A guerra no fim do mundo
Depois de uma noite de combate intenso, os fuzileiros navais americanos têm uma visão do inferno ao despertar nas areias de Guadalcanal – ilha da Oceania onde se iniciou, em 1942, a ofensiva dos Estados Unidos contra o Japão na II Guerra. Das pilhas de cadáveres que cobrem o que até horas antes era uma praia paradisíaca, sai um soldado japonês mais morto do que vivo – mas disposto a continuar lutando. "Maldito macaco amarelo", reagem os americanos – e alguns passam a se divertir dando tiros destinados a apenas ferir, sem matar, o inimigo, para prolongar seu sofrimento. A cena do primeiro episódio da minissérie The Pacific, que estreia em 11 de abril no canal HBO, é uma espécie de resumo das intenções de seus produtores, o diretor Steven Spielberg e o ator Tom Hanks. Assim como no filme O Resgate do Soldado Ryan (1998) e em outra série da HBO, Band of Brothers (2001), a dupla se une novamente para retratar, com crueza realista, o dia a dia dos combatentes do conflito. Ao longo de seus dez capítulos (que custaram 200 milhões de dólares, o maior orçamento de uma série de TV em todos os tempos), The Pacific se debruça sobre a disputa dos americanos com as forças do Japão imperial em ilhotas remotas. Como nas produções anteriores, que enfocavam o embate com os nazistas na Europa, Spielberg e Hanks examinam o efeito devastador da guerra sobre a mente (e o caráter) daqueles que são lançados nela. Mas a mudança para o teatro de operações do Pacífico permite que se toque em uma questão cara aos americanos na atualidade: as armadilhas do confronto com um inimigo cuja cultura lhes é impenetrável. Em um episódio de Band of Brothers, um veterano que participou da frente europeia observava que, muito embora ele e seus colegas lutassem com os alemães até a morte, era possível imaginar que, em outra situação, eles seriam capazes de travar amizade com aquelas pessoas: de um lado e do outro do front, eram quase todos brancos e cristãos, com origens e modos de vida similares. Com o Japão dos tempos da II Guerra, dava-se o contrário. Tratava-se de um dos países mais isolados do mundo, cuja cultura e religião nada tinham em comum com o Ocidente. O choque entre as duas nações, portanto, não era apenas bélico – era um choque de civilizações. The Pacific não pretende ser uma alegoria dos dissabores americanos no Iraque ou da luta contra os terroristas islâmicos da Al Qaeda. Mas a escolha deste momento para relembrar aquele capítulo da história não poderia ser mais oportuna. Foi no Pacífico que os Estados Unidos tiveram sua mais longa frente de atuação na II Guerra. Ela se iniciou em dezembro de 1941, com a entrada oficial do país no conflito, desencadeada pelo bombardeio japonês à base de Pearl Harbor – mais de seis meses antes de os americanos virem a atuar no front europeu. E só se encerrou com a capitulação do Japão, em setembro de 1945, depois do lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. O projeto da minissérie nasceu durante a produção de Band of Brothers, quando foram recolhidos depoimentos de veteranos das batalhas naquela parte do mundo. The Pacific se baseia na trajetória de três deles, Eugene Sledge, Robert Leckie e John Basilone (interpretados, respectivamente, pelos pouco conhecidos mas excelentes Joseph Mazzello, James Badge Dale e Jon Seda). A minissérie desnuda o horror que esses homens viveram. Havia, de um lado, os embates com o inimigo insidioso, bem armado e obstinado até um nível suicida. De outro, a angústia da fome, do tédio e de doenças como a malária. Essa situação limítrofe acarretou mais de 100 000 baixas só do lado americano – e levou milhares de combatentes a um quadro de stress pós-traumático. (Leckie foi um deles: depois do mergulho na barbárie, acabou internado num hospício.) Um veterano da Guerra do Vietnã foi encarregado de submeter o elenco a treinamentos excruciantes com o objetivo de reproduzir tal efeito. O combate com guerreiros que obedeciam a um código de honra segundo o qual lutar até a morte era preferível a qualquer forma de rendição resultou em batalhas de pesadelo, como as de Guadalcanal, Okinawa e Iwo Jima. Uma praia no norte da Austrália foi fechada por vários meses para a reconstituição das batalhas. Foram transportados para lá 500 coqueiros, a fim de reproduzir a paisagem de lugares como Peleliu, ilha minúscula que foi palco de um dos enfrentamentos mais violentos, culminando na morte de quase 2 000 americanos e mais de 10 000 japoneses. Ainda que no momento do ataque já se soubesse que a conquista de Peleliu seria estrategicamente irrelevante, a rivalidade entre dois generais americanos – um defendia a invasão, o outro tentava sabotá-la – acabou multiplicando a carnificina. Na guerra, demonstra The Pacific, o inimigo pode mesmo estar em toda parte. Até nas linhas aliadas.The Pacific, a nova e estupenda série da HBO, recria as batalhas
entre americanos e japoneses em ilhas remotas nos anos 40
Marcelo MartheFotos divulgação A MOMENTOS DE HORROR...
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