Friday, January 01, 2010

Especial A revolução do laser na medicina e na cosmética

Laser
A medicina da luz

Metade de todos os procedimentos médicos, das mais diversas especialidades, tem como primeira indicação esse feixe de luz concentrada. E as pesquisas
mostram que seu uso pode se ampliar para muitos outros campos


Adriana Dias Lopes


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O mundo, do jeito como o conhecemos hoje, seria impossível sem o uso do laser. Esse feixe de luz concentrada é imprescindível na transmissão de dados pela internet e no sistema de telefonia. Quando ouvimos um CD ou assistimos a um DVD, lá está ele, transformando ondas eletromagnéticas em sons e imagens. Graças ao laser, as filas nos supermercados e bancos andam mais rapidamente - os códigos de barras são interpretados por ele. É essa luz, ainda, que dá exatidão milimétrica à mira dos mísseis lançados pelos navios, aviões e tanques de guerra; mantém os trens alinhados sobre os trilhos; permite a medição dos poluentes atmosféricos... "Com suas múltiplas funções, o laser é, sem dúvida, a invenção mais impactante do mundo moderno", diz o físico Nilson Dias Vieira Junior, superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Há uma área do conhecimento humano, no entanto, em que a revolução provocada pelo laser, ainda que grandiosa, ocorre de maneira silenciosa, quase imperceptível para a maioria das pessoas. Na medicina, ele corta (com muita precisão e pouco sangue) músculos, pele e ossos. Monitora o crescimento de tumores e os faz evaporar. Substitui medicamentos no tratamento de doenças crônicas, como artrite reumatoide e asma. Estimula a renovação celular e pode ser capaz até de diagnosticar lesões na retina. Dentro da medicina, ainda, há outra área em que o laser é um bálsamo, sobretudo agora, no verão. Na dermatologia, além de remover as manchas de pele e as linhas de expressão, a luz corta literalmente o mal pela raiz, ao danificar os bulbos capilares e impedir o nascimento e o crescimento de pelos indesejáveis. Na temporada de corpos à mostra, não ter de se preocupar com a depilação e exibir as pernas lisinhas o tempo todo é (quase) um milagre.

Rich Lasalles/Stone/Getty Images
MÚLTIPLAS FUNÇÕES
Conforme sua matéria-prima, potência e forma de emissão, o laser pode ser usado em muitos procedimentos médicos - da remoção de manchas na pele à destruição de alguns tumores


O primeiro aparelho de laser foi criado em 1960 pelo físico americano Theodore Maiman (1927-2007). Seu objetivo era desenvolver uma fonte de energia para ser usada em experiências de laboratório (veja o quadro). O laser é a única fonte de luz que se propaga de forma organizada, em uma mesma direção, por meio de ondas de comprimento idêntico. Tais características o tornam um emissor de grandes quantidades de energia e de fácil manipulação. Em 1961, por obra da curiosidade de um oftalmologista pelas novas tecnologias, o laser foi usado fora de um laboratório de pesquisa. Charles Campbell (1926-2007), do Instituto de Oftalmologia do Centro Médico Presbiteriano da Columbia, nos Estados Unidos, utilizou-o para eliminar um tumor maligno da retina de um paciente. Desde os anos 50, os médicos empregavam a luz solar para queimar lesões na retina. Com uma lente, eles convergiam os raios de sol diretamente para o olho do doente. Ainda que o laser seja 1 septilhão de vezes mais forte, ele provocava menos efeitos colaterais, como queimaduras. Isso porque, ao contrário da energia solar, é mais controlável e direcionável. As operações de Campbell foram consideradas revolucionárias e, assim, a nova técnica começou a ser testada nos diversos campos médicos. Mas o grande impacto do laser na medicina só viria na década de 90, com a difusão dos aparelhos por pulsos. A emissão passou a ser feita, por exemplo, por meio de microtiros, o que permitiu o uso de potências elevadas em procedimentos delicados ou superficiais. De lá para cá, o laser tornou-se a primeira opção para nada menos do que 50% de todos os procedimentos médicos - o dobro em relação há vinte anos.

Alexandre Schneider
DOR NUNCA MAIS
Antes de ser submetido ao tratamento a laser para se livrar de um cálculo renal, o engenheiro Marcelo Pachalian, de 39 anos, recorreu ao método convencional, o ultrassom. As ondas de som, porém, não conseguiram destruir inteiramente a pedra de 0,9 centímetro de diâmetro. No processo natural de expulsão do cálculo, pela uretra, o engenheiro teve de ser levado às pressas para o hospital por causa de dores terríveis. A pedra, então, foi pulverizada pelo laser e expelida sem sofrimento


Nenhuma área da medicina foi tão beneficiada pelo aperfeiçoamento do laser quanto a dermatologia. Ele é a principal indicação para 95% das terapias antienvelhecimento - da remoção de manchas ao aumento da produção de colágeno, a fibra responsável pela firmeza e elasticidade da pele. Na década de 80, o laser era utilizado em apenas 40% dos casos, sobretudo nas peles profundamente marcadas pelo tempo. "Nessa fase, eu não me atreveria a usar o laser em pacientes com menos de 40 anos", diz Adilson Costa, dermatologista da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. "As marcas do tratamento - vermelhidão e queimaduras - eram tão profundas que obrigavam os pacientes a ficar em casa por até um mês." Atualmente, alguém que se submete a uma sessão de laser, não importa a finalidade do procedimento, pode sair do consultório do dermatologista diretamente para o trabalho.

Todas as intervenções estéticas à base de laser consistem em danificar parte das células da área tratada, de modo a estimular a renovação celular. É nesse processo que manchas, vincos, marcas de expressão e pés de galinha desaparecem - ou são, no mínimo, bastante atenuados. É possível rejuvenescer a pele em até cinco anos, mas para isso é necessária uma aplicação por mês, durante quatro meses. Além disso, em dois anos é preciso voltar ao consultório do dermatologista. Existe, porém, um tipo de marca que o laser apaga para sempre - as cicatrizes provocadas pela acne. Até então, não havia nada que desse jeito nelas. De cremes a peelings abrasivos, vencer essas marcas era um dos maiores desafios da dermatologia estética. A empresária Gloria Varella, de 47 anos, concordou em se submeter ao tratamento quando o médico lhe garantiu que, depois das aplicações, ela não precisaria interromper suas atividades diárias. "Tive uma ótima surpresa: além de ir trabalhar no mesmo dia, ninguém notou os efeitos das aplicações", diz. Após cinco sessões, Gloria estava com o rosto lisinho.

Fotos Paulo Vitale
VIDA NORMAL
Asmática, a assistente social Márcia Mascarenhas Ganen (à esq.), de 44 anos, sofria com crises terríveis de falta de ar. As bombinhas de corticoide eram usadas constantemente. Há pouco mais de um mês, ela deu início a um tratamento de controle da asma por laser. As ondas luminosas regulam as substâncias envolvidas nos processos inflamatórios. Depois da quarta aplicação, Márcia já pode deixar a bombinha em casa


Não há mulher que não sonhe com o dia em que se verá livre da depilação - poucas obrigações estéticas são tão chatas quanto ter de se submeter à cera quente ou fria de quinze em quinze dias. Pois o laser consegue matar os bulbos capilares, o nascedouro dos pelos. Depois de cinco meses de tratamento, com uma sessão por mês, os pelos praticamente desaparecem. Como a natureza dá sempre um jeito de driblar o homem, entre dois e cinco anos mais tarde, os pelos reaparecem - mas mais fracos. Para eliminá-los, é preciso fazer mais aplicações de laser - agora em sessões de manutenção, de uma a duas vezes ao ano. "Não existe tratamento de beleza mais prático e fantástico criado pela medicina do que a depilação a laser", diz a apresentadora Sabrina Sato, de 28 anos. Há três anos, ela se submeteu a três sessões de laser nas axilas. Desde então, nunca mais recorreu a lâminas descartáveis. Um ano atrás, Sabrina voltou ao dermatologista para duas aplicações de manutenção. Às loiras, um alerta: o raio laser não consegue destruir os bulbos de pelos claros.

