Saturday, February 27, 2010

A ciência a favor da beleza


Como a descoberta do sistema de hidratação profunda da pele, feita
por um prêmio Nobel, abriu caminho para uma revolução nos cosméticos


Carolina Romanini

Laílson Santos
Aposta na ciência
Gonzaga no laboratório da Natura, em São Paulo: 2 500 pesquisas para criar uma linha de hidratantes


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Há duas décadas, as pesquisas sobre a preservação da juventude da pele proporcionaram a primeira revolução no mundo dos cosméticos. À frente dela estava o ácido retinoico, que se provou eficiente no tratamento dos sinais da idade mais tênues. Agora, graças ao trabalho de um prêmio Nobel, uma segunda revolução se aproxima. Um novo continente foi descoberto no planeta do conhecimento científico sobre o metabolismo das células da pele. As perspectivas são extraordinárias no campo da prevenção. O que se pode esperar das aplicações práticas vindas da descoberta da ciência pura é, simplesmente, manter por quase toda a vida a mesma aparência jovial que a pele apresentava aos 20 anos de idade. Nunca a indústria de cosméticos esteve tão próxima da ciência de vanguarda.

Durante um século, desde que a polonesa Helena Rubinstein criou o conceito moderno de produtos de beleza, mulheres e homens preocupados com a aparência tiveram recursos muito limitados para manter a pele livre das rugas, da flacidez e das manchas trazidas pelo processo natural de envelhecimento. Os cremes e as loções disponíveis no mercado, à base de glicerina e outras substâncias gordurosas, apenas mantinham a hidratação natural da epiderme nas horas seguintes à sua aplicação. A prevenção de rugas ou a manutenção de uma pele jovem e saudável ao chegar à meia-idade, façanhas prometidas nas embalagens, ainda têm pouca correspondência no mundo real. Os pesquisadores da área de cosméticos sempre souberam por que é tão difícil evitar as marcas do tempo na pele por meio de produtos químicos. Basicamente, porque não se sabia como interferir nas camadas mais profundas da epiderme. Agora, como resultado de diversas frentes de pesquisa científica, vive-se o início da mais notável revolução já vista no mundo dos produtos de beleza. As empresas de cosméticos anunciam que estão a um passo de encontrar fórmulas químicas capazes de manter a hidratação nas camadas inferiores da pele.

O ponto de partida para essa revolução nos tratamentos de beleza é a descoberta do cientista americano Peter Agre que lhe valeu o Prêmio Nobel de Química em 2003. Agre descreveu o funcionamento do principal sistema de irrigação dos tecidos do corpo humano. Ele é composto de canais formados por proteínas que atravessam a membrana celular e permitem a entrada e saída de água. O pesquisador batizou esses canais de aquaporinas. Os órgãos do corpo humano são formados majoritariamente de água – 79% no caso do coração, 76% no do cérebro e, na pele, 70%. Por isso, as aquaporinas são indispensáveis para o funcionamento do organismo. Mas, como todo processo bioquímico de manutenção da vida, a eficácia das aquaporinas diminui com o passar dos anos, tornando os órgãos mais fracos e vulneráveis. A diminuição no desempenho das aquaporinas da pele a torna seca e enrugada. O grande salto que as empresas de cosméticos estão prestes a empreender é prolongar o funcionamento perfeito da aquaporina 3, específica da pele, por tempo indeterminado. Para isso, elas têm várias estratégias. A principal delas é a produção de cremes com proteínas sintéticas semelhantes às naturais. "Saber como funciona cada elemento que compõe a pele se tornou imprescindível para encontrarmos fórmulas cada vez mais específicas para tratá-la, e a aquaporina foi um passo gigante nessa direção", disse a VEJA o francês Lionel De Benetti, diretor da indústria de cosméticos francesa Clarins, de Paris.

Não apenas para a pele, diga-se. A descoberta dos mecanismos de circulação celular de água e outras substâncias nutritivas começa a produzir soluções para os mais diversos problemas de saúde. Uma das mais esperadas é uma terapia que pode manter os rins funcionando em padrão ótimo por quase toda a vida de uma pessoa. Aos 85 anos, um ser humano normal tem a capacidade de filtragem dos rins reduzida em média a meros 30% – ainda assim se ele tiver um organismo sadio. Pessoas que são obrigadas a tomar diariamente medicamentos para doenças crônicas, como o diabetes, exigem mais dos rins. Elas podem chegar aos 85 anos com o poder de filtragem renal de apenas 10% do normal. A possibilidade de manter ou reativar os processos que ocorrem nas aquaporinas é uma esperança para a pele perfeita e para o prolongamento da juventude e do bem-estar geral do organismo.

