Tuesday, September 08, 2009

EDITORIAIS 8/9/2009 -

O QUE PENSA A MÍDIA
8/9/2009 - EDITORIAL
SUBJUGAÇÃO
EDITORIAL
O GLOBO
8/9/2009

Quanto mais intensa a luta político-partidária, maior poder ela tem de embaralhar debates, reduzir ou eliminar o foco em questões que de fato importam.
Sepultada a crise em torno do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) — e da pior maneira possível —, algumas conclusões sobre esta convulsão política se cristalizam.
Uma delas é que os interesses político-eleitorais do Planalto converteram um caso de evidências de quebra de decoro — sério, por envolver o presidente da Casa — em uma crise de proporções desmesuradas.
Ao considerar a defesa intransigente e cega da permanência de Sarney à frente da Mesa do Senado imprescindível ao apoio formal — o apoio real é outra história — do PMDB à candidatura Dilma Rousseff, o presidente Lula se tornou vulnerável à acusação de patrocinar uma indevida interferência do Executivo no Legislativo.
Seria ingenuidade imaginar que uma turbulência em torno do presidente do Senado, ou da Câmara, não interesse ao Planalto, nem leve o Governo a executar ações políticas para defender proveitos postos em risco no Congresso.
Mas o que aconteceu na crise Sarney teve outra dimensão: até a bancada do PT, partido de Lula, foi atropelada pela realpolitik do presidente.
Como a imagem do PT de um partido ético, cultivada nos tempos de oposição, já havia sido trincada de maneira profunda no escândalo do mensalão, parte da bancada considerou suicida a defesa de Sarney, cuja posição ficou bastante vulnerabilizada com a revelação de casos de nepotismo no Senado, parte do escândalo dos atos secretos.
A resistência do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) esfarelou-se na revogação de uma demissão “irrevogável” da liderança da bancada.
E ocorreu o desfecho desejado pelo Planalto: o engavetamento, sem qualquer investigação, de representações, uma ou outra bem fundamentada, contra Sarney.
Entre as várias conclusões de análises da crise — abalo no coronelismo político, por exemplo —, destaca-se a que, ao praticar mais uma vez a máxima de que os fins justificam os meios, o PT se curvou, talvez definitivamente, à força do presidente. O lulismo superou e subjugou o petismo.

NOVO CONSENSO NA AGENDA POLÍTICA
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
8/9/2009

Um dos pontos fortes do marco regulatório do pré-sal, anunciado pelo governo e cujos quatro projetos de lei estão agora em tramitação no Congresso, é a criação do Fundo Social. A medida tem um objetivo nobre – investir recursos que virão com a exploração das novas reservas de petróleo em áreas prioritárias para o Brasil – e uma inspiração clara: a experiência norueguesa.
Conhecida por seu invejável modelo de sociedade, baseado no Estado de bem-estar social, a Noruega tem um dos melhores índices de desenvolvimento humano. País rico, pode se dar ao luxo de poupar enormes quantias e destinar a riqueza que vem do petróleo para garantir o futuro das próximas gerações. Com educação, saúde, transporte e demais serviços públicos de alta qualidade, uma das grandes prioridades dos noruegueses é a previdência. Atualmente, o fundo social do país escandinavo acumula cerca de US$ 400 bilhões. Esse dinheiro é aplicado no exterior e apenas os rendimentos são utilizados pelo governo.
No Brasil, com tantas e urgentes demandas, dificilmente o montante principal do Fundo Social poderá ser preservado, como já adiantou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Num primeiro momento, apenas os rendimentos das aplicações não serão suficientes para que o fundo atinja o seu objetivo. O aviso pode parecer preocupante e antecipar certo avanço sobre riquezas que mal foram acumuladas. Mas carrega uma dose de realismo. Atender às prioridades brasileiras tem um alto custo. Se os investimentos forem feitos de forma adequada – com racionalidade, sem desperdício nem corrupção – não há por que o país se prender ao modelo da Noruega, cuja população já desfruta de um elevado nível de bem-estar.
No caso brasileiro, não faz sentido esperar. Nesse sentido, foi acertada a decisão do presidente Lula, que preferiu destinar os recursos do pré-sal a projetos sociais em vez de acumulá-los em um fundo soberano que reforçasse as contas públicas e melhorasse a avaliação do país no mercado financeiro internacional. Essa era a posição do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de conteúdo supostamente técnico. A questão do pré-sal e do que fazer com tamanha riqueza advinda do petróleo, porém, exige uma decisão política. É a oportunidade de se enfatizar que modelo de sociedade o Brasil pretende construir.
Chega a ser desnecessário recorrer ao protocolo de intenções da social-democracia e – por que não? – do Partido dos Trabalhadores (afinal, não é para decisões como esta do pré-sal que se cobra consistência ideológica dos partidos brasileiros?). Pois até os representantes da oposição concordam com a criação do Fundo Social. O mundo da política é mais afeito aos interesses divergentes e aos escândalos (públicos, por pressuposto, ainda bem). Mas, por dever de ofício, também está mais perto do cidadão e conhece suas prioridades.
O Fundo Social nasce destinado a suprir o enorme passivo do país nas áreas de educação, combater a pobreza, investir em meio ambiente, ciência e tecnologia. São setores importantes, aos quais deveriam se juntar as áreas de saúde e saneamento básico, não contempladas no projeto, que merece discussões mais aprofundadas no Congresso.
O que não se pode questionar é que o Fundo Social do Pré-Sal já surge como o novo pilar consensual da política brasileira.

INCONSTITUCIONALIDADES NO PRÉ-SAL
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
8/9/2009

À medida que os juristas se manifestam sobre os quatro projetos de lei enviados pelo Planalto ao Congresso Nacional, destinados a estabelecer o arcabouço regulatório da exploração do petróleo na camada do pré-sal, percebe-se a fragilidade jurídica com que foram montados. E se destaca, nessa falta de solidez normativa, a incompatibilidade das propostas com o texto constitucional vigente, notadamente no que se refere à concessão de privilégios indevidos à Petrobrás, ao desrespeito a princípios consagrados na Constituição em favor da livre concorrência e da livre iniciativa, bem como no que diz respeito ao sistema de exploração do petróleo via partilha - já que concessão, autorização e permissão são os únicos meios constitucionalmente estabelecidos para o desenvolvimento dessa produção extrativa.

Para o jurista Gastão Alves de Toledo (em artigo no Estado de sexta-feira), ao pretender destinar campos petrolíferos à Petrobrás, sejam ou não da camada de pré-sal, em detrimento das demais empresas que operam no setor, o governo desrespeita alguns dispositivos da Constituição, a começar pelo inciso II do artigo 173, que manda as empresas públicas e sociedades de economia mista se sujeitarem "ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários". Isso significa que qualquer empresa estatal, que explore atividade econômica - como a Petrobrás -, está posta no mesmo plano de atuação de suas concorrentes, "sendo incabível o benefício aventado".

O jurista também faz referência ao artigo 37 da Carta Magna para reter o mandamento contido em seu inciso XXI, prescrevendo que, na Administração Pública, as "obras, serviços, compras e alienações" se darão por meio de licitação, ressalvados os casos que a lei especifica. E aí argumenta: "Ora, a exceção legal que se intenta aplicar à Petrobrás não encontra justificativa jurídica ou fática que a legitime, sobretudo ao desprezar o princípio da isonomia, que ilumina todo o ordenamento jurídico e se constitui num dos pilares do Estado Democrático de Direito. Por isso, é inadmissível uma lei que dispense a União de licitar a outorga de direitos exploratórios a uma empresa governamental submetida, por força da Constituição, ao mesmo regime jurídico das empresas privadas, com as quais deve competir. Há, pois, flagrante discordância com ambos os preceitos, isto é, o que estabelece a igualdade de tratamento e o que exige licitação por parte dos órgãos públicos." E na base da contestação desse privilégio está a valorização constitucional da livre concorrência (art. 170, IV) e da livre iniciativa (art. 170, caput), esta também acatada como um dos fundamentos da República (art. 1º, IV), ao lado dos valores sociais do trabalho.

Um outro tópico que tem recebido contestação jurídica se refere ao sistema de exploração com partilha. O advogado Luiz Antonio Lemos, especialista na legislação do setor e que fez recente estudo para o BNDES comparando as normas para a exploração de petróleo em 11 países produtores - entre os quais Arábia Saudita, México, Estados Unidos, Noruega, Venezuela e Rússia -, dá conta (em entrevista ao Globo) de que a nossa Constituição, em diversos momentos, cita as relações que o Estado pode ter com a iniciativa privada, onde estão a concessão, a autorização e a permissão, enfatizando: "Não há nada que se pareça com o que o governo está propondo, com o modelo de partilha. Mas o mais grave é que a leitura combinada dos artigos 176 e 177 da Constituição indica que a área de exploração de lavras e jazidas não só de petróleo, mas de riquezas minerais em geral, pode ser concedida e que o produto da exploração pertence à empresa privada. O artigo 176 é claro, o produto da lavra é da concessionária. Não é o que o governo quer com o modelo. Na partilha, o petróleo, mesmo depois de retirado da jazida, é da União, que depois remunera a empresa, pelos seus custos e por parte do lucro, em petróleo mesmo. É uma espécie de escambo de luxo", conclui.

Como se vê, disputas judiciais se preveem às mancheias, especialmente se o afogadilho da "urgência constitucional" não permitir - em 90 dias - que se altere, corrija e aperfeiçoe, a partir de amplo debate no Congresso Nacional e no seio da sociedade, o marco regulatório da exploração das reservas do pré-sal.

TOLERÂNCIA COM ENVENENAMENTO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
8/9/2009

À primeira vista pode até parecer auspiciosa a determinação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de que os carros saiam das fábricas emitindo 33% menos poluentes, em média, do que atualmente. Louve-se o órgão encarregado de fiscalizar e controlar as atividades e os produtos que tragam riscos ao meio ambiente, por definir padrões de emissão de poluentes para o País e por estabelecer limites máximos de geração de substâncias nocivas à saúde - como o monóxido de carbono - ou causadoras de aumento da temperatura global, como o óxido de nitrogênio.

O problema é que medidas como essas causam espécie, primeiro, pelos excessivos prazos de carência para que entrem em vigor, e que são quase sempre prorrogados. Essa nova resolução do Conama só valerá a partir de janeiro de 2013, para os veículos a diesel, e a partir de janeiro de 2014, para os movidos a gasolina e álcool. Não serve de consolo o "antes tarde do que nunca", porque o "tarde" quase sempre vira "nunca".

Em segundo lugar, desanima saber que mesmo daqui a três ou quatro anos, quando a poluição veicular no Brasil - nos carros novos apenas - será mais de um terço menor, ainda assim estará muito acima da que é tolerada, hoje, na Europa e nos Estados Unidos.

Por que isso? Se os veículos fabricados no Brasil já alcançam alto padrão de qualidade - a ponto de serem tão bem absorvidos também no mercado externo - e se temos um programa de controle de poluentes por veículo, desde 1986, por que a população brasileira não merece proteção contra a poluição veicular do mesmo nível das dos países civilizados?

Em 2002 o Conama baixou a Resolução nº 315, que determinava a redução de emissão de poluentes por veículos movidos a diesel a partir de janeiro de 2009. O prazo era de sete anos para que os veículos a diesel "se adaptassem" a uma redução das emissões de enxofre. Faltando poucos meses para se encerrar aquele prazo, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc - empossado havia pouco -, percebeu, espantado, que absolutamente nada havia sido feito para essa "adaptação". Ocorrera uma generalizada - e escandalosa, diríamos - omissão, por parte da Petrobrás, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de tal sorte que o ministro se viu obrigado a esticar o prazo por mais três anos, deixando para 2012 a obrigação de os veículos a diesel envenenarem menos os habitantes das cidades, com a redução do enxofre. Quantos milhares de brasileiros não pagaram, e ainda pagarão, com a saúde por essa irresponsável omissão?

A propósito, há mais de uma década as entidades de fiscalização veicular dos EUA haviam exigido a instalação de centenas de itens de segurança para autorizar a importação de carros fabricados no Brasil. A montadora daqui cumpriu escrupulosamente todas as exigências e obteve aprovação para comercializar determinado modelo de carro em território norte-americano. Como os componentes relacionados a tais itens eram fabricados aqui mesmo no Brasil - e o mesmo modelo vendido no mercado interno não os possuía -, o então presidente da Anfavea, em programa de entrevistas de televisão, foi indagado por que os mesmos carros vendidos no Brasil não tinham esse reforço de segurança, para diminuir nossos recordes mundiais de mortes em acidentes de trânsito. Ao que respondeu que no Brasil "não havia demanda" para itens de segurança nos carros, pois o que aqui se valoriza é a potência do motor e o "status".

Sem dúvida, é um dos aspectos da crônica negligência brasileira essa excessiva tolerância com os prazos para que cessem ou se reduzam as emissões poluidoras, as devastações do meio ambiente e as agressões sistemáticas à saúde e à vida. Legisladores e órgãos públicos estabelecem prazos demasiadamente longos para que terminem as contaminações e os prejuízos à saúde das populações, alegando que os causadores de tais males precisam de tempo para "se adaptar" às novas regras saneadoras. Mas o que isso revela é frouxidão, por parte dos poderes públicos, no controle que deveriam exercer sobre os que, em suas atividades, exibem pouco respeito pelo precioso bem que é a vida.

UM PROGRAMA ATRASADO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
8/9/2009

Em todo o Brasil, milhares de pessoas inscreveram-se nos órgãos públicos municipais e estaduais e na Caixa Econômica Federal (CEF) para participar do programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em março pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva. Passados cinco meses do lançamento do plano e da promessa de construir 1 milhão de moradias para famílias com renda de até 10 salários mínimos por mês, apenas 36 mil casas estão em construção, segundo informações da CEF. Até agora, o que se vê é que o programa serviu muito mais como peça publicitária da campanha eleitoral em que o governo já há algum tempo se empenha, do que para atender à demanda de moradias populares.

As maiores dificuldades para comprar a casa própria estão na administração pública. A burocracia das prefeituras e Estados - e até da CEF - emperra cada etapa necessária à construção dos conjuntos habitacionais, da compra do terreno e aprovação do projeto até o registro imobiliário e a concessão do crédito ao comprador final. A demora seria menor se tivesse havido um mínimo de organização, com o treinamento de equipes para atender os incorporadores e os compradores finais, além da remoção de obstáculos como a insuficiente oferta de lotes.

O ambicioso plano habitacional corre, assim, o risco de ficar muito aquém das suas metas, embora não faltem interessados em participar para aproveitar as vantagens oferecidas a construtores e mutuários. O déficit habitacional está concentrado nas famílias com renda de até cinco salários mínimos por mês.

As condições dos financiamentos oferecidos pelo governo são muito favoráveis. Está prevista a concessão de subsídios de até R$ 23 mil por mutuário, o que reduz substancialmente o valor das prestações ou a dívida assumida. Com os incentivos, tanto mais elevados quanto menor é a renda familiar dos mutuários, famílias com renda de até três salários mínimos terão acesso à moradia própria com desembolsos irrisórios, de uma prestação de no mínimo R$ 50,00 mensais ou de 10% da renda mensal.

Os incentivos são menores para as famílias com renda entre três e seis salários mínimos. Nesses casos, o comprometimento da renda deve se limitar a 20% e haverá desconto de 90% nos custos cartorários, além de despesas reduzidas de seguro e refinanciamento das prestações, em caso de perda de emprego. As famílias com renda entre 6 e 10 salários mínimos terão redução dos custos do seguro e cartoriais e a possibilidade de refinanciamento da dívida.

O governo propôs que o Orçamento da União de 2010 destine até R$ 7,2 bilhões para subsídios à casa própria. É um valor significativo, pois corresponde a quase 40% dos R$ 19 bilhões em desembolsos previstos para este ano pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a maior fonte oficial de recursos para a casa própria.

Mas, neste ano, não houve nenhum aporte de recursos do Orçamento federal para as obras do programa habitacional. As obras são financiadas com recursos do FGTS e do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). O governo promete devolver o dinheiro ao FGTS e ao FAR logo que haja mecanismos que permitam o uso de verbas orçamentárias no programa.

As construtoras interessadas em construir imóveis para a população de baixa renda enfrentam dificuldades para encontrar terrenos, a preços compatíveis com os objetivos do programa, que prevê a construção de 400 mil unidades para famílias com renda de até três salários mínimos. Em alguns casos, as áreas oferecidas por prefeituras e Estados não têm a infraestrutura necessária aos empreendimentos, o que provoca o desinteresse dos compradores potenciais. E, nos grandes centros, o valor dos terrenos inviabiliza a execução dos projetos.

A CEF tem procurado justificar o atraso, argumentando que se trata de um programa novo e que os projetos de construção em fase de análise na instituição já assegurariam a construção de centenas de milhares de unidades, até 2010.

Mas, ante a generalização dos atrasos da quase totalidade dos investimentos em infraestrutura e dos projetos do PAC, parece altamente improvável que o programa de habitações populares do governo federal venha a ser a exceção.

ESTRATÉGIA DO SILÊNCIO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
8/9/2009

Compras militares à França trazem custos, privilégio e pressupostos que ainda precisam ser muito bem esclarecidos

COM A escancarada preferência por caças franceses numa disputa que ainda estava em curso, a gestão Lula repetiu, na área militar, o lamentável enredo da escolha do padrão japonês para a TV digital. Encantadas pelo lobismo, autoridades federais logo abandonam a neutralidade e perdem a latitude necessária para a defesa do interesse público.
Confirmada ontem, não sem surpresa, a compra dos aviões aos franceses será apenas um capítulo -um capítulo de R$ 10 bilhões- numa aproximação bem mais profunda entre Brasília e Paris. Um sorridente Nicolas Sarkozy assinou em Brasília a peça principal desse pacto, que trata, entre outros pontos, do fornecimento às Forças Armadas brasileiras de quatro submarinos convencionais e um outro, a ser adaptado ao reator nuclear da Marinha do Brasil.
Numa tacada apenas, comprometeram-se, além dos encargos financeiros, R$ 23 bilhões em recursos do contribuinte, a serem despendidos nos próximos 20 anos. Para ter ideia da dimensão do acordo, seu custo é comparável à soma dos de Jirau e Santo Antônio, as duas grandes usinas hidrelétricas em construção no rio Madeira, em Rondônia.
Não se questionam as prioridades das compras militares. Elas se enquadram no projeto de conferir mais mobilidade, tecnologia e poder de dissuasão às Forças Armadas, a fim de que possam, sem recorrer à mobilização maciça de tropas e recursos, patrulhar com eficiência um país continental. A questão específica é saber, no cotejo entre custos e benefícios, se a aproximação nos termos propostos com a França é mesmo a melhor resposta.
Um dos pontos sempre levantados para tentar justificar a aliança preferencial com os franceses seria a disposição de Paris de transferir tecnologia militar ao Brasil. De fato, há pouco incentivo para comprar de países como os EUA, que costumam bloquear o intercâmbio tecnológico. Mas não se sabe ao certo, por exemplo, que tecnologia será transferida pelos franceses ao custo de quase R$ 3 bilhões.
Outro ponto obscuro do acordo com a França é a contratação, sem licitação, da empreiteira brasileira Odebrecht para construir uma base naval e um estaleiro -obras em que o governo federal comprometeu-se a desembolsar R$ 5 bilhões. As autoridades brasileiras transferem a explicação desse privilégio para o governo francês, do qual teria partido a exigência. Seria anedótico, se não soasse escandaloso.
Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Congresso Nacional precisam abrir essa e outras caixas-pretas do acordo com a França. O caráter "estratégico" do pacto não exime o Executivo de prestar contas nos foros adequados.

OBAMA EM QUEDA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
8/9/2009

À PRIMEIRA vista é difícil entender por que uma tentativa de universalizar o acesso à saúde gera tal oposição que disso resulte um país dividido. Mas esse é o cenário hoje nos EUA. A reforma proposta por Barack Obama se tornou o principal motivo da queda acentuada de sua popularidade. Reavivou-se a "guerra cultural" entre conservadores e democratas; ambos radicalizaram seus discursos ao ponto da irracionalidade.
Obama assumiu a Presidência com popularidade que encostava nos 80%. Oito meses depois, a aprovação popular ao democrata está prestes a cair abaixo de 50%.
O sistema de saúde dos EUA se baseia em planos oferecidos como benefício empregatício. Programas públicos cobrem só idosos, famílias de baixa renda com doenças específicas e crianças. Há quase 50 milhões de pessoas sem cobertura, e os custos galopam: se nada for feito, os gastos em relação ao PIB passarão dos 16% atuais para 20% em 2018.
Mas a discussão extrapola a análise dos números e gira em torno do papel do Estado. O ponto mais combatido da proposta, além da obrigatoriedade de aquisição de planos, é a criação de uma seguradora governamental ou cooperativa sem fins lucrativos para competir no mercado. Para a oposição, as ideias são "socializantes", e daí derivam alegorias piores: programa-se um discurso a estudantes, e Obama se vê comparado a Hitler.
Obama mantém relativa distância do debate. Para evitar desfechos como o de 1993 -quando a então primeira-dama, Hillary Clinton, entregou um texto fechado ao Congresso e foi derrotada-, o presidente encarregou sua base parlamentar de elaborar o projeto da reforma, limitando-se a sugerir linhas gerais.
O fracasso de 1993 abriu caminho para que, no ano seguinte, republicanos recuperassem o controle do Congresso dos EUA. Com o fim lua de mel com o público, o presidente prepara agora seu contra-ataque. Há 75 anos democratas tentam universalizar o sistema de saúde americano. Em sua versão 2009, a batalha poderá definir o futuro político da administração Obama.

DEBATE CONTAMINADO PODE COMPROMETER PRÉ-SAL
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
8/9/2009

O debate sobre o pré-sal já está irremediavelmente contaminado pela campanha eleitoral, antecipada em dois anos pelo governo do presidente Lula. É a eleição que está na intransigência governista em relação ao pedido de "urgência urgentíssima" para a votação dos quatro projetos de lei que compõem o marco regulatório do pré-sal.
São 45 dias na Câmara dos Deputados e outros 45 no Senado para a análise, votação e aprovação ou rejeição das propostas - prazo que já começou a contar no dia 2 sem que nem sequer as comissões especiais tenham sido constituídas e instaladas.
É um prazo exíguo para a análise de assunto de tamanha complexidade, muito embora se saiba que as regras regimentais do Congresso permitem que a discussão se estenda por 150 dias, pelo menos. Ainda assim é pouco tempo, quando se debate o futuro das novas gerações do país.
O mais provável é que o presidente Lula retire o pedido de "urgência urgentíssima" dos projetos mais adiante, como uma "concessão" a parte da base de sustentação do governo e à oposição. Então já terá tirado o máximo de proveito eleitoral do episódio, com a vinculação do PSDB e do Democratas (DEM) ao discurso antiestatal e privatista.
Esse discurso deu certo e desmontou a candidatura do tucano e ex-governador paulista Geraldo Alckmin, no segundo turno das eleições de 2006. E é essa a plataforma que que deve servir de abre-alas da campanha da provável candidata do PT nas eleições de 2010, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).
Gato escaldado tem medo da água fria: a oposição tenta escapar da armadilha palaciana, mas seu discurso soa confuso quando hesita, por razões eleitorais, em enfrentar o mérito da questão entre os regimes de concessão e partilha para a camada pré-sal, em discussão no Congresso.
A ministra da Casa Civil, em contrapartida, simplifica: "Se é nacionalista querer que a maior parte dos recursos (do pré-sal) sirva ao país, então, nós também queremos", disse ela ao Valor na edição de quinta-feira, 3. Dilma costuma reagir com rispidez quando se trata de sua eventual candidatura. "Você não acha que eu vou responder a essas perguntas...", respondeu ela na mesma entrevista. Pouco antes, no entanto, participou sozinha, sem a muleta de Lula, de uma solenidade no Itamaraty na qual seus poros exalavam eleição. Chamou o prefeito do Rio, Eduardo Paes, um ex-tucano que se tornou pemedebista, de "companheiro", o governador Sérgio Cabral de "querido amigo" e de "excelente orador" o governador petista de Sergipe, Marcelo Déda.
Lula antecipou a campanha eleitoral em pelo menos dois anos, mas a oposição, vendo-se cada vez mais emparedada, também entrou no jogo.
O governador Aécio Neves (MG) passou a semana percorrendo o Nordeste e pode se licenciar do cargo a fim de atravessar o país fazendo proselitismo de sua campanha à indicação do PSDB para a chapa presidencial.
Os movimentos de Aécio obrigam o governador José Serra (SP), o mais refratário à antecipação da campanha, até porque é o primeiro nas pesquisas de opinião sobre a eleição de 2010, a também botar o pé na estrada.
O horário partidário do PSB, quinta-feira passada, foi de pura exposição de seu pré-candidato Ciro Gomes. Resta ainda Marina Silva, que surpreendeu os principais contendores ao se filiar ao PV para concorrer à Presidência.
Desde a redemocratização, nunca a campanha para presidente da República esteve tão antecipada. Eleições, como se sabe, não são boas conselheiras. A emoção e o interesse partidário costumam prevalecer sobre a razão. O debate é contaminado pela demagogia barata.
Há ainda a eleição para governador, senador e deputado federal, além da renovação dos legislativos estaduais.
É frequente, em Brasília, parlamentares de Estados produtores de petróleo refrearem suas opiniões sobre os quatro projetos do pré-sal para não se "queimar" com a base de seus eleitores.
O contágio do debate sobre o pré-sal é evidente. O mínimo que se espera dos homens públicos do país é que não deixem que vire infecção. Ainda há tempo.

NECESSIDADE DE MELHORAR
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
8/9/2009

O Brasil tem déficit de professores em diversas áreas, por muitas razões, inclusive baixa valorização do magistério. Mas o problema não se restringe ao aspecto numérico. É mais grave em relação à má formação profissional.

As constatações são assustadoras. Um em cada quatro futuros professores do país se forma em cursos de má qualidade, conforme mostram os resultados de exames feitos pelo Ministério da Educação.

O número de cursos de Pedagogia ruins cresceu desde a última avaliação, em 2005. Eram 172 com índices 1 e 2 no Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade), o que equivalia a 28,8% do total. Agora são 292, o equivalente a 30,1%. Ao todo, 71 mil alunos desses cursos receberam os mais baixos conceitos em avaliações do MEC.

Só futuros professores estão sujeitos à má formação profissional? Não. Esse problema está presente em diferentes áreas de atividades pesquisadas pelo governo. A mudança desse quadro constitui um grande desafio a ser vencido pelo país.

Apenas 1% das universidades avaliadas pelo MEC ostenta conceito máximo, conforme o Índice Geral de Cursos (IGC), que mede a qualidade das instituições de ensino superior. Só 1%. É o fundo do poço.

O IGC vale para cursos de graduação e pós-graduação, aplicando pontuação que varia de 1 a 5. A nota máxima foi obtida por apenas 21 entre as 2 mil faculdades e universidades pesquisadas em 2008. Nada menos de 588 dessas escolas, o equivalente a 36% do total, apresentaram condições inadequadas – o que significa decadência de conceito do quadro geral, pois, no ano anterior, eram 454, ou 31% (soma já muito elevada).

Não existem explicações precisas sobre o avanço de 31% para 36% no número das escolas mal-avaliadas, devido à inexistência de comparações. Essa é apenas a segunda edição do IGC. Entre as possibilidades imaginadas, a mais comum é a de que algumas universidades priorizaram o crescimento sem ênfase no aperfeiçoamento.

Sabe-se, porém, que em função da diferença de 5 pontos percentuais (de 31% para 36%) de 2007 para 2008, cerca de 184 mil alunos de cursos superiores passaram a estudar em instituições reprovadas pelo Ministério da Educação – o que significa indesejável crescimento de 25%.

Com isso, de 4,8 milhões de universitários que existem atualmente no país, nada menos de 737 mil estão cursando unidades educacionais ruins – fato altamente preocupante. Isso terá preço para a sociedade. A pergunta inevitável é: qual a qualidade dos profissionais que estão sendo formados por cursos deficientes?

Deve ser ressaltado que mais de 300 instituições ficaram sem o conceito atribuído pelo MEC. Isso porque em 2008 não houve participação mínima dos alunos de alguns cursos no Enade, que é um dos componentes do Conceito Preliminar de Curso (CPC), utilizado para o cálculo do IGC. O CPC é fundamental. Foca as chamadas variáveis de insumo – o corpo docente, a infraestrutura e o programa pedagógico.

Felizmente, providências estão a caminho, ainda que tardias. O Ministério da Educação anuncia punições a instituições de ensino superior que tiveram desempenhos insuficientes em avaliações do órgão. Entre elas, a suspensão de vestibulares e outros processos de ingresso, redução de vagas e arquivamento de processos de autorização. De acordo com o ministro da Educação, Fernando Haddad, em último caso pode haver descredenciamento. É o papel do governo, embora espere-se que as escolas se reabilitem.

CONCURSOS SEM LASTRO
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
8/9/2009

Vagas existentes precisam ser ocupadas efetivamente

No passado, quando algum órgão da administração pública precisava preencher vagas surgidas por aposentadoria ou morte de servidores, ou ainda por aumento expressivo na demanda do serviço, sua direção realizava concurso, para preenchimento dos postos disponíveis ou exigidos e ainda ficava com uma espécie de cadastro de reserva, apesar de os cargos constarem no edital de convocação como existentes. A abertura das vagas excedentes funcionava como uma espécie de facilitador para administrador público, que poderia se valer desse estoque de aprovados, enquanto perdurasse a validade dos concurso. Assim, o candidato classificado tinha mera expectativa de nomeação, ou seja, o administrador poderia chamá-lo quando e se quisesse, sem maiores justificativas ou consequências.

Mas esse panorama começou a mudar com reiteradas decisões prolatadas por nossos tribunais, que têm decidido no sentido de que o candidato aprovado para uma vaga que constou como existente no instrumento de convocação, não mais tem mera expectativa de ser chamado, mas, sim, direito à nomeação imediata. Nesse sentido, recentemente a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas tem o direito subjetivo de ser nomeado. O entendimento garantiu a uma candidata, aprovada em primeiro lugar, ser nomeada para a Universidade Federal da Paraíba à vaga de fonoaudióloga. O concurso foi realizado pelo Ministério da Educação, que oferecia 109 vagas para a função. No edital, alguns cargos eram acompanhados da expressão “código de vaga” e outros não. O ministro Nilson Naves, relator do processo, deferiu o pedido da candidata, assegurando-lhe o direito à nomeação e à posse, pois fora aprovada em concurso dentro do número de vagas previsto no edital e no prazo de validade do certame.

Esse mesmo entendimento ficou registrado em acórdão proferido pela 21ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que determinou a nomeação de candidata aprovada para cargo vago, que estava sendo ocupado por funcionário contratado temporariamente, de forma emergencial. Na decisão, os desembargadores disseram que a aprovação não gera direito absoluto à nomeação ou admissão, mas a administração deve demonstrar de forma consistente o motivo para não convocar os aprovados. E, neste caso, não haveria justificativa plausível para tanto, já que a vaga estava sendo ocupada por pessoa contratada de forma temporária. Está na hora, pois, de a administração pública – federal, estadual ou municipal – tomar emenda e passar a promover concursos realmente necessários, efetivando os aprovados para o número de vagas anunciado nos editais. Principalmente se seus órgãos estejam trabalhando com servidores contratados ou tercerizados. Realizando o concurso, a administração pública precisa ocupar vagas realmente existentes. Além disso, urge moralizar sua organização, muitas vezes, envolta por denúncias de fraude e outras mazelas, como ocorreu domingo em Brasília (EM, 7/8, Nacional, p. 9), nas provas promovidas pelo Ministério da Justiça, para o preenchimento de 450 vagas em 11 cidades do país.

ALÉM DE SARKOZY
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
8/9/2009

As comemorações da Independência foram além da entonação do Hino Nacional, do desfile militar na Esplanada dos Ministérios e da presença de Nicolas Sarkozy em visita a Brasília. No Ano da França no Brasil, acordo estratégico militar bilionário fez parte dos festejos. Ao custo de cerca de R$ 22,5 bilhões, Brasília se dispõe a comprar 50 helicópteros de transporte e quatro submarinos, além de obter tecnologia para fabricar um de propulsão nuclear. O valor deve sofrer incremento caso se concretize a aquisição de 36 caças. A palavra final caberia ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, mas o presidente Lula antecipou-se e anunciou ontem mesmo, ao lado do visitante, a “decisão política” de fechar o negócio.

Ninguém duvida da necessidade de o Brasil modernizar as Forças Armadas. Ninguém duvida também da necessidade de o país capacitar-se em tecnologia nuclear para fabricar submarino movido a energia atômica. A concretização do negócio abrirá para Brasília as portas do clube de seis países com tal capacidade — Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China e Índia. Veja-se que, dos Brics, sigla que engloba Brasil, Rússia, Índia e China, só o Brasil amarga a defasagem na área.

O tema envolve interesses nacionais e internacionais. Outros fornecedores disputaram a preferência do Palácio do Planalto. A escolha de Paris veio ao encontro de dois interesses. De um lado, o desejo da França de ampliar suas relações privilegiadas. A aliança com o Brasil é bem-vinda graças à economia pujante da nação sul-americana e à possibilidade de a nação europeia ampliar os tentáculos para outras áreas. De outro, a vontade do Brasil de afirmar sua política sem a hegemonia de Washington, embora, com a decisão, contrarie interesses do governo e das indústrias naval e aeronáutica da potência do Norte. Vale lembrar que, além dos negócios, Paris apoia sem reservas a intenção brasileira de ocupar cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Uma das preocupações decorrentes da parceria Brasília-Paris recai no fato de, em assunto tão estratégico, pôr todos os ovos em uma só cesta. As autoridades brasileiras alegam que o casamento favorecerá a transferência de tecnologias sensíveis ao país e dará robustez à posição brasileira em questões que dependem do apoio francês. Especialistas afirmam que a dependência de um só fornecedor em várias áreas acarreta riscos. Até a transferência de tecnologia não é tão certa quanto o preto no branco. São questões que o Congresso deve analisar com cuidado. Caberá, portanto, ao Legislativo decantar as negociações para distinguir o que é útil ao interesse nacional e o que pode acarretar prejuízo. Não é tarefa fácil. Impõe-se colocá-la acima dos preconceitos ideológicos e das quizílias partidárias.

UMA REFORMA FEITA COM RETALHOS
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
8/9/2009

Nesta semana, a “reforma eleitoral”, consubstanciada no Projeto de Lei da C⬬mara (PLC) n.º 141/2009, poderá ser votada no Senado Federal. Trata-se de uma reforma, principalmente, confusa. Uma grande colcha de retalhos
Os pontos positivos continuam sendo, por exemplo, as regras que tratam do exercício de direito de resposta em caso de ofensas veiculadas pela internet; as alterações que passam a permitir a propaganda eleitoral por meio de mensagem eletrônica, e também por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e assemelhados, desde que gerados ou editados por candidato, partido político, coligação ou pessoas físicas; a liberação de doações pela internet e por telefone, realizadas por pessoas físicas; e a ampliação, de três para seis meses antes das eleições, do período em que é vedada a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.
Apesar disso, os equívocos e as incongruências ainda se mostram muito mais numerosos.
O projeto, por exemplo, pretende admitir a doação, por pessoas físicas, que passe de 10% dos rendimentos brutos aferidos no ano anterior à eleição, observado apenas um limite de R$ 50 mil. Uma permissão que, ao que tudo indica, poderá dar ensejo a fraudes e a tantas outras práticas indesejadas. Em quanto tempo surgirão os primeiros casos de pessoas cujas doações representarão 80%, 90% ou até 100% dos seus rendimentos brutos? É evidente, portanto, que o novo modelo em nada contribui para o aprimoramento do sistema eleitoral, mas sim para a sua burla.
Um outro aspecto diz respeito à propaganda paga na internet. Os senadores sinalizaram com a possibilidade de flexibilização da regra proibitiva, o que também é bastante discutível. Pela evidente dificuldade de fiscalização, a proibição de qualquer espécie de propaganda paga na internet – à exceção da reprodução dos jornais impressos – se revela muito mais salutar.
Ainda, um outro tema que merece especial atenção é o atinente à sucessão nas hipóteses de cassação no âmbito do Poder Executivo. Se a cassação ocorrer antes da primeira metade do mandato, a proposta prevê a realização de nova eleição. Já, se a cassação ocorrer a partir da segunda metade do mandato, pretende-se que o novo representante seja escolhido pelo Poder Legislativo. Ora, ainda que se sustente a existência de um paralelo na Constituição Federal – hipótese de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República –, a solução não parece ser a mais adequada. Mesmo nos casos de cassação ocorrida nos dois últimos anos do mandato, preferível é a realização de nova eleição ou a posse do segundo colocado.
Por fim, vale destacar que sobre várias matérias o suspense permanece. E a principal delas diz respeito à manifestação da expressão e da liberdade de opinião pela rede mundial de computadores.
Por motivos estranhos à razão, muitos dos nossos representantes em Brasília ainda parecem querer contrariar o óbvio. Insistem na regra de que os conteúdos próprios das empresas de comunicação social e dos provedores de internet devem observar as normas relativas às emissoras de rádio e de televisão.
Não compreendem que tais emissoras se sujeitam a diversas limitações por uma razão bastante clara e direta: são permissionárias (FMs) e concessionárias (televisões e AMs) de serviço público. Daí a vedação à difusão de opinião favorável ou contrária a candidatos, partidos políticos ou coligações; a vedação a qualquer forma de propaganda eleitoral paga; e assim por diante. São proibições às quais não se sujeitam, por exemplo, jornais e revistas, que se caracterizam como veículos de livre circulação e que independem, portanto, de autorização governamental. Não conseguem perceber que a internet é ainda muito mais democrática e flexível do que um jornal ou do que uma revista. Não conseguem perceber que a realidade e que o regime jurídico aplicável à internet em nada se assemelham com a realidade e com o regime jurídico aplicável às emissoras de rádio e de televisão.
Assim, é absolutamente incerto o resultado final da mais recente “reforma eleitoral” em trâmite no Congresso Nacional.
A única certeza é a de que questões realmente relevantes e necessárias para o aprimoramento da nossa democracia – tais como o fim do voto obrigatório e a adoção do voto distrital misto com lista aberta –, foram, mais uma vez, deixadas de lado.

CORRIDA ÀS ARMAS
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
8/9/2009

O bilionário acordo assinado ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu colega francês Nicolas Sarcozy precisa merecer atenção equivalente à de suas dimensões financeiras e às implicações de ordem diplomática e econômica por parte da sociedade, especialmente do Congresso. Diante de um investimento dessa natureza, capaz de demandar um volume de recursos correspondente ao total previsto no orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para este ano, um país com tantas carências sociais não atendidas tem o dever de tratar a questão com o máximo de clareza. A transparência é necessária não apenas para explicitar as necessidades da aquisição, mas também para a reafirmação de seus fins pacíficos e da defesa da soberania nacional e para garantir benefícios aos brasileiros, como os previstos com a transferência de tecnologia.

Oficialmente, a aquisição de submarinos e helicópteros, além de caças, e mais a confirmada intenção da França de participar também de um projeto conjunto com a Embraer, são explicadas pelas necessidades surgidas com a exploração das reservas de petróleo do pré-sal e para a maior proteção da Amazônia. Por meio do acordo, o Brasil busca também na França um aliado para tornar factível o sonho de integrar o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o chamado G-8, a partir de sua ampliação. Além disso, os militares brasileiros queixam-se há décadas do sucateamento das condições de defesa nacional. São todos interesses justificáveis, mas que, particularmente por transcenderem o horizonte do atual governo, precisam ser analisados com isenção e responsabilidade pelos parlamentares, a quem cabe a defesa dos interesses da população. Essa corrida às armas, num surto armamentista que, mesmo explicável, é sempre indesejável, sangra as economias dos países que, como os do continente, deveriam encaminhar seus investimentos para outras prioridades.

A retomada da atividade econômica tem estimulado os gastos com defesa, não apenas no Brasil, mas também em países vizinhos nos quais as divergências em torno de acordos militares são motivo de tensão permanente. É o caso da Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez se aproximou de fornecedores como Irã e Rússia, e da Colômbia, principalmente a partir do momento em que o presidente Álvaro Uribe decidiu renovar acordo permitindo a presença de bases militares norte-americanas em seu país, sob a alegada necessidade de combater a narcoguerrilha. De alguma forma, também essas contendas servem para justificar a opção brasileira de acelerar os planos de reaparelhamento de suas Forças Armadas, formalizando um acordo com potencial para transformá-lo no detentor da mais poderosa força naval da América Latina.

Por mais que sobrem razões para esse acordo de cooperação militar com a França, o Planalto precisa deixar claro à população por que decidiu transformá-lo em prioridade. São recursos muito vultosos que serão alocados em aquisições bélicas ou de defesa num momento em que nosso país não tem inimigos e não sofre ameaças efetivas.

AS DÚVIDAS SOBRE O PRÉ-SAL
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
8/9/2009

Apenas o regime de concessão, ou o sistema misto de concessão e partilha? Tudo deve ficar com a Petrobras, ou devemos criar uma estatal especificamente para abrigar esse empreendimento gigantesco? Por que tanta pressa, quando é tão complexo o que está em discussão? Essas são as perguntas que começam a mover uma das questões mais sérias do momento em nosso País, que volta a ser exposto nas vitrines internacionais. Agora, felizmente, por um motivo bem mais nobre que os temas recorrentes de corrupção. O objeto central da exposição são os 800 quilômetros de extensão por 200 de largura, no litoral que vai de Espírito Santo a Santa Catarina, onde estão as maiores reservas de petróleo do Brasil, a uma profundidade de até sete mil metros abaixo do nível do mar, sob uma camada de sal de algo em torno de dois mil metros, o pré-sal. Explorar essas reservas de petróleo transformou-se num tema capaz de tirar de cartaz o desgaste que vinha se aprofundando no Senado, com um potencial de confrontos imprevisível.
O tema pré-sal traz de volta o lema – o petróleo é nosso – que fez história e resultou na criação da Petrobras em outubro de 1953, fundada na discussão do nacionalismo que alimentou todo o processo de sua criação e agora consolidada como a maior empresa brasileira. Se no passado bastou contrapor defensores da riqueza nacional e “entreguistas”, com o pré-sal a questão é bem mais complexa porque envolve aspectos que vão muito além da capacidade técnica para a exploração dessa grande riqueza, que pode tornar o Brasil um dos maiores produtores do mundo. Os primeiros obstáculos estão sendo expostos no Congresso, que recebeu para discussão e aprovação, em 90 dias, o novo marco regulatório para exploração do petróleo. O prazo, diz o governo, é fundamental para que os debates no parlamento não sejam contaminados em um ano eleitoral, 2010. Para a oposição, 90 dias não são suficientes para tratar de uma questão de tão profundas repercussões na vida de todos os brasileiros.
Apesar dos discursos – a começar pelas retumbantes declarações do presidente, dando o pré-sal como uma dádiva divina com a qual o Brasil eliminará o seu problema maior, a pobreza – o grande complicador desse tema é o maniqueísmo marcante do nosso processo político, pelo qual a oposição vê sempre o mal do lado do governo e este sempre vitupera a oposição como o obstáculo a todos os avanços. Como o governo tem maioria na Câmara Federal, dá-se como certo que nesta Casa os seus projetos devem andar, o que não acontece no Senado, onde é minoria. Um empate que não interessa ao povo brasileiro, principalmente quando está em questão um dos seus maiores patrimônios, a Petrobras, que não pode ser sujeita às intempéries eleitorais.
Lamentavelmente é isso que estamos vendo e iremos ver por muito tempo mais: o pré-sal passou a ser um dos personagens principais do que vem por aí, a sucessão presidencial. De um lado, clama-se que o governo instala um palanque para sua candidata. De outro, a mesma condenável motivação eleitoral emperrando um empreendimento que deveria ser respeitado como um bem público imune às doenças partidárias, com uma destinação social inconfundível. Para isso, porém, tem que ser depurado dos riscos e discutido com seriedade. Desta forma, seria desejável que nossos representantes pernambucanos no Congresso trouxessem a público todas as suas certezas e dúvidas. Tanto quem defende quanto quem condena o processo desfechado pelo governo para a construção do novo marco regulatório do petróleo. Em qualquer caso, porém, se exige tanto clareza quanto bom senso, patriotismo até, considerando o que representa a exploração desse patrimônio brasileiro, tomando por base os modelos que vêm dando certo e os que – alertam os especialistas da área – não devem ser copiados, a exemplo da Venezuela e do México, que não mudaram os países como era esperado e é anunciado no caso brasileiro.

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