Saturday, February 27, 2010

A cassação que foi sem nunca ter sido


Ao ordenar o cancelamento do mandato do prefeito de São Paulo,
Gilberto Kassab, um juiz de primeira instância contraria o TSE
e põe em risco a segurança jurídica


Laura Diniz

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
KASSAB na campanha de 2008: doações conforme a lei

O dever dos juízes de decidir de acordo com suas convicções é imperativo a ponto de incluir o direito de um juiz divergir de outros juízes – desde que o faça dentro dos limites da lei. O juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, valeu-se das duas primeiras premissas para proferir sentença determinando a cassação do mandato do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e de sua vice, Alda Marco Antonio. Ocorre que ele tomou a decisão com base em um argumento já rejeitado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso significa que o juiz não apenas divergiu de outro magistrado, mas contrariou decisão de uma instância superior, mandando assim às favas um princípio fundamental do direito – o da segurança jurídica. Ao preconizar a uniformidade e previsibilidade das decisões judiciais, tal princípio pretende oferecer aos cidadãos uma noção clara do padrão de comportamento a seguir – o que se pode e o que não se pode fazer. Em 2006, ao aprovarem a prestação de contas da campanha à reeleição do presidente Lula, os ministros do TSE decidiram que acionistas de grupos concessionários de serviços públicos estão, sim, autorizados a fazer doações a candidatos, como fizeram para Lula. Proibidas são as doações vindas dos próprios concessionários. O raciocínio obedece à necessidade de desvincular a atividade pública do processo eleitoral. Assim, além de não poderem receber dinheiro de concessionárias de serviços públicos nem de empresas que tenham contratos com o governo, os candidatos também estão impedidos de aceitar doações de sindicatos, igrejas, entidades beneficentes e esportivas e ONGs – instituições que recebem dinheiro público ou têm isenção fiscal.

Essa é a regra que deve orientar o comportamento dos doadores nas eleições. E que já valia em 2008, quando Kassab e sua vice captaram dinheiro para sua campanha com acionistas de concessionários de serviços públicos – fato ignorado pelo juiz Silveira. Decisões dessa natureza não são regra na vida do magistrado, tido como um juiz de sentenças estritamente técnicas. Já o promotor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, que apresentou as teses acatadas por Silveira, é uma figura conhecida e polêmica no mundo do direito. Entre os vários episódios controversos de sua carreira está a investigação por acusação de plágio de parte de sua tese de livre-docência, aprovada em 1998. O processo aberto na corregedoria do Ministério Público terminou antes de chegar a uma conclusão – foi arquivado porque a eventual falta funcional estaria prescrita. Na apuração de outra falta, o promotor conseguiu anular um procedimento que lhe aplicou pena de suspensão, afirmando, entre outras coisas, que estava em depressão e era incapaz de se autorrepresentar. A sentença proferida pelo juiz Silveira contra Kassab e sua vice foi suspensa pelo próprio juiz quatro dias depois. Muito provavelmente não terá nenhuma outra consequência além das que já produziu até agora: tumulto e um factoide que os opositores do prefeito e de seu partido não perderão a oportunidade de usar.

Lawrence Bodnar/Diario SP/Ag. O Globo
O PROMOTOR
Lopes: carreira de episódios
tão controversos quanto as alegações
que embasaram a sentença

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