou há dois meses, "não por questões políticas, mas porque pegou uma virose, teve de cortar e resolveu continuar assim". Melhor não discutir. "As pesquisas de opinião mostram que 74% da população é contra o cigarro", diz o sociólogo e marqueteiro político Antonio Lavareda. "Ou seja, o potencial de dano para um político que fuma é alto. Num debate, um político que aparecesse fumando certamente teria um desempenho ruim aos olhos dos telespectadores." Achar que fumar é um desafio ao pensamento politicamente correto pode unir os extremos e pôr esquerda e direita no mesmo fumódromo. "Os charutos me ajudam a pensar. São uma das boas coisas da vida", desafia Rush Limbaugh, o trovejante radialista que se tornou ícone da direita americana. Na contramão do fumacê conservador, o presidente Barack Obama, expressão máxima do outro lado, vai na ponta dos pés dar suas baforadas do lado de fora da Casa Branca, patrulhado pelo mundo em geral e pela mulher em particular. No boletim sobre seu estado de saúde divulgado na semana passada, entre elogios à boa forma presidencial, uma das recomendações era "continuar o esforço para parar de fumar". Tem muito chiclete de nicotina pela frente.

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