Saturday, January 16, 2010

Enxaqueca: por que a claridade agrava a crise

Saúde

Dá para apagar a luz?

Cientistas americanos descobrem por que a claridade
é um tormento para quem sofre de enxaqueca


Naiara Magalhães

Istockphoto

Quando tinha 17 anos de idade, a advogada paulista Sônia Monteiro teve sua primeira crise de enxaqueca. Abalada pela morte de um tio, passou quase uma semana sentindo fortes dores de cabeça, náusea e uma aversão tão intensa à luz que foi obrigada a ficar dois dias em casa, trancada num quarto com as cortinas cerradas. "Era insuportável abrir os olhos em qualquer ambiente que não fosse escuro", lembra. Com o tempo, as crises foram ficando menos espaçadas e mais fortes. Só os sintomas não mudaram: dor lancinante, intenso mal-estar e nenhuma vontade de ver a luz do sol.

Quem sofre de enxaqueca sabe bem como a passagem para um ambiente claro ou a incidência de um raio de luz sobre a retina pode piorar uma crise. O que ninguém sabia até agora era por que isso ocorria. Um estudo americano publicado na semana passada na revista científica inglesaNature Neuroscience trouxe a resposta para a pergunta. Todas as vezes que alguém olha, por exemplo, para o brilho do sol refletido numa vidraça, o nervo óptico conduz esse estímulo luminoso da retina até o cérebro. O que o estudo mostrou é que, na região do tálamo, neurônios supersensíveis são capazes de reconhecer, ao mesmo tempo, a luz e a dor. No caso de um doente de enxaqueca em crise, portanto, expor-se à claridade é como jogar sal sobre uma ferida. "A luz amplifica a sensação dolorosa", explica o neurologista Caio Grava Simioni, colaborador do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Para conduzirem o estudo, pesquisadores da Universidade Harvard e de Utah investigaram vinte pessoas com deficiência visual que sofriam de enxaqueca. Verificaram que as únicas seis que não tinham a dor de cabeça agravada pela luminosidade eram justamente as que haviam perdido o globo ocular ou que tiveram o nervo óptico comprometido por algum motivo – ou seja, aquelas em que os estímulos visuais não chegavam até o tálamo, uma vez que a comunicação entre a retina e o cérebro havia sido interrompida. Os demais voluntários, quando expostos à luz, tinham a dor de cabeça aumentada em até 3 pontos, numa escala de zero a 10. Ao contrário dos seis completamente cegos, estes eram capazes de detectar a presença ou a ausência de luminosidade, por ter preservadas as células da retina relacionadas à chamada visão primitiva – aquela que, apesar de não servir para identificar cores, formas ou movimentos, é capaz de distinguir claro e escuro.

A partir daí, os estudiosos se puseram a observar em ratos as estruturas do olho e do cérebro relacionadas à visão primitiva. Analisaram também o caminho que os estímulos de dor e luz percorrem. Assim, chegaram à conclusão de que, depois de passarem por estruturas cerebrais ligadas à visão primitiva, os estímulos luminosos encontram os estímulos de dor no tálamo. Essa convergência é que reforça a percepção dolorosa (veja o quadro acima), fazendo com que qualquer raio de luz que incida sobre os olhos de um doente de enxaqueca tenha para ele o efeito de setas perfurantes.

Além de agravar uma crise, a luz também pode funcionar como um gatilho para o seu desencadeamento. Outros conhecidos gatilhos da enxaqueca são o jejum prolongado, a ingestão de chocolate e bebidas alcoólicas, as variações hormonais relacionadas ao ciclo menstrual, a privação ou o excesso de sono e a falta de exercícios físicos. "Das bebidas alcoólicas, o vinho é a mais prejudicial para quem tem a doença", diz o neurologista Mario Peres, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Esses fatores deflagram as crises de dor de cabeça, náusea e irritabilidade, ao atuar em neurônios que, sobretudo por razões genéticas, já são hipersensíveis no caso dos doentes de enxaqueca. Questões emocionais como medo, preocupação excessiva, autocobrança exagerada, stress e depressão podem causar, ainda, as sessões de martírio. Um estudo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo mostrou que, entre pacientes com enxaqueca crônica, 76% têm transtornos de ansiedade e 50% apresentam distúrbios do humor. Apesar de afetar tanta gente – 15% da população adulta brasileira e 11% dos adultos no mundo –, a doença ainda é relativamente desconhecida pela população. Boa parte dos doentes confunde os sintomas do mal com sinais de sinusite, pressão alta, problemas na visão, doenças do fígado e até dor na coluna cervical. Frequentemente, neurologistas precisam lançar mão de um bom arsenal de argumentos para convencer pacientes de que a enxaqueca é uma doença neurológica, que nada tem a ver com esses outros males.

Até agora, não se descobriu a cura para esse distúrbio. Para preveni-lo e controlá-lo, os médicos recomendam a adoção de um estilo de vida saudável – que inclui alimentação equilibrada, prática de exercícios físicos e horários regulares – e, para alguns, o uso de medicamentos, como antidepressivos e anticonvulsivantes. Foi só com o uso de medicamento que a advogada Sônia Monteiro conseguiu se livrar das dores de cabeça que a atormentaram por três décadas. Há um longo caminho a ser percorrido antes que os cientistas consigam decifrar todos os mecanismos da enxaqueca. A descoberta publicada na revista Nature Neuroscience é mais um passo para que 16 milhões de pessoas – o número de doentes no Brasil – possam um dia vir a se livrar desse suplício.

Getty Images e Medical RF/Imageplus/RF

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