Sob o número EP 1 885 477 B1, acaba de ser concedida na União Europeia a primeira patente de um produto criado com base nas aquaporinas. Ela foi obtida por uma empresa dinamarquesa que produziu com aquaporina uma membrana capaz de filtrar e purificar a água nas condições mais adversas. O uso imediato vislumbrado pelos dinamarqueses é em grandes usinas de dessalinização de água do mar, o que, com a nova tecnologia, pode ser feito mais rapidamente e com mais eficiência do que qualquer outro processo anterior. O ramo médico da empresa está focado em aplicações que vão produzir soluções para doenças renais e outras em que o problema é a produção ou filtragem de fluidos no organismo.

Na cosmética, a manutenção do bom funcionamento das aquaporinas através das décadas é a principal arma da nova revolução dos produtos de beleza, mas não a única. Os cientistas têm conseguido avanços também em outras frentes na busca pela preservação da pele jovem. A principal delas é a regeneração celular. A técnica da finalização transepidérmica, atualmente em fase de testes em vários laboratórios da Europa, procura retardar a perda da capacidade de produção celular que se intensifica a partir dos 40 anos. Moléculas de substâncias estimuladoras da renovação celular, como o retinol, são introduzidas em uma única célula da pele. A partir daí, as proteínas celulares se encarregam de levar o elemento estimulador às demais células. A utilização da finalização transepidérmica na regeneração celular também pode se dar por meio dos chamados fatores de crescimento. São proteínas naturais da pele que estimulam a produção de novas células, principalmente as responsáveis pela síntese de queratina e colágeno, substâncias que garantem a elasticidade e a firmeza da pele. Prevê-se que os produtos que utilizam a finalização transepidérmica cheguem às prateleiras das farmácias nos próximos seis meses.

A nanotecnologia também tem sido uma aliada poderosa no desenvolvimento da nova geração de cosméticos. Com ela, é possível fragmentar a molécula de uma substância ativa ao menor tamanho possível, o nanômetro, e fazê-la penetrar facilmente em qualquer tecido. Já existem vários produtos no mercado fabricados por meio dessa tecnologia. Entre os principais estão os filtros solares, que garantem até 100% de proteção contra a ação do sol. As moléculas fragmentadas, além de penetrar mais profundamente a pele, têm também maior capacidade de absorção, o que garante que o produto se espalhe de maneira mais uniforme. Uma grande vantagem das nanopartículas é a capacidade de penetrar as camadas da pele e o interior das células sem a interferência dos receptores, as sentinelas da membrana celular. Os receptores são como válvulas que têm como função selecionar o conteúdo que chega até o interior das células. Para que uma substância atravesse essa membrana, molécula e receptor devem se encaixar perfeitamente, como duas peças de um quebra-cabeça. "Os ingredientes de um cosmético funcionam como um gatilho. Eles atingem certos receptores na epiderme, e isso produz uma reação em cadeia capaz de estimular as células das camadas mais profundas da pele", disse a VEJA a americana Ni’Kita Wilson, vice-presidente da firma de cosméticos Cosmetech Laboratories.

O conhecimento cada vez mais apurado da pele faz com que as novas linhas de pesquisas dermatológicas lidem com uma quantidade muito maior de variáveis do que no passado. Tradicionalmente, considerava-se a existência de apenas quatro tipos de pele: normal, seca, mista e oleosa. Há quatro anos, num estudo hoje amplamente aceito pela ciência, a dermatologista americana Leslie Baumann, do Baumann Cosmetic & Research Institute, em Miami, propôs que na realidade existem dezesseis tipos de pele. Cada um deles deriva de uma combinação de quatro fatores – hidratação, sensibilidade, textura e pigmentação. Recentemente, descobriu-se também que a idade biológica é fundamental para a escolha do tipo de tratamento da pele. Até os 25 anos, o corpo se encarrega de produzir naturalmente as substâncias que lhe garantem beleza e juventude. Cabe aplicar apenas um hidratante simples e fazer uso do protetor solar com regularidade. Dos 25 aos 40 anos, a produção das substâncias responsáveis pela juventude da pele começa a diminuir. É preciso usar hidratantes mais intensos. Dos 40 aos 60 anos, a pele necessita de estímulos vigorosos para continuar produzindo as substâncias que a mantêm. Recomenda-se a utilização de cremes altamente concentrados para a prevenção do envelhecimento. A ciência também reforça cada vez mais a importância dos hábitos de vida na preservação da juventude da pele. "É um conjunto de fatores que determina o viço da pele", diz Daniel Gonzaga, diretor de pesquisa e tecnologia da Natura.

