Claudio de Moura Castro
O Ministério da Ciência e Tecnologia publicou um folheto com os 38 cientistas brasileiros mais destacados de todos os tempos. Tomemos as suas minibiografias como peças de um quebra-cabeça. Qual a figura que emerge? Os critérios de inclusão não foram explicitados, mas é imperativo morrer para entrar na lista. Alguns poucos, como José Bonifácio, são do início do Império. Apesar de pescar cientistas em um intervalo de quatro séculos, a lista inclui 22 nomes (58%) cuja carreira profissional ultrapassa o ano de 1950. Ou seja, o último meio século convive com mais da metade dos grandes cientistas. Isso mostra a juventude da nossa ciência. Ademais, o número dos vivos já é bem maior que o total dos mortos. Dos 38, nove nasceram no Rio de Janeiro. Portanto, vem de apenas um estado quase um quarto do total. Apenas cinco vêm de São Paulo, o estado hoje responsável por quase a metade das publicações científicas. Pernambuco produz cinco, a Bahia e Minas Gerais, três cada um. Ou seja, 63% nasceram nos estados "velhos" do país (RJ, SP, BA, MG e PE). Era lá que estavam as universidades e a vida intelectual. Aí está a geografia da ciência mostrando como riqueza e boas universidades induzem o aparecimento de cientistas ilustres. Surpreende a ausência dos estados do Sul, cujo único cientista era alemão. Ou seja, estados que hoje lideram em qualidade de vida e veem desabrochar suas indústrias de base tecnológica não foram capazes de produzir um só cientista ilustre. A maior cobertura de educação básica não bastou. Seria a falta de boas universidades para nutrir os seus melhores talentos? Em contraste, os estados do Nordeste foram pujantes berços de cientistas, embora tenham recuado economicamente. Ou seja, o processo de produzir cientistas é muito inercial. Parece que o futuro cientista necessita de um ambiente intelectualmente estimulante, para que se revele sua vocação e vingue sua carreira. De fato, dois terços nasceram em estados então mais prósperos e com maior ebulição intelectual. Quanto ao local em que os cientistas fizeram a sua carreira, fica patente a predominância absoluta do Rio de Janeiro, com 24 cientistas radicados e mais dois que lá passaram boa parte de sua vida profissional. Ou seja, foi no Rio que 68% dos pesquisadores produziram a sua ciência, pois lá estava a vida científica, atraindo as melhores cabeças e dando a elas condições de trabalho. Pesaram a influência da corte e, mais adiante, a sobrevida de sua densidade cultural e educativa. Importou menos o local onde os cientistas nasceram. Modestamente, São Paulo abrigou quatro cientistas e mais três cuja carreira passa por lá, o que contrasta com a atual hegemonia científica do estado. Minas Gerais e Pernambuco abrigaram um cientista cada um. Ou seja, a sua vida intelectual permitiu produzir oito cientistas, mas foi pequena para criar-lhes condições de trabalho. Nos outros 23 estados, apenas três cientistas desabrocharam. Em suma, se as diferenças de educação e cultura já determinavam ferozmente o aparecimento de talentos científicos, as condições dos laboratórios e as tradições de produção científica se revelaram ainda mais excludentes para o trabalho de alto nível. Como é delicado e exigente nutrir talentos científicos e oferecer-lhes condições de trabalho produtivo! A formação de cientistas promissores requer instituições e valores muito favoráveis. A ciência é um frágil castelo de cartas. No Brasil de antanho, só meia dúzia de estados produziu talentos científicos. E só o Rio de Janeiro foi capaz de criar as condições em que os talentos frutificassem e a pesquisa séria fosse desenvolvida. A singela lista do ministério, por permitir uma olhada no passado da nossa ciência, ilumina aspectos de que muitas vezes não nos damos conta. Vejamos: • A ciência brasileira é muito recente. • Os cientistas ilustres vieram de estados onde havia vida cultural e universidades. • Mas, para produzir ciência, as condições são ainda mais excludentes (praticamente, só havia no Rio de Janeiro). Não produziram cientistas estados que hoje são prósperos, mas eram atrasados. Ou seja, leva tempo, e as condições devem ser muito favoráveis para promover ciência. Nada disso é especulação diletante, pois, sem uma ciência robusta, nosso desenvolvimento morre na praia. Claudio de Moura Castro é economistaO berço da ciência
"O futuro cientista necessita de um ambiente intelectualmente estimulante, para que se revele sua vocação e vingue sua carreira"
claudiodemouracastro@positivo.com.br