Eles negam até a morte
Duas práticas antigas renderam problemas novos para a diplomacia israelense na semana passada. Em sua visita aos Estados Unidos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu foi recebido com frieza pelo presidente americano Barack Obama, irritado com a insistência de Israel em continuar a expansão imobiliária em Jerusalém Oriental, reivindicada pelos árabes. A medida atrapalha as tentativas dos Estados Unidos de convencer israelenses e palestinos a retomar as negociações de paz. A expansão israelense sobre territórios palestinos não é nada inédito. A novidade é que o governo americano, que na gestão anterior tinha por política fechar os olhos para o problema, resolveu levantar a voz para não perder a credibilidade perante o mundo árabe. A Inglaterra, por sua vez, demonstrou que a paciência acabou para com uma outra prática tradicional de Israel: a do vale-tudo da espionagem. Na semana passada, o secretário de assuntos exteriores da Inglaterra, David Miliband, expulsou do país o representante do Mossad, o serviço secreto israelense. Tratou-se de uma represália à falsificação de passaportes ingleses utilizados em um operação para o assassinato, em janeiro, de Mahmoud al-Mabhouh, do grupo palestino Hamas, em Dubai. O governo inglês descobriu que os passaportes haviam sido falsificados em Israel, provavelmente em órgãos estatais. O assassinato de inimigos em posição de liderança é considerado uma forma eficiente de fazer guerra com poucas baixas. Entram nessa categoria o esforço dos Estados Unidos em eliminar líderes do grupo terrorista Al Qaeda com ataques cirúrgicos no Paquistão e no Afeganistão. O homicídio de Mabhouh pelo Mossad, contudo, incomodou por pelo menos três razões: primeiro, porque, para entrarem em Dubai, os agentes utilizaram passaportes falsos de cidadãos reais de países amigos de Israel, como a Inglaterra, a Austrália e a Alemanha. Segundo, porque o local escolhido para eliminar o palestino foi uma cidade dos Emirados Árabes Unidos, um dos países árabes que ainda aceitavam algum tipo de contato diplomático com Israel. Terceiro, porque os agentes deixaram pistas. E que pistas. Espiões barrigudos, carecas, com raquetes de tênis, barbas postiças e perucas preparando-se para cometer um frio homicídio? Flagrados pelas câmeras de vigilância do aeroporto de Dubai, de hotéis e de shopping centers, quase trinta agentes secretos acompanharam todos os passos da vítima, que ficou hospedada no luxuoso hotel Al Bustan Rotana. Quatro deles ficaram no quarto em frente ao de Mabhouh, usado como base da operação. Exatamente às 8 horas da noite de 19 de janeiro, eles entraram no quarto de Mabhouh com uma chave falsa. Usavam bonés de beisebol, mochilas e traziam consigo sacolas de compras. Dois espiões deram cobertura ao time de assassinos no corredor, um deles vestindo o uniforme do hotel. Mabhouh chegou ao quarto com um par de sapatos novos em uma sacola de shopping center. Seu corpo só foi encontrado no dia seguinte por funcionários do hotel. A porta estava trancada por dentro. Segundo os legistas, Mabhouh foi imobilizado com uma arma de choque. Em seguida, os espiões injetaram um relaxante muscular em sua coxa. A substância deixa a pessoa incapaz de se mexer, mas não tira a consciência. Totalmente indefeso, Mabhouh foi sufocado com um travesseiro. O crime de Dubai é uma das mais bem documentadas ações de espionagem da história. As imagens dos agentes renderam um filme de 27 minutos, que foi legendado e colocado no YouTube pela polícia local. Israel, como era de esperar, não nega nem confirma a autoria. O terrorista eliminado, obviamente, não era flor que se cheire. Ele negociava a venda de armas do Irã para a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e era procurado por ter sequestrado e assassinado dois soldados israelenses. "A operação do Mossad em Dubai foi um sucesso, mas expôs os detalhes sórdidos de como agem os espiões", disse a VEJA o cientista político Gerald Steinberg, da Universidade Bar Ilan, em Israel. O episódio demonstrou, pela reação da comunidade internacional, que certos métodos já se tornaram tão antiquados que deveriam ser abolidosIsrael não admite, mas até a Inglaterra aponta os agentes
do Mossad como autores de um assassinato em Dubai.
O episódio juntou-se à lista de práticas israelenses
que incomodam os aliados
Duda TeixeiraFotos AFP e Cliff Owen/AP JAMES BOND BARRIGUDO
Espiões fantasiados de tenistas em hotel de Dubai, ao lado.
Acima, o premiê Netanyahu discursa nos Estados Unidos: práticas antigas• Quadro: Licença para matar