Monday, October 19, 2009

19/10/2009 - EDITORIAIS




AJUSTE À REALIDADE
EDITORIAL
O GLOBO
19/10/2009

Não está mais longe o dia em que o Brasil passará a ter um perfil populacional semelhante ao de países europeus ou até mesmo do Japão, nação com maior percentual de idosos no planeta.

A queda na taxa de fecundidade, fenômeno mais acentuado entre os brasileiros com mais instrução, começa a se espraiar. Face à participação crescente das mulheres no mercado de trabalho (em média, elas também hoje têm mais anos de instrução do que os homens) e às campanhas bem-sucedidas de prevenção a doenças transmitidas sexualmente, a gravidez indesejada vem diminuindo no país. Desse modo, há também progressiva redução na diferença das taxas de fecundidade entre o Norte/Nordeste e o Sul/Sudeste; entre os mais pobres e os mais ricos.

Assim, o número de brasileiros com mais de 60 anos já supera o de crianças até 6 anos. E, no máximo em duas décadas, chegará o momento em que o percentual dos considerados idosos (acima de 65 anos) será maior que o de jovens até 29 anos.

Temporariamente, essa mudança no perfil demográfico traz enormes vantagens ao país. Na educação, ficou mais fácil atender à demanda pela pré-escola que, se bem estruturada pedagogicamente, proporciona saltos qualitativos no aprendizado e pode contribuir para eliminar rapidamente o problema da evasão escolar, que leva ao analfabetismo funcional e à falta de preparo para o trabalho.

No entanto, se pelo lado dos mais jovens será possível investir em melhora substancial na qualidade de vida, por outro o envelhecimento da população poderá significar graves problemas se o país não se preparar para enfrentar essa realidade.

Há questões objetivas que precisam começar a ser resolvidas o quanto antes, até porque esse processo de envelhecimento já está em curso: a população com mais de 80 anos crescerá, já na próxima década, a um ritmo de 6% ao ano. Da previdência social ao planejamento urbano, da saúde ao mercado de trabalho, há muito o que ser ajustado.

ESTADO DE DIREITO E PARALELO ACUADOS
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
19/10/2009

RIO - Há muito a tarefa de combater o crime organizado no Rio de Janeiro tomou proporções tão complexas que não basta à polícia subir morros e favelas à caça dos bandidos. As facções do tráfico tornaram-se tão poderosas e audaciosas que suas ações não se restringem à administração estática de pontos de vendas de drogas – que retalha a cidade geograficamente em áreas dominadas. A dinâmica própria do confronto entre grupos rivais, com a prática das invasões de morros, mostra o quanto o crime organizado é ousado a ponto de se movimentar pela cidade, criando a sensação de que há uma guerra particular, para além do controle das forças de segurança do Estado.
Os episódios deste fim de semana, que amedrontaram a população na Zona Norte do Rio e cujas imagens foram divulgadas internacionalmente, são um retrato do tamanho do desafio a ser enfrentado, ainda mais agora que a cidade receberá os dois maiores eventos esportivos mundiais, a Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos, dois anos depois.
Pela primeira vez, um helicóptero da polícia foi abatido durante uma troca de tiros com traficantes. A cena foi impactante. Alvejada por rajadas de fuzil, a aeronave começou a pegar fogo e explodiu quando fazia um pouso de emergência numa vila olímpica. Dois dos seis tripulantes, que não conseguiram escapar a tempo, morreram carbonizados. O sobrevoo do helicóptero se dava em meio às tentativas da polícia de acabar com a guerra entre duas facções de traficantes, que já durava a madrugada inteira de sexta para sábado.
Não bastasse o trágico acidente provocado, a violência dos bandidos continuou e se espalhou para longe dos arredores do Morro dos Macacos, epicentro da disputa entre as facções criminosas. Cercados pela Polícia Militar, os traficantes que invadiram a favela de Vila Isabel comandaram uma série de ataques a ônibus, incendiados em diversos pontos da cidade, com o objetivo de dividir as forças da polícia. Dez veículos foram destruídos, causando um prejuízo de R$ 2,5 milhões. Ao todo, as seguidas horas de violência deixaram um saldo de 14 pessoas mortas, sendo três vítimas inocentes. Eram primos que voltavam de uma festa e, por azar, encontraram pelo caminho o “bonde” dos traficantes invasores, que os executaram.
Esses aterrorizantes acontecimentos mostram a audácia e a brutalidade dos bandidos, cada vez mais armados. E deixam a sociedade preocupada. Mas também podem revelar certo desespero do crime organizado, em razão da criação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), que começaram a expulsar, pela primeira vez, o tráfico de drogas pesado de algumas comunidades. O resultado das UPPs ainda é irregular, o que é natural, até pelas diferentes condições de cada favela. Mas caso o exemplo bem-sucedido do Dona Marta, em Botafogo, se dissemine, como pretende o governo do estado, as grandes facções tendem a ficar acuadas. Ao perderem territórios, alguns bastante lucrativos, como os da Zona Sul da cidade, é esperado que elas invadam pontos rivais para manter seus ganhos. É um efeito colateral, mas que deve ser previsto e combatido pelo setor de inteligência da polícia. Antecipar essas movimentações é o melhor caminho para que a cidade não fique refém das consequências imprevisíveis de guerras entre representantes do Estado (ou da barbárie) paralelo.

MANOBRAS PARA A GASTANÇA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
19/10/2009

É engenhoso, reconheça-se, o conjunto de manobras legais que o governo vem colocando em prática para, sem deixar isso explícito, reduzir as metas do superávit primário de 2010 e assim assegurar mais dinheiro para gastar no ano que vem, quando, não se pode esquecer, será eleito o sucessor ? ou sucessora ? de Luiz Inácio Lula da Silva. São notáveis os esforços que o governo está fazendo na área orçamentária para alcançar seu objetivo político. Mas a engenhosidade não esconde a nocividade dessas medidas para o equilíbrio das finanças públicas nem tampouco disfarça a perda de nitidez da política fiscal do governo Lula.

A manobra mais recente, como mostrou reportagem de Fabio Graner e Adriana Fernandes, publicada no Estado de quinta-feira, é a permissão legal para o governo abater do cálculo do superávit primário de 2010 todos os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ? a principal peça de propaganda eleitoral do governo e de sua candidata ? já empenhados em 2009, mas que, por não terem sido pagos no próprio exercício, deverão ser incluídos nos "restos a pagar" em 2010.

