Saturday, March 13, 2010

Crimes sem punição


Motorista bêbado invade praça e atropela bebê. Outro anda
na contramão e mata casal. Para piorar, no Brasil esse tipo
de criminoso raramente é punido


Carolina Romanini e Nataly Costa

João Clara/Diário de S.Paulo/Ag. O Globo
Estrada da morte
Valdecir: 20 quilômetros na contramão, em alta velocidade: choque frontal matou e carbonizou um casal


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A associação perversa entre bebidas alcoólicas e direção é punida com leis severas na maioria dos países. Nos Estados Unidos, quem provoca uma morte no trânsito dirigindo sob efeito de álcool pega vinte anos de cadeia. Em um caso, no estado da Carolina do Norte, o motorista foi condenado à prisão perpétua. Na Inglaterra, quem mata ao volante fica catorze anos encarcerado. Diante de exemplos como esses, o destino dos motoristas que dirigem embriagados no Brasil configura uma vergonha nacional. As leis brasileiras que tratam do assunto são brandas, e as punições, raras. Motoristas bêbados são deixados à solta nas ruas e estradas pela fiscalização deficiente. Dos 38 000 acidentes de trânsito ocorridos no país em 2008, 45% foram causados por motoristas embriagados. Em outros países, essa porcentagem também é alta – 37% nos Estados Unidos, 28% na França. A diferença é que, no Brasil, os motoristas embriagados quase sempre são premiados com a impunidade.

Dois desastres horripilantes ocorridos na semana passada, no estado de São Paulo, são exemplos desse descalabro da Justiça brasileira. Na segunda-feira, em Carapicuíba, na Grande São Paulo, o serralheiro Jailton Alves da Silva invadiu uma praça e atropelou o comerciante Edimício dos Santos e seu filho de 8 meses. O bebê foi levado ao hospital em coma e morreu na sexta-feira. Jailton tinha consumido o equivalente a sete latas de cerveja. Ele já havia sido flagrado quatro vezes dirigindo bêbado, e nunca fora punido por isso: levou apenas multas, que jamais foram pagas. Na madrugada da mesma segunda-feira, o operador de máquinas Valdecir Follmann, que passara a tarde bebendo num churrasco entre amigos, entrou na contramão na Rodovia Raposo Tavares e andou 20 quilômetros em alta velocidade. Por fim, chocou-se de frente com outro carro e matou um casal, carbonizado. Valdecir se salvou.

Jailton e Valdecir se encontram detidos, mas criminosos do trânsito como eles raramente são presos, e, quando são, não passam muito tempo atrás das grades. Isso porque 95% das mortes no trânsito causadas por motoristas bêbados são classificadas como homicídios culposos. Nes--se caso, a pena máxima prevista pelo Código de Trânsito Brasileiro é de quatro anos de prisão. Segundo a Lei de Execução Penal, no caso de réus primários, as penas de até quatro anos são cumpridas em regime aberto. Por esse mecanismo, quem mata pela primeira vez ao volante tem a liberdade garantida. No máximo, precisa pagar uma multa e cumprir algumas horas de serviço comunitário. Os acidentes enquadrados como homicídios dolosos eventuais, 5% do total, passam a ser julgados pelo Código Penal, que prevê punições mais severas. Mesmo assim, os motoristas costumam se valer de habeas-corpus para ficar em liberdade.

O caminho mais curto para evitar as mortes causadas por motoristas embriagados, naturalmente, é tirá-los das ruas. Mas o Código de Trânsito Brasileiro, na prática, dificulta essa ação. Ele estipula que qualquer condutor com concentração de álcool no sangue superior a 0,6 grama por litro pode ser preso em flagrante. A Constituição, porém, garante que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Por isso, o motorista pode se recusar a fazer o teste do bafômetro ou exames de sangue para medir o nível de alcoolemia. "Se o motorista se recusar a fazer o teste, é raro que ele seja julgado e cumpra pena por essa infração. A própria lei serve como via para a impunidade", observa a médica Júlia Greve, diretora do departamento de álcool e drogas da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego. A única punição do motorista, nesse caso, é uma multa de 957 reais pela recusa a se submeter aos exames. Diante desse quadro, não é surpresa que os motoristas embriagados continuem a ser uma praga nacional.

Com reportagem de Carolina Melo

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