9/11/2009 - EDITORIAIS
EDITORIAL
O GLOBO
9/11/2009
Bastou um artigo mais forte (mas vazado em termos políticos) do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no GLOBO de 1/11, para que a fúria do Olimpo desabasse sobre a oposição. O presidente Lula apelou para Hitler. A ministra Dilma Rousseff, que ainda não é candidata mas já age como candidata (o que não é muito correto), engrossou o caldo: “Forças do passado, patéticas e desconexas, usam de esmurradas (sic) táticas para confundir as pessoas, dizendo que os oito anos de governo do PSDB no país são semelhantes aos oito anos de governo do PT.
Eles morrem de medo de comparar nossos governos com os deles e os nossos projetos com os deles. São países completamente diferentes.” Ficamos no plano dos adjetivos, e de uma retórica, esta sim, ultrapassada.
Será que é isto o que espera o eleitorado brasileiro, numa campanha que, tecnicamente, ainda nem começou? O povo brasileiro temas suas intuições, na hora de votar, e cada eleição é uma eleição.
Em 1994 e 1998, preferiu Fernando Henrique a Lula — porque o Plano Real tinha mudado profundamente a vida do país, e Lula era contra o Plano Real. Em 2002 e 2006, preferiu Lula a Serra e depois a Alckmin — porque deve ter achado que era a hora de dar uma chance à oposição. E essa alternância de poder é a própria alma da democracia; impede que esquemas políticos envelheçam e até apodreçam.
Mas o Lula de 2002 já não era o de 1989; e, com grande sabedoria, resolveu manter a política econômica então vigente, enfrentando, para isso, todas as instâncias ideológicas do seu próprio partido.
Só ultimamente é que ele parece mudar de rumo, o que deve ser, em boa parte, fruto da embriaguez do sucesso. Mas o sucesso não teria vindo sem a base sólida — política e econômica — que ficou dos oito anos de FHC.
Nesse caso, como falar em “dois países”, em dois projetos totalmente diferentes? O presidente Lula parece ter alguma diferença pessoal com o expresidente FHC. Daí voltarem sempre as comparações entre operário e professor, que teriam sido resolvidas a favor do operário.
São questões pessoais. Mas as próximas eleições não vão pôr frente a frente o operário e o professor.
É impróprio e inútil ficar repisando o que já passou, e insistir em que o mérito está todo de um lado. A verdade é que, de 1994 a 2009, o Brasil avançou muito, até a posição realmente privilegiada que desfruta hoje.
O que o eleitor vai querer saber, a partir de agora, é o que vai ser feito desse legado.
A oposição já está descobrindo alguns temas - como os que o ex-presidente FHC levantou. Mesmo sendo o cenário, hoje, favorável, vamos continuar insistindo no rumo de agora — o de uma hiperpresidência que açambarca todo o quadro político, que achata os partidos, atropela outros poderes da República (como se viu na grande crise do Senado)? É de um homem (ou mulher) providencial que precisamos? Ou vale a pela retomar, o quanto antes, a evolução institucional que permitiu, em 2002, uma tranquilíssima transferência de poder? Será antipatriótico fazer críticas ao modelo vigente? Ou a crítica, como em qualquer país bem resolvido, é parte essencial do processo político? São as questões que, logo logo, precisarão ser debatidas. Desqualificar de antemão qualquer crítica é um cacoete fascista, que tínhamos abandonado, e que não fará bem algum ao país.
SOB PRESSÃO
EDITORIAL
O GLOBO
9/11/2009
Não se passa um dia sem que a imprensa séria sofra um novo ataque na América Latina. As restrições ao direito de informar e ser informado têm ligação umbilical com os regimes de corte nacionalpopulista, ditos bolivarianos.
A receita tem sido seguida, com maior ou menor ênfase, pelos discípulos do coronel Chávez.
O fim é sempre o mesmo: controlar a informação.
Temos mais um exemplo disso na tensa relação entre o governo Kirchner, na Argentina, e os meios de comunicação, que se agravou com o bloqueio imposto pelo sindicato de caminhoneiros, ligado ao governo, à distribuição dos dois principais diários do país — “La Nacion” e “El Clarín”.
A aversão dos Kirchner à livre imprensa vem do governo Néstor, que discriminava a publicidade estatal segundo o grau de adesão do veículo à Casa Rosada. Na gestão de Cristina, a pressão cresceu, e houve até a ameaça de se estatizar a empresa que fornece papel para 170 publicações argentinas.
O retrocesso no direito de informar e ser informado, no continente, é um dos pontos principais da reunião da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) que se realiza em Buenos Aires. Este é um terreno onde a vigilância não pode esmorecer.
EM BENEFÍCIO DA PRÓPRIA SOCIEDADE
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
9/11/2009
O assunto é espinhoso e tem ganhado repercussão na internet, conforme destacou reportagem de ontem do Jornal do Brasil. A concessão de benefícios previdenciários a famílias de presos, com valores que chegam até três vezes mais do que os pagos pelo programa Bolsa Família, vem despertando indignação. É a “bolsa-bandido” ou o “auxílio-criminoso”, como o benefício tem sido pejorativamente chamado.
Nos nove primeiros meses deste ano, o governo federal gastou R$ 148 milhões com o auxílio-reclusão, pago mensalmente a 25 mil famílias de presos, por meio da Previdência Social. É um benefício criado por lei na década de 60, mas que, equivocadamente, tem sido associado, pelas mensagens que circulam na internet, a uma política do governo Lula.
É compreensível que o cidadão comum, na discussão acalorada, reproduza sensos comuns e veja na concessão de direitos a presos uma inversão de valores. Afinal, como entender que a família de um criminoso possa receber recursos públicos enquanto parentes diretos da vítima ficam sem a ajuda do Estado? A pergunta, inegavelmente, contém princípios de justiça, mas, não do tipo de justiça sobre o qual deve se apoiar o Estado de direito. São estes valores que devem estar acima da natural e instintiva vontade de vingança, do “olho por olho, dente por dente”.
O objetivo das instituições é zelar pelo melhor funcionamento da sociedade. Imaginar que a concessão dos benefícios às famílias represente um incentivo à violência é imputar à criminalidade causas improváveis. Ao amparar a família que perde o provedor em decorrência da prisão, a legislação busca justamente evitar o desajuste familiar, o estado de anomia social. E tanto não é um incentivo ao crime que, em algumas situações, os parentes dos presos, de modo inusitado, procuram os juízes para pedir que a liberdade condicional não seja concedida ou até mesmo que a prisão não seja revogada porque, caso contrário, a família perderá o benefício e passará fome, pois o ex-presidiário terá dificuldades de encontrar emprego.
De todo modo, estes são casos especiais. A lei penal, pelo menos em seu espírito, é feita de tal forma a aumentar as chances de ressocialização dos presos. E para isso é fundamental que o ex-presidiário, ao voltar ao convívio da sociedade, tenha a possibilidade de encontrar na família o apoio para o recomeço. É claro que essa é apenas uma das pontas da ressocialização, que inclui também políticas de acesso a emprego e exige, principalmente, a solução do terrível problema do sistema prisional brasileiro. Longe de redimir o preso, as prisões servem de escola do crime ou salas de tortura que inviabilizam a recuperação.
O próprio sistema de concessão de benefícios às famílias dos presos – apesar de toda a polêmica que suscita – é considerado falho, pois atinge apenas 5% dos 460 mil detentos que formam a população carcerária brasileira. O pequeno número se deve basicamente ao desconhecimento da lei, algo que a Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe) tentará combater com uma campanha a ser lançada em dezembro, por meio de uma cartilha informativa. Nem mesmo a Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência é contra o pagamento do auxílio-reclusão. O que mostra visão, maturidade e conhecimento, evitando o revanchismo primário.
O PROCESSO NECESSÁRIO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
9/11/2009
Ao aceitar a denúncia do então procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, contra o senador tucano Eduardo Azeredo por apropriação de recursos públicos e lavagem de dinheiro, na sua frustrada tentativa de se reeleger governador de Minas Gerais em 1998, o ministro Joaquim Barbosa, relator da matéria no Supremo Tribunal Federal (STF), foi coerente com o seu parecer pela abertura de processo no caso do mensalão - o esquema petista de compra do apoio de parlamentares a projetos de interesse do governo Lula, revelado em 2005. A operação, como se sabe, reproduziu em escala federal os métodos adotados em Minas pelo ardiloso publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza para irrigar fraudulentamente a campanha de Azeredo e de uma vintena de outros políticos - daí as expressões "valerioduto" e "valerioduto mineiro". Ele tomava empréstimos bancários e transferia os respectivos valores para a campanha. Depois, saldava as dívidas com recursos de empresas estatais teoricamente destinados ao patrocínio de eventos esportivos.
Dos R$ 3,5 milhões recebidos dessas empresas, apenas R$ 98 mil foram efetivamente gastos na finalidade alegada. De acordo com o Ministério Público, Azeredo cometeu sete vezes o delito de peculato e seis vezes o de lavagem de dinheiro. Nas palavras de Barbosa, a denúncia "narra conduta criminosa com conteúdo probatório mínimo para a aceitação do crime". Embora o ministro Antonio Dias Toffoli, estreando no Supremo, tenha pedido vistas do relatório - adiando não se sabe por quanto tempo a votação do seu texto de mais de 200 páginas e na contramão do apelo do colega à "celeridade" -, não se imagina com base em que argumentos os seus pares possam rejeitar a ação penal proposta. Além de Azeredo, cujo envolvimento na arrecadação ilegal de recursos cabe ao STF avaliar, por ter ele direito a foro privilegiado, 14 outros suspeitos serão julgados em tribunais de primeira instância. Toffoli alegou que desejava examinar melhor um documento - segundo ele, "o único que leva a uma vinculação material do acusado".
Trata-se da cópia de um recibo, no valor de R$ 4,5 milhões, que Azeredo teria passado à empresa SMP&B, de Marcos Valério. Para o senador, não só a sua assinatura teria sido falsificada, como o recibo nem sequer teria sido mencionado na peça do procurador-geral da República. A autenticidade do papel pode ser contestada, mas a sua citação na denúncia está à vista de quem quer que a folheie - esvaziando a surpreendente insinuação de Azeredo de que Barbosa teria plantado o indício incriminador no seu relatório. O ministro, por sua vez, negou que isso era tudo o que tinha como prova contra o político, relativizou a própria importância do recibo e argumentou que a sua veracidade poderia ser discutida no curso do processo, em vez de obstar, ou retardar, a sua instalação. Ao que tudo indica, a defesa do acusado tentou criar um incidente processual para contrapor aos "indícios robustos" contra o seu cliente, apontados por Barbosa. Ainda mais revelador das aflições de Azeredo foi o seu protesto, numa entrevista, contra o que seriam "dois pesos e duas medidas".
Ele simplesmente reivindicou isonomia com o presidente Lula. Se este, no caso do mensalão, "alegou que não sabia e foi inocentado", o mesmo deveria se aplicar a ele, no caso do mensalão mineiro. "A situação é basicamente muito semelhante", comparou. "Eu era governador, uma campanha descentralizada, com delegação de poderes, e o presidente Lula também concorreu em situação semelhante e não recebeu nenhum inquérito a esse respeito." Não "recebeu" - e disso o ex-presidente do PSDB deve saber muito bem - porque o PSDB, talvez por ter o rabo preso, talvez por covardia, nada fez quando o publicitário Duda Mendonça revelou à CPI dos Correios, em agosto de 2005, que foi pago com dinheiro de caixa 2, mediante depósitos em contas secretas no exterior, pelos serviços prestados à campanha de Lula três anos antes. O ponto, de todo modo, é outro. O histórico do mensalão mineiro compilado pelo procurador-geral pulveriza a hipótese de que Azeredo pudesse ignorar a origem da dinheirama que sustentava a sua tentativa de se reeleger. Sem falar que, pela lei, o candidato é sempre o responsável último pelas finanças de sua campanha. O processo contra o tucano, em suma, é um imperativo de justiça.
A AUTONOMIA DO BC
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
9/11/2009
Por iniciativa da oposição, tramita no Senado projeto de lei complementar que assegura "autonomia administrativa, econômica, financeira e técnica" ao Banco Central (BC) e fixa mandato de quatro anos para seus diretores, e o do presidente da instituição não será coincidente com o do presidente da República. Por causa da complexidade do tema - o projeto regulamenta o artigo 192 da Constituição, que trata da organização e funcionamento do sistema financeiro nacional -, os senadores querem tempo para analisar a proposta. É possível que, preocupada essencialmente com as eleições de 2010, a base governista tente retardar a sua discussão.
Mas o início da tramitação de um projeto com esse conteúdo é, por si só, um fato político importante, pois coloca em discussão no Congresso o papel dos órgãos do Estado sobre os quais o governo vem procurando aumentar seu controle - como as agências reguladoras, papel que, de certa forma, o Banco Central também exerce. A melhor resposta que o Congresso pode dar às tentativas cada vez mais frequentes do governo do PT de cercear a ação dos órgãos do Estado cuja atuação deve ser pautada pela autonomia é fortalecer a legislação que lhes assegura essa condição.
Na parte que trata especificamente das funções e da organização do Banco Central do Brasil, o projeto substitutivo elaborado pelo senador Antonio Carlos Magalhães Junior (DEM-BA) - que reuniu num único texto seis projetos que tratam de temas correlatos, que relata na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - formaliza, na essência, aquilo que vem sendo garantido na prática pelo governo. No entanto, por não haver imposição legal para a autonomia do BC, o governo pode, a qualquer tempo e sem prévio aviso, influenciar as decisões da autoridade monetária e até mesmo forçá-la a modificar as decisões, sempre que isso for de sua conveniência política.
Quando o governo procura utilizar a política monetária para obter ganhos temporários no nível de emprego e no ritmo de atividade da economia, argumenta o senador baiano, eleva as expectativas da inflação, reduz a credibilidade do Banco Central e o força, no fim das contas, a elevar as taxas de juros, "para adequá-las às expectativas da inflação mais alta", o que aumenta as incertezas entre os investidores. "A formalização da autonomia - diz o senador - seria um avanço institucional que poderia ajudar a manter as expectativas de inflação a cada ano com menor sacrifício em termos de taxas de juros reais elevadas."
Pelo projeto, os diretores do BC serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovados pelo Senado em votação secreta, terão mandato de quatro anos, renováveis, e só perderão o cargo se pedirem demissão ou por iniciativa do presidente da República, em decisão que terá de ser submetida ao Senado e justificada por "circunstanciada exposição dos motivos".
Apesar de haver pressões para que a fiscalização do sistema financeiro seja retirada do Banco Central, para evitar excesso de poder, o senador baiano optou por mantê-la entre suas atribuições, por entender que "há complementaridade entre as funções de regulação da oferta de moeda e de supervisão e fiscalização do sistema".
O substitutivo de Magalhães trata de vários outros temas. Entre eles estão a transformação do Conselho Monetário Nacional (CMN) em Conselho Financeiro Nacional (CFN), que terá também a participação de dois representantes do Congresso, mas sem direito a voto; a definição das instituições financeiras e de seu papel; o sistema de garantias de depósitos e aplicações; os regimes especiais de intervenção, de administração especial temporária e de liquidação judicial em instituições financeiras com problemas de solvência; as tarifas bancárias; e as penalidades.
A discussão do projeto será iniciada nesta semana. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), da base governista, foi quem pediu o adiamento do debate, para dar tempo ao BC para se manifestar sobre o tema. "Se eles não mandarem uma resposta rapidamente, vou lavar as mãos. Retiro meu pedido de vista e voto como está", disse Dornelles ao jornal Valor.
AS DROGAS E O MEA CULPA DE LULA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
9/11/2009
Ao discursar na sessão de abertura do 9º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em Olinda, na presença do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o presidente Lula lamentou o aumento do uso do crack entre as novas gerações, especialmente na periferia das regiões metropolitanas, e reconheceu que seu governo não sabe o que fazer para reprimir o narcotráfico. "Está ficando claro que do jeito que nós tratamos as drogas até agora não está resolvendo o problema, porque estamos vendo cada vez mais jovens utilizando drogas mais fortes", disse ele, depois de relatar as últimas conversas que manteve com o presidente dos EUA sobre a necessidade de uma política antidrogas de alcance continental. "A questão das drogas não é brasileira, americana ou boliviana", afirmou o presidente.
Há dois ou três anos, quando psicólogos, médicos e criminalistas cobraram providências, o governo federal alegou que o problema do crack estava circunscrito à cidade de São Paulo - mais especificamente à área degradada do centro velho, conhecida como "Cracolândia". Certamente por mera coincidência, Lula admitiu o fracasso de sua gestão no combate ao narcotráfico no mesmo dia em que o Ministério da Saúde anunciava um plano para a abertura de 73 novos Centros de Atenção Psicossocial, que receberão R$ 98,3 milhões de investimentos por ano para oferecer tratamentos curtos, de até 20 dias, a pessoas viciadas em álcool e entorpecentes.
O mea culpa do presidente também foi feito duas semanas após a eclosão de violentos confrontos entre quadrilhas de narcotraficantes nos morros da cidade do Rio de Janeiro - ocasião em que o secretário de Assuntos Legislativos e o próprio ministro da Justiça anunciaram mudanças na lei que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com o objetivo de restringir a concessão de benefícios a narcotraficantes que cumprem penas aplicadas pela Justiça. Essa lei entrou em vigor em 2006, no último ano do primeiro mandato de Lula, e foi por ele anunciada como uma verdadeira revolução em matéria de política antidrogas "nunca antes deflagrada na história do País".
Quando estava na oposição, Lula dizia que "a guerra das drogas era uma guerra de classes" e que os grandes narcotraficantes não eram encontrados nas favelas, "onde as pessoas são oprimidas e induzidas ao crime para conseguir o pão de cada dia", mas nos bairros ricos das grandes capitais. Ascendendo ao poder, em janeiro de 2003, ele convidou o conceituado antropólogo fluminense Luís Eduardo Soares para a Secretaria Nacional de Segurança Pública, prometendo-lhe todo o apoio necessário para a implementação de uma política de combate ao tráfico, afirmando que não iria "militarizar" o combate às drogas e cobrando maior rigor dos "países ricos com os consumidores", sob a justificativa de que, "se não houver viciados, não tem mercado para vender". Nove meses depois, Lula demitiu Soares, que, ao tentar combater o crime organizado de modo eficiente, entrou em rota de colisão com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Em seu segundo mandato, Lula negociou a chefia da Secretaria Nacional de Segurança Pública com o PTB, em troca de apoio no Congresso. O cargo foi entregue a um obscuro ex-deputado paulista que também é delegado de polícia e filho do senador Romeu Tuma, que integra a base governista. Desde então, o governo federal vem agindo de modo errático em matéria de política antidrogas. A cada confronto entre quadrilhas do narcotráfico, o ministro da Justiça, Tarso Genro, limita-se a oferecer os préstimos da Força Nacional de Segurança aos governadores e a prometer novas mudanças no Código Penal.
Com isso, a legislação antidroga é hoje uma colcha de retalhos e as autoridades estaduais de segurança pública continuam agindo sem estarem articuladas por falta de uma eficiente política nacional de combate ao narcotráfico. E, diante de um cenário cada vez mais preocupante, Lula surpreende com suas declarações. Em outubro, ao anunciar que iria repor o helicóptero da PM fluminense abatido por traficantes, ele afirmou que o combate às drogas passa "a sensação de ser causa perdida". E, agora, reconheceu que seu governo simplesmente não sabe tratar daquele que é um dos mais importantes problemas do País.
INOVAÇÃO EM PAUTA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
9/11/2009
A valorização da moeda nacional impõe às empresas domésticas a adoção de estratégias inovadoras nos negócios
MUITO TEM sido dito sobre a valorização do real e seus danos ao parque produtivo nacional, mas o fato é que vai se tornando cada vez mais evidente que as medidas à disposição do governo para lidar com o problema têm alcance limitado.
É oportuno, portanto, deslocar o foco da discussão para as possibilidades de aumento da capacidade de competição das empresas domésticas. Nesse sentido, nos últimos anos o Brasil desenvolveu um importante elenco de instrumentos de apoio à criação de novas tecnologias e de práticas inovadoras.
No plano financeiro, as companhias brasileiras contam atualmente com incentivos fiscais para a realização de pesquisa e desenvolvimento de projetos inovadores, através da chamada Lei do Bem. Também gozam de isenção de tributos na compra de máquinas e equipamentos vinculados a inovações.
Além disso, um conjunto de fundos governamentais disponibiliza recursos para projetos de pesquisa e desenvolvimento em setores estratégicos, e o BNDES oferece linhas de empréstimos a juros favorecidos para novos projetos em setores como microeletrônica, produtos químicos, biofármacos, entre outros.
Já a Lei da Inovação, regulamentada em 2005, ampliou as condições de apoio a projetos que articulem empresas, instituições de pesquisa e universidades, além de prever a possibilidade de tratamento preferencial a firmas inovadoras nas compras realizadas pelo poder público.
Apesar desse acervo recente, a política pública de inovação ainda necessita de aprimoramentos. O Brasil ainda pulveriza demais recursos escassos, por conta de uma miríade de agências e programas que atuam nesse segmento. Além disso, ainda não há empenho sistemático para atrair os setores de inovação de companhias estrangeiras interessadas em fazer negócios no país.
O crescente interesse pelo Brasil, por parte de aplicadores internacionais, também é uma oportunidade para ampliar os chamados fundos de "venture". Por esse mecanismo de mercado, investidores emprestam recursos a empresas de perfil inovador ainda na fase de desenvolvimento de seus projetos -interessados em compartilhar do sucesso, muitas vezes meteórico, de algumas delas.
O Brasil, considerados gastos públicos e privados, investe hoje 1,1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), enquanto Japão e Coreia investem em torno de 3,5% do PIB. No caso brasileiro, o dispêndio em P&D com recursos do governo responde por 54% do investimento nacional, contra apenas 25% na Coreia e 16% no Japão.
A chave para ampliar a parcela do PIB destinada à área de P&D, como recomenda a comparação internacional, é superar o padrão baseado no gasto do governo. Cabe agora às empresas, devidamente apoiadas por instrumentos públicos, liderar, por meio da inovação, o esforço de ampliar a densidade tecnológica e a competitividade dos produtos fabricados no Brasil.
AS FILAS DA EDUCAÇÃO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
9/11/2009
DESDE 2007 , a gestão de Gilberto Kassab (DEM) na capital paulista exige que entidades com as quais mantém convênio transfiram suas vagas da pré-escola (4 a 6 anos) para as creches (0 a 3 anos). Ao longo de dois anos, a prática retirou 17 mil matrículas da pré-escola, ampliando a fila de espera para 28,5 mil crianças. Faltam vagas em 92 dos 96 distritos da cidade.
Evidenciou-se na gestão municipal o que popularmente se chama de "cobertor curto". Kassab sacrificou o ensino fundamental, mas conseguiu diminuir o deficit nas creches -há dois anos, eram 160 mil crianças na fila por uma vaga nessas instituições; hoje são 87 mil, cifra ainda gigantesca.
O orçamento municipal não é capaz de custear a solução simultânea das inúmeras deficiências da capital. Contudo, se a educação infantil tornou-se, corretamente, prioridade de Kassab, teria sido preferível buscar os recursos em outras áreas, como por exemplo o transporte municipal, setor em que o subsídio para as empresas vem aumentado, a fim de manter a tarifa de ônibus congelada desde 2006.
Universalizar o acesso ao ensino nos primeiros anos de vida tem se revelado, de acordo com reiterados estudos especializados, uma política importante para diminuir a desigualdade de oportunidades entre ricos e pobres que se revelará bem mais tarde, no mercado de trabalho. É mais fácil corrigir deficiências cognitivas, em geral associadas a fatores socioeconômicos e familiares, nas idades mais tenras.
Agora a prefeitura anuncia a criação de 142 novas unidades de pré-escolas, o que implicaria redução da fila e diminuição de alunos por sala. O prefeito Kassab, assim, lança outra promessa ambiciosa. Resta acompanhar o restante do mandato na expectativa de que cumpra o prometido -sem sacrificar outros setores de alta prioridade.
A LEGISLAÇÃO CAMBIAL PRECISA SER MODERNIZADA
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
9/11/2009
Entre as alternativas em estudo no governo para tentar conter a sobrevalorização cambial, uma nova rodada de liberalização dos fluxos do balanço de pagamentos é a proposta que poderá ter impactos mais importantes e duradouros na economia. Não será, seguramente, capaz de inverter a tendência de apreciação do real. Mas representará um novo passo num longo processo de desmonte dos excessivos controles cambiais vigentes no país.
Até os anos 1980, cidadãos cumpridores da lei e que pagam os seus impostos em dia eram obrigados a obter autorização prévia do Banco Central para comprar dólares para operações corriqueiras, como importar medicamentos. Existiam limites rígidos na aquisição de moeda estrangeira para viagens internacionais. As atividades dos doleiros eram toleradas, e os jornais divulgavam diariamente a cotação do dólar no mercado paralelo.
De lá para cá, boa parte dessas amarras foi desmontada. A unificação dos mercados de câmbio livre e flutuante em 2005, só para citar uma medida de grande alcance, criou um caminho mais transparente para empresas e cidadãos moverem recursos para dentro e para fora do país. Antes, isso era feito por meio das contas CC5. Por essa conta transitavam recursos legais e ilegais. A CC5 foi ganhando má reputação ao longo de inúmeras Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) destinadas a apurar escândalos financeiros, por seu uso em esquemas de lavagem de dinheiro.
Os avanços dos últimos vinte anos são inquestionáveis, mas ainda há muito o que fazer. Os fundos de pensão, por exemplo, são impedidos de aplicar recursos no exterior, salvo em situações especiais, observando um teto de 10% do seu patrimônio líquido. Essa é uma das regras que merecem ser reexaminadas na atual rodada de liberalização. Também seria adequado abrir o leque de possibilidades para os clientes terem acesso a produtos financeiros no exterior, por meio de bancos locais.
Em tese, a maior liberdade cambial permitiria aos indivíduos e aos fundos de pensão diversificar as suas aplicações, que hoje estão concentradas basicamente no Brasil. O Brasil oferece oportunidades de investimento com alto retorno. Mas os gestores devem se preocupar, também, em mitigar os riscos das suas aplicações por meio da diversificação das suas carteiras, sobretudo porque seus compromissos com os cotistas são de longo prazo.
Há, ainda, regras colocadas por algum burocrata que podem ter se mostrado úteis em determinado momento, mas que se perpetuam sem a menor razão. Exemplo disso é a obrigatoriedade da empresa que emite um ADR (American Depositary Receipts) fechar o contrato de câmbio e trazer os recursos para o país num prazo limite de cinco dias.
Uma maior liberdade para investir no exterior, porém, deve vir acompanhada de regulação mais firme. A atual crise financeira internacional é rica em exemplos de como instituições financeiras se aproveitaram de sua atuação global para fazer a chamada arbitragem regulatória, escondendo as suas operações onde as normas são mais brandas. Boa parte dos veículos de investimentos dos bancos que carregavam ativos imobiliários tóxicos estava localizada em paraísos fiscais.
Um problema que dever ser corrigido, portanto, é a falta de integração e troca de informações entre os órgãos supervisores. Esse é um dos temas em discussão no Forum de Estabilidade Financeira, organismo que toma a frente nas negociações internacionais para fortalecer o sistema financeiro global.
Tradicionalmente, o Brasil tem mantido a prática de, ao mesmo tempo em que libera os fluxos de capitais, exigir controle das atividades de instituições brasileiras no exterior. Os bancos podem manter ativos no exterior, por exemplo, apenas se os fiscais do BC puderem checá-los. No caso dos fundos de pensão, serão fundamentais regras que assegurem controles semelhantes aos órgãos reguladores, além de limites para os riscos assumidos.
Nessa nova rodada de liberalização cambial, também será prudente que o governo mantenha a prerrogativa de, em caso de emergência, voltar a lançar mão de controles cambiais, por meio de decisões do Conselho Monetário Nacional (CMN). Hoje, o ambiente é de excesso de dólares, mas os fluxos de capitais estão sempre sujeitos a paradas súbitas.
O DESTAQUE DA INDÚSTRIA
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
9/11/2009
Os números sobre o desempenho da indústria no país mostram a inflexão entre dois períodos: a passagem da retração para o crescimento.
Pela primeira vez, desde setembro de 2008, os indicadores de faturamento real (descontada a inflação), horas trabalhadas e emprego apresentaram, ao mesmo tempo, crescimento conforme dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
De agosto para setembro, o faturamento do setor aumentou 1%, as horas trabalhadas cresceram 0,4% e o emprego teve alta de 0,2%. Uma outra pesquisa, feita pelo IBGE, mostra que no mesmo período a produção de bens industriais foi maior: 0,8%.
Esses indicadores, modestos porcentualmente, não significam o fim das dificuldades industriais. Muito longe disso. Mas, são importantes - repita-se -, porque marcam a volta do crescimento que havia sido interrompido desde setembro de 2008, quando se agravou a crise na economia mundial.
Mesmo representando a virada do jogo, os indicadores de setembro/2009 não asseguram que o PIB industrial termine positivo em 2009. Por certo, isso não será possível nem com bons resultados nos demais meses do ano. A expectativa da própria CNI é de desempenho 3% menor em relação a 2008. Não dá para recuperar os maus resultados acumulados nos nove meses anteriores.
Mas, as perspectivas são otimistas para 2010. O Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI), calculado pela CNI, atingiu o patamar mais elevado desde 2005. Reflete a crença na expansão do PIB do país nos últimos meses deste ano e no próximo. Isso incentiva decisões de investimento - o que já está sendo verificado em diversas áreas.
Uma das melhores notícias em relação ao desempenho da indústria é a alta da produção de bens de capital (máquinas e equipamentos): 5,8% em setembro em relação com agosto, de acordo com a PIM (Pesquisa Industrial Mensal) do IBGE.
A ampliação das encomendas de máquinário significa que empresas de diferentes setores estão investindo na ampliação, diversificação e modernização da produção. Apostam no aquecimento da economia, por isso implementam novas condições de disputa de mercado , visando a atender à demanda crescente.
Não há otimismo apenas no setor empresarial sobre os rumos da economia. Esse clima também está presente no seio da população. Tanto é que o ICC (Índice de Confiança do Consumidor, apurado pela Fundação Getulio Vargas, alcançou em outubro o maior nível desde maio de 2008, quando não se falava em crise.
Nesse contexto merece referência o crescimento de 8,23% no faturamento do parque industrial capixaba em setembro, na comparação com agosto. É muito acima da média nacional de 1%, mas cabe uma observação: no Espírito Santo, esse indicador tem vínculo muito forte com o mercado internacional. Ou seja, é necessário o aquecimento da demanda externa, sobretudo de produtos semi-acadabados, para sustentar a alta das vendas do setor fabril local.
O Palácio do Planalto está anunciando medidas, ainda não definitivamente formatadas, para estimular as exportações do país. Estão sendo aguardadas com muito expectativa. O incremento dessa atividade é indispensável para dinamizar atividades industriais e agropecuárias, ampliando o crescimento do PIB.
Já o mercado interno espera que a política de juros ao longo de 2009 seja compatível com o crescimento econômico que está sendo esperado, acima de 4%.
UM LIXO SEM LUGAR
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
9/11/2009
No Brasil, número de computadores vendidos deve chegar a 9 milhões este ano
O assunto foi tema da matéria de capa da última edição do caderno Informátic@ (5/11). Junto com a praticidade, conforto e dinamismo que acompanham os computadores, celulares, GPS e televisores, surgiu o lixo gerado a partir desses equipamentos. Com uma vida útil de cerca de cinco anos, é inadmissível o acúmulo desses materiais na natureza. O que fazer com o aparelho eletrônico desatualizado, que já não desperta mais interesse de seu proprietário? Trata-se de um dilema para a sociedade. Sem informações dos perigos dos componentes químicos existentes nesses aparelhos e o modo correto de descartá-los, muitos equipamentos eletroeletrônicos são rotineiramente despejados nos aterros sanitários comuns, ameaçando o solo, certamente em condições já precárias por causa da ação de outros rejeitos. Faz-se então necessário que poder público e fabricantes intercedam o quanto antes para que a situação não se transforme em um problema insolúvel, numa tormenta coletiva.
Não há levantamento confiável a respeito, mas estima-se que, por ano, são gerados 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico em todo o mundo. Segundo a organização não governamental (ONG) Greenpeace, a quantidade representa 5% de todo o lixo produzido pela humanidade. Entretanto, é certo que esse número aumente exponencialmente nos próximos anos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informa que em 2008 foram vendidos mais de 7 milhões de computadores no Brasil, devendo chegar este ano perto de 9 milhões de unidades. Estimulados pelo surgimento constante de aparelhos com funções cada vez mais sofisticadas e abrangentes, consumidores trocam celulares e computadores com muita frequência. Verifica-se que as inovações tecnológicas – necessárias a todos – são também as grandes causadoras desse consumismo eletrônico desenfreado e a consequente e excessiva produção de material que se tornará lixo no futuro breve.
Recentemente, o governo de São Paulo sancionou a Lei 13.576/09, que institui como obrigação dos fabricantes, importadores e comerciantes as responsabilidades sobre a reciclagem, gerenciamento e destinação final dos detritos eletrônicos. A medida, que tem como objetivo atenuar os prejuízos ambientais para a sociedade, é muito importante, mas é ainda pouco eficaz em relação ao que realmente precisa ser feito. O certo seria a iniciativa partir do governo federal, para que fosse estendida a todo o país, o quanto antes, evitando-se uma calamidade pública irreparável. As nações de Primeiro Mundo foram as primeiras, com o avanço das tecnologias que elas mesmas desenvolveram, a descartar esse tipo de lixo, algumas de forma acintosa, aproveitando inclusive a impotência de países mais pobres para despachar para eles contêineres abarrotados de toda ordem de rejeitos, como ocorreu recentemente, de empresas da Inglaterra para o Brasil. Urge, portanto, que os governos (federal, estados e municípios), empresas e população tomem medidas mais drásticas e criem alternativas para minimizar a ação desses detritos eletrônicos no nosso dia a dia e no das próximas gerações.
DEU PIZZA NA CÂMARA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
9/11/2009
A notícia causa indignação, mas não surpreende. A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados decidiu, mais uma vez, virar as costas para a opinião pública. Absolveu, na última quinta-feira, os deputados Eugênio Rabelo (PP-CE) e Paulo Roberto Pereira (PTB-RS) de envolvimento em esquema ilícito de comércio de bilhetes aéreos. Seguiu recomendação da comissão de sindicância que investigou o caso. O deputado ACM Neto, presidente do Conselho de Ética, não nega a ocorrência do fato. Afirma, porém, não haver prova do envolvimento direto dos acusados apesar de comprovada a participação de funcionários dos parlamentares.
A alegação seria cômica se não se referisse a membros de um dos poderes da República. São pessoas eleitas pelo povo para representá-las no exercício da democracia. Em vez, porém, de legislar e fiscalizar o Executivo, aproveitam-se do cargo para obter benefícios para si ou para grupos que os apoiam. Trata-se de acinte que se soma ao do nepotismo, da venda de votos, de bargalhas em troca de favores.
A descoberta da farra das passagens desvendou esquema de malversação de dinheiro público no Congresso. Deputados e senadores usavam recursos destinados à compra de bilhetes aéreos (necessários ao deslocamento do parlamentar no exercício do mandato) a fim de brindar parentes, servidores, namorados, cabos eleitorais. Fechavam os olhos para princípios éticos elementares.
Embora não houvesse nenhuma lei que os proibisse expressamente de fazer benesses com o chapéu alheio, ninguém, em sã consciência, poderia imaginar que verba do erário pudesse ser aplicada em negócios privados. Mas entendimento contrário circulava com desenvoltura nos gabinetes legislativos. Representantes de diferentes unidades da Federação, independentemente da cor partidária, lançavam mão do expediente.
A prática era generalizada. Os poucos parlamentares que se mantinham nos trilhos constituíam exceção, não regra. Na oportunidade da divulgação dos desmandos, despertou especial indignação a gentileza de Fábio Faria (PMN-RN). O deputado usou a cota para pagar passagem aérea da então namorada Adriane Galisteu, da mãe da apresentadora e de atores de TV. Em bom português: o imposto duramente desembolsado pelos brasileiros destinava-se a prazeres pessoais.
Abuso de tal magnitude, no entendimento da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, não merece punição ou reprimenda. É revoltante. Caso empregado da iniciativa privada agisse da mesma forma, o empresário lhe passaria a mão na cabeça ou tomaria medidas para reaver o dinheiro e punir o responsável? A resposta não deixa dúvida. Vai em direção contrária ao entendimento da Câmara.
O CNJ NO PARANÁ
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
9/11/2009
Sob a coordenação do seu corregedor nacional, ministro Gílson Dipp, o Conselho Na¬¬cional de Justiça (CNJ) vai realizar uma audiência pública em Curitiba na tarde da próxima quinta-feira. É uma oportunidade ímpar de a sociedade se aproximar do Judiciário, pois a po¬¬pulação poderá dar opiniões e sugestões sobre os serviços do Tribunal do Justiça do Paraná (TJPR). A vinda ao Paraná faz parte do esforço do CNJ para melhorar a prestação jurisdicional em todo o país. O Conselho, criado há cinco anos, surgiu justamen¬¬te para elevar o controle social sobre a Justiça, com a fixação de metas, o estabelecimento de prio¬¬ridades e a avaliação dos resultados.
Antes mesmo da audiência pública, uma equipe do CNJ, formada por oito juízes e mais 36 servidores, começará a inspeção em unidades judiciais e administrativas da Justiça Comum Estadual, além de cartórios extrajudiciais e unidades de administração pública. Com base nessas vistorias, que começam hoje e estendem-se até sexta-feira, é que o grupo produzirá um relatório sobre a atuação da Justiça no estado.
Como mostrou reportagem publicada ontem pela Gazeta do Povo, não faltam problemas a se¬¬rem acompanhados no Paraná. Um dos que motivou a vinda da equipe do Conselho para o estado é a situação dos cartórios cujos titulares não passaram por concurso público. Em meados deste ano, o CNJ determinou o afastamento dos cartorários que estão nessa situação, conforme previsto na Constituição Federal. Felizmente, a possibilidade de que a situação seja revertida com a aprovação da PEC 471/05, em tramitação na Câmara dos De¬¬putados, é mínima. Michel Temer, presidente da Casa, não planeja pôr a PEC em votação porque o Su¬¬premo Tribunal Federal (STF) já indicou que a considera inconstitucional. O Conselho quer garantir que o TJPR tome, como prometeu, as me¬¬didas necessárias para que se cumpra o que está na Constituição.
Outro aspecto do Judiciário paranaense a ser verificado de perto é o cumprimento da Meta 2, instituída no início deste ano pelo CNJ. Ela prevê que os 146 mil processos anteriores a 2005 que estavam pendentes de julgamento ao fim de 2008 sejam apreciados ainda neste ano. A meta tem surtido efeito: o TJ passou de uma média mensal de 4 mil julgamentos de processos antigos para 7,8 mil em agosto e 11,8 mil em setembro. Com esse es¬¬forço, o TJ cumpriu com 40% da meta – fato que, por si só, mostra o valor do estabelecimento de objetivos. A comitiva do CNJ também vai cobrar explicações sobre os processos que aguardam manifestação há mais de cem dias. De acordo com o conselho, há 14 mil processos nessa situação no Paraná. Essa questão está ligada a outra que também vai merecer a atenção dos inspetores: a escassez de recursos humanos. Com base nos dados do levantamento Justiça em Números, do próprio CNJ, o efetivo por 100 mil habitantes da Justiça no Paraná é de 35,7. A média nacional é de 74,8. Tam¬¬bém há falta de pessoal auxiliar: são 64,7 para cada 100 mil habitantes no Paraná, contra 113,8 no Brasil. Os números falam por si, mas não respondem a questionamentos legítimos de quem espera atendimento: foram realizados concursos? Quantos servidores serão contratados? Quando?
Quanto aos presos provisórios, o CNJ busca saber quanto tempo aguardam até o julgamento. De acordo com a comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a legislação prevê que a primeira audiência ocorra em até três meses, mas no Paraná ela só ocorre a partir do quarto ou quinto mês após a detenção. Estão ainda na mira do CNJ o investimento da Justiça Estadual do Paraná na informatização dos serviços, o baixo orçamento do TJPR – o estado está na lanterna quando se compara a despesa da Justiça com o PIB – e a atuação das Varas de Família e das Varas da Fazenda. Essas últimas são responsáveis por julgar todos os processos referentes a tributos municipais e estaduais e por cuidar das execuções fiscais e das falências e concordatas de empresas.
Como se vê, há aspectos de sobra que podem ser melhorados na prestação jurisdicional do Paraná. E não há dúvida do quanto a atuação do CNJ pode contribuir para a necessária melhoria. Traçar es¬¬tratégias para solucionar problemas é medida salutar em qualquer área – mais ainda quando se trata de garantir que a Justiça esteja ao alcance de todo o cidadão. Para além disso, as audiências pú¬¬blicas, trazendo a Justiça para perto da sociedade, fazem aumentar a confiança pública no sistema judicial e, portanto, na democracia.
O DESAFIO PREVIDENCIÁRIO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
9/11/2009
O impasse criado com o reajuste dos benefícios dos aposentados que ganham acima de um salário mínimo tem sido revelador da dificuldade para tratar de uma questão que, no Brasil e em outros países, ninguém interessado em seu futuro político tem a coragem de encarar de forma realista. Os problemas de caixa enfrentados pelo poder público de maneira geral, agravados pelas consequências da crise econômica global, e as mudanças de ordem demográfica, com o salto na expectativa de vida, porém, tornam as soluções inadiáveis nesta área. Mais do que o aumento, o desafio mesmo será o de adotar uma ampla reforma da Previdência, tornando o sistema compatível com a realidade do caixa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), das contribuições dos trabalhadores e das aspirações de quem cumpre as exigências para se aposentar.
O caso atual é particularmente constrangedor por envolver um projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) equiparando o aumento das aposentadorias ao do salário mínimo, que vinha registrando uma significativa recomposição até a economia mundial entrar em crise, com prejuízos também para o país. Como o discurso do PT sempre foi de recuperação dos ganhos dos inativos, é natural que os aposentados tenham decidido pressionar os parlamentares em Brasília e se frustrado com o fato de não ter havido uma decisão sobre o assunto já na semana passada. O reajuste dos aposentados, porém, não pode ser decidido de forma açodada e deveria estimular o debate sobre a urgência de uma ampla reforma da seguridade.
A dificuldade de remunerar dignamente quem já trabalhou o suficiente e assegurou o direito de pleitear sua aposentadoria não é exclusividade do Brasil, o que não contribui para tornar o problema menor. Na maioria dos países desenvolvidos, nos quais os avanços na área social, as inovações tecnológicas e os progressos na medicina vêm levando as pessoas a viverem cada vez mais, a reforma previdenciária está na ordem do dia, mas não avança. Em qualquer país do mundo, todo eleitor tem no mínimo alguém próximo já aposentado ou prestes a se aposentar e os políticos temem as consequências de se manifestar de forma que pareça ir de encontro a quem depende dos benefícios da seguridade. Obviamente, não deveria ser assim.
O reajuste a ser definido nesta semana constitui-se apenas numa pequena parte de uma questão muito mais ampla que o Brasil vai ter que resolver, mais cedo ou mais tarde. O que o país precisa ter claro e tratar de forma transparente são as reais condições do caixa da Previdência e o que pode ser feito a partir daí para melhorar a vida dos aposentados, de preferência com uma reforma ampla e corajosa, que garanta não apenas uma remuneração digna, mas também a segurança do sistema.
O COMEÇO DE UMA ERA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
9/11/2009
Quando o Muro de Berlim começou a ser posto abaixo, há exatos 20 anos, sabia-se, sem necessidade de qualquer distanciamento histórico, que ali estava ocorrendo um fato que mudaria o destino da Alemanha, da Europa e do mundo. Símbolo da Guerra Fria e da divisão alemã, o Muro era acima de tudo um monumento à intolerância e à ausência de liberdade. Por isso, mais do que o fim de um período histórico sombrio, marcado por tensões políticas e por fanatismos ideológicos, os episódios de Berlim inauguravam uma nova era, que os berlinenses e os europeus celebraram naquele dia e nos seguintes.
Ao se restabelecer a possibilidade de trânsito entre as duas Alemanhas, que o Muro cortara durante 28 anos, ruía inexoravelmente o próprio sistema que lhe dera origem. Os meses e anos seguintes confirmariam o esfacelamento do regime comunista da Alemanha, da União Soviética e dos demais países do bloco, evidenciariam a hegemonia política do Ocidente e confirmariam a supremacia militar dos EUA, convertidos na única superpotência planetária. Num exagero próprio dos períodos de grandes mudanças, nasceram naqueles dias as tendências liberais extremadas, que sobreviveriam nas duas décadas seguintes, mas seriam mortalmente abaladas pela crise financeira que assolou o mundo a partir de 2008. Nem esses desvios, no entanto, lançaram sombras sobre a importância daquele 9 de novembro de 1989.
O legado do episódio é, por isso, mais extenso e mais perene do que algumas de suas consequências. Ao definir o momento em que a História se livrou do autoritarismo político e do estatismo econômico, ao ver por terra as pedras que dividiam uma nação e ao dar por destruída a que então se chamava Cortina de Ferro, a derrubada do Muro de Berlim consagrou-se como o momento da vitória da liberdade.
PARA VER ALÉM DO MURO
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
9/11/2009
Uma cidade dividida ao meio, durante quase trinta anos, retratou a insensatez de uma visão estreita, dominada pela ideologia, alimentada pela constante disposição de confronto. A capital da Alemanha foi o lugar em que o nefasto símbolo da Guerra Fria foi erguido, em 1961, para conter a fuga em massa dos cidadãos da parte leste. O Muro de Berlim, cortando as duas Alemanhas, separou o mundo em duas bandas: de um lado, o bloco capitalista, dos aliados dos Estados Unidos, do outro, o comunista, dos aliados da União Soviética (URSS). No equilíbrio instável criado pelo medo generalizado, o jogo de polarização política e o acúmulo do arsenal de bombas nucleares, após o trauma da Segunda Guerra, responderam pelo surgimento de uma geração tensa, que cresceu fazendo as contas de quantas vezes poderia ser destruído o planeta.
No dia 9 de novembro de 1989, exatamente vinte anos atrás, o Muro de Berlim veio abaixo com festa e sem vítimas, num dos acontecimentos singulares da história da humanidade. Evento que mudou profundamente o perfil geopolítico do mundo, parte fundamental de um efeito dominó que percorreu toda a Europa Oriental, a queda pacífica do Muro suscitou, de cara, uma espécie de triunfalismo ocidental baseado na crença da vitória definitiva de valores democráticos e liberais.
A compreensão trazida pela distância um pouco maior de tempo revela que o regime amparado pela antiga União Soviética, em um grupo de países protegidos pela chamada Cortina de Ferro, encontrava-se em um processo irreversível de desgaste. Sem reservas econômicas e com nítidas fissuras políticas, o socialismo soviético sucumbiu devido a seus próprios males – tendo contribuído para o tiro de misericórdia a atuação de líderes como Mikhail Gorbachev, que pregavam a abertura econômica e a distensão política como saídas para reformar o sistema.
A diferença evidente de qualidade de vida entre as populações das duas Alemanhas foi uma das primeiras visões confirmadas pelos destroços do Muro. A sede de liberdade das nações sufocadas pelos soviéticos também veio à tona com mais força, em levantes que se espalharam pela Polônia, Hungria, TCheco-Eslováquia, Romênia e outros países. O historiador Eric Hobsbawn classificou o episódio da queda do Muro de Berlim como o marco final e prematuro do século 20. Então, que mundo inaugurou a queda do Muro?
A atual primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, que cresceu na parte oriental, estava na platéia emocionada que assistiu ao encontro de personagens decisivos para a reunificação, semanas atrás. Juntos, Gorbachev, o ex-chanceler Helmut Khol e o ex-presidente norte-americano George Bush (pai) participaram de um evento comemorativo em Berlim. Merkel, protagonista desse novo mundo, será esta noite a cicerone na simulação da derrubada de uma réplica do Muro, durante a celebração oficial que contará com a presença de chefes de Estado da nova configuração planetária.
A data de hoje merece e será amplamente comemorada. No entanto, tão importante quanto revisitar os horrores de ontem – para prevenir que a história se repita, como se diz, como farsa – é aproveitar o momento para refletir sobre os rumos da civilização após os grandes equívocos do século passado. A virada econômica da China e a persistência de caudilhos na América Latina desautorizam a manutenção da versão simplista de que o Muro de Berlim no chão significou a derrocada de qualquer prática totalitária.
É preciso também não cair na tentação intervencionista, que alega uma debilidade intrínseca a todo regime fechado, como alerta o jornalista Michael Meyer em seu livro 1989: O ano que mudou o mundo, referência obrigatória sobre o assunto. As invasões americanas ao Iraque e ao Afeganistão, patrocinadas por tal entendimento, são exemplos de que o novo mundo ainda precisa ser forjado. Comemoramos a queda do Muro, mas, duas décadas mais tarde, não sabemos o que vem depois dele – porque é preciso enxergar mais longe, além dos dualismos anacrônicos que reduzem a realidade ao reparti-la pela metade, escondendo a complexidade dos problemas e camuflando a responsabilidade que só pode ser percebida na vigência da liberdade.
PARTILHA POLÊMICA
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE (CE)
9/11/2009
Depois do anúncio da descoberta da camada do pré-sal no litoral brasileiro, a partilha do possível fruto de sua exploração tem causado polêmica de toda ordem, dividindo a classe política, alimentando dissensões e uma interminável resistência no Congresso Nacional. Quatro projetos foram elaborados pelo Poder Executivo consubstanciando o novo modelo de exploração do petróleo em águas profundas. A discussão maior diz respeito à partilha dos recursos entre Estados produtores e consumidores.
As comissões especiais da Câmara dos Deputados já aprovaram os relatórios do Fundo Social e da Petro-Sal, com algumas alterações nos textos originais. Contudo, ficaram para o dia 10 as análises e aprovações dos relatórios relativos aos projetos de capitalização da Petrobras e sobre a divisão dos "royalties" do pré-sal, os projetos mais complexos, porque envolvem interesses díspares. Uma última rodada de negociações será tentada em busca do consenso.
A matéria de mais difícil aprovação será, exatamente, a relativa à partilha dos "royalties". Os Estados produtores - Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo - não admitem abrir mão de parte dessa receita extraordinária, sob o argumento de que a exploração ocorrerá em faixas oceânicas privilegiadas de seu litoral. Os Estados do Nordeste não aceitam essa postura, tendo o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, transferido os debates para a tribuna do Legislativo.
O deputado Henrique Eduardo Alves, relator do projeto dispondo sobre a partilha dos "royalties", concebeu uma fórmula para dividir a riqueza potencialmente estimada, com a exploração dos blocos do pré-sal, na faixa marítima situada no litoral de Santa Catarina ao Espírito Santo. A equação por ele montada prevê a elevação de 10% para 15% da alíquota de "royalties" nos campos do pré-sal sob o regime de partilha da produção dessa riqueza.
A futura arrecadação dos recursos advindos dessa fonte seria dividida na seguinte ordem: 18% para os três Estados produtores; 44% para Estados e Municípios não produtores e 30% para a União. Haveria uma alternativa capaz de atenuar a recusa dos Estados produtores, com a elevação de sua cota para 23% e a redução da parcela da União de 30% para 25%. Hoje, os três Estados recebem 26,25%.
O Fórum de Governadores do Nordeste, realizado em Fortaleza, voltou a discutir a questão, ensejando uma moção de apoio à fórmula proposta pelo relator do projeto. Os governadores nordestinos desejam, entretanto, incluir nessa divisão os recursos oriundos das áreas com a exploração já concedidas. O Nordeste, mais uma vez, sai unido em torno de uma decisão para contemplar as gerações futuras.
A questão toda é de bom senso. O modelo atual de concessão de recursos aos Estados produtores não sofreria alterações. A redução de 26% para 23% dos recursos do pré-sal ocorreria apenas em relação às novas fontes de exploração petrolífera. Afinal, o País é constituído por um todo orgânico. Não beneficiar a maioria da população brasileira com os recursos do pré-sal seria uma forma inaceitável de discriminação.