Na corrida pela revolução dos novos produtos de beleza, a indústria de cosméticos vem aumentando seus investimentos em pesquisas e também na qualificação dos pesquisadores. A francesa L’Oreal, a maior empresa de cosméticos do mundo, elevou seu investimento em pesquisas em 23% nos últimos cinco anos – de 496 milhões de euros em 2005 para 609 milhões de euros neste ano. Os farmacêuticos, que no passado eram os maiores responsáveis pela elaboração dos cosméticos, são hoje minoria entre os Ph.Ds. e doutores que pilotam os principais laboratórios do mundo. Na L’Oreal, dos 3 268 pesquisadores que trabalham em trinta áreas dos laboratórios, 2 000 deles são Ph.Ds. em diversas disciplinas. As principais empresas cosméticas, além de manter laboratórios próprios, firmam convênios com as mais aclamadas universidades. Em geral, leva-se entre cinco e dez anos para criar um produto. A Natura, para uma única linha de hidratantes faciais a ser lançada nos próximos meses, fez mais de 2 500 pesquisas, que incluíram desde o comportamento do consumidor até testes específicos com os diferentes tipos de pele das mulheres brasileiras. Diz o carioca Omar Lupi, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia: "A revolução definitiva na eficiência dos cosméticos ocorrerá nos próximos dez anos, quando as pesquisas genéticas básicas levarem à elaboração de produtos praticamente customizados".


A pele lisa eterna

Humberto Michalchuk
Lifting do futuro
Pele artificial produzida na Bionext, em Curitiba: possível uso
em tratamentos estéticos

A maioria dos princípios ativos atualmente adotados pela indústria cosmética para aliviar as rugas associadas ao envelhecimento foi antes usada como remédio contra queimaduras. Não será total novidade, portanto, quando as peles sintéticas, hoje de grande utilidade nos hospitais, passarem a ter aplicações estéticas. É uma questão de tempo, apenas. Atualmente, em algumas terapias estéticas que envolvem descamações mais radicais da pele, os dermatologistas têm como recurso cobrir a área afetada com pele artificial. Enquanto a epiderme natural se recupera do trauma, sua equivalente sintética, feita de celulose, se encarrega de evitar infecções e de manter a hidratação. O uso de peles feitas com tecido humano, porém, ainda não fornece resultados estéticos satisfatórios. Diz Ronaldo Golcman, cirurgião plástico do Hospital Albert Einstein, de São Paulo: "Ainda não é possível substituir a pele natural por enxertos feitos em laboratórios para fins estéticos porque essas peles não têm a mesma qualidade. Elas podem se retrair ou apresentar pigmentação diferente".

Existe hoje uma dezena de tipos de pele artificial em uso nos hospitais ou ainda em fase de testes nos laboratórios. A pele é um dos órgãos do corpo que mais sofrem rejeição ao ser transplantados. Apenas gêmeos univitelinos podem doar a pele um ao outro com baixo risco de fracasso. A pele artificial contorna esse obstáculo natural. Ela pode ser feita com material sintético ou com células humanas. No caso de queimaduras graves, as mais usadas são a de colágeno e a de biocelulose. Esta é produto do metabolismo das bactérias Acetobacter xylinum, que se alimentam de carbono e secretam fibras de celulose. Depois de desidratadas, as fibras se transformam em membranas que lembram finos papéis de seda. À medida que a nova pele vai nascendo, a cobertura artificial se desprende. Gerardo Mendonza, da Bionext, fabricante de peles de biocelulose no Paraná, explica: "A trama da pele artificial é larga o suficiente para permitir a respiração dos tecidos, mas estreita o bastante para impedir a entrada de agentes infecciosos".

Mulheres principalmente, mas também muitos homens, com mais dinheiro do que senso, têm pago nos Estados Unidos e na Europa mais de 1 000 dólares por uma emulsão facial cuja matéria-prima viria de um laboratório militar secreto na Rússia, onde os cientistas da defunta União Soviética teriam produzido uma pele sintética quase perfeita. Desde 2005, sob o nome comercial de Amatokin, é vendida no exterior uma linha de cremes antirrugas com preço médio de 200 dólares que declara essa mesma e intrigante origem. Isso tudo soa incerto. O certo é que logo as pesquisas sobre a pele artificial vão abrir mesmo novos caminhos para tratamentos estéticos com resultados radicais.