VISÃO RECUPERADA
Três anos atrás, o aposentado Artur Martins da Silva, de 72 anos, foi acometido por um derrame na retina. Corrigiu-se o problema em meia hora graças ao laser. Extremamente preciso, o feixe de luz conseguiu cauterizar os vasos sanguíneos doentes - e Silva recuperou 40% da visão


Hoje, graças à exatidão dos cortes a laser, 95% dos pacientes deixam de usar óculos depois de uma operação de miopia. Para se ter ideia da tecnologia dos aparelhos empregados nesse tipo de cirurgia, os feixes de luz que eles emitem têm a duração de cerca de 10 femtossegundos. Um femtossegundo equivale a 1 segundo dividido em 1 quatrilhão de vezes. "Como o contato do laser com a córnea é mínimo, podemos utilizá-lo em altas temperaturas e em estruturas muito delicadas, como a córnea e a retina", diz o oftalmologista Max Damico, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Aliada ao calor intenso, a rapidez dos feixes de luz transformou o laser numa espécie de bisturi de altíssima precisão. Três anos atrás, o aposentado Artur Martins da Silva, de 72 anos, começou a apresentar uma sensação de ardência no olho esquerdo. Durante seis meses, ele prorrogou a visita ao oftalmologista. Imaginava que o desconforto fosse produto da poluição e do stress. No momento em que começou a perder a visão, Silva foi em busca de ajuda médica e descobriu ter sido vítima de uma obstrução nos vasos da retina. Submetido a uma cauterização a laser, ele recuperou 40% da visão. A cirurgia durou meia hora.

SEM MARCAS NEM CICATRIZES
Depois da quinta sessão de laser, a empresária Gloria Varella, de 47 anos, já notou a diferença: a pele de seu rosto está mais lisa, sem as manchas de gravidez e as cicatrizes de acne. "Já tinha usado tudo, de ácido retinoico a peelings agressivos. Nenhum procedimento foi tão eficaz quanto o laser", diz ela


O alcance do laser no corpo humano vai da superfície da pele, como nos tratamentos estéticos, a órgãos e estruturas mais recônditos, como rins, ossos, coração, próstata, colo do útero e pulmões. Os feixes de luz chegam a tais regiões por meio da endoscopia, laparoscopia ou cirurgia aberta. O controle da temperatura do laser é fundamental para o sucesso de tais procedimentos, especialmente nas regiões mais vascularizadas. Quanto maior a quantidade de sangue, maior é o risco de formação de coágulos, o que pode levar à obstrução de vasos sanguíneos. No tratamento da hiperplasia benigna da próstata, um mal que atinge 14 milhões de brasileiros com mais de 50 anos, o calor emitido pelo laser tem de girar em torno dos 200 graus. O intuito nesse caso não é cauterizar o tecido prostático excedente, e sim fazê-lo evaporar.

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PRÁTICO E FANTÁSTICO
A apresentadora Sabrina Sato, de 28 anos, abandonou de vez as lâminas descartáveis com três sessões de laser nas axilas, realizadas entre 2006 e 2007. No ano passado, ela voltou ao dermatologista para duas sessões de manutenção. "Não existe tratamento de beleza mais prático e fantástico já criado pela medicina do que a depilação a laser", afirma


O laser é também o único método capaz de bombardear cálculos renais, independentemente de seu volume. Uma das técnicas mais tradicionais prevê a explosão das pedras nos rins por meio de ultrassom. No entanto, os cálculos pequenos, de diâmetro inferior a 1 centímetro, na maioria das vezes, escapam à ação das ondas sonoras. À do laser, nunca. Ao reduzir as pedras renais a tamanhos microscópicos, ele livra os pacientes da dor durante o processo de eliminação pela urina do que sobrou delas. "O único inconveniente é que o procedimento exige anestesia geral, pois a passagem do endoscópio pelo ureter é dolorosa", diz Gustavo Guimarães, urologista do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. A sedação foi o motivo que levou o engenheiro Marcelo Pachalian, de 39 anos, a recusar o laser a princípio e optar pelo ultrassom. "Tenho horror a hospital", diz ele. Não adiantou evitar. O cálculo que estava localizado no rim direito não foi destruído e poucos dias depois, com fortes dores, Pachalian voltou ao hospital. No início de dezembro, submeteu-se ao laser e a pedra foi desintegrada.

Uma das novidades mais promissoras é o laser conhecido como frio ou terapêutico, que tem 1 grau Celsius de temperatura. Ele interage com as células, fazendo com que a produção de substâncias essenciais para a saúde do organismo seja regulada. "Trata-se de um dos mecanismos mais complexos e fascinantes no tratamento de doenças e de problemas estéticos", diz Maria Cristina Chavantes, diretora do Serviço da Central Médica de Laser do Instituto do Coração, em São Paulo. O laser frio é capaz de equilibrar a produção de hormônios envolvidos nos mecanismos da analgesia e de inflamações por asma. Asmática, a assistente social Márcia Mascarenhas Ganen, de 44 anos, ficou livre das crises de falta de ar e das bombinhas de corticoides depois de quatro aplicações.

Uma das mais extraordinárias frentes de estudo ocorre na área de diagnósticos. Hoje em dia já é possível detectar algumas doenças por meio do feixe de luz, como no caso de distúrbios na retina e tumores superficiais, em especial o de pele. Tais máquinas, porém, não são precisas a ponto de conseguir substituir a biópsia. Esse é o grande objetivo de cientistas dos melhores centros de pesquisa do mundo. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o MD Anderson, ambos nos Estados Unidos, e o Ipen, no Brasil, investigam a criação de uma tecnologia mais abrangente, que permita o diagnóstico de um leque maior de distúrbios. Sabe-se que, conforme o tipo de célula rastreada e as características do laser, a luz é absorvida de maneira diferente - os tumores malignos, por exemplo, são grandes consumidores de energia. A expectativa é que, em uma década, seja possível mapear as células humanas em todas as suas minúcias, por meio de laser em laparoscopias, endoscopias ou até mesmo por sobre a pele. Para as próximas gerações, essa será a luz no fim do túnel.

Ondas sonoras e curativas

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DOIS EM UM
Paciente é submetida a tratamento contra miomas uterinos em máquina que combina a precisão da ressonância magnética com a força de ondas de ultrassom


As ondas de som - ou ultrassom - também cumprem um papel relevante na medicina. Conforme a frequência em que elas são emitidas, podem ser usadas tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento de diversas doenças. Utilizado em baixa frequência, o ultrassom rastreia o organismo fornecendo informações sobre diversos órgãos, especialmente os tecidos moles, aqueles que contêm mais água. Como um sonar, ele emite ondas sonoras que, ao encontrar um órgão, recebem os ecos correspondentes. Esses ruídos são transformados em imagens por um computador e, a partir delas, os médicos elaboram o diagnóstico dos pacientes. Quando programado para frequências mais elevadas, o ultrassom ganha poder de destruição. Nessas condições, o impacto das ondas sonoras desintegra cálculos renais, miomas uterinos e tumores de próstata. Nos anos 80, foi criado um aparelho que permitiu a utilização combinada dos tipos de ondas. As mais fracas indicam a localização da estrutura a ser destruída e, em seguida, as ondas mais intensas aniquilam o alvo. É o que os médicos chamam de terapia de ondas de choque.

Nos últimos cinco anos, o ultrassom vem sendo substituído por exames de ressonância magnética, a mais avançada tecnologia no campo dos exames de imagem para tecidos moles. Os equipamentos mais modernos conseguem detectar alterações minúsculas, de apenas 0,5 milímetro de diâmetro. Há, ainda, aparelhos que combinam ressonância magnética com ultrassom de alta frequência. O primeiro deles foi desenvolvido pela empresa israelense Insightec e se chama ExAblate 2000. Por enquanto, seu uso está aprovado apenas para alguns tratamentos, como na região pélvica. Os estudos mais recentes sugerem que, em alguns casos, o novo equipamento pode vir até a substituir cirurgias abertas. Pesquisadores do Hospital Infantil da Universidade de Zurique, na Suíça, obtiveram sucesso em operações para a retirada de tumores em regiões profundas do cérebro. A meta agora é testar o procedimento em pacientes vítimas de Parkinson. Aprovado pela agência de controle de medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, o ExAblate começou a ser adquirido por instituições brasileiras. Seu preço: 1 milhão de dólares, contra os 50 000 dólares dos aparelhos de ultrassom tradicionais.

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