Essa permissão abre um grande espaço para o governo gastar em outros itens que lhe sejam mais interessantes do ponto de vista eleitoral ou mesmo vitais em algumas regiões para assegurar bom desempenho de seus candidatos nas urnas, aparentemente sem colocar em risco o cumprimento da meta fiscal. Recorde-se que a meta já foi reduzida legal e explicitamente e, mesmo assim, medidas recentes permitem que, na prática, ela seja ainda menor, pois de seu cálculo já foram excluídas outras despesas, além desses "restos a pagar".

Neste caso, se, por exemplo, o governo tiver empenhado R$ 10 bilhões de investimentos do PAC, mas ainda não pagou esse dinheiro ao fornecedor ? ou seja, o dinheiro continua no Tesouro Nacional ?, lança o valor em "restos a pagar", o que facilita o alcance da meta do superávit de 2010. Assim, poderá gastar o mesmo valor sem se preocupar com a meta. É uma brecha para a gastança eleitoral.

Resta saber que dimensões terá essa brecha. No processo orçamentário brasileiro, a despesa pública é feita em três estágios. O primeiro é o do empenho, momento no qual o governo assume a obrigação do pagamento ao fornecedor de bens, obras ou serviços. O segundo é o da liquidação, que consiste na verificação do direito do credor. Por fim, emite-se a ordem de pagamento e a despesa é paga. Quando uma despesa é liquidada num exercício, mas não é paga, é incluída nos "restos a pagar" no exercício seguinte.

O resultado financeiro desse novo afrouxamento da política fiscal dependerá da competência do governo em administrar o PAC, que até agora tem sido sofrível. Os Orçamentos da União incluem verbas volumosas para obras listadas no PAC ? desde o anúncio desse programa eleiçoeiro, em 2007, os valores para elas reservados nos orçamentos alcançaram R$ 57 bilhões ?, mas o balanço da execução orçamentária tem mostrado grande lentidão no empenho das verbas, ou seja, na execução das obras. O governo terá que melhorar muito a gestão do PAC para poder reservar valores expressivos a serem gastos no ano que vem.

Independentemente da competência ou incompetência gerencial do governo no caso do PAC, o que já lhe está assegurado para 2010 é uma grande liberdade para gastar. A meta de superávit fiscal para o setor público não financeiro em 2010 foi estabelecida em 3,3% do PIB, e o governo federal deverá responder por 2,15% do PIB. Dessa conta, porém, o governo já foi autorizado, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a excluir R$ 22,5 bilhões referentes ao PAC, além do excesso da meta do superávit primário que for apurado em 2009. Além disso, também os quase R$ 17 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) flexibilizam a meta de superávit fiscal de 2010 e abrem espaço para outros gastos do governo do PT.

As seguidas manobras geram cada vez mais dúvidas sobre o rigor com que o governo administra os recursos públicos, alimentam temores de que, mesmo reduzida e "flexibilizada", a meta fiscal não seja alcançada no ano de eleições e deixam cada vez mais claro que existe uma diferença entre a gestão da política fiscal - perdulária - e a da política monetária - austera.

ESTATIZAÇÃO À MINEIRA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
19/10/2009

A Cemig, estatal de energia de Minas Gerais, expandiu-se nos últimos cinco anos, investindo R$ 4,9 bilhões em cinco aquisições de empresas do setor fora do Estado onde tem sede. Neste ano, o ritmo de crescimento da Cemig acelerou-se ainda mais, com a compra da empresa de capital italiano Terna e o avanço das negociações para adquirir a Light.

A Cemig é uma das maiores companhias de energia do País, com 63 usinas e capacidade de geração de 6,7 mil MW, correspondendo a 6,4% da capacidade total do País. Bem administrada, lucrou R$ 1,88 bilhão, em 2008, e R$ 545 milhões, no segundo trimestre de 2009. O valor de mercado de suas ações, negociadas no Brasil, em Nova York e na Espanha, é da ordem de R$ 20 bilhões, três vezes mais do que valiam em 2003, no início do governo Aécio Neves.

Com disponibilidades de caixa superiores a R$ 2 bilhões, a Cemig está emitindo notas promissórias no montante de R$ 2,7 bilhões para fortalecer sua capacidade de aquisição de outras companhias e manter um ritmo acelerado de investimentos. Ela já opera em 19 Estados, o que lhe confere abrangência nacional, só inferior à da holding federal Eletrobrás.

Em 2006, a Cemig comprou 25% das ações de controle da Light por R$ 172 milhões, além de uma participação na concessionária de transmissão TBE por R$ 348 milhões. Depois, pagou R$ 213 milhões por 49% das ações da Energimp, que gerará 99,6 MW de energia eólica no Ceará, e ganhou a concorrência para construir uma linha de transmissão de energia elétrica no Chile. E participa com 10% do consórcio que está construindo a Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira.

Em abril, desembolsou R$ 2,33 bilhões pelo controle da Terna, que tem 3,3 mil km de linhas de transmissão em 11 Estados. E, em maio, anunciou uma parceria com a Companhia Energética de Brasília (CEB) para interligar a distribuição de energia de Minas Gerais e do Distrito Federal. Um acordo, ainda não concluído, está sendo negociado entre os governadores de Minas, Aécio Neves, e do Distrito Federal, José Roberto Arruda, envolvendo a aquisição, pela Cemig, de metade das ações da CEB, por cerca de R$ 1 bilhão. "Precisamos desse apoio, porque nos anos anteriores à minha gestão não se fizeram os investimentos necessários, o que resultou em um serviço de má qualidade", disse Arruda.

Em meados de setembro, a Cemig confirmou o início dos estudos para aumentar sua participação na Rio Minas Energia, que controla a Light. O valor estimado da aquisição é da ordem de R$ 1,4 bilhão.

O mercado brasileiro de energia elétrica desperta o interesse dos investidores. Com a retomada da produção industrial, aumenta a demanda de eletricidade ? o consumo cresceu 3,08% entre julho e agosto.

Com o atraso na licitação de grandes projetos, como Belo Monte, com problemas de licenciamento ambiental, os investidores parecem dispostos a ampliar a participação nas usinas existentes, o que se justifica, do ponto de vista empresarial. Para o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, predominará a tendência de concentração no setor, com a necessidade de ganho de escala para assegurar a rentabilidade no longo prazo.

Nada haveria a criticar nos avanços da Cemig, fosse ela uma empresa privada e não de capital misto. Não estão claras as intenções políticas ? e muito menos os objetivos econômicos ? do governo de Minas Gerais com o aumento da participação da Cemig na geração, distribuição e transmissão de energia elétrica, mediante a compra de ativos já existentes, ou seja, que nada acrescentam à capacidade instalada nacional. Segundo a Agência Estado, o governador Aécio Neves pretenderia usar a estatal mineira como uma bandeira para se defender da "pecha de privatista" atribuída ao PSDB pelo presidente Lula. O então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, por exemplo, não conseguiu se desvencilhar dessa crítica nas eleições presidenciais de 2006.

Mas o dinheiro do governo de Minas Gerais, o controlador da Cemig, não deve ser empregado para esse fim. O certo seria aplicá-lo em investimentos novos e produtivos, para o benefício direto da população.

A CREDIBILIDADE DO ENEM
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
19/10/2009

Os problemas em cadeia gerados pelo vazamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), frustrando estudantes e desorganizando os vestibulares das universidades, são mais uma amostra do que pode ocorrer quando os interesses eleiçoeiros são postos à frente da racionalidade administrativa nos órgãos técnicos do Estado. Os efeitos foram tão avassaladores que podem desmoralizar a própria prova, que há mais de dez anos vinha sendo uma das principais ferramentas do Ministério da Educação (MEC) para tentar melhorar a qualidade do ensino brasileiro.

Aplicado pela primeira vez em 1998, o Enem, em suas primeiras versões, limitava-se a divulgar as notas individuais dos estudantes que a ele se submetiam espontaneamente. Hoje, graças à experiência acumulada e ao respeito que conquistou entre os estudantes, a prova permite avaliar o desempenho das escolas públicas e privadas, dando às autoridades educacionais condições de identificar as diferenças entre elas e tomar as medidas necessárias para reduzi-las. A avaliação também permite a elaboração de um ranking de qualidade, o que orienta os pais na escolha dos colégios. Em primeiro lugar, o Enem vinha sendo um indutor de mudanças qualitativas não apenas do ensino médio, mas também do ensino superior. Foi o sucesso desse mecanismo de avaliação que estimulou muitas universidades a reformularem inteiramente seu processo seletivo e assegurou aos estudantes uma alternativa aos anacrônicos "cursinhos preparatórios".

Resultante do açodamento com que o ministro Fernando Haddad tentou introduzir mudanças no Enem de 2009, para utilizá-las como bandeira política na campanha eleitoral de 2010, o vazamento da prova praticamente anulou o planejamento das universidades para o próximo ano. Instituições de ponta, como a USP e a Unicamp, desistiram de levar em conta os resultados da prova. O mesmo ocorreu com importantes universidades confessionais, como o Mackenzie e as PUCs de São Paulo e Campinas. As universidades federais que aceitaram a proposta do MEC de converter a prova em vestibular unificado foram obrigadas a reformular o calendário escolar. Por seu lado, as universidades privadas reclamam dos prejuízos financeiros e acadêmicos.

As inscrições para o ProUni, umas das poucas iniciativas bem-sucedidas do governo Lula no campo educacional, também terão de ser adiadas. Para tentar evitar atrasos no início do próximo semestre letivo, a Secretaria de Ensino Superior (Sesu) terá de adotar uma gambiarra nesse programa, aceitando a pré-matrícula dos bolsistas e deixando para depois a fase de comprovação de informações referentes à renda familiar e ao histórico escolar dos candidatos a bolsas de estudos. E, obrigado a devolver a taxa de inscrição de R$ 35 aos alunos de escolas privadas que desistirem de fazer o Enem, por causa do adiamento das provas para os dias 5 e 6 de dezembro, o MEC está montando às pressas um esquema de reembolso para o qual não tem qualquer expertise. Os alunos terão de enviar uma carta para o Inep, o órgão responsável pela prova, mas a data e a forma de devolução do dinheiro até agora não foram definidas.

Para custear todos esses gastos não previstos o MEC será obrigado a desviar recursos de suas atividades-fim. Mais uma vez, infelizmente, prevalece o velho vício da administração pública brasileira, em cujo âmbito as verbas orçamentárias acabam ficando no meio do caminho, jamais chegando integralmente aos seus destinatários finais para a execução de políticas públicas eficientes. Somente o custo da impressão da nova prova consumirá cerca de R$ 33 milhões dos R$ 110 milhões de que o MEC dispunha para aplicar o Enem a 4,1 milhões de estudantes em 1,8 mil cidades este ano. Além disso, há ainda que se contabilizar os gastos com o aluguel dos locais para a prova ? e assessores de Haddad já reconheceram que eles podem ser muito superiores aos custos de contratação de uma nova gráfica.

Evidentemente, a bagunça em que se converteu o Enem de 2009 afetou a credibilidade da prova, o que é reconhecido até dentro do próprio governo. Ela poderá ser recuperada a médio e longo prazos, é certo. Mas, para que isso ocorra, é preciso que a racionalidade administrativa, e não o interesse eleitoral, volte a prevalecer no MEC.

DÍVIDA SANITÁRIA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
19/10/2009

Empréstimo do BID à Sabesp promete ampliar coleta e tratamento de esgoto em São Paulo, mas avanço no país é lento

O SANEAMENTO básico, apesar de figurar como prioridade no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), avança no país em ritmo bem mais lento do que seria recomendável para um investimento com tanto peso na redução da mortalidade infantil e na incidência de doenças infecciosas e parasitárias.
De acordo com a última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), estagnou o percentual de casas com algum tipo de esgotamento sanitário adequado -o que inclui soluções como as fossas. Entre os anos de 2007 e 2008, o indicador oscilou de 73,4% a 73,2%.
Houve algum progresso, de 51,1% para 52,5%, na parcela de residências ligadas à modalidade mais apropriada, a rede de esgoto. Mas em partes do país, como na região Norte, o percentual de ligações de esgoto retrocedeu. A ampliação da rede coletora não acompanhou o avanço do número de domicílios -hoje, só 9,5% deles têm acesso ao esgotamento no Norte, pior índice do Brasil.
Diante desse quadro, pode parecer animadora a situação da região metropolitana de São Paulo, onde vive um décimo da população nacional. Afinal, 84% do esgoto produzido aqui termina coletado, um pouco acima da média do Sudeste (80,6%). E a Sabesp acaba de obter um financiamento de US$ 600 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para passar à terceira etapa do Projeto Tietê, que promete aumentar a taxa de coleta para 87% até 2015.
Ainda aquém da meta da universalização, mas significativamente melhor que o indicador em escala nacional. Quem transita pela avenida marginal do Tietê, contudo, conhece bem o estado do rio. As melhoras podem ser talvez percebidas a jusante, com o encolhimento da mancha de poluição que adentra o interior do Estado, mas na capital e nas cidades vizinhas o efeito é quase imperceptível.
Uma razão para tanto está na taxa ainda mais reduzida de tratamento do esgoto gerado. Na Grande São Paulo, ela se encontra em meros 70% do total. Isso equivale a dizer que quase um quinto dos dejetos recolhidos acaba despejado na rede de drenagem sem o processamento para retirada de agentes danosos à saúde. A outra meta do Projeto Tietê é aumentar tal índice de tratamento de 70% para 84%.
O Estado de São Paulo tem programadas 122 obras com investimentos por meio da Sabesp, que não contam com recursos federais. No restante do país, o PAC projeta um dispêndio de R$ 10 bilhões ao ano em saneamento básico (acesso a água encanada incluído). Com as conhecidas dificuldades do governo federal para fazer o programa andar, parece óbvio que o nó do saneamento ainda demorará a ser desatado, e essa parte da dívida social, resgatada.
O alerta já foi dado pelo próprio Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), um centro de resto mais inclinado a destacar dados favoráveis ao governo Lula: no ritmo do período 2003-2008, o acesso a saneamento básico só ultrapassará o limiar simbólico dos 95% no ano 2055.

A POLÍTICA SE RENOVA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
19/10/2009

MODERNIDADE não faz mal a ninguém. Enquanto muitos políticos ainda recorrem a expedientes conhecidos, como o de enviar pelo correio publicações impressas gratuitamente pela Gráfica do Senado, há quem inove nas técnicas de propaganda e comunicação com o eleitor.
É assim que o site da Câmara dos Deputados, reformulado recentemente, oferece um novo atrativo. Trata-se de uma seção dedicada exclusivamente ao presidente da Casa, o deputado Michel Temer (PMDB-SP).
Pode-se comprovar ali que o deputado não gasta todo o seu tempo articulando a sua candidatura à vice-presidência da República. Entre fotos, artigos, vídeos e áudios de seus pronunciamentos, o eleitor haverá de tomar contato detalhado com uma personalidade que, sem dúvida, não parece se restringir aos limites de seu papel institucional como presidente da Casa.
É a modernidade, com efeito, servindo a uma cara tradição da política brasileira -a do uso personalista das instituições públicas. Vai ficando para trás o tempo dos santinhos e panfletos.
Um exemplo curioso desse fenômeno provém de um deputado estadual catarinense, que aderiu aos serviços do Twitter.
Certa inconsequência de atitudes parece ser inerente a esse sistema rápido e breve de comunicação eletrônica, como bem sabe quem acompanhou, nos últimos tempos, as mensagens e contramensagens do senador Aloizio Mercadante (PT-SP).
Deve-se convir, entretanto, que o parlamentar catarinense exagerou. Promete realizar o sorteio de um aparelho de DVD e de uma televisão entre a sua clientela no Twitter, tão logo atinja o patamar de mil seguidores. Escusado dizer, o deputado é candidato à reeleição. Assim se renova a política brasileira: é a tecnologia chegando aos currais eleitorais.

PROJETO DE REPATRIAÇÃO AVANÇA, MAS SANÇÃO NÃO É GARANTIDA
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
19/10/2009

Tramitam no Congresso dois projetos que concedem anistia e benefício fiscal a brasileiros que enviaram dinheiro ilegalmente para o exterior e querem, agora, repatriar esses bens. Ambos são patrocinados por parlamentares do PT : o do deputado José Mentor (PT-SP) foi aprovado no dia 23 de setembro na Comissão de Finanças e Tributação por 16 a 4; e o do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) está na Comissão de Assuntos Econômicos para ser votado em breve em caráter terminativo.
Os dois receberam sinal verde do Executivo para serem votados, apesar de sua natureza polêmica tanto econômica quanto moral. Se aprovada na Câmara, a proposta de Mentor segue para o Senado onde pode ser consolidada com a de Delcídio. O PT incluiu a proposta de Mentor na pauta de votações deste ano da Câmara. O projeto consta da lista apresentada pelo líder do partido, Cândido Vaccarezza (SP), ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), na semana passada e Vaccarezza acha possível que ele seja votado até 10 de novembro. Um senso de urgência tomou conta do governo, que orientou a base aliada a acelerar a tramitação dos projetos. O de Mentor estava parado há 4 anos. O de Delcídio Amaral foi apresentado no ano passado.
As estimativas indicam que há no exterior algo entre US$ 70 bilhões a US$ 150 bilhões remetidos por brasileiros de forma ilegal.
Os ilícitos fiscais são, em geral, associados à outras práticas delituosas como contrabando, extorsão mediante sequestro, narcotráfico, corrupção. É extremamente difícil separar o que é resultado de ilícitos fiscais e financeiros do que é produto de outros crimes.
Pela legislação vigente, já é possível repatriar capitais desde que o detentor do dinheiro pague os impostos devidos. O contribuinte paga uma multa de 20% que, se quitada à vista cai para 10%, e o crime contra a ordem tributária automaticamente se extingue. É a figura do "arrependimento eficaz".
A ideia da repatriação não é nova. Tão logo assumiu o governo, Lula recebeu trabalho do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que indicava haver no exterior cerca de US$ 80 bilhões pertencentes a brasileiros e sugeria incentivos à repatriação. Na ocasião, diante da escassez de dólares no país, o governo avançou na análise da medida. Em 2005, quase propôs projeto ao Congresso, mas a ideia foi abortada pela crise do "mensalão".
"O dinheiro já existe, só vai mudar o país em que está depositado. Vai gerar riqueza aqui, em vez de gerar riqueza em outro lugar. É importante num momento em que estamos saindo da crise", alegou Mentor, na defesa do seu projeto, aprovado na Comissão de Finanças com os votos de parlamentares do PT, PR, PMDB, PC do B, PP e PMN, todos da base. Contra, votaram somente dois deputados do PSDB, um do DEM e um do PSOL.
"Há um problema ético, de beneficiar fraudadores, e vários problemas práticos", comentou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), após a votação, em setembro.
Em nenhum momento a questão cambial representou empecilho ao debate e aprovação do projeto na Câmara. A apreciação do real frente ao dólar tende a se acentuar com o ingresso de recursos estrangeiros no país que, só nestes meses finais do ano pode chegar a US$ 25 bilhões. A taxa de câmbio já rompeu a marca de R$ 1,70 e uma eventual enxurrada adicional de dólares seria ainda mais danoso para os exportadores brasileiros. Portanto, do ponto de vista macroeconômico, a repatriação é uma medida totalmente inoportuna
"O dólar já esteve em R$ 1,40 e, também, em R$ 4", alega Mentor . "Estamos comprando dólar e vamos continuar comprando para estabilizar a taxa de câmbio", diz.
São muitas e sérias as críticas já feitas às propostas em tramitação hoje: elas anistiam "bandidos"; têm como verdadeiro objetivo o financiamento de campanhas eleitorais em 2010; consideram "idiota" o bom contribuinte, que paga 27,5% de Imposto de Renda pelos recursos mantidos no país, enquanto quem praticou o crime de evasão de divisas ou evasão fiscal receberia o benefício de pagar apenas 10% de IR para trazer de volta esses recursos.
Se o país não enfrenta escassez de dólares, ao contrário; e se há tantos "senões" éticos, será difícil o governo sancionar e defender essa medida, se ela for aprovada no Congresso.

MOTIVAÇÃO PARA QUALIDADE
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
19/10/2009

O Bônus Desempenho é mais uma ferramenta para elevar a qualidade do ensino na rede pública estadual. Professores e servidores das escolas receberão até um salário a mais como prêmio pela melhoria do desempenho de estudantes no aprendizado de Português e de Matemática.

O critério de avaliação é o Paebes (Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo), que diagnostica a aprendizagem em Alfabetização, Leitura, Escrita e Matemática. As maiores notas nesse teste significarão melhores chances de obtenção de 100% do bônus.

Mas há mais duas condições para a conquista da gratificação, criada pela Secretaria de Educação. Uma delas é a redução da evasão escolar; a outra, é a assiduidade do profissional da educação. Assim, mesmo que uma escola atinja 100% da meta estabelecida, seus professores e demais servidores podem receber percentuais diferentes do próprio salário como bônus.

A evasão escolar é problema de causas complexas. É um dos vilões do ensino. Tem relação com a vida do aluno fora da escola, incluindo fatores como baixa renda familiar, desestruturação de ambiente doméstico, má convivência comunitária, etc.

O processo de evasão também é alimentado por deficiências pedagógicas refletidas em metodologias inadequadas, reprovação escolar, curriculum, etc. No entanto, a experiência educacional tem demonstrado que por meio de motivação é possível ampliar e consolidar o interesse do aluno pelos estudos e, assim, aumentar sua vontade de estar na escola. Em consequência, cai o número de jovens que a abandona. É esse aspecto que o governo estadual pretende trabalhar utilizando o bônus.

Essa questão merece atenção especial. Os índices de evasão são altos na rede estadual de ensino. Chega a 30% nas escolas de nível médio. Elas perderam 21,7 mil alunos em 2008, de acordo com dados da Secretaria de Educação. Mas o quadro já foi pior. Em 2003, mais de 48 mil alunos deixaram as salas de aula no Espírito Santo. No ensino fundamental, o percentual de interrupção dos estudos recuou de 30% para 10,5% entre 2003 e 2008. Ainda assim, é muito elevado.

Na condição de critério do Bônus Desempenho, o Paebes ganha destaque como instrumento de avaliação escolar. Observa-se nas autoridades educacionais do Espírito Santo, de outros estados e também na esfera federal, uma saudável inquietação relacionada a métodos de acompanhamento e aferição da qualidade do ensino. Nunca houve tantos.

São ferramentas de grande importância. Com apoio do PDE (Plano de Desenvolvimento do Ensino), o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é fundamental para planejamento a longo prazo. Fixa metas de desempenho dos colégios das redes estatais até 2022. Já a Prova Brasil mede as habilidades dos estudantes de ensino fundamental, de 4ª e 8ª séries, das escolas públicas localizadas em área urbana.

Já o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) vem induzindo a reforma de currículos visando a preparar os alunos para curso superior. Essa prova passou a fazer parte do processo seletivo para ingresso nas universidades e nos institutos federais. Por sua vez, os universitários são acompanhados por intermédio do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).

Resta esperar que a Assembléia Legislativa aprove o projeto de criação do Bônus Desempenho, para implantação em 2010. É um instrumento de valorização do professor e dos demais agentes de ensino - sem conotação de política salarial. Por certo, proporcionará avanços na qualidade da educação.

INSENSATA TRIBUTAÇÃO
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
19/10/2009

Taxação das exportações de minério pode custar caro ao país

Há entre os projetos em preparação na cozinha de equívocos do governo um que pode remeter o país a um grosseiro retrocesso em política tributária e em gestão da economia. O governo estaria cogitando taxar em 5% as exportações de minério de ferro. O vazamento dessa informação pode ter sido só mais uma pressão sobre a diretoria da Vale. A empresa desagradou ao governo ao praticar a mais elementar das recomendações da boa governança: ajustou o volume da produção e o ritmo dos investimentos à realidade do mercado mundial de minério, afetado pela crise. Não foi, aliás, outra coisa que fizeram seus concorrentes e a maioria das empresas exportadoras nesta e em outras fases de retração dos mercados mudo afora. Por isso mesmo essas empresas costumam sobreviver e comprar as concorrentes menores ou menos prudentes. Mesmo que não passe de uma ameaça, a proposta não deixa de expor o risco que corre o país com a perigosa produção cerebral de certos mágicos alojados em vários escaninhos do poder em Brasília.

Decidido a patrocinar um novo marco regulatório para a atividade de mineração, o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, acerta ao constatar que a legislação em vigor é antiga. Além disso, os instrumentos de regulação e os órgãos de fiscalização com que conta o governo estão há muito tempo demandando profunda reestruturação. Mas Lobão e sua equipe se equivocam ao enfrentar uma velha injustiça. Os estados e os municípios que têm suas entranhas abertas para garantir ao país divisas responsáveis pelos saldos positivos das contas externas – inestimáveis contribuições para a festejada redução da dívida e recente acumulação de R$ 230 bilhões de reservas cambiais – nunca tiveram compensação justa pelo impacto devastador dessa atividade. É o oposto do tratamento que o país dá aos estados litorâneos, por conta da exploração de petróleo em alto-mar, sem o menor risco a seu território e sem nenhum sacrifício de suas terras ou destruição de suas rodovias. É hora, sim, de uma discussão séria sobre a correção dessa injustiça.

Desde 2007 tramita na Câmara o Projeto de Lei 1.453, que propõe um novo padrão de tributação sobre a mineração. A matéria bem merecia alguma atenção do governo. Quando nada como ponto de partida para se buscar o equilíbrio entre uma compensação decente às regiões de mineração e a necessidade de não retirar das empresas brasileiras a condição de competir no disputado mercado transoceânico de minérios. Taxar exportações – e não apenas as de minério – é andar na contramão do mundo e o preço é o que a Argentina vem pagando ao perder para o Brasil sua cota no cobiçado mercado mundial de carnes. Num momento em que o dólar barato favorece importações que precisam ser neutralizadas com a exportação de commodities, essa tributação é ainda menos inteligente. Que o bom senso de Lula funcione mais uma vez e livre o Brasil de mais essa insensata proposição.

DESTAQUE NACIONAL, EDUCAÇÃO PRECISA AVANÇAR MAIS NO DF
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
19/10/2009

Estar no topo de uma estatística positiva é, sem dúvida, motivo de orgulho, mas nem sempre de satisfação plena. Ao comemorar o fato de ser a única unidade da Federação em que mais da metade dos moradores (51,3%) têm pelo menos 10 anos de estudo, o Distrito Federal não pode ignorar que o nível de escolaridade no país não é boa referência de comparação, que esse tempo de escola nem sequer é suficiente para concluir o ensino fundamental e que quase metade da população ainda está nos primórdios da aprendizagem, se é que foi iniciada nela.

Outra boa notícia de sucesso relativo revelada pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), divulgada pelo IBGE na semana passada, confere ao DF a segunda menor taxa de anafabetismo do Brasil: 5,62%, atrás apenas de Santa Catarina, com 5,58%. Mais uma vez fica explícito que a capital federal tem conseguido avançar mais que o restante do país na área educacional, mas também que precisa ir além. Afinal, o índice embute a informação de que 132 mil brasilienses não sabem ler nem escrever. É essa leitura crítica, mais realista que otimista, que deve motivar os responsáveis pelo setor a buscarem novas conquistas.

Bom passo nesse sentido foi dado no início deste ano letivo, quando a educação infantil passou a ser mais valorizada no DF, recebendo apoio pedagógico, com profissionais (professores, coordenadores, monitores) qualificados. A ideia é a de que, além de cuidar das crianças de até 5 anos, escolas e creches comecem logo a educá-las. Quanto mais cedo for iniciada a formação, melhor será o rendimento futuro dos alunos. Essa, aliás, é uma tendência nacional. Por imposição da Lei nº 11.274/2006, já em 2010 meninos e meninas terão que ser matriculados na escola (ensino fundamental) a partir dos 6 anos. Logo será a vez dos de 4 anos, se aprovado projeto de lei do governo federal em tramitação no Congresso.

Até lá, a educação infantil é um direito que o poder público tem a obrigação de assegurar (conforme decisão do Supremo Tribunal Federal), mas cuja aplicação ainda depende do interesse das famílias. Nesse ponto, os 51,35% dos moradores (mais de 1 milhão) do DF com 10 ou mais anos de estudo são uma força multiplicadora — quando pouco, pelo próprio exemplo (em geral, cada ano em sala de aula representa um aumento de 15% na renda da pessoa), mas também como incentivadores da matrícula, sabedores que são do valor do ensino, e até usando o conhecimento adquirido para contribuir diretamente para a formação de parentes, amigos e vizinhos.

A VEZ DO BOM LOBBY
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
19/10/2009

Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Michel Temer, manifestou a sua intenção de fazer com que, até o fim do ano, a Casa regulamente a ainda nebulosa atividade do lobby. Para tanto, Temer indicou que deverá priorizar o Projeto de Lei de n.º 1.202/2007, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), o qual já se encontra em fase bastante adiantada de tramitação.
Pois bem, é preciso destacar que a atuação de lobistas é comum em quase todos os países do Ocidente. Na sua essência, não se trata, necessariamente, de um “mal em si mesmo” ou de uma prática que possa ser considerada, pela sua na¬¬tureza, abominável. Em um Estado Democrático de Direito, o Legislativo, por exemplo, é o palco das disputas e dos debates entre os mais diversos e conflitantes interesses presentes na sociedade. É um espaço de luta pelo convencimento e, assim, é absolutamente natural e previsível o surgimento de pessoas que passem a defender e a trabalhar em prol de determinados interesses ou pontos de vista. Nesse sentido, o projeto de lei de Zarattini pretende regulamentar a atividade dos lobistas no âmbito da Administração Pública Federal. Pretende regulamentar as habituais atividades tendentes a influenciar decisões de natureza administrativa ou legislativa.
Pelo projeto, pessoas físicas ou jurídicas que exerçam tais atividades devem ser cadastradas e credenciadas pela Controladoria-Geral da União, órgão esse que negará o credenciamento a pessoas que, por exemplo, nos 12 meses imediatamente anteriores ao requerimento de cadastramento, tenham exercido cargo público efetivo ou em comissão “em cujo exercício tenham participado, direta ou indiretamente, da produção da proposição legislativa objeto de sua intervenção profissional”. Uma espécie de quarentena. Algo ainda muito brando, mas, sem dúvida, um avanço.
A proposta prevê também a necessidade de recadastramento anual e a obrigatoriedade de participação dos lobistas em curso de formação específica, “do qual constarão como conteúdos mínimos as normas constitucionais e regimentais aplicáveis ao relacionamento com o poder público, noções de ética e de métodos de prestação de contas”. Além disso, fixa a obrigatoriedade da apresentação de uma declaração anual com discriminação das atividades exercidas, das matérias de interesse do lobista e de quaisquer gastos realizados no último exercício relativos à atuação perante órgãos da Administração Pública Federal, em especial pagamentos a pessoas físicas ou jurídicas, a qualquer título, de valor superior ao equivalente a 1.000 Unidades Fiscais de Referência - UFIR.
Adiante e como não poderia deixar de ser, o projeto estabelece que constitui ato de improbidade “a percepção, por servidor público ou agente político, de qualquer vantagem, doação, benefício, cortesia ou presente com valor econômico que possa afetar o equilíbrio e a isenção no seu julgamento, ou que caracterize suborno ou aliciamento, concedido por pessoa física ou jurídica que exerça atividade destinada a influenciar a tomada de decisão administrativa ou legislativa”. Por fim e em bastante consonância com uma visão democrática, o projeto estabelece que, dentre outras exceções, a lei em questão não se aplica a pessoas que, com o propósito de influenciarem o processo legislativo em seu interesse pessoal, atuem em caráter esporádico e sem qualquer espécie de pagamento ou remuneração.
Como o projeto de lei de Zarattini tramita em caráter conclusivo – rito pelo qual o projeto precisa ser aprovado apenas pelas comissões designadas e não pelo plenário –, depende apenas da aprovação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara para seguir direto ao Senado Federal.
A proposta não está isenta de falhas. Porém, ainda que elas existam, não parecem ser suficientes para a interrupção da iniciativa. O lobby é uma realidade. Se bem regulamento e fiscalizado, não apresenta significativa diferença em relação a qualquer outra atividade profissional. É exatamente por isso que diversos países já o regulamentaram há muitos e muitos anos. O que não se pode mais admitir é a cômoda posição de “fazer de conta” que a atividade lobista não existe no Brasil. A prevalecer isso, nada se sabe, nada se fiscaliza e, por consequência, nada se pune.
No atual momento da história política deste país, é preciso ir em frente. Não há como não se desejar o bom pela momentânea impossibilidade de se atingir o ótimo. A iniciativa é louvável. É a vez do bom lobby entrar em cena. É a vez do lobby em favor de um grupo bastante grande e significativo: a sociedade brasileira.

TENTAÇÃO ESTATIZANTE
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
19/10/2009

Antes mesmo de a polêmica sobre o modelo de partilha para o petróleo da camada pré-sal ter sido aplacada, o Planalto já está às voltas com outra estratégia na qual não consegue disfarçar suas intenções estatizantes. O mais recente episódio é o constituído por uma série de ataques à mineradora Vale do Rio Doce, envolvendo integrantes do governo e políticos aliados, cujo objetivo óbvio é assegurar maior interferência na empresa, que é privada e, como tantas outras no país, conta com capital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Assim como o modelo estatizante revisto a partir da última década, porém, também essas constantes ingerências no caso da mineradora brasileira precisam ser revistas, para evitar a continuidade de prejuízos na empresa e na economia brasileira.

O recrudescimento deste viés estatizante não se constitui em fato isolado e está longe de ser associado exclusivamente às futuras reservas de petróleo do pré-sal, por meio de um modelo no qual o setor público é que dita as cartas. Graças ao poder que detém sobre alguns dos maiores fundos de pensão no país e respaldado pela atuação do BNDES, o governo federal ainda detém considerável poder de decisão em casos como o do Banco do Brasil, por exemplo.

Recentemente, o governo federal patrocinou a compra da Brasil Telecom pela Oi e participou de negociações pouco ortodoxas no caso da Varig. Mas é a pressão pela ingerência na Vale que chama uma atenção especial. O Planalto não tem o direito de invocar um suposto interesse nacional para concretizar o esforço de transformar uma empresa como a Vale do Rio Doce, que se constitui num exemplo bem-sucedido de privatização, em mero instrumento político. E é exatamente isso o que ocorre quando interesses privados se misturam aos de governo, o que se constitui no mínimo em brecha para a concretização de uma série de deformações.

Entre as justificativas apontadas no meio oficial para a interferência na gestão da maior mineradora do país está a intenção de ver a empresa dirigida por figuras simpáticas ou subservientes ao poder central. Governistas se queixam também de que a empresa, criticada por ter recorrido a demissões imediatas quando as consequências da crise econômica global se manifestaram no país, contribui pouco para os esforços desenvolvimentistas do governo. Uma das razões seria a opção por se dedicar mais à condição de mineradora do que à produção de aço, menos rentável.

Em épocas recentes, governantes já se aliaram a segmentos mais nacionalistas da sociedade, entre os quais se incluem igualmente pessoas de tendências políticas de esquerda e de direita, para reforçar o papel do Estado na atividade produtiva. Diferentemente do que ocorria até há alguns anos, porém, não há mais espaço no país para esse tipo de visão econômica num mundo globalizado, numa economia de livre iniciativa e numa democracia.

EM MARCHA LENTA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
19/10/2009

Apontado frequentemente entre os países nos quais a educação avança em rankings internacionais, o Brasil perde a corrida para a maioria deles quando é levada em conta a velocidade dos ganhos registrados. A dificuldade fica expressa tanto na Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada recentemente, quanto no estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado a cada ano. Por isso, o tema deveria merecer mais atenção dos responsáveis pelas políticas oficiais de ensino, para que o país não venha a perder a corrida entre os grandes nessa área.

Um caminho para o Brasil andar mais depressa seria inspirar-se em países de perfil semelhante. Mantido o ritmo atual, por exemplo, mesmo depois dos avanços registrados consecutivamente desde 1998, o país só alcançaria um patamar equivalente ao do Chile daqui a três décadas. Nos cálculos da OCDE, 64% dos chilenos com idade entre 25 e 34 anos têm o correspondente ao ensino de nível médio completo. Nessa mesma faixa de idade, o Brasil tem 26 pontos a menos. A diferença exigiria um longo tempo para ser eliminada.

Um dos problemas é que, ao contrário de outras prioridades, como ênfase à saúde e estabilidade econômica, educação não costuma assegurar votos no Brasil. Os últimos governantes tiveram pelo menos o mérito de conferir prioridade à questão, assegurando os investimentos necessários e iniciativas essenciais, como o aprofundamento dos métodos de avaliação. Mas é pouco.

O país deveria aproveitar o fato de ter universalizado o acesso ao Ensino Fundamental para dar um novo salto na educação. Foi esse movimento que assegurou à maioria dos países avançados as condições para poderem figurar entre os grandes.

A TRANSPOSIÇÃO E A POLÍTICA
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
19/10/2009

Agora que não tem mais como ficar reduzida a objeto de contenda judicial e de questionamento ecológico, a transposição do Rio São Francisco entra em uma etapa de extrema importância para o Nordeste, independente das encenações político-eleitorais que sempre foram a cruz dos nordestinos, documentada desde os primeiros anos de colonização portuguesa, como descrito pelo padre Fernão Cardim. De tão recorrentes, os relatos das tragédias da seca – “desceram do Sertão apertados pela fome, socorrendo-se aos brancos, quatro ou cinco mil índios”, entre 1580 e 1583 –, já deixaram de ter força literária ou acadêmica. São partes de uma história que deveria ter sido mudada desde o Império, inclusive com a transposição do São Francisco, trabalho que ficou para um nordestino vítima de tremenda seca, fugitivo da miséria há pouco mais de meio século.
Ao visitar as obras de transposição do rio, o presidente Lula chegou com a mesma desenvoltura com que tem se saído de ocasiões igualmente complexas, que envolvem relações de difícil gerenciamento. Ele passou ao largo, por exemplo, dos questionamentos postos pelos que se opuseram às obras desde os anos 80, quando o antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento produziu o anteprojeto de engenharia de transposição. De lá para cá, a soma de questionamentos cresceu, chegou ao ápice com o protesto com greve de fome, para virar o que é hoje, pura matéria de palanque, a que o sertanejo dá pouca atenção, preocupado que está com a chegada da água e perenização de rios capazes de mudar o cenário do Semiárido.
Mesmo ao se transformar apenas em matéria de palanque a questão não deixa de ser complexa, como tendem a ser empreendimentos públicos de grande vulto. A mistura das obras com datas eleitorais, nomes e partidos políticos termina sendo inevitável. E de certa forma tende a tornar mais complicado o processo eleitoral que está próximo, pelo uso do que deveria ser apenas uma obra importante para o País e, principalmente, para o Nordeste, deixando no ar uma dúvida que nos preocupa: a forma com que os que questionam as obras poderiam tratá-la uma vez chegando ao poder. Mudariam o curso, estagnariam, mudariam as prioridades, submeteriam os nordestinos mais uma vez à incerteza diante das adversidades climáticas? Não são questões impertinentes, principalmente porque poderiam se abrigar por trás de que já foi produzido até hoje contra o processo de transposição.
Fica no ar a dúvida, mas torcemos para que tudo não passe de encenação, como costuma ser o processo político-eleitoral, dependendo do tempo e dos personagens. Assim, podemos relatar personagens e obras que foram execrados no passado por pertencerem a determinada legenda e que hoje gozam de generosas avaliações porque subiram no mesmo palanque. O que não pode é misturar os vícios eleitorais com as necessidades fundamentais de milhões de nordestinos, para os quais não cabe mais retórica. O que permanece como uma curiosidade é a simplicidade com que políticos contrários à obra tendem a questionar o que entendem por uso eleitoral. Desde que não estejam eles no poder, claro.
Enquanto isso não acontece, melhor será deixar as filigranas de lado e partir para o essencial quando se trata de uma questão vital como é a do nosso Semiárido. Não cabe mais sugerir que essa ou aquela solução seria melhor para manter o sertanejo em suas terras, produzindo e gerando riquezas como é feito na terra irrigada pelo São Francisco e poderá ser feito nos braços que ele estenderá por leitos de rios que secaram ou terras em processo de desertificação. O fundamental está posto, as obras estão em andamento e apontam para uma enorme responsabilidade da sociedade civil organizada: fiscalizar, cobrar, exigir, impedir que o jogo político-eleitoral atrapalhe o que poderá ser a redenção para milhões de nordestinos.

VISÃO DE FUTURO
EDITORIAL
O POVO (CE)
19/10/2009

Segundo avaliação de entidades de classe ligadas ao comércio e ao serviço no estado, estaria sobrando vaga por falta de mão-de-obra qualificada

O Governo do Ceará apresentou ao ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, o plano de capacitação para a Copa do Mundo de 2014 prevendo a necessidade de qualificar cerca de 40 mil cearenses. O plano estabelece a capacitação de 24 mil pessoas nas áreas de Turismo e Hotelaria e o restante - 16 mil vagas - seria destinado à formação no setores de Esporte, Cultura, Lazer e Entretenimento. De acordo com o trabalho elaborado pelo governo estadual todos os profissionais capacitados terão que saber falar pelo menos dois idiomas.

A estimativa da criação de postos de trabalho apresentada ao ministro reflete a importância da Copa do Mundo para o Estado, mas para além disso, mostra um quadro da nossa formação profissional que precisa ser enfrentado o mais rapidamente possível, que é a ausência de pessoal hoje para ocupar essas vagas. Outro aspecto, é que a vinda de empreendimentos de grande porte para o Ceará é um fato que estará se tornando realidade nos próximos anos com a perspectiva de vir a gerar muitas outros empregos além dos previstos para aquele evento esportivo.

Antes mesmo que isso aconteça, porém, o Ceará está dando um passo importante nesse item, como revelam os últimos dados do Caged divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Nos primeiros sete meses desse ano foram criados 14.696 empregos formais, o que corresponde ao aumento de 1,76% em comparação ao mesmo período do ano passado, sendo o melhor resultado da região Nordeste. Já no mês de julho, o Ceará gerou 9.523 postos de trabalho, ficando atrás somente do estado da Bahia na região.

Mas se podemos comemorar a geração de empregos no Ceará, um aspecto não pode ser deixado de lado. Segundo avaliação de entidades de classe ligadas ao comércio e ao serviço no Estado, estaria sobrando vaga por falta de mão-de-obra qualificada. Hoje, 78% dos postos de trabalho são gerados em torno de comércio, serviços e aplicações tecnológicas, o que aumenta a responsabilidade dos gestores que lidam com essas áreas no sentido da formação de profissionais para exercerem essas funções que o mercado está a exigir.

Nesse sentido, devem ser incentivadas ações como o ProJovem, lançado recentemente pelo MTE, voltado para a formação de 6,5 mil cearenses, de 18 a 29 anos, em 10 áreas profissionais, bem como os Planos Setoriais de Qualificação e Inserção Profissional (Planseq´s), este último direcionado aos beneficiários do Programa Bolsa Família. As medidas tomadas pelo Governo Federal no enfrentamento da crise financeira mundial deixaram o País em uma posição privilegiada, com a possibilidade de se gerar ainda em 2009 aproximadamente 1,1 milhão de empregos. É certo que o nosso Estado não deve ficar de fora desse contexto, que terá reflexos também nos próximos anos. Precisamos, todavia, termos pessoal para ocupar as funções cada vez mais complexos que o mundo do trabalho pedirá no futuro.

EXPERIÊNCIA CULTURALMENTE RUIM
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
19/10/2009

Pode-se dizer que a democracia, grosso modo, decorre de uma relação assentada numa experiência que requer, entre outras coisas, um alto espírito de responsabilidade pública de cada um e de todos para com ela. Sem isso, o que dela se tem é apenas um arremedo, cuja ênfase acaba recaindo em seus aspectos formais, ficando em segundo plano a sua substância, isto é, aquilo que, de fato, justificaria essa experiência como algo socialmente valioso.

Na democracia, a Justiça, por exemplo, tem um papel fundamental na defesa dos direitos individuais e coletivos, sendo, por esse motivo, um dos pilares mais importantes desse regime. Era de se esperar, por conta disso, que o ordenamento legal fosse não só observado, mas também que ele se prestasse realmente a fazer o que se convencionou chamar de justiça social. Em outras palavras, que houvesse operadores da lei comprometidos com esse mister.

Não é isso que vemos, contudo, quando os querelantes estão em campos distintos de força e de poder econômico. Nesse caso, sobra quase sempre para o lado mais fraco, sobretudo se este é pobre e preto, como diria um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, o ônus de decisões que ferem aquele espírito de responsabilidade pública a que aludimos. Em situações assim, a democracia acaba golpeada. Mais ainda quando decisões judiciais trazem em si as marcas da corrupção.

Dados divulgados ontem por um jornal de circulação nacional chamam atenção para essa questão, segundo informações obtidas junto ao Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, que tem a responsabilidade de fiscalizar o judiciário e primar pela independência do magistrado. Só neste ano, na esteira do trabalho arrojado desenvolvido por sua Corregedoria Nacional de Justiça, o CNJ já abriu 113 sindicâncias para apurar possíveis irregularidades praticadas por juízes e desembargadores – crescimento de 653% comparado aos procedimentos desse tipo abertos no ano passado.

Se é como sugere o ditado popular, segundo o qual onde há fumaça possivelmente aí também exista fogo, vê-se que a Justiça brasileira, em boa medida, tem concorrido para que, no País, a democracia seja uma experiência culturalmente ruim. Isso talvez explique, em boa medida, a demagogia, a indiferença e o desrespeito com que os mais necessitados costumam ser tratados por seus representantes nas instâncias de poder.

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