Saturday, March 20, 2010

A França atrás do balcão


O governo francês diminui a burocracia, incentiva os pequenos
empreendedores – e a abertura de empresas dispara


Antonio Ribeiro, de Paris

Fotos Antonio Ribeiro
FATURANDO MAIS
Laloun abriu microempresa e aumentou em 20% sua receita.
Antes, só na informalidade

Com pouco menos da metade da população brasileira, a França vinha criando o dobro do número de empresas que o Brasil vê surgir anualmente – 260.000 por ano desde 2000. São dados incompatíveis com a ideia disseminada de que a França é um elefante estatal onde a maioria dos jovens sonha trabalhar para o governo. As informações recentes do Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos da França mostram que, impulsionado pela diminuição da burocracia e por incentivos fiscais, o empreendedorismo individual disparou. No ano passado, os franceses abriram as portas de 580.200 novas empresas.

O salto se deve à criação pelo governo de Nicolas Sarkozy de um "estatuto do microempreendedor" que, entre outras facilidades, permite ao interessado abrir e legalizar uma nova empresa via internet em minutos. O ambiente de negócios na França para empreendedores de maior porte ainda é moroso. Requer o cumprimento de sete procedimentos administrativos. Eles consomem, em média, cinco semanas até a expedição do alvará de funcionamento. O em-preendedor brasileiro enfrenta dezesseis etapas e o processo pode levar meses.

Para que o microempreendedor francês possa se beneficiar das facilidades oferecidas pelo novo estatuto, o faturamento bruto anual do negócio não pode ultrapassar 80.300 euros (196.000 reais). A ideia de fixar um teto para a concessão de benefícios fiscais e a simplificação dos procedimentos burocráticos não são exclusividade da França. Quase todos os países de economia de mercado incentivam os pequenos empreendedores, mas, a partir de determinado patamar de crescimento, as empresas são tributadas e fiscalizadas de maneira menos paternal. A diferença francesa, no caso, é utilizar como base de cálculo dos encargos patronais a receita bruta, e não o lucro. "Só nós e a Austrália adotamos o critério", diz François Hurel, presidente da União dos Empreendedores Individuais e pai da ideia na França.

EXEMPLO EDIFICANTE
O economista Plane analisa com prudência, mas arrisca na oportunidade do governo


O publicitário David Laloun é um dos 320.000 que se beneficiaram do novo estatuto. Laloun é assalariado da agência Young & Rubicam, onde cumpre a jornada de trabalho legal de 35 horas semanais. Ele abriu uma microempresa para aumentar os ganhos, o que consegue escrevendo roteiros de filmes, dando consultorias e fazendo palestras. A empresa permite emitir recibos aos contratantes. "A simplicidade é extraordinária. Todo trimestre preencho a declaração sem precisar de ajuda de contadores nem de consultas a especialistas em tributação", diz Laloun, que aumentou sua renda em 20%.

No ano passado, os microempreendedores contribuíram com 0,8% do PIB francês. Ainda é cedo, porém, para medir o impacto macroeconômico. A mortalidade das empresas na França é de cinco anos, quando metade delas desaba sob o peso dos impostos, da regulamentação confusa e minuciosa – e, claro, da má administração e inadequação ao mercado. "Desde o fim da guerra não se criavam tantas empresas, mas nunca houve também tantas falências", diz o economista Mathieu Plane, que, fora do mundo acadêmico, tem sua própria microempresa.


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