EDITORIAIS 25/9/2009
EDITORIAL
O GLOBO
25/9/2009
Ainda que com grande atraso, até certo ponto injusto, a economia brasileira já é avaliada no conceito de grau de investimento por todas as principais agências internacionais avaliadoras de risco.
Embora essas agências tenham saído com a imagem arranhada da crise financeira internacional, por não terem mensurado devidamente o grau de risco que grandes grupos financeiros americanos e europeus ofereciam aos mercados e à economia mundial, elas continuam uma referência importante em processos de decisão de investimento ao redor do mundo.
Há investidores institucionais (como fundos de aposentadoria de numerosas categorias profissionais) que estatutariamente só podem estar presentes em economias que estejam com conceito elevado nas três maiores agências classificadoras. Apenas esta semana a economia brasileira passou a acumular este tipo de classificação, com o aval dado pela Moody’s.
O Brasil é tratado com mais rigor devido às crises do passado.
No entanto, na atual crise, o país mostrou que as mudanças em seus sistemas produtivos nos tornaram menos vulneráveis. Outras nações, com mesmo conceito ou até mais elevado, não se saíram tão bem.
Na prática, o mercado já vinha fazendo essa distinção. Tanto que um dos maiores bancos do mundo, o Santander, resolveu aumentar o capital de subsidiária brasileira, lançando ações numa escala que se constituirá na maior operação do tipo em todo o mundo. Nas palavras do presidente do grupo, Emílio Botín, o Santander Brasil deve superar em tamanho a matriz na Espanha.
Assim, o fluxo de recursos externos crescerá significativamente, se não surgirem entraves políticos pelo caminho ou novas turbulências no sistema financeiro internacional. Cuidados na política econômica para se evitar uma valorização excessiva e indesejável do real devem ser observados.
Não se conhece ainda uma maneira fácil de diferenciar capitais especulativos daqueles que vêm para ficar. Felizmente, oportunidades de investimento de longo prazo no país estão se tornando cada vez mais atraentes, e, assim, o trigo pode ir se separando do joio.
Será um desafio. Muito saudável, desde que não se caia na tentação de políticas heterodoxas que já se provaram ineficientes — bloqueios, pedágios, etc. Se o real mais forte prejudica a competitividade dos exportadores brasileiros, que se trate de reduzir a desvantagem por meio de menos impostos, menos burocracia e infraestrutura adequada.
MUNDO MULTILATERAL
EDITORIAL
O GLOBO
25/9/2009
Foi a primeira vez que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, participou de uma Assembleia Geral da ONU. E a primeira vez, em 60 anos de história da instituição, que um presidente americano presidiu uma reunião do Conselho de Segurança. Obama esteve à altura do momento tanto na Assembleia quanto no Conselho, ao oferecer propostas e obter a aprovação de resolução capazes de responder a boa parte dos desafios enfrentados hoje pela comunidade internacional.
Na Assembleia, na quarta-feira, pontuou que “os que acusam os EUA de atuarem sozinhos no mundo não podem agora ficar à margem e deixar que os EUA resolvam os problemas do mundo”.
Por trás da frase há um pedido de ajuda, numa nova era de cooperação internacional, diante de desafios como mudanças climáticas, terrorismo, Afeganistão e Iraque, programas nucleares de países como Irã e Coreia do Norte, etc. O raciocínio de Obama é consistente, sobretudo diante da crise econômica internacional, com o crescente peso relativo de países como China, Índia e Brasil. Cabelhes assumir, ao lado tanto de EUA, União Europeia e Rússia como de outros países emergentes, as devidas responsabilidades.
Tanto na Assembleia quanto ontem, no Conselho, Obama relegou ao passado a postura isolacionista do antecessor, George W.
Bush, abraçando decididamente a causa do multilateralismo. Não poderia haver símbolo melhor da nova postura do que sua disposição de prestigiar a ONU e o Conselho de Segurança. Presidido por Obama, o Conselho aprovou, por unanimidade, uma histórica resolução que compromete a comunidade internacional a “buscar um mundo mais seguro para todos e criar as condições para um mundo sem armas nucleares”.
A meta, que passa pelo fortalecimento do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), é uma vitória pessoal de Obama, que delineou em abril, em Praga, a visão de um mundo desnuclearizado. Sua recente decisão de suspender a construção de um “escudo nuclear” na Polônia e na República Tcheca pôs por terra obstáculos nas relações com a Rússia, e os frutos já aparecem com o apoio de Moscou, assim como da China, à resolução antiproliferação.
A mensagem deixada por Obama na passagem pela ONU desafia governos que guardam uma visão conspiratória da política internacional, inspirada na antiga luta ideológica da Guerra Fria. Terão de se adaptar a uma diplomacia cada vez mais de duas mãos.
QUEM TEM MEDO DO MST?
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
25/9/2009
RIO - A possibilidade de criação no Congresso Nacional de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o uso de verbas do governo pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) traz ao debate público uma questão de fundo mais importante que é o próprio significado do MST para a sociedade.
Ao mesmo tempo em que é incensado por alguns como a quinta coluna da vitalidade dos movimentos sociais, recebendo apoio de intelectuais brasileiros e estrangeiros de peso, como o americano Noam Chomsky, o MST foi colecionando ao longo dos anos detratores e inimigos ferrenhos, não só entre os grandes proprietários de terra mas também em setores de classe média dos centros urbanos.
A antipatia nacional ao MST tem sido estimulada, em boa parte, pela cobertura negativa de parcela considerável da imprensa, que frequentemente enquadra as ocupações somente pelo ângulo da lei e da ordem (essencial para o estado de direito desejável) e ignora outra natureza, como a aceitação da existência de um conflito em torno da função social da terra.
Como quase todas as complexas questões que envolvem a realidade brasileira, preferir os extremos e ignorar os matizes é a pior saída para entender as mazelas nacionais e suas soluções. Em se tratando de movimentos sociais (sem-terra, sem-teto e congêneres incluídos), o equívoco costuma produzir desvios de análise.
O movimento é amplamente criticado, e em muitos de seus erros a parte é confundida com o todo. E convém admitir que o MST está longe de ser infalível. É o caso de integrantes que, sem qualquer identificação com a causa, entram no movimento e vendem seu pedaço de terra tão logo o tenham conquistado. A pecha de baderneiros é reforçada pelas imagens dos confrontos com fazendeiros e com a polícia, dos quais extraem-se conclusões maniqueístas sobre quem são mocinhos e vilões.
O Brasil precisa dar-se conta das raízes históricas da concentração da terra, que faz com que, segundo dados do IBGE, 1% dos proprietários privados detenha 56% das terras agricultáveis do país. Longe da reversão, o predomínio dos latifúndios tem se intensificado com a compra de extensas faixas de terras por estrangeiros. O modelo do agronegócio exportador, pela alta capacidade de gerar lucros, se estabelece, sem que seus efeitos colaterais sejam levados em consideração. Mas a concentração de terra tem consequências sociais, econômicas e ambientais. Implica dificuldade de subsistência dos pequenos agricultores, degradação do meio ambiente provocada pelas monoculturas extensivas e uso intensivo dos recursos naturais como a água.
Além disso, historicamente, a ampliação da agricultura comercial – a exemplo dos enclosures (ou cercamentos) do início da Revolução Industrial inglesa – está associada à expulsão da mão de obra do campo e ao êxodo rural, que inchou os centros urbanos. A base natural do pleito do MST, porém, não passa por reivindicações destas terras produtivas mas das improdutivas, que, segundo a Constituição, devem ser destinadas à reforma agrária.
Ou seja, a luta é justa. Aceitar esta conclusão, no entanto, não significa ignorar que certos pilares constitucionais – como o direito de propriedade – precisam ser rigorosamente seguidos pelos sem-terra. E há os equívocos, mas estes não devem justificar a virulência e a deslegitimização, por meio do MST, dos movimentos sociais como um todo.
A ESTREIA DE OBAMA NA ONU
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
25/9/2009
No seu primeiro pronunciamento perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, o presidente Barack Obama mais uma vez se valeu de sua poderosa oratória para tentar persuadir o mundo de que algumas premissas da política externa dos Estados Unidos mudaram radicalmente desde que ele chegou à Casa Branca, oito meses atrás. No lugar da soberba e do unilateralismo do seu antecessor - às vésperas da invasão do Iraque, George W. Bush chegou a dizer que a ONU caminhava para a irrelevância -, Obama exortou a comunidade internacional a participar de uma "nova era de engajamento" em torno de "quatro pilares": desarmamento nuclear, paz e segurança, meio ambiente e economia global.
Nessa ou em outra ordem, são inegavelmente as questões cruciais do nosso tempo. Mais do que o seu enunciado, porém, o forte da oração de Obama foi a mensagem de que a atitude de seu país, quando não os fins propriamente ditos das suas ações, se transformou. Ao dizer que nunca irá se desculpar por defender os interesses americanos, mas que "nenhuma nação pode ou deve tentar dominar outra nação", ele deixou patente a promessa de conciliar a realização das metas dos Estados Unidos com os valores que os distinguiram historicamente, a começar do "respeito decente pela opinião da humanidade" de que falava Thomas Jefferson há mais de 200 anos.
Pode-se cultivar um ceticismo decente sobre os efeitos da retórica de Obama - na frente interna, por exemplo, ela ainda não foi capaz de assegurar a aprovação do programa-chave de sua administração, a reforma do sistema de saúde, nem tampouco manteve os seus índices de popularidade nos níveis estelares do início do seu mandato. Na arena internacional, o primeiro-ministro israelense, Benyamin Netanyahu, desprezou ostensivamente as demandas enfáticas do dirigente americano pelo congelamento das colônias nos territórios palestinos para destravar as negociações de paz. Isso o obrigou a um recuo na ONU.
Embora reiterasse não aceitar a legitimidade dos "assentamentos prolongados" e confirmasse o seu empenho pela solução de "dois Estados vivendo lado a lado em paz e segurança", acabou ecoando a posição de Israel contra o estabelecimento de "precondições" para o eventual reinício do diálogo com a liderança palestina. Um ganho pelo menos Obama obteve no percurso entre as palavras e os atos no cenário das Nações Unidas. Da tribuna, ele advertiu a Coreia do Norte e o Irã de que "terão de prestar contas" se preferirem armas atômicas à estabilidade regional e forem indiferentes aos perigos de uma escalada nuclear. Mais tarde, saiu de uma reunião com o presidente russo, Dmitri Medvedev, com a promessa de uma concessão.
Pela primeira vez a Rússia admitiu apoiar os EUA no endurecimento das sanções contra o regime iraniano, caso as conversações sobre o seu programa de enriquecimento de urânio, marcadas para outubro, levem a nada. "Acreditamos que precisamos ajudar o Irã a tomar a decisão certa", afirmou Medvedev à imprensa, escolhendo as palavras, ao lado de um sorridente Obama, para acrescentar que "sanções raramente conduzem a resultados produtivos, mas, em alguns casos, são inevitáveis". Sem convencer, a Casa Branca negou que a aparente mudança da posição russa fosse consequência da decisão anunciada na semana passada por Obama de cancelar a instalação, na Polônia e na República Checa, do escudo antimísseis que Moscou considerava uma afronta na sua "esfera de influência".
Falta ainda combinar com os chineses, que se opõem a novas sanções contra o Irã pelo Conselho de Segurança da ONU, onde não hesitariam em exercer o seu poder de veto. Mas Pequim se alinhou com Washington em favor de uma resolução do organismo para o fortalecimento do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) - uma das bandeiras de Obama no plano global, integrada à busca de um acordo bilateral com a Rússia para a redução dos respectivos arsenais. O projeto de resolução levado à ONU pelo presidente insta os países-membros a condicionar as suas exportações de materiais nucleares ao monitoramento do seu uso, mesmo se o comprador deixar o TNP, como fez a Coreia do Norte em 2003.
Obama se credenciou a liderar o esforço pela desnuclearização gradativa, ao prometer que os EUA se pautarão pelas regras que vierem a ser firmadas em âmbito multilateral. Nos anos Bush, isso seria impensável.
INVESTIMENTOS NAS FERROVIAS
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
25/9/2009
Os investimentos programados para o setor ferroviário impressionam e, se executados no prazo previsto, darão novo fôlego aos sistemas de transporte de cargas e passageiros sobre trilhos, que nos últimos anos ficaram praticamente esquecidos dos grandes planos públicos e privados. Até 2014, poderão ser investidos nas ferrovias R$ 71 bilhões, 270% mais do que se investiu de 2004 a 2008, como mostrou reportagem de Renée Pereira publicada domingo no Estado. Esse valor corresponde aos investimentos previstos para os próximos quatro anos pelo setor público e pelas empresas privadas.
Com esses investimentos, o Brasil passará a fazer parte dos países que decidiram investir pesadamente nas ferrovias como forma de melhorar a circulação de mercadorias e pessoas, de amenizar os efeitos da crise mundial e de gerar empregos. A lista inclui EUA, China, Índia e alguns países europeus.
Embora expressivos, sobretudo se se considerar que este é um setor carente de aplicações maciças em expansão da malha e modernização e renovação de equipamentos e infraestrutura, esses investimentos - mesmo que inteiramente realizados de acordo com o cronograma aprovado - não serão suficientes para recompor o sistema ferroviário que existia no País na década de 1950. Naquela época, o Brasil chegou a ter uma malha de 37 mil quilômetros de trilhos.
A opção pelo transporte rodoviário nos anos seguintes, no entanto, fez encolher a malha. Atualmente, ela é de 29 mil km. Se todos os planos forem executados, a malha nacional totalizará 35 mil km em 2015. O plano do governo é alcançar 52 mil km de ferrovias em 2030, lembrou o diretor da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça.
Os investimentos previstos para os próximos anos foram levantados pelos organizadores do evento Negócios nos Trilhos e incluem o trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Só nesse empreendimento - que, se tudo der certo, estará pronto até a Copa do Mundo de 2014 - serão investidos R$ 34 bilhões, ou praticamente 48% do total.
Também na área de transporte de passageiros estão na lista os veículos leves sobre trilhos (VLT), um tipo de metrô de superfície, com capacidade para o transporte de 400 pessoas por unidade e cujo custo representa cerca de um terço do metrô convencional.
"Este é o momento de focar o VLT", disse o secretário dos Transportes Metropolitanos de São Paulo, José Luiz Portela. A capital paulista deverá ter três VLTs (Expresso Tiradentes, Congonhas-São Judas e Vila Nova Cachoeirinha-Lapa). Também terão VLTs Santos, Brasília, Recife, Fortaleza e a região do Cariri, no Ceará.
O transporte de cargas por trilhos receberá investimentos de R$ 25 bilhões. Há grandes projetos, como a Ferrovia Norte-Sul, cuja construção começou no governo Sarney (1985-1990), que já tem 215 km em operação e, até o fim do ano, deverá ter novo trecho pronto. Até 2010, o governo pretende entregar a Nova Transnordestina (entre Fortaleza e Recife, com extensão até Eliseu Martins, no sul do Piauí), mas sua construção enfrentava problemas financeiros e com desapropriações. Agora se espera a aceleração da obra, pois ela passou a ser tocada pela CSN. O setor privado, por meio da América Latina Logística, investe também R$ 750 milhões na ferrovia de 250 km entre Rondonópolis e Alto Araguaia.
Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, considera esses investimentos muito importantes, mas observa que o País precisa investir muito mais em infraestrutura ferroviária, para melhorar a competitividade do produto brasileiro. "Os R$ 70 bilhões servem apenas para dar o pontapé inicial."
O que já não é muito, na opinião de Resende, pode ficar ainda menor, pois indícios de irregularidades identificados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na licitação, contratação de obras ou na liberação de recursos impedem ou retardam projetos na área pública. E, mesmo que liberados pelo TCU, a execução desses projetos depende da eficiente gestão do governo e da liberação dos recursos em tempo hábil, o que não tem ocorrido com a frequência desejada.
O PESO DE UM TRAMBOLHO FISCAL
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
25/9/2009
Pressionado pelos governos dos principais Estados exportadores, o governo federal deverá repassar aos Tesouros estaduais R$ 3,9 bilhões, em 2010, como compensação pela desoneração das exportações. O repasse poderá chegar a R$ 5,2 bilhões, se a arrecadação permitir. Qualquer pagamento vai depender, no entanto, de emenda à proposta de lei orçamentária em tramitação no Congresso. Nenhuma verba para essa finalidade foi prevista no projeto original. Os governadores de São Paulo e de Minas Gerais, José Serra e Aécio Neves, logo se mexeram para articular uma grande reação com os colegas de outros Estados. Ameaçaram proibir os exportadores de usar os créditos do ICMS para pagar fornecedores. A proibição valeria a partir de janeiro e seria mais um golpe contra as empresas numa fase especialmente difícil do comércio internacional.
Os Estados devem aos exportadores cerca de R$ 25 bilhões em créditos fiscais. A União deve outros R$ 10 bilhões. São estimativas da Associação de Comércio Exterior do Brasil e coincidem com informações extraoficiais de fontes do governo federal. A liquidação dos créditos é difícil, os custos fiscais se acumulam para os empresários e qualquer agravamento da situação pode afetar seriamente sua atividade, a criação de empregos e o crescimento econômico.
A disputa entre os governos estaduais e o federal por causa da compensação das desonerações é recorrente. Com a Lei Kandir, todo tipo de produto exportado ficou isento do ICMS a partir de 1996. Antes dessa medida, a isenção valia só para os manufaturados. Se a arrecadação caísse, o Estado receberia verba federal. O esquema valeria por alguns anos. Afinal, o aumento das exportações acabaria beneficiando as economias estaduais e a receita do ICMS tenderia a crescer. Além disso, qualquer reforma tributária razoável deveria desonerar totalmente, e de modo mais ordenado, as vendas ao exterior.
Não houve reforma tributária, mas a receita de exportações acabaria crescendo com vigor, principalmente depois da mudança cambial de 1999. A arrecadação dos Estados também se expandiu de forma quase ininterrupta. Mas o esquema de repasses foi mantido e os governos estaduais passaram a agir como se a "compensação" fosse um direito adquirido. Além disso, a Lei Kandir nunca foi aplicada integralmente, porque previa também a desoneração dos investimentos e das despesas com insumos não incorporados no produto.
Segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, a União não é mais obrigada a ressarcir os Estados pelo ICMS não cobrado nas exportações desoneradas pela Lei Kandir. Ele menciona como argumentos a Lei Complementar nº 115, de dezembro de 2002, e a Emenda Constitucional nº 42, promulgada um ano depois. Para as autoridades estaduais, a obrigação permanece. Mas o governador José Serra tem um argumento de outro tipo. Segundo ele, é justo dividir entre União, Estados e municípios o custo da isenção fiscal, "porque o esforço exportador é grande, as exportações consomem estradas, quem trabalha nelas consome serviços sociais do Estado e tudo mais". O argumento é obviamente frágil.
Os custos da infraestrutura e dos serviços sociais são financiados por uma ampla carga de tributos, tarifas e contribuições, mais pesada que a da maior parte dos países concorrentes com o Brasil. Nesses países, no entanto, exportações e investimentos são em geral desonerados de tributos, não por favor, mas porque os governos sabem avaliar as condições necessárias para conquistar mercados, aumentar a produção e criar empregos. Apesar da menor tributação, muitos desses governos oferecem ao público serviços melhores que os do Brasil em educação e saúde.
A Lei Kandir, apesar de necessária, foi um remendo. Os governos deveriam tê-la descartado há muito tempo, com uma reforma tributária inteligente. Mas não o fizeram porque a administração pública brasileira não aprendeu a viver sem tributos excessivos e de baixíssima qualidade. Isso vale também para os governos estaduais. A briga recorrente em torno do cumprimento da Lei Kandir e de seus custos é um dos muitos sintomas de atraso e da incapacidade brasileira de se livrar de velhos trambolhos - a começar pelo péssimo sistema tributário.
SUPERÁVIT PRIMÁRIO E DÍVIDA INTERNA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
25/9/2009
O ministro da Fazenda, Guido Mantega,acha que a manipulação do governo no superávit primário não tem efeito, pois é normal que se reduzam contabilmente os investimentos realizados. Esquece-se, no entanto, dos efeitos disso para a dívida interna.
O superávit primário tem um objetivo claro: pagar parte dos juros da dívida interna. Ao reduzir o superávit, os juros que deixaram de ser pagos por ele acabam sendo incorporados à dívida. A participação dos juros incorporados tem um peso bastante significativo na elevação da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi), que já está acusando uma forte elevação por causa do déficit nominal do Tesouro.
Nos oito primeiros meses do ano, o estoque da DPMFi cresceu 10,8%, isto é, muito acima da taxa de inflação, atingindo R$ 1,4 trilhão. Todavia, não só as emissões líquidas de títulos contribuíram para sua elevação, mas também o que o Tesouro chama de "apropriação positiva de juros", que respondeu por 7% do crescimento da dívida. Assim, com essa política que reduz o superávit primário para que o governo possa gastar mais, é fácil imaginar que a dívida interna poderá crescer exponencialmente.
Nos oito primeiros meses, os juros pagos por meio de um aumento da dívida interna somaram R$ 86,85 bilhões. Se levarmos em conta que o custo médio em 12 meses foi, em agosto, de 12,06%, acusando uma ligeira queda em relação ao mês anterior por causa da redução de indexadores como a Selic, o IPCA e o IGP-M, verificamos que mesmo assim o custo da redução do superávit primário não é desprezível.
Esse custo poderá aumentar em razão das necessidades cada vez maiores do Tesouro com gastos eleitorais - e alguns serão permanentes, como a elevação do salário dos funcionários e dos benefícios sociais.
Parte do crescimento da DPMFi se deve à emissão realizada para capitalizar o BNDES, que certamente terá de recorrer ao Tesouro diante do plano ambicioso do pré-sal. O estoque da DPMFi cresceu 3,79% e o da dívida externa pública, 1,65%. No entanto, as necessidades de financiamento interno e externo terão de crescer muito mais nos próximos anos.
Esse crescimento é acompanhado, no caso da dívida interna, por um aumento da participação dos papéis que vencem em 12 meses (27,48% em agosto) e de uma redução do prazo da dívida (hoje de 3,38 meses), o que poderá aumentar ainda mais os juros cobertos por emissões de títulos da dívida.
DEFICIT EMERGENTE
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
25/9/2009
Alta projetada do saldo negativo nas transações com o exterior impõe agenda para preservar o crescimento da economia
O BRASIL disputará com a Índia o posto de economia emergente com o mais volumoso deficit nas transações de bens e serviços com o resto do mundo, segundo as novas estimativas divulgadas pelo Banco Central.
Trata-se de um efeito colateral da rápida e aparentemente vigorosa recuperação após dois trimestres recessivos provocados pela crise econômica global. Com novas perspectivas de expansão do consumo, dos investimentos e das importações, projeta-se agora um deficit de US$ 29 bilhões no próximo ano, bem acima dos US$ 22,8 bilhões esperados até então pelo mercado.
Os números apontam a deficiência nacional de poupança, mais evidente nos momentos de maior prosperidade. A diferença entre as despesas e receitas com comércio, turismo, juros e dividendos tem de ser coberta com a atração de capital externo, ou seja, com poupança formada nas economias superavitárias encabeçadas hoje pela China.
Ao contrário do que ocorria há poucos anos, a expectativa de alta do deficit não ameaça a solvência do país, que acaba de receber o chamado grau de investimento da agência de classificação de risco Moody"s. O saldo negativo não chega a ser grande em relação ao PIB: deve chegar a 1,8%, bem abaixo dos 3% estabelecidos nos anos 90 como teto desejável para os emergentes.
Mais importante, ele pode ser financiado com sobras pelos US$ 38 bilhões esperados pelo Banco Central em investimentos estrangeiros produtivos. A quantia, ao lado de outros US$ 15 bilhões previstos em aplicações em renda fixa e na Bolsa, preservará no próximo ano a atual superoferta de moeda estrangeira.
Impõe-se, isso sim, uma agenda de políticas para manter o deficit sob controle e evitar que o ciclo de crescimento econômico seja menos intenso e duradouro. De imediato, o BC deverá manter ou ampliar as compras de dólares no mercado, contendo a valorização do real e a deterioração aguda da balança comercial.
O ministro Guido Mantega, da Fazenda, diz inexistir "limite de crescimento das reservas [em dólar]". Mas há custos fiscais. Como a compra de divisas é viabilizada pelo endividamento interno do governo, é preciso retirar os obstáculos para a queda dos juros, a começar pela solução definitiva para a remuneração da caderneta de poupança.
Será, além disso, difícil adiar mudanças nos perfis da tributação, de forma a desonerar as exportações e os investimentos, e dos gastos públicos, que hoje alimentam em demasia o consumo. A piora dos indicadores fiscais foi compreensível neste ano, em razão da necessidade de iniciativas contra a recessão, mas esse álibi terá de ser deixado de lado se a economia nacional confirmar o otimismo que hoje a cerca.
ARRASTÃO MUNICIPAL
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
25/92009
CEGOS E surdos diante do clamor que se levanta contra os desmandos de políticos, as mesas diretoras da Câmara e do Senado promulgaram a toque de caixa a emenda constitucional que agrega 7.709 vagas de vereador às 51.748 existentes no país. É o milagre da multiplicação dos cabides de emprego para cabos eleitorais, às vésperas de 2010.
Num típico jogo de cena, incluiu-se na emenda dispositivo que diminui os gastos dos legislativos municipais. Acredite quem quiser, ou puder, que a ampliação de cargos se fará sem acréscimo de despesa. A desfaçatez, contudo, não termina aí.
Acrescentando arrogância à irresponsabilidade, os congressistas pretendem que a medida entre de imediato em vigor. Suplentes, derrotados no pleito de 2008, tomariam posse como vereadores, por simples canetada. É o que defende o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), relator da PEC na Câmara.
Não admira que hordas de suplentes tenham preenchido as galerias do Congresso e comemorado a aprovação e a promulgação da emenda empreguista. Foram cenas explícitas de clientelismo, em que beneficiários do favor não foram os próprios eleitores, mas o baixo clero da política local. Mão de obra gratuita -quer dizer, paga pelo contribuinte- para avançar a propaganda eleitoral dos provedores.
A pretensão da posse imediata é, obviamente, um disparate. Dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes -seu presidente- e Carlos Ayres Britto -que também preside o Tribunal Superior Eleitoral- já disseram que o novo contingente de edis só deveria tomar posse após a eleição de 2012.
Felizmente, os vereadores biônicos enfrentam ainda a resistência daqueles que já consideram seus pares. Os atuais vereadores, alarmados com o potencial e repentino acréscimo de cotistas no butim, alegam que os novos cargos não são automáticos e dependem de atos formais das legislaturas locais.
Ainda que pelos mesmos e errados motivos, talvez o arrastão dos suplentes encontre aí, enfim, a barreira intransponível.
ZELAYA TENTA UMA CARTADA RADICAL PARA VOLTAR AO PODER
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
25/9/2009
O súbito aparecimento do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, às portas da embaixada brasileira em Tegucigalpa é sua derradeira tentativa de forçar a deposição do governo golpista e obrigar os países que o apoiam a se comprometerem com ações mais contundentes para isso. As pressões diplomáticas exercidas pela Organização dos Estados Americanos, pelos EUA e pelo Brasil não demoveram o presidente Roberto Micheletti da intenção de manter-se no poder. Zelaya, um político conservador, caminhava para o esquecimento até tentar forçar, agora, com sua "materialização" fulminante, um desfecho para a crise.
O governo brasileiro, ao que tudo indica, foi constrangido a aceitar a presença de Zelaya em sua embaixada. Por mais que existam simpatias com o "bolivarianismo" de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e seus adeptos, o apoio do Brasil ao governo venezuelano, boliviano, paraguaio ou equatoriano não chegou em nenhum momento a assumir os graves riscos políticos que a sustentação da aventura atual de Zelaya implica. Tudo é possível em uma história rocambolesca como essa, que já tem componentes de tragédia, com mortes nas ruas de Tegucigalpa, mas o mais provável é que o governo Lula foi metido em uma terrível enrascada contra a sua vontade.
O governo Lula agiu corretamente até agora no caso. Manuel Zelaya foi arrancado à força de seu país na madrugada de 28 de junho. Não houve o devido processo constitucional para retirá-lo do poder e todos os princípios democráticos ruíram quando Roberto Micheletti assumiu a presidência. Houve condenação geral ao golpe, inclusive dos Estados Unidos. Toda a pressão brasileira se encaminhou pelos canais diplomáticos, com o apoio restrito ao acordo de São José, que pressupunha a volta de Zelaya ao poder, um governo de coalizão e uma anistia a todos os envolvidos. Coerentemente, o Brasil não poderia ter se recusado a dar guarida a Zelaya, um presidente legítimo que teve de entrar clandestinamente em seu próprio país.
Ainda que haja muita coisa obscura no episódio, a estratégia de confronto e provocação é semelhante à do chavismo. Zelaya já ensaiou várias vezes voltar a Honduras e há pouco havia tentado fazê-lo pela Nicarágua, sendo barrado pelos militares. Como o episódio demonstrou, ele não tem o apoio inequívoco das massas que Chávez demonstrou possuir após ser vítima de uma tentativa de golpe em 2002. O expediente de criar fatos consumados, sem medir as consequências, é inspirado no chavismo, com uma pitada de ingredientes locais.
Zelaya não é Chávez em mais de um sentido. É conservador e só recentemente, ao que tudo indica por puro oportunismo, foi seduzido pelo canto de sereia da reeleição, vetada por cláusula pétrea da Constituição hondurenha. O presidente venezuelano, apoiado em vitórias eleitorais inequívocas, contou com o apoio do Congresso e, por meio da manipulação do poder, dos tribunais eleitorais e da Justiça, para só então tentar dar passos mais ousados, como o da reeleição ilimitada. Zelaya comportou-se como um amador e conseguiu arregimentar contra si o Congresso, a Justiça e as forças armadas.
Esse mesmo voluntarismo levou-o a entrar às escondidas em Honduras e buscar a representação brasileira na capital. Não por acaso, um de seus primeiros contatos telefônicos foi com Hugo Chávez. E não deixou de fazer da sua estadia um palanque, algo que mostra insensibilidade política diante de uma situação explosiva.
Por ser um aliado bolivariano de Chávez, Zelaya não inspira confiança do governo americano, o único que poderia tomar medidas decisivas, fora da força militar, para dobrar o regime ilegal hondurenho. Um boicote econômico dos EUA colocaria o governo arrogante de Micheletti de joelhos em poucos dias, mas isso significaria reviver, com sinal trocado, o velho intervencionismo americano. Zelaya colocou todos diante da alternativa de ou retirar um governo ilegítimo ou apoiá-lo em um exercício à luz do dia, claro e insustentável, de poder paralelo. As tensões chegaram a seu limite e o desenlace de um problema que não foi criado pelo Brasil é imprevisível.
AS NOVIDADES DO SENADO
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
25/9/2009
No Congresso, os preparativos para a corrida às urnas no próximo ano vão além da oportunista reforma eleitoral aprovada há poucos. Criativo, um grupo de senadores trata de reforçar o número de trabalhadores – às custas do Legislativo –, nos seus escritórios políticos instalados nos Estados.
Os integrantes da Mesa Diretora do Senado e os líderes partidários que atuam na Casa terão direito a mais dois funcionários para atuar no escritório do parlamentar no Estado. Sem alarde, o benefício foi autorizado ontem pela própria Mesa Diretora.
O grupo privilegiado argumenta que se trata de necessidade decorrente do trabalho parlamentar. E que a prática não provocará custo adicional de salário, pois só serão deslocados para os Estados servidores que já trabalham no gabinete, em Brasília.
É curioso como a alegada necessidade de ampliação dos quadros dos escritórios parlamentares é sentida com a aproximação das eleições. Mais parece o uso da estrutura do setor público em benefício político pessoal, ou de grupos.
Mesmo sem o acréscimo de servidores, já é muito questionável o funcionamento de escritórios nos redutos eleitorais dos congressistas, bancados pelo orçamento do Congresso – que é dinheiro público. Tal situação causa controvérsia até sob o ponto de vista da disputa por cargos eletivos. Teoricamente, dá vantagem competitiva ao detentor de mandato sobre os demais concorrentes.
Há de se convir, porém, que o deslocamento de mais funcionários para os escritórios regionais dos senadores apenas ampliará a lista dos ausentes no Senado. Não é fato inédito.
É constrangedora a relação de funcionários que, nos últimos anos, saíram de Brasília para realizar cursos que nada têm a ver com as funções que exercem no Legislativo. Um apadrinhado do senador Renan Calheiros teria feito curso de inglês na Austrália enquanto trabalhava no gabinete do líder do PMDB. Também houve quem cursasse judô no Japão e Medicina do Sono em São Paulo, com despesas pagas parcial ou totalmente pelo Senado.
Há também senador entre os beneficiários dessa franquia. O Senado desembolsou cerca de R$ 70 mil com o custeio de um curso para a senadora Ideli Salvatti e um assessor dela entre abril de 2007 e janeiro de 2008, realizado em três etapas: no México, na Argentina e na Espanha. Em nota divulgada à imprensa, a senadora afirma que o curso "The Art of Business Coaching" foi importante para melhorar o desempenho de sua equipe de trabalho. E o povo paga.
Diante desse quadro, não deve causar surpresa a volta ao Senado do seu ex-diretor-geral por 14 anos, Agaciel Maia, chamado de o mago dos atos secretos. Ele assumiu, anteontem, uma nova função – assessor legislativo –, com salário de R$ 11.238,00. Há três meses havia sido exonerado sob a acusação de ter ocultado da Justiça uma casa avaliada em R$ 4 milhões.
Quanto aos atos secretos, 36 deles foram validados pela Mesa Diretora. Alguns, para criar cargos e diretorias. Esse procedimento vem agora seguido do anúncio de que serão extintos 500 cargos na estrutura da Casa. Só que eles não estavam preenchidos. Por isso, não proporcionarão nenhuma economia para uma instituição inchada com 3,4 mil funcionários efetivos e 3 mil terceirizados.
A Fundação Getúlio Vargas recomendou, há um mês, o corte de 85% nas diretorias e de 46% das chefias do Senado. Assim, seriam economizados R$ 376 milhões por ano. Já deveria estar havendo pressão popular nesse sentido.
IMPASSE INCÔMODO
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
25/9/2009
Imbróglio hondurenho precisa ser solucionado via princípios democráticos
O imbróglio do cerco à embaixada do Brasil, em Honduras, que segue prendendo a atenção mundial, precisa ser solucionado o quanto antes. Em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu à comunidade internacional apoio para o retorno imediato do presidente deposto, Manuel Zelaya, ao poder, além de exigir respeito à imunidade diplomática da representação brasileira, ameaçada de invasão. A fala de Lula rendeu eco: uma missão diplomática de mediação viajará até Honduras neste fim de semana, encabeçada pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza.
O presidente Lula pôde apresentar na ONU um Brasil respeitado não apenas por sua maturidade democrática, mas igualmente por oferecer ao mundo um modelo econômico diferenciado, que o levou a enfrentar a crise de uma forma diferenciada e dela sair com o menor prejuízo possível, o que lhe dá credibilidade para apresentar propostas factíveis para um ordenamento mundial mais justo e equilibrado. Se o governo brasileiro não pode socorrer sua embaixada por meio de força militar, cabe-lhe mesmo recorrer à comunidade internacional para dar fim ao impasse que se arrasta há quatro dias.
Prevalece o entendimento de que a deposição de Zelaya, eleito democraticamente, feriu o Estado democrático de direito, que dispõe de mecanismos legais para destituir um governante, ainda que possam se diferenciar de um país para outro. Se o sistema institucional de Honduras não o comporta, terá de ser denunciado como estranho ao ordenamento basilar da democracia. Contudo, discutir agora se o Brasil deveria ou não aceitar o pedido de abrigo de um presidente eleito deposto é uma questão para reflexão posterior. O mais importante neste momento é ficar bem claro que a hora é de os brasileiros cerrarem fileiras em torno da defesa do ato soberano de seu país e não criar divisões que enfraqueçam a autoridade que o executa.
O primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, afirmou ontem na ONU que a restituição de Zelaya ao poder é o novo desafio que enfrenta o conceito de multilateralismo nas Nações Unidas, baseado nos princípios democráticos. Realmente, se a comunidade interamericana não for capaz de solucionar uma questão como essa, num país pequeno (112 mil quilômetros quadrados) e desprovido de recursos, como Honduras, como poderá reagir a um eventual desafio maior? Portanto, a preocupação do Brasil e dos demais países é a de defender a restauração da normalidade democrática em solo hondurenho, pois ali pode estar em curso um processo que pode turvar a democracia latino-americana. Não se trata de uma simples crise interna de uma nação que tem, se tanto, 7 milhões de habitantes, dividida, sujeita a uma guerra civil. Caso o apelo de Lula não encontre o devido eco no continente e fora dele, corre-se o perigo de outros países da região se envolverem com a causa, fragilizando a estabilidade regional. Ontem, o governo de fato suspendeu o toque de recolher e reabriu os quatro aeroportos do país, num sintoma de que a pressão apregoada pelo presidente brasileiro nas Nações Unidas começa a surtir efeito.
CRISE EXIGE SOLUÇÃO RÁPIDA EM HONDURAS
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
25/9/2009
O imbróglio do cerco à Embaixada do Brasil em Honduras, que segue prendendo a atenção mundial, precisa ser solucionado o quanto antes. Em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu à comunidade internacional apoio para o imediato retorno ao poder do presidente deposto, Manuel Zelaya, além de exigir respeito à imunidade diplomática da representação brasileira, ameaçada de invasão. A fala de Lula teve eco: sob o comando do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, uma missão de mediação irá a Honduras no fim de semana. Integrarão a comitiva alguns embaixadores que haviam deixado Tegucigalpa depois do golpe militar.
Se o governo brasileiro não pode socorrer sua embaixada por meio de força militar, cabe-lhe mesmo recorrer à comunidade internacional para dar fim ao impasse que se arrasta há quatro dias. O presidente Lula pôde apresentar à ONU um Brasil respeitado não apenas pela maturidade democrática, mas igualmente por oferecer ao mundo um modelo econômico diferenciado, que soube enfrentar a crise e sair dela com o menor prejuízo possível. Credenciado, portanto, para apresentar propostas factíveis para um ordenamento mundial mais justo e equilibrado.
Prevalece o entendimento de que a deposição de Zelaya, eleito democraticamente, feriu o Estado Democrático de Direito, que dispõe de mecanismos legais para destituir um governante, ainda que possam se diferenciar de um país para outro. Quanto à posição do Brasil na crise, se deveria ou não aceitar o pedido de abrigo de um presidente deposto, é questão para reflexão posterior. Mais importante no momento é cerrar fileiras em torno da defesa do ato soberano do país, para enfrentar com a devida urgência as adversidades presentes.
A preocupação é restaurar a normalidade democrática em solo hondurenho, antes que as disputas internas por poder descambem para uma guerra civil e outros países da região se envolvam com a causa, com reflexos na estabilidade regional. Enfim, a tempo de que a crise em curso não turve a democracia latino-americana. Honduras é um país pequeno, com 112 mil quilômetros quadrados e pouco mais de 7 milhões de habitantes. A comunidade interamericana saberá encontrar saída pacífica para a questão. Ontem, o governo de fato da nação suspendeu o toque de recolher e reabriu os aeroportos para voos internos, num sintoma de que a pressão apregoada pelo presidente brasileiro nas Nações Unidas pode estar começando a dar resultados.
ÍNDIOS E GRIPE
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
25/9/2009
Três xavantes da reserva São Marcos, em Barra do Garças contraíram a nova gripe e se recuperaram. No entanto, uma criança de dois anos, da mesma área indígena, morreu em Goiânia com sintomas dessa pandemia. Em Campinápolis, um índio da reserva Parabubure, está internado e autoridades médicas suspeitam que o mesmo tenha contraído essa doença.
As primeiras manifestações da gripe H1N1 nas terras indígenas mato-grossenses exigem pronta resposta do Estado, com base em fundamentação sanitária, antes que a omissão ou o temor político no trato de questões envolvendo índios dizime em proporções catastróficas indivíduos que residem nas aldeias dispersas em todas as regiões.
O modelo de ocupação das reservas cria uma blindagem natural contra doenças virais, a exemplo da nova gripe, porque todas as aldeias se localizam em áreas distantes das rodovias e a presença de indivíduos da sociedade envolvente entre seus moradores é restrita.
Antes que o contato dos indígenas com moradores das cidades abra caminho à nova gripe é preciso que o Estado crie um mecanismo transversal composto pela Funasa, Funai e Ministério Público Federal, para impedir que os índios deixem suas reservas, como habitualmente fazem, para protegê-los. Decisão nesse sentido certamente gerará polêmica, mas é preciso avaliar essa possibilidade, porque a experiência histórica nos mostra que a catapora, a gripe comum e outras doenças do cotidiano urbano sempre causaram mortes entre as populações das aldeias em percentuais bem mais acentuados do que os registrados nas cidades.
O grande aliado do sistema de saúde contra a nova gripe é a prevenção e a proposta deste editorial é exatamente essa: que se crie um guarda-chuva de proteção aos indígenas.
Quem vive em Cuiabá nem sempre tem informação sobre as boas relações entre os habitantes das aldeias e sua vizinhança. Em Nova Nazaré é comum partidas de futebol entre curumins xavantes e garotos que residem na cidade. Nas noites em Canarana e Gaúcha do Norte a população jovem é formada por quem ali reside e seus vizinhos do Parque Indígena do Xingu. Nas ruas em Barra do Garças xavantes e bororos vendem artesanato. A reserva Tadarimana, em Rondonópolis, localiza-se ao lado do perímetro urbano, o que facilita o contato mais permanente entre os bororos que a habitam e os rondonopolitanos.
Antes que seja tarde demais é preciso criar um eficiente sistema preventivo para os indígenas. É imperativo mantê-los afastados das áreas de risco, até que o Ministério da Saúde controle a nova gripe. Longe de cercear o direito de ir e vir entre a aldeia e a cidade, o que se quer é que os 28 mil índios que vivem nas 58 reservas tenham a melhor proteção possível para esse momento. Essa proteção chama-se prevenção.
“O modelo de ocupação das reservas cria uma blindagem natural”
QUANTIDADE OU QUALIDADE?
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
25/9/2009
Pesquisa divulgada no início da se¬¬mana mostrou que 52% dos brasileiros acreditam na importância do Se¬¬nado Federal, apesar dos seguidos es¬¬cândalos, os recentes e muitos outros, ocor¬¬ridos nas últimas décadas. Alguns, verdadeiras nódoas infamantes. Mas, de qualquer modo, a Casa é tida como “uma instituição necessᬬria”, que ajuda a aprimorar as leis, e, segundo o diretor do Instituto Análise, Al¬¬berto Carlos Almeida, isso revela que o cidadão “é capaz de separar a instituição Senado da pessoa física dos senadores”.
Tal crédito de confiança, é de se presumir a partir do próprio grau de cidadania e politização alcançado por boa parcela da população, estender-se-ia ao Poder Legislativo Municipal.
Mesmo aceitando-se essa premissa, não deixa de provocar dúvidas a aprovação, em se¬¬gundo turno e em sessão relâmpago, das PECs 336 e 379, ambas do Senado, que au¬¬mentam o número de vereadores do país dos atuais 52 mil para cerca de 59 mil, e, no caso paranaense, com base no censo de 2008, ha¬¬veria um acréscimo de 445 até 465 ca¬¬deiras. Em contrapartida, o texto prevê a re¬¬dução das despesas das câmaras municipais me¬¬diante a fixação de porcentuais máximos de receita municipal que poderão ser gastos. Os deputados também aprovaram a proposta que reduz o teto das despesas com os legislativos municipais. Pela proposta, o porcentual máximo dos repasses cai de 5% para 4,5% nas cidades com mais de 500 mil habitantes. Atualmente, o repasse de recursos dos executivos municipais para as casas legislativas varia entre 5% e 8%, dependendo do nú¬¬mero de habitantes do município.
Esse era o grande trunfo dos autores da proposta de mudança, mas, como ficou comprovado com levantamentos técnicos, inclusive da Confederação Nacional dos Municí¬¬pios (CNM), tudo não passaria de um blefe, ou no mínimo uma pífia cortina de fumaça para facilitar o avanço da matéria. Basta ver que as transferências de recursos teriam um teto de R$ 8,9 bilhões para todo o país, só que, como se viu, os gastos atuais dos legislativos já não passam de R$ 6,2 bilhões.
A proposta, com 15 dias para ser promulgada, em sessão solene do Congresso Na¬¬cio¬¬nal, abriu outras áreas de atrito. Sérias áreas de atrito.
Como o texto aprovado prevê que os efeitos retroagem a 2008, muitos vereadores elei¬¬tos no pleito passado, mas que ficaram co¬¬¬¬¬mo suplentes, poderão tomar posse. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, já anunciou que vai re¬¬correr ao Supremo Tribunal Federal (STF) ca¬¬¬¬so a Justiça Eleitoral comece a dar posse aos suplentes. A OAB considera a medida simples¬¬mente inconstitucional. O presidente do Tri¬¬bu¬¬nal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, e o presidente do STF, Gilmar Mendes, já alertaram, ao longo da discussão da PEC, ter dúvidas sobre a possibilidade de empossar os suplentes. Enquanto isso, deixando de lado os aspectos técnicos, jurídicos e constitucionais, o eleitor, certamente, mantém sua preocupação quanto à elevação da qualidade do trabalho dos vereadores, que nunca dependeu do número de vagas nas câmaras.
RECONHECIMENTO
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
25/9/2009
Não chegou a ser surpresa, mas deu motivo para comemoração o fato de o Brasil ter obtido a classificação de grau de investimento da agência norte-americana Moody’s, o que significa que tem condições de honrar compromissos e não representa risco para os investidores estrangeiros. Para o economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, por exemplo, o importante também é que a análise positiva abre janela para maior ascensão do país na economia mundial. De fato. A concessão do investment grade veio endossada de uma avaliação “especialmente positiva da economia brasileira, dos seus fundamentos, da qualidade da sua política econômica e das respostas do país à crise financeira internacional”. Mais precisamente, a Moody’s reconheceu que “o Brasil vai ocupar um papel de grande destaque no desenho da economia mundial no pós-crise”. Some-se a isso que foi a terceira análise positiva recebida pelo país. Antes, vieram considerações semelhantes das agências de risco Standard & Poors e Fitch.
COMÉRCIO DE LEGENDAS
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
25/9/2009
A pouco mais de um ano da eleição geral do ano que vem e a uma semana do prazo para trocas de partido, já está presente na vida política brasileira uma de suas mazelas mais humilhantes, a do comércio de legendas. A denúncia de que os partidos nanicos estão entregando as legendas nos Estados para potenciais candidatos em troca de dinheiro e votos nas urnas é mais uma das tantas contribuições negativas para a já desgastada realidade política de nosso país. Reportagem publicada ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo revela também que políticos driblam a legislação eleitoral para assumir as legendas sem perder o atual mandato. O objetivo das pequenas e das grandes siglas com o artifício é o mesmo: garantir a eleição do maior número de deputados possível para aumentar os recursos recebidos do fundo partidário, distribuído conforme composição na Câmara.
Essa mercantilização dos partidos ocorre nas brechas que a legislação eleitoral abre, intensificando-se agora que falta apenas uma semana para que se encerre o prazo para a definição dos partidos para os que pretendem concorrer no ano que vem. É um troca-troca que deforma a democracia, enfraquece a estrutura partidária e confunde o eleitor. Entre os eleitos de 2003, nada menos que 197 deputados trocaram de partido, alguns mais de uma vez, num total de 365 trocas. Algo escandaloso. Em qualquer sistema representativo que tenha genuína preocupação com a qualidade de sua democracia, o aprimoramento dos partidos e seu funcionamento adequado são pressupostos indispensáveis. Assim, também não há justificativa para partidos correrem atrás de celebridades para suas nominatas, sem consideração para o que pensam e como agem.
O Brasil ainda não conseguiu, infelizmente, colocar essas questões entre as que obrigatoriamente deveriam constar de um projeto de verdadeira reforma política. A minirreforma recém aprovada nem de longe contempla qualquer delas. De resto, não basta que haja leis ou que os tribunais decidam pela exigência de fidelidade. É indispensável que os partidos, seus comandos e seus associados confiram à política a importância que ela efetivamente tem como alicerce para uma democracia sólida.
PROGRAMA DE CONCESSÕES
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO
25/9/2009
Anúncio do governo federal fala na concessão à administração e exploração da iniciativa privada de mais 2.600 quilômetros de rodovias. Principalmente no Sul e Sudeste, já existem hoje grandes estradas sob esse regime. Na Bahia, serão concedidos mais 680 km. Espera-se que essa ação se estenda a Pernambuco. Aqui, em vez de melhora e privatização de rodovias, o que houve foi a recuperação e duplicação da BR-232, uma estrada federal em direção ao Sertão, feitas com verba estadual que muito provavelmente nunca será ressarcida. É importante, quando se fala em privatização à brasileira, tomar cuidado para que não se repitam problemas gerados por concessões anteriores de rodovias e privatizações em geral. A desestatização praticada intensamente no período de governo de FHC melhorou muito os serviços de telecomunicações e de distribuição de energia elétrica, num primeiro momento. Mas, além do pagamento pelas concessões ser geralmente considerado baixo, os serviços aqui prestados por multinacionais não têm a mesma qualidade dos que elas prestam em seus países de origem. E as agências reguladoras criadas para cuidar dessas concessões não dão a importância devida ao consumidor.
Quanto às concessões de rodovias a grupos privados, os pedágios cobrados são considerados altos demais e, quando entraram nas concorrências grupos estrangeiros, as taxas baixaram sensivelmente, mas só nas novas concessões. Em quase todos os países que adotaram o sistema de concessões rodoviárias, cabe à empresa concessionária, apoiada por isenções fiscais e outros incentivos, construir uma via expressa de alto padrão e operá-la durante determinado período durante o qual pode cobrar pedágio. No final do contrato, a estrada é transferida ao poder público. No Brasil, o processo tem sido inverso. O poder público constrói a rodovia e a entrega à concessionária, que deveria conservá-la em boas condições. Quando muito, a concessionária conserva e melhora o que já existe.
Além disso, as concessionárias não gozam de nenhum incentivo fiscal e arcam com toda a carga tributária que assola o País. A maioria delas não conta com capital próprio e acaba financiando as obras necessárias com recursos do pedágio ou onerosos empréstimos. Não há agência reguladora das concessões. Esperamos que a privatização em Pernambuco obedeça às regras vigentes em outros países. Com a privatização, se resolveria um problema da já referida BR-232. As obras ali executadas não têm boa qualidade e, com uns cinco anos de uso, ela está desgastada e degradada, já ostentando uma série de problemas, como buracos nas pistas, capim crescendo nas margens, alagamentos, falhas no concreto. Ou não há manutenção ou ela é por demais precária. Sua privatização, com a cobrança de um pedágio justo, que contemplasse melhor o ônus exigido de transportadoras de cargas, poderia permitir a continuidade da duplicação, que dificilmente se fará pelo governo pois não é todo dia que se tem uma Celpe para vender. E a nova independência atribuída ao petróleo do pré-sal pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva por enquanto é promessa.
Deve-se levar em conta que algumas rodovias lucraram muito com sua entrega a concessão privada. É de 1994 o Programa Brasileiro de Concessão de Rodovias, inaugurado com a assinatura do contrato de concessão da Ponte Rio-Niterói. Segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, o programa tem alcançado resultados animadores e é crescente a satisfação dos usuários.
Certamente esse programa precisa ser aperfeiçoado, incorporando o que propomos acima. Se as empresas concessionárias ganharem incentivos e se capitalizarem, o sistema de concessões rodoviárias poderá liberar recursos públicos para a recuperação e conservação de estradas de rodagem não concedidas a empresas privadas, e para a construção de novas rodovias em regiões que não despertam o interesse da iniciativa privada. Que venham a privatização, o progresso, mas com exigências e regulação.
MUITA VONTADE E POUCA TÉCNICA
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
25/9/2009
Nada contra o fato de a polícia vir a deter, para fins de esclarecimentos, todo o elenco de deliquentes, cujos nomes remetem a personagens de história em quadrinho, na tentativa de identificar, entre eles, o autor da morte do padre Rugerro Ruvoletto. A sociedade clama por isso. Afinal, se nem em sua própria residência um clérico – a despeito de ter sido ou não morto por engano – está protegido da sanha dos criminosos, quem mais poderia sentir-se seguro numa cidade em que a onda de violência cresce a olhos vistos?
O que a polícia não pode é passar cheque em branco a respeito de sua capacidade técnica de resolver problemas com os quais tem que lidar, por força mesmo da função que exerce no campo da (in)segurança pública. Nesse aspecto, estamos falando não só do policiamento preventivo e repressivo, da alçