Sunday, January 10, 2010

A presidente cria mais encrencas

Problemático e febril

De olho nas reservas externas, Cristina Kirchner atropela a lei
e derruba o presidente do Banco Central por decreto

Fotos AFP e Jose Miguel Gomez/Reuters
AI, QUE SUFOCO
Tragam-me a cabeça de Martín Redrado, exigiu Cristina. Depois de muita briga, conseguiu. Ou não?

Que o governo argentino foi e será uma encrenca, já o sabemos. Evocar letras de tango quando se fala no país é um tremendo lugar-comum, mas como não se lembrar do mitológicoCambalache quando está em pauta a atribulada demissão do presidente do Banco Central, Martín Redrado? A milonga se desenvolveu em vários atos. Primeiro, a presidente Cristina Kirchner resolveu que iria avançar sobre as reservas internacionais para pagar títulos da dívida argentina, uma manobra duvidosa, mas fazer o quê? El que no llora no mama y el que no afana es un gil. O problema se estabeleceu quando Redrado achou que deveria resistir. Cristina mandou demiti-lo. Que falta de respeto, que atropello a la razón, parece ter bradado Redrado, acreditando na lei que estabelece autonomia e mandato fixo para o presidente do BC. Daqui não saio, proclamou, mudando um pouco de gênero musical, daqui só o Congresso me tira. A situação escorregou para algum lugar entre o descrédito e o ridículo. Cristina então convocou o gabinete em férias, fez todo mundo assinar a exoneração por decreto e ainda mandou processar Redrado por desvio de conduta. Bom, na noite de quinta-feira passada ele saiu.

O uso de 6,5 bilhões de dólares das reservas do BC para pagar parte da dívida externa não seria heterodoxo a ponto de incorrer em heresia se não fosse o histórico do casal Kirchner. Tudo, aliás, começou com o calote de 2005 e se multiplicou na gastança sem lastro típica do populismo. Não é a primeira vez que a presidente avança sobre o dinheiro dos outros para driblar o caixa vazio. Em 2008, o governo tentou aumentar a taxação sobre as exportações de grãos, mas foi impedido pelo Congresso. Seis meses depois, caíram as aposentadorias privadas, estatizadas, num total de 10 bilhões de dólares. O governo continua gastando sem ter dinheiro, agora com a diferença de que também não detém o controle político: desde dezembro, a oposição é majoritária no Congresso. Em todo o desgastante confronto com o ex-presidente do BC, Cristina e associados só tiveram razão quando acusaram um flerte de Redrado com a oposição – Hoy resulta que es lo mismo ser derecho que traidor. Com a utilização de dinheiro das reservas internacionais para pagar a dívida, a presidente pretende liberar recursos do Orçamento para manter os gastos públicos – leia-se: os programas assistencialistas –, que subiram 30% só no ano passado, pressionando a inflação (cujo índice oficial é descaradamente manipulado). Na sexta-feira, a Justiça acatou um pedido de deputados oposicionistas desautorizando o uso das reservas internacionais. E mandou restituir Redrado! O tango continua.Problemático y febril.

Blog Archive