A luta interna contra os radicais livres

Rick Gomez/Corbis/Latin Stock

Quando os cientistas começaram a desvendar com maior precisão os mecanismos do envelhecimento da pele, surgiram duas frentes nas pesquisas sobre como preservar a juventude por mais tempo. Uma levou aos cremes e a outros produtos de aplicação tópica, característicos da cosmetologia. A outra, cujas perspectivas eram igualmente promissoras, resultou em produtos de uso interno: compostos principalmente de pílulas de vitaminas, proteínas ou sais minerais que, ingeridas, ajudam a manter a pele saudável, eles receberam o nome genérico de nutricosméticos. Os primeiros apareceram no início da década de 90 e eram feitos à base de colágeno. Essa proteína presente no tecido conjuntivo é determinante na sustentação e firmeza da pele. Hoje, os nutricosméticos mais populares são fabricados com betacaroteno, vitaminas A, C e E, zinco, colágeno, licopeno, isoflavona e silício orgânico. Alguns desses componentes podem ser encontrados em combinação numa só pílula. O principal objetivo continua a ser o original: preservar e estimular a produção de colágeno.

A maioria das substâncias é oferecida por frutas e legumes (o licopeno está presente no tomate e a isoflavona na soja). Mas as pílulas reúnem uma concentração de elementos ativos que dificilmente se consome na alimentação diária. "A eficiência é maior que a dos cosméticos tópicos porque os nutricosméticos partem de dentro do corpo", disse a VEJA a engenheira química francesa Patricia Manissier, diretora de pesquisa e desenvolvimento dos Laboratórios Innéov, em Paris. Cada substância presente nas pílulas contribui de determinada maneira no esforço de combater os radicais livres, átomos de hidrogênio que ficam entre as células e que danificam as estruturas proteicas que dão sustentação à pele, entre elas o próprio colágeno. O stress, o cansaço, a má alimentação e a exposição ao sol aumentam a quantidade dos radicais livres. "O betacaroteno é uma das substâncias mais eficazes nesse processo, formando uma camada de proteção na pele que reduz os efeitos nocivos do sol", diz a dermatologista paulista Ligia Kogos. O licopeno, por sua vez, responsável pela coloração vermelha dos alimentos, estimula a produção de melanina e proporciona um bronzeado com aspecto mais natural.



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Orlando/Thee Lions/Getty Images
PIONEIRA
Helena Rubinstein foi a primeira a produzir cosméticos específicos para cada tipo de pele

Antes de qualquer preocupação estética, a humanidade pintou o rosto por razões de saúde. Na pré-história, a doença era percebida como efeito da magia e a maquiagem era uma tentativa de afugentar espíritos perversos. O conhecimento sobre os detalhes da pele só avançou depois da descoberta do microscópio, no século XVI. O grego Hipócrates, que nasceu em 460 a.C. e é chamado de o pai da medicina, sustentava que as doenças de pele poderiam ser, na verdade, benéficas ao homem. As "crises felizes", como ele as denominou, teriam o poder de purificar o organismo e não deveriam ser tratadas. Muitos tratamentos de eficiência comprovada foram adotados graças à observação da relação causa-efeito. Os antigos egípcios pintavam o contorno dos olhos com uma pasta de carvão e chumbo. Era excelente para evitar a infecção ocular causada por uma bactéria. Em compensação, os metais pesados usados na mistura iam lentamente intoxicando a população. Cleópatra, a última rainha do Egito, tomava banhos com leite de cabra e passava óleos vegetais. São ingredientes usados hoje, com aprovação científica, em cremes hidratantes. Só no início do século XX, quando Helena Rubinstein identificou quatro tipos de pele e criou cosméticos específicos para cada um deles, a cosmetologia entrou na era da ciência.

The Bridgeman/Other Image
RAINHA DO EGITO
Cleópatra acertou ao usar como hidratantes
o banho de leite e os óleos vegetais

Museu Kerameikos
POTES DA GRÉCIA ANTIGA
Cosméticos feitos de óleos e barro

Com reportagem de Laura Ming, Alexandre Salvador e Nataly Cost

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