EDITORIAIS 28/9/2009
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
28/9/2009
RIO - É esclarecedora a entrevista concedida pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicada ontem no caderno de economia do Jornal do Brasil. Especialista em políticas públicas com mais de uma centena de trabalhos na área, Neri faz um balanço acurado – otimista, porém cauteloso – sobre o percurso brasileiro e os enormes avanços sociais obtidos ao longo das duas administrações dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Dali, depreende-se que, se na década de 90, o Brasil se engalfinhou na luta contra a inflação e pela estabilidade econômica, e estes anos 2000 estão sendo caracterizados como a era da redução da desigualdade social, a próxima década deverá – ou pelo menos deveria – ser marcada pelo engajamento nacional pela educação de qualidade.
É esse um dos principais entraves ao desenvolvimento do país. Depois de ter avançado em termos quantitativos, ao aumentar a cobertura da rede de ensino, o Brasil precisa melhorar, urgentemente, os indicadores de qualidade. Segundo resultados do Pisa, teste internacional com alunos de mais de 50 países, os brasileiros estão atrás da maioria dos estudantes de nações com desenvolvimento socioeconômico semelhante.
A tarefa não é simples, como reconhece Marcelo Neri, ao lembrar que o tema da educação é frustrante, pois a meta é de longo prazo e porque, para um político, esta agenda talvez não seja muito “sexy”. Pesquisas recentes, contudo, mostram que, até entre as pessoas em geral, a educação figura em sétimo lugar como prioridade.
É uma contradição, pois a taxa de retorno da escolaridade no Brasil é de quase 15% por ano de estudo, bastante alta se comparada a aplicações financeiras. Em interessante estudo sobre esse paradoxo, publicado no recém-lançado livro Educação básica no Brasil (Campus/Elsevier), o mesmo Neri mostra que diferentemente do senso comum, o principal motivo que leva os alunos a abandonar a sala de aula não tem a ver com a necessidade de geração de renda, mas à falta de interesse intrínseco pelos estudos.
O benefício da educação é gigantesco, mas os estratos mais pobres da população não têm a dimensão desse retorno. Há um problema de mentalidade a ser resolvido. Pais, na maioria das vezes com educação precária, não incentivam os filhos. Logo, o desafio é duplo. Não basta oferecer o ensino de qualidade. Há de se investir numa mudança de comportamento de pais e alunos, convencê-los da importância da educação.
Outro ponto importantíssimo é superar a maior lacuna de cobertura do sistema de ensino brasileiro: a pré-escola. Estudos feitos nos Estados Unidos mostram que os primeiros anos de vida são um período crucial no desenvolvimento da cognição e do comportamento humanos. Programas educacionais voltados para a primeira infância reduzem a repetência e chegam a diminuir as taxas de criminalidade no futuro em até 30%.
Investir nesta fase é uma forma de atacar o mal pela raiz: o background social e suas repercussões. Hoje, os programas sociais brasileiros, como o Bolsa Família, são essenciais e até exportados para outros países. Mas representam um alívio tardio, na vida das pessoas, e um paliativo, para o desenvolvimento da nação.
G-20, REFORMAS SEM PRESSA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
28/9/2009
A missão mais urgente do Grupo dos 20 (G-20), converter o cassino financeiro mundial num lugar respeitável, vai ser cumprida gradualmente. Só no fim de 2012 a nova ordem deverá vigorar de forma completa. Além disso, ficou para o fim do próximo ano o acordo sobre as novas normas de segurança para os bancos ? regras de capitalização, limites de operações e critérios de gestão de riscos. Também levará três anos a reforma do perigoso mercado de derivativos, onde indivíduos, empresas e instituições financeiras arriscaram e perderam bilhões num jogo obscuro e sem lei. Apesar disso, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, festejou a conclusão do encontro de cúpula de Pittsburgh, na sexta-feira, como se a conferência houvesse resultado em duras normas de controle das finanças globais.
O comunicado final endossado pelos 20 chefes de governo impressiona mais pela extensão do que pela novidade e pela ousadia das decisões. A maior parte dos pontos acordados era previsível. Os governos manterão as medidas de estímulo à economia até a recuperação se firmar. Também começarão a examinar, em breve, como será desmontado o aparato fiscal e monetário de combate à crise.
A reforma do sistema financeiro deverá incluir, como se esperava, regras novas de remuneração para os dirigentes de bancos. Executivos foram premiados com bônus, durante anos, para produzir lucros a qualquer custo e sem dar atenção a riscos. Os prêmios não serão eliminados ? seria uma tolice ?, mas dependerão dos níveis de capitalização, do desempenho e dos padrões de segurança das instituições.
A base da nova política foi traçada neste mês pelo Conselho de Estabilidade Financeira, formado por autoridades monetárias de todos os países do G-20. A aprovação da fórmula foi uma decisão sensata, mas não surpreendente. O Conselho, antes conhecido como Fórum, existe há alguns anos e congregava até recentemente só representantes de algumas economias desenvolvidas. Sua expansão foi sacramentada em abril pelos 20 governantes do grupo.
A reunião de cúpula produziu também um compromisso a favor de uma economia mundial mais equilibrada, sem desajustes muito amplos nas contas internacionais. Concretamente, o objetivo é reduzir os déficits externos de algumas grandes economias, como a americana e a britânica, e diminuir os superávits, principalmente da China e do Japão. Para isso, China e Japão terão de mudar seu padrão de crescimento, apoiado no investimento e no comércio exterior, e os Estados Unidos precisarão alterar seu padrão de consumo e controlar seriamente suas contas de governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemoraram, como era previsível, as decisões sobre a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI). Houve acordo para a transferência de 5% das cotas, com o correspondente poder de voto, das economias sobrerrepresentadas para aquelas com representação inferior ao seu peso relativo.
O governo brasileiro vinha reivindicando uma transferência de 7%, mas não tem por que reclamar. A fixação de uma porcentagem foi um fato político relevante, mas o processo de reforma, iniciado oficialmente em 2006, já vinha avançando. O G-20 recomendou a conclusão da mudança até janeiro de 2011, mas a diretoria do FMI já trabalhava com esse prazo. Mas o sistema continuará baseado em cotas ? como explicitou o comunicado ? e a atual fórmula de distribuição servirá de base para a atualização dos números. Mas os Estados Unidos continuarão com mais de 16% dos votos e, portanto, com poder de veto nas decisões mais importantes.
O G-20 atribuiu oficialmente ao FMI a função de analisar as políticas dos vários países para avaliar seus impactos sobre as demais. Será uma função auxiliar, assim como a tarefa de acompanhar os mercados financeiros e fazer soar o alerta em situações de risco. O monitoramento dos mercados e a emissão do alarme rápido (early warning) já haviam sido recomendados ao Fundo por seu principal organismo político, o Comitê Monetário e Financeiro Internacional, formado por 24 ministros. Se houve alguma novidade na reunião do G-20, foi o reconhecimento ainda mais claro do papel do FMI no esforço de coordenação. "Conseguimos subordinar o Fundo ao G-20", disse Mantega. De fato, o Fundo saiu fortalecido e seu principal dirigente continuará, como sempre, mantendo contato estreito e informal com os governos mais influentes.
MAIS CRÉDITO DE LONGO PRAZO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
28/9/2009
Para dinamizar a oferta de crédito para empresas e pessoas físicas, o governo poderá autorizar os bancos a captar recursos mediante a emissão de novos títulos ? as chamadas Notas Bancárias de Crédito ?, com características semelhantes às das debêntures. O objetivo é reduzir o custo de captação e alongar os prazos das operações, tornando o mercado brasileiro mais assemelhado aos mercados dos países desenvolvidos.
A vantagem do novo título, segundo informa o jornal Valor, é que ele não estará sujeito ao recolhimento compulsório. Hoje, só os depósitos a prazo não estão sujeitos à incidência de compulsório. Há compulsório de 20% sobre as cadernetas de poupança e de 42% sobre os depósitos à vista, já onerados com a destinação obrigatória de 30% para o crédito agrícola e de 2% para as operações de microcrédito.
Segundo dados do Banco Central, os bancos e demais instituições financeiras dispunham para aplicar, em julho, de cerca de R$ 1,1 trilhão captado em títulos privados (depósitos a prazo, letras de câmbio, letras hipotecárias e letras imobiliárias), R$ 290 bilhões em depósitos de poupança e R$ 118 bilhões em depósitos à vista. Os bancos também repassam para os clientes linhas do BNDES, como a Finame, e do FGTS, ganhando na intermediação dos recursos.
A permissão para emitir notas bancárias deverá beneficiar, inicialmente, as instituições de pequeno e de médio portes, com menos depósitos à vista e mais dificuldade de captação. Nos últimos meses, os bancos menores puderam colocar depósitos a prazo garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), até o valor de R$ 20 milhões. Captaram, assim, R$ 11,8 bilhões, com prazos entre um ano e cinco anos. "O importante é que isso (a garantia do FGC) não ocorreu por conta de uma crise, mas para melhorar as estruturas de captação dos bancos", declarou o presidente da ABBC, Renato Oliva. Mas o custo de captação foi alto ? da ordem de 125% da taxa do CDI, incluindo a comissão paga ao FGC.
Ao autorizar o novo título, o governo tem o objetivo ambicioso de capitalizar os bancos, obrigando-os, ainda, a aumentar a oferta de crédito, se não quiserem perder mercado para as instituições que decidirem usar o novo instrumento.
Outra vantagem da nota bancária será evitar o descasamento entre os prazos de captação e de aplicação dos recursos, que eleva os riscos das operações, como ocorre no Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Normalmente, os depósitos a prazo vencem em prazos curtos, enquanto os prazos de financiamento de veículos podem chegar a cinco anos. Também os recursos das cadernetas de poupança são prontamente disponíveis, mas as aplicações em imóveis são feitas em prazos de até 30 anos.
Até o ano passado, os bancos conseguiam captar recursos de longo prazo por intermédio de debêntures lançadas por companhias de leasing subsidiárias. Mas a imposição de um compulsório sobre esses títulos reduziu o interesse das instituições e elevou o custo das operações para os tomadores finais.
Sem a obrigação de recolher compulsórios, os bancos terão agora recursos para oferecer a empresas que só realizam projetos de investimento financiados quando têm acesso a recursos do BNDES ou a empréstimos externos.
Entre dezembro de 2007 e julho de 2009, o Brasil aumentou a proporção dos empréstimos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), de 34,2% para 45%, mas em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Israel, China, Taiwan ou Japão, ela supera 100% do PIB.
Este aumento dos empréstimos em relação ao PIB se deveu a uma mudança econômica estrutural: com o aumento do emprego formal e do número de aposentados, mais trabalhadores tiveram acesso a empréstimos a custos módicos, nas linhas de crédito consignado. Mas, para as empresas de pequeno e de médio portes, as linhas bancárias de longo prazo ainda são claramente insuficientes. A expansão real do crédito dependerá, portanto, de um grande aumento do número de pequenas empresas com acesso aos empréstimos de longo prazo.
MODERNIZAÇÃO E ECONOMIA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
28/9/2009
Tendo à sua disposição informações precisas sobre os preços vigentes no mercado, diversos governos estaduais agora podem combater com mais eficácia a velha prática do sobrepreço que predominou nas licitações públicas e estão conseguindo reduzir seus gastos com a compra de bens e a contratação de serviços.
Com o uso de bancos de preços referenciais, montados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) ? que tem longa experiência na coleta de preços no mercado ?, os governos da Bahia, Sergipe e Espírito Santo, que já adotaram o sistema, sabem até quanto podem pagar pelo produto que querem comprar. O banco de preços lista 2 mil itens, que variam de merenda escolar e remédios a veículos para uso oficial. Em caso de licitação, esses governos informam aos interessados que não pagarão mais do que o valor de referência e declararão vencedor o candidato que apresentar o menor preço.
Conforme reportagem do jornal Valor publicada na quarta-feira, dia 23, o governo do Distrito Federal adotará essa forma de compra em outubro. O modelo interessa também aos governos de Alagoas, Goiás, Rondônia e Roraima. O governo do Estado de São Paulo está entre os que utilizam bancos de preços há mais tempo. Esta é uma das medidas que estão sendo paulatinamente colocadas em prática pelo setor público para modernizar as formas de aquisições e licitações, com o objetivo de desburocratizar o sistema e garantir maior credibilidade ao processo de compras governamentais, um dos principais focos de corrupção e desvio de dinheiro público.
Antes da utilização desses bancos, quando consultados por um órgão público para o fornecimento de um bem ou serviço, os fornecedores costumavam apresentar preços superiores aos de mercado ou aos oferecidos a seus clientes privados. Faziam isso a título de garantia contra eventuais atrasos de pagamento e por saberem que, em geral, o órgão contratante não dispunha de informações para contestar sua oferta. Em certos casos, havia conluio do fornecedor com funcionários públicos responsáveis pela compra, com ganhos para ambos os lados, em detrimento do contribuinte.
Os governos que utilizarem os bancos de preços não precisarão mais submeter-se aos valores superdimensionados pedidos pelos potenciais fornecedores. "A possibilidade de manipulação de preços é zero, pois a empresa pode perder a concorrência", diz o professor da FGV Túlio Bastos Barbosa, responsável pelo sistema. Além disso, com o banco, os governos terão acesso à pesquisa da FGV com 18 mil empresas cadastradas e poderão comparar os preços regionalmente.
O governo da Bahia espera economizar 15% com as compras de bens ou contratações de serviços por esse método. Foi desenvolvido no Estado um sistema que impede a compra de um bem cotado acima do valor constante do banco de preços de referência. Em Sergipe, o banco de preços é formado por 2 mil itens comprados diariamente pelo governo, como alimentos, produtos de limpeza e material de escritório e informática.
Outra providência para modernizar, acelerar, dar maior visibilidade ao processo de compras por órgãos públicos e reduzir o preço é a utilização do pregão eletrônico. A combinação do pregão eletrônico com o banco de preços é vantajosa para o comprador ? pois é maior a competição entre os fornecedores ? e abre espaço para que fornecedores regionais de diferentes portes participem do processo. Ou seja, pequenas e médias empresas, que teriam dificuldades para montar uma proposta e enviar representantes para o ato de abertura das ofertas, podem fazer tudo isso pela internet, e conhecendo as ofertas de seus concorrentes.
O governo de São Paulo utiliza o pregão eletrônico com preços referenciais, aferidos pela Fundação Instituto de Administração (FIA), ligada à Faculdade de Economia e Administração da USP. Na área federal, é crescente o uso do pregão eletrônico em substituição aos processos tradicionais, como pregão presencial, tomada de preços ou carta-convite. No ano passado, de acordo com o Ministério do Planejamento, a economia propiciada ao governo federal por esse processo foi de R$ 3,6 bilhões (valor correspondente à diferença entre o preço de referência e o preço pago).
A VISÃO DA ECONOMIA MUNDIAL DO BC
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
28/9/2009
O mais interessante na divulgação do balanço de pagamentos do mês de agosto foi a mudança da previsão para este ano e para o próximo. Uma mudança substancial, que mostra como evolui a visão do Banco Central (BC) sobre a conjuntura externa.
Assim, a previsão do déficit das transações correntes para 2009 passou de US$ 15 bilhões para US$ 18 bilhões e deverá atingir US$ 29 bilhões no próximo ano. Esse déficit representa o financiamento da economia interna pela poupança externa e não deve ser criticado a priori.
Projeta-se um superávit comercial de US$ 7 bilhões, maior do que se previa antes, e um déficit na conta de serviços e rendas de US$ 10 bilhões. Para 2010, o saldo comercial deverá chegar a US$ 19 bilhões, com exportação de US$ 167 bilhões (+9,9%) e importações de US$ 148 bilhões (+18,4%), o que mostra uma reversão da situação de hoje, em que as importações sobem menos do que as exportações. O BC acredita que a retomada interna será maior do que a da economia externa.
O BC projeta para 2010 remessa líquida de US$ 17,9 bilhões (+8,1% em relação a 2009), o que parece um aviso de que a taxa cambial continuará apreciada em relação ao dólar. O déficit da conta de rendas aumentará de US$ 2,2 bilhões em 2010, prevendo-se um recuo da remuneração das reservas do BC para US$ 4,5 bilhões e uma elevação do envio de lucros e dividendos de US$ 26 bilhões (+15,8%), refletindo um aumento dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Estes atingiriam em termos líquidos US$ 38 bilhões, ante US$ 25 bilhões neste ano, enquanto se projetam investimentos em ações e papéis domésticos com um superávit de US$ 15 bilhões, ante US$ 22 bilhões em 2009.
As amortizações de médio e de longo prazos deverão situar-se em US$ 27,4 bilhões, ante US$ 26,6 bilhões no presente exercício, com uma taxa de rolagem da dívida que passaria de 75%, em 2009, para 100%, no próximo ano.
Como se nota, ao modificar as suas projeções, o Banco Central partiu da hipótese de uma retomada mais expressiva da economia brasileira em relação às dos países industrializados, que continuarão a investir no Brasil. Por essa razão, os IEDs cobrirão com margem o déficit das transações correntes, mas haverá redução de outros investimentos em razão de melhores oportunidades nos países de origem. Não se prevê uma mudança da política cambial, o que em parte explica a diferença entre crescimento das exportações e das importações.
COMPETIÇÃO BANCÁRIA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
28/9/2009
Grandes bancos aumentam poder de mercado na crise, o que exige do poder público regulação mais eficaz
COMO SE previa, o mercado bancário brasileiro emerge da crise global ainda mais concentrado do que entrou. Sob o impacto da fusão do Itaú com o Unibanco e da compra da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil, entre outros negócios, os cinco maiores bancos do país passaram a deter 77,4% dos ativos totais, conforme dados de junho deste ano, contra 66% em setembro de 2008.
É verdade que o funcionamento adequado do sistema financeiro requer escala. Do contrário, os custos administrativos das instituições e, eventualmente, os riscos de suas operações tendem a se tornar excessivos.
A concentração, contudo, eleva a capacidade dos bancos de impor regimes de preços e tarifas contrários ao interesse do consumidor. O remédio para esse mal é conhecido: quanto maior o poder de mercado de um punhado de grandes bancos, mais forte e eficaz tem de ser a regulação do poder público.
Nesse caminho, o Banco Central promete tornar mais transparentes os fatores que explicam o spread bancário -a diferença entre a taxa de juros que a instituição paga ao depositante do dinheiro e a que cobra do cliente ao fazer um empréstimo. Os spreads praticados pelos bancos brasileiros estão entre os mais altos do mundo, o que só reforça a necessidade de explicitar os seus componentes.
É preciso, particularmente, estabelecer, sem deixar margem a dúvidas, qual o peso do lucro, de um lado, e o dos custos administrativos das instituições, do outro, na composição do spread. Só assim será possível dimensionar abusos na fixação da taxa de juros ao consumidor final.
A regulação da concorrência bancária, vale lembrar, tropeça no choque de atribuições entre o Banco Central e outros órgãos responsáveis pela defesa da concorrência -o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e as secretarias de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, e de Acompanhamento Econômico, da Fazenda.
A definição clara dos papéis de cada um é condição essencial para que situações de ameaça à concorrência -as quais não se manifestam apenas em momentos de fusões de instituições- sejam oportuna e adequadamente identificadas e enfrentadas. O projeto, acalentado há mais de uma década, que funde as duas secretarias ministeriais ao Cade poderia ajudar nessa tarefa.
Outras reformas prementes tampouco deveriam ser esquecidas. Grandes bancos já se aquecem para um novo ciclo de expansão, ao que parece vigorosa, do crédito. A expectativa é que o setor imobiliário -no qual o nível de financiamento brasileiro é pífio na comparação global- seja um dos principais receptáculos desse influxo de capitais.
É preciso, já, promover mudanças normativas -por exemplo, para facilitar que o mutuário troque de credor na busca de taxas menores e/ou prazos maiores-, a fim de que os ganhos desse ciclo de expansão não fiquem demasiadamente concentrados, como de hábito, nos bancos.
LULA, O FILME
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
28/9/2009
DEPOIS de Hugo Chávez ter se tornado personagem de cinema, com o lançamento, em Veneza, de um apologético documentário dirigido pelo norte-americano Oliver Stone, agora é a vez de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desfilar pelo tapete vermelho. E, pelo visto, com amplo apoio promocional da máquina governista e de organizações empresariais e sindicais que gravitam em torno dela.
Os responsáveis pela cinebiografia "Lula, o Filho do Brasil" já entraram em contato com as duas principais centrais sindicais do país, CUT e Força, para que facilitem a divulgação do filme entre o público de baixa renda. Segundo o produtor, essa seria uma preocupação manifestada pelo próprio presidente Lula.
A ideia é que centrais e grandes empresas sobre as quais o governo tem poder de influência participem elas mesmas da compra antecipada de bilhetes, que seriam depois distribuídos ou vendidos a preços acessíveis. Distribuído com recursos levantados por estruturas subservientes ao governo, o filme candidata-se a campeão de bilheteria.
Não se trata de atacar o notável senso de oportunidade dos criadores da obra -que tem estreia prevista para o início do ano eleitoral de 2010. Mas toda essa operação, no que tem de promíscua e autopromocional, ilustra a faceta estado-novista do lulismo. Com a agravante de que agora os laços entre sindicatos e Estado foram estreitados com a extensão do alcance do imposto sindical. Sindicatos que outrora denunciavam "pelegos" e pediam independência consolidaram-se como aparelhos estatais.
Para o biografado e os produtores há, no entanto, uma dificuldade a vencer: mais de 90% dos municípios brasileiros não têm sala de cinema. Não por acaso, já há movimentações para uma versão televisiva do filme. A minissérie do presidente.
O INCERTO DESTINO DOS VOTOS DA DIREITA EM 2010
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
28/9/2009
Comemora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o fato de a eleição presidencial de 2010, até agora, não apresentar nenhuma pré-candidatura de "trogloditas" de direita. É de se louvar o fato de nas próximas eleições não haver "trogloditas", de esquerda ou de direita, embora o comportamento passado de alguns recomende muita cautela. O que talvez se deva discutir é se é saudável para a jovem democracia brasileira não haver candidatos assumidamente à direita no espectro político nacional.
Não tem e nunca teve, pois ainda hoje são raros os candidatos que têm coragem de assumir claramente uma posição de direita. Reflexo, quem sabe, do longo inverno da ditadura militar (1964-1985). Quando fala em "trogloditas de direita", aliás, Lula nem está se referindo às eleições de 1989, quando foi vítima de intrigas inomináveis, como a de que iria confiscar poupança ou avalizar que os sem-teto e classe média teriam que dividir o mesmo teto, caso eleito.
Lula tem em mente, na realidade, a última eleição presidencial. O presidente acha que Geraldo Alckmin, o candidato tucano, mudou até o estilo afável que o caracterizava por uma agressividade, inesperada para o petista, quando foi confrontado com a questão da privatização e recuou. Lula pode se ressentir da mudança no estilo Alckmin, mas é certo que, ao recuar, o candidato tucano deixou órfão um eleitorado nada desprezível e que nada tem de troglodita.
São liberais que defendem o Estado enxuto e menos impostos, ou sociais liberais que incorporaram a seu discurso a estruturação de uma rede de proteção social por um governo que não gaste mais do que arrecada.
Os quatro atuais pré-candidatos a presidente são identificados com a esquerda, pelo menos na sigla, como é o caso de Ciro Gomes, que teve origem no PDS e hoje se habilita à indicação do PSB para candidato. No momento, Ciro corre na faixa da esquerda com uma bandeira moralista na política. Ele costuma usar a frouxidão moral da aliança PT-PMDB e tira votos da candidata do governo, Dilma Rousseff.
A senadora Marina Silva (PV-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, é a novidade e quem pode trazer uma atitude diferente às eleições. Dificilmente será candidata monotemática (o meio ambiente) e deve atrair parte do eleitorado de Lula desapontado com o que vê como declínio moral do governo e do PT. Mas também atrai uma direita mais conservadora no que se refere aos costumes. Para não haver mal entendidos: Marina Silva nunca deixou que suas opções pessoais (sobre aborto e o criacionismo, por exemplo) contaminassem o discurso político da candidata.
O governo e sua candidata devem tentar pregar a pecha da "privataria" nos tucanos, sendo o candidato José Serra ou Aécio Neves. Acontece que Serra tem um passado nacionalista e no governo paulista, quando teve de vender um bem (Nossa Caixa), o fez para uma estatal federal, o Banco do Brasil. No entanto, é certo que tanto um como o outro serão empurrados para um discurso civilizado de bandeiras da direita, devido a total falta de um representante desse segmento da sociedade para assumí-lo. Trata-se de segmento capaz de decidir uma eleição disputada palmo a palmo, como a que se prevê para 2010.
Os mais expressivos candidatos identificados com direita e os liberais, na eleição de 1989 obtiveram 10,2 milhões de votos: Paulo Maluf, que levou 8,28% do eleitorado, no primeiro turno, Guilherme Afif Domingos, com 4,53%, Ronaldo Caiado, com 0,68% e Aureliano Chaves e Enéas, com 600 mil e 360 mil votos cada um. Isso para não falar de Mário Covas (PSB), o primeiro a falar em choque de capitalismo, e seus 7,7 milhões de votos, e do próprio Fernando Collor, que venceria o pleito com Lula e no primeiro turno assegurou 22,6 milhões de votos.
Naquela eleição, a maior parte do espectro político esteve representada. Com o tempo, a direita liberal foi se desmilinguindo. Hoje seu representante mais orgânico é o Democratas. É o partido que tem um ideário liberal e faz reuniões programáticas com frequência incomum entre os partidos brasileiros. Seria bom, para o amadurecimento da democracia no país, que todas as variantes ideológicas se apresentassem na eleição. Tornaria mais clara e rica a discussão.
CONTAS A ACERTAR
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
28/9/2009
A queda da arrecadação da União há dez meses consecutivos e, paralelamente, o crescimento da dívida pública federal interna provocam a discussão sobre as contas do governo.
O Banco Central está colocando esse debate publicamente. No Relatório Trimestral da Inflação, divulgado na sexta-feira, a autoridade monetária se mostra preocupada com os gastos do governo e avalia essa prática como ameaça de aumento da inflação.
A pressão sobre os preços pode levar o Banco Central a iniciar novo ciclo de elevação da taxa Selic para que as metas inflacionárias sejam cumpridas em 2009 e em 2010. É uma possibilidade preocupante pois, como se sabe, o encarecimento do crédito tolhe o crescimento da economia.
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), termômetro oficial da inflação brasileira, deverá atingir 4,2% no final de 2009, um pouco acima de 4,1%, que era o patamar previsto anteriormente pela autoridade monetária. Para 2010, a estimativa para o IPCA subiu de 3,9% para 4,4%.
O Banco Central atua preventivamente no combate à inflação e, em função disso, a alta da Selic, embora em dose mínima, pode ser anunciada já no próximo mês. É uma hipótese. Afinal, como tem acontecido historicamente desde o início do Plano Real, o BC não permitirá inquietação inflacionária.
O Brasil é um dos países mais ágeis do grupo G20 no reaquecimento de sua economia, livrando-se dos reflexos da crise internacional. Imagina-se que na virada de 2009 para 2010 o crescimento brasileiro esteja em ritmo anual de 4%. Diante dessa esperança, e pelas medidas anticíclicas adotadas pelo Ministério da Fazenda e pelo próprio Banco Central, presume-se que o espaço para aumentar juros neste ano, se houver, é pequeno.
Por isso, a reivindicação geral, de empresários e do setor financeiro, é de que sejam feitos ajustes no campo fiscal – e não necessariamente nos juros – para induzir o crescimento continuado da economia, além de melhorar as contas da União.
Não existe receio de queda na eficiência do governo na gestão financeira. Ao contrário, a confiança dos mercados é tanta que o Brasil acaba de ser distinguido pela agência de risco Moody’s com o grau de investimento.
Por princípio de justiça, deve se reconhecer que nem toda a ampliação das despesas da União ao longo de 2009 foram condenáveis. Grande parte delas, no campo social, tornaram-se fundamentais para livrar o país de terminar o ano em recessão.
Também é verdade que o crescimento da dívida pública federal – de quase 11% em oito meses – foi devido a emissões de papéis realizadas para capitalizar o BNDES. Foi uma medida necessária. A ampliação da oferta de recursos tem alavancado projetos importantes para incrementar a economia, modernizando e ampliando a capacidade produtiva.
Espera-se que o aumento do superávit primário (poupança que o governo faz para pagar juros da dívida interna) previsto para 2010 venha a melhorar o perfil do endividamento federal. Não há mais justificativa para redução desse superávit, como está ocorrendo em 2009.
Há uma nítida melhora dos indicadores econômicos, tanto é que o PIB voltou a crescer desde o segundo trimestre, o que certamente irá elevar, de forma gradual, a arrecadação de tributos da União. Mas isso não é tudo. É quase consensual a visão de que precisam ser cortadas despesas de custeio da estrutura burocrática do governo, para que sobre mais dinheiro para tocar obras. O Programa de Aceleração do Crescimento não está fazendo jus ao nome.
DESARMAMENTO NUCLEAR: A DÍVIDA DE OBAMA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
28/9/2009
O presidente dos Estados Unidos assumiu de fato na semana passada, nas Nações Unidas, a liderança do processo de desarmamento nuclear mundial. Para além da retórica exortação aos países do Clube Atômico, conseguiu aprovar resolução no Conselho de Segurança da ONU pelo fortalecimento do Tratado de Não Proliferação (TNP) e uma convocação, para 2010, de reunião específica sobre o tema naquele fórum internacional. Sem falsas ilusões, Barack Obama já tinha dito em abril que talvez não viva o suficiente para ver a meta atingida, mas que a perseguiria. O que o move é a “responsabilidade moral” de ter sido o seu país o primeiro a fazer uso da poderosa arma, com os ataques às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ação que pôs fim à Segunda Guerra, em 1945.
Desde a dissolução da União Soviética, em 1991, e o fim da Guerra Fria, foi de 2003 para cá que o terror de uma explosão nuclear voltou a pairar mais intensa e assustadoramente sobre a humanidade. Naquele ano, a Coreia do Norte rompeu com o TNP, à época com 187 signatários. Não demorou para a ditadura comunista realizar dois testes nucleares: o primeiro em 2006, o segundo em maio último, esse com potencial equivalente ao da bomba de Hiroshima. Até a chegada de Obama à Casa Branca, as tensões cresciam e o ambiente se deteriorava rapidamente sob a administração de George W. Bush, cuja política externa era ostensivamente belicosa e unilateralista. Ao lado da degradação ambiental do planeta, do aquecimento global e do terrorismo, a ameaça nuclear passou a ocupar lugar de destaque na agenda internacional, na qual também pontua agora a crise financeira.
O discurso multilateralista de Barack Obama era a esperança de distensão, de negação do isolacionismo. Alivia saber que ele não só está empenhado em transformar as promessas em realidade, como vai além. Afinal, o Tratado de Não Proliferação fracassou bem antes de Bush. Firmado em 1968 pelos Estados Unidos, a então União Soviética, o Reino Unido, a China e a França, jamais conseguiu conter a disseminação das armas nucleares. O maior sucesso do grupo que o integra talvez tenha sido convencer a África do Sul e a Líbia a não seguirem o exemplo dos cinco e desistirem de se tornarem também potências atômicas. Em compensação, o clube cresceu. Índia, Paquistão, Coreia do Norte e, possivelmente, Israel se juntaram ao time. Se nada for feito, e aí deve entrar em cena o fortalecimento do TNP aprovado na ONU, logo será a vez do Irã.
Obama é mais do que um orador poderoso. O presidente dos EUA convence também pela coerência, pela credibilidade que vai acumulando em seu ainda incipiente mandato. Está credenciado a liderar a empreitada de livrar o mundo, se não do todo, pelo menos de boa parte do arsenal nuclear. Não há razão para duvidar da disposição dele. Mais: negociador hábil, soube recuar e abdicou de dirigir a resolução para as questões iraniana e norte-coreana. Obteve a aprovação por unanimidade. Verdadeiro, diz que reduzirá os estoques do seu país, mas manterá a capacidade nuclear enquanto houver ameaça. Falta, contudo, dar um passo decisivo: ratificar o acordo que proíbe os testes, o que Washington continua devendo.
CPMI NECESSÁRIA
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
28/9/2009
Fazem parte dos nossos mais caros preceitos constitucionais os direitos de associação e de manifestação do pensamento. Eles estão na essência da própria democracia. Em tese, portanto, associações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) são legítimos e, ao externarem opiniões políticas ou ideológicas nada mais estão fazendo além do que a lei lhes garante. Então, por que o Congresso Nacional está prestes a instalar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar o MST?
A CPMI foi protocolada por 192 deputados federais e 34 senadores na semana passada a partir de denúncias publicadas pela revista Veja, segundo as quais o MST tem sido beneficiário de generosos repasses de recursos públicos e de organizações internacionais, que usa para fins que afrontam a legalidade. As transferências detectadas no período de 2003 a 2008 superam R$ 60 milhões, conforme consta da movimentação bancária de quatro instituições que atuam como braços do MST.
Não é a primeira vez que o movimento é investigado por comissões congressuais, mas, desta feita, tendo em vista sobretudo o volumoso valor das transferências já identificadas e o fato de o grupo não dispor de personalidade jurídica formal, utilizando-se por isto do estratagema de criar entidades paralelas, ganha maior concretude. Em princípio, caracterizam-se aí burla aos regulamentos e ativa participação de agentes públicos para, ainda que indiretamente, financiar atividades do MST que transcorrem ao arrepio da lei e da ordem.
De acordo com a reportagem daquela revista semanal, pelo menos quatro entidades foram identificadas como caixas-fortes do MST. São elas a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), o Centro de Formação e Pesquisas Contestado (Cepatec) e o Instituto Técnico de Estudos Agrários e Cooperativismo (Itac). É delas que sairia grande parte dos recursos que financiam invasões de propriedades agrícolas, de prédios públicos e de praças de pedágio, além de ações de saques, montagem e manutenção de acampamentos etc.
São atividades notoriamente criminosas que, segundo a revista e a justificativa apensada ao requerimento para a criação da CPMI, acabam sendo, portanto, custeadas com dinheiro público. “O MST montou, controla e tem a seu dispor uma gigantesca e intricada rede de abastecimento e distribuição de recursos, públicos e privados, que transitam por dezenas de ONGs”, afirma a matéria. Teoricamente, os recursos repassados na forma de convênios destinam-se de modo geral à realização de cursos profissionalizantes para assentados e pequenos agricultores incluídos nos programas de reforma agrária – mas o Tribunal de Contas da União tem encontrado nas prestações de contas irregularidades que vão desde o cadastro de alunos inexistentes até a comprovação de despesas com notas frias.
Afora aquelas quatro principais ONGs, há pelo menos cerca de 30 outras que participariam do mesmo esquema e que, no total, ao longo dos últimos cinco anos, viram fluir para seus cofres cerca de R$ 145 milhões provenientes do orçamento público. Coincidentemente, as maiores liberações ocorreram em períodos de maior atividade do MST. Bastante preocupante é também a constatação de que, quando ocorreram transferências de recursos oriundos de organização internacionais, estas se deram em períodos de campanhas eleitorais no Brasil, em 2004 e 2008.
Que o MST e seus braços lutem pela reforma agrária não se pode contestar nem impedir. O que não é, porém, admissível, é que atuem à margem da lei, promovendo ações claramente criminosas, afrontando contra a vida de terceiros, destruindo o patrimônio alheio (público ou privado) e desrespeitando acintosamente o direito de propriedade, utilizando-se para tal de recursos retirados do bolso de todos os contribuintes.
A CPMI, se tiver sucesso na investigação e na comprovação de tais irregularidades, dará uma grande contribuição à defesa do Estado Democrático de Direito.
AVAL EXTERNO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
28/9/2009
Primeiro país a conquistar o chamado “grau de investimento” depois da crise econômica global iniciada há pouco mais de um ano, o Brasil precisa encarar o fato como uma conquista e ao mesmo tempo como um desafio. A decisão mais recente foi da Moody’s, tomada com injustificável atraso em relação às outras duas – a Standard & Poor’s e a Fitch, do início do ano passado. A vantagem é que, embora essa espécie de selo de qualidade tenha sido assegurada por instituições criticadas por não terem alertado suficientemente para a iminência de uma crise nas proporções registradas, os grandes fundos de investimentos continuam se baseando nelas para direcionar seus recursos. O cuidado que o Brasil precisa ter agora é o de não se descuidar dos pressupostos que lhe permitiram superar sua condição de país vulnerável sob o ponto de vista dos investimentos e conseguir avançar novos degraus na escala de credibilidade.
No comunicado divulgado na semana passada, a agência de avaliação de risco Moody’s diz que a elevação reflete o seu reconhecimento de que “a capacidade de absorção de choques, incluindo a capacidade de resposta das autoridades, aponta para uma melhora significativa do perfil de crédito soberano do Brasil”. Além de definir o país como um “vencedor”, a empresa aponta “evidências de robusta flexibilidade econômica e financeira”, mas alerta: outras elevações, como a que levou o país a passar para o primeiro estágio na faixa considerada grau de investimento, vão depender da vontade política das autoridades em remover obstáculos à expansão econômica. Esta, portanto, passa a se constituir numa questão central a partir de agora.
Ao passar da condição de economia especulativa à de porto seguro para investimentos, sob o ponto de vista das maiores agências de risco, o país precisa reafirmar seu compromisso com o rigor fiscal. O Brasil ainda ostenta as marcas de um período recente no qual sua imagem era associada à de instabilidade monetária e mesmo à de caloteiro, por ter recorrido inclusive à suspensão unilateral do pagamento da dívida externa. A visão externa só se alterou para melhor porque foram adotadas providências de austeridade que permitiram à sua economia avançar em alguns dos principais indicadores.
Um novo avanço do Brasil sob o ponto de vista da segurança para investidores vai depender sobretudo da capacidade de o país não se descuidar mais da eficiência na gestão das contas públicas. É por isso que, quando o setor público amplia os gastos, como vem ocorrendo no caso dos relacionados a pessoal, toda a sociedade precisa ficar atenta, pois as consequências acabam ficando com os contribuintes. Receita e despesa em equilíbrio, no caso do setor público, constituem pressuposto para um ambiente favorável aos investimentos, com ganhos para todos os brasileiros.
MODELO PREOCUPANTE
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
28/9/2009
A condenação com que a comunidade internacional acompanhou a destituição do presidente Manuel Zelaya da presidência de Honduras, há exatos três meses, deixou em segundo plano um fato importante para o entendimento do golpe e de seus desdobramentos. Na origem de sua queda, está a tentativa do próprio presidente Zelaya de, contra a decisão do Congresso e do Judiciário, conquistar a possibilidade de um novo mandato, seguindo o modelo populista de Hugo Chávez, já copiado por outros governantes sul-americanos. Este fato representa um elemento complicador na equação hondurenha, embora evidentemente não justifique a medida de força cometida contra um governante legitimamente eleito. De qualquer maneira, a presença de um viés chavista nas pretensões do presidente deposto aponta para algo que não pode ser desprezado como fonte de intranquilidade e de insegurança institucional nas Américas.
O modelo que o presidente Chávez implantou em seu país, e que já tem seguidores no Equador e na Bolívia e simpatizantes em algumas outras nações, é claramente antidemocrático. O regime representativo, cuja manifestação visível está no respeito à vontade da população expressa nas urnas, é uma arquitetura que tem também outros fundamentos. Uma democracia só existe quando as instituições são respeitadas, quando a alternância do poder é consagrada, quando a divisão de poderes é preservada e quando a liberdade de expressão é reconhecida. A Venezuela não é propriamente o que poderia ser tido como o melhor modelo dessas virtudes. E o próprio Chávez, ele mesmo um golpista fracassado, não figura entre os melhores exemplos quando se fala de um democrata.
Assim, no momento em que se condena a prepotência dos governantes hondurenhos e se pede o retorno da democracia, não se pode esquecer que alguns gestos do presidente deposto, de oportunismo populista, colaboraram para que o golpe se efetivasse.
MÉDICOS SEM FRONTEIRA
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
28/9/2009
Biafra por muito tempo virou sinônimo de miséria, de exclusão social, ausência das mais elementares condições de sobrevivência. E foi num dos momentos mais críticos da história dessa região africana que jovens médicos e jornalistas se ofereceram como voluntários para ajudar as vítimas de uma guerra que extremava ainda mais o sofrimento do povo daquela região. Isso aconteceu lá pelo final dos anos 60 e a primeira lição que os jovens tiveram foi que além das doenças da fome e os ferimentos de guerra era preciso enfrentar outros obstáculos: a burocracia, a divisão, o sectarismo, a agressividade dificultavam a ajuda humanitária. Daí, em 1971 nasceu a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), com o objetivo de levar ajuda onde quer que se faça necessária, independente de raça, política ou crença.
Hoje com mais de 22 mil profissionais voluntários e atuando em mais de 70 países, a ação dos MSF ficou mais visível em Pernambuco com uma exposição no Shopping Center Guararapes. E ficamos sabendo, também, que aqui entre nós podemos encontrar profissionais que, sem remuneração, levam seus conhecimentos e sua ajuda humanitária aos recantos mais necessitados do planeta. É o caso da médica pediatra pernambucana Lúcia Rodrigues, que trabalhou com crianças desassistidas na Nigéria, na Libéria e no Burundi, na África. Como expressão pessoal dessa exposição que torna mais visível os MSF, ela revelou o sentimento que prevalece na organização: não há recompensa maior do que ver o sorriso no rosto de uma criança que antes de ser atendida estava prestes a morrer de desnutrição.
Esse movimento é de uma grandeza que supera qualquer tentativa de dimensioná-lo com adjetivos. Ele restaura a esperança na humanidade onde já quase não há nenhuma, como acontece no continente africano e em várias outras partes do mundo. Assim foi em 1972, quando se deu a primeira intervenção dos Médicos Sem Fronteira na Nicarágua, após um terremoto devastador. Em vez de ficar no conforto de suas casas acompanhando os acontecimentos em tempo real, pela televisão, esses jovens e essas jovens que engrandecem a profissão foram assistir as vítimas, assim como em 1975, quando entraram na zona de guerra no Vietnã, ou na assistência aos refugiados na Tailândia. No ano seguinte, em 1984 em um projeto de nutrição intensiva às vítimas da fome na Etiópia.
Em 1991 aconteceu a primeira intervenção dos MSF no Brasil, no trabalho desenvolvido para conter a epidemia de cólera na Amazônia. No mesmo ano, o gesto humanitário se expressava na indignação com que denunciavam a limpeza étnica e os crimes contra a humanidade na Bósnia-Herzegovina. Muitos outros gestos de grandeza se expressaram pela organização em campanhas de vacinação, prevenção de doenças, nutrição terapêutica e suplementar, distribuição de alimentos em áreas atingidas pela fome aguda, projetos de saneamento e provisão de água, formação de agentes comunitários, distribuição de medicamentos, acompanhamento epidemiológico, um trabalho que deu à entidade o Prêmio Nobel da Paz em 1999.
Agora mesmo, enquanto os pernambucanos tomam conhecimento do que vem a ser os Médicos Sem Fronteiras, eles trabalham no Oeste da África, onde enchentes mataram muita gente e deixaram 600 mil desabrigados. Equipes de MSF tratam dos desabrigados, distribuem sabão, constroem latrinas e banheiros temporários onde estão as grandes concentrações. Noutro lado, em Papua Nova-Guiné, outras equipes têm um trabalho igualmente difícil: enfrentam um surto de cólera. São ações que acontecem a toda hora, em toda parte, como gestos de grandeza que não há como pagar nem há palavras suficientes para enaltecer.
OS EFEITOS DOS AGROTÓXICOS
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE(CE)
28/9/2009
Recente levantamento promovido pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), confirmou a presença de substâncias cancerígenas, contidas em princípios ativos utilizados em mais de 200 produtos agrotóxicos usados no País. Essas substâncias, combatidas pelos riscos de produzir câncer, já são proibidas nos Estados Unidos, Japão, Canadá e países da Comunidade Européia. No Brasil, a Anvisa enfrenta as implicações do poderoso mercado, com giro anual de US$ 7 bilhões, a desinformação e incompreensão para com os problemas de saúde pública, resultantes da liberalidade no uso dessas substâncias. A batalha agora está sendo travada no âmbito da Justiça, com respaldo do Conselho Nacional de Saúde e da Advocacia-Geral da União.
Os riscos da presença dos princípios ativos do acetato, endossulfam e metamidofos se comprovaram em amostras recolhidas para análises de abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva. O pimentão liderou o grupo contaminado, com 65% de suas amostras sendo consideradas insatisfatórias. Em escala decrescente surgiram, com maior grau de comprometimento: morango (36%), uva ( 32%) cenoura (30%), alface (20%) tomate (18%), mamão (17%) e laranja (14%). Entretanto, há no estudo da Anvisa um grupo maior, com 14 princípios ativos, como fonte de incidência de câncer, entre eles, abamectina, carbofurano, cihexatina, forato, fosmete, glifosato, lactofem, paraquate, parationa metílica, tiram e triclorfom. De todos eles, até agora, apenas a cihexatina foi retirada do mercado brasileiro, devendo ser banida até 2011. Os demais estão presentes em produtos utilizados para combater as pragas originadas no agronegócio. Os registros estatísticos sobre ocorrências médico-hospitalares apontam como primeira causa de intoxicação os medicamentos. Em segundo lugar, estão os agrotóxicos, sem haver mecanismos para proteger os consumidores contra o uso generalizado dessas substâncias resultantes de práticas arcaicas entre os produtos hortifrutigranjeiros. As primeiras vítimas são os aplicadores desses venenos. Depois, o meio ambiente, resultante da falta de recolhimento das embalagens lançadas, a granel, na Natureza contaminando os solos e os cursos d´água.
A solução racional para um problema dessa ordem encontra-se na agricultura orgânica certificada, cultivada sem quaisquer usos de agrotóxicos. A mudança qualitativa nos tratos culturais depende, preliminarmente, do convencimento dos produtores rurais sobre os novos métodos de plantio, colheita e comercialização de sua produção. Depois da divulgação para os consumidores dos efeitos benéficos de alimentos sem contaminação tóxica. Essa é uma tarefa para a educação ambiental.
A produção agrícola de gêneros de consumo humano e animal deveria ser totalmente orgânica, evitando-se, na origem, qualquer patologia originada na cadeia de consumo de produtos agrícolas. Enquanto continuar a idéia de aplicar veneno para erradicação de pragas agrícolas, torna-se difícil alcançar um padrão sanitário de qualidade saudável. Por enquanto, o poder público tem sido derrotado na luta contra o veneno nos alimentos.
ANTES TARDE DO QUE NUNCA
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
28/9/2009
Alguns historiadores tomam como referência para o início da Guerra Fria a detonação, pelos Estados Unidos, das bombas atômicas em Hiroshima e em Nagasaki, no início de agosto de 1945. Àquela altura, para muitos deles, um ato desnecessário, compreendido apenas como uma inaceitável e covarde manifestação de força e poderio do governo norte-americano frente aos soviéticos. Daí em diante, o mundo passou a viver sob o signo do medo de uma iminente guerra nuclear, um período que se estende até a noite de 9 de novembro de 1989, quando começou a destruição do muro de Berlim e, com ele, em tese, a do Socialismo.
Agora, na visão de pessoas como Francis Fukuiama, a história tinha chegado ao fim, ao menos no que tange à supremacia do liberalismo de mercado. Ao despeito disso, o fato é que a corrida armamentista não cessou, e a busca pelo desenvolvimento de apetrechos nucleares ainda hoje é uma realidade, embora muitos dos governos de países que nele empregam recursos e tecnologia argumentem, quase sempre, que se trata de um instrumento para fins pacíficos. Em outras palavras, nada com que as demais nações devessem preocupar-se, porque eles não seriam irresponsáveis de produzir algo que, em caso de eventual conflito bélico, venha a provocar uma catástrofe de proporções devastadoras.
Conversa! O temor, alimentado por muitos anos de Guerra Fria, ainda paira como um espectro na mente de dirigentes mundiais, certamente porque eles, mais do que o povo, estão avisados de que foram poucos os progressos no que tange aos tratados de não-proliferação nuclear. Daí a importância do gesto do presidente norte-americano, Barack Obama, à frente da cúpula do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pedindo um mundo sem armas nucleares. O argumento usado por ele é tão simples quando inconstestável: “A guerra nuclear não tem vencedor, portanto jamais deve ser travada”.
Não resta dúvida de que se trata de um gesto maduro, vindo de um presidente cujo governo foi capaz de detonar, covardemente, duas bombas atômicas e, depois disso, reconhecer de público, ainda que tardiamente, como agora faz Obama, a irracionalidade de sua atitude, mesmo num contexto de maior refrega político-ideológica, como foram aqueles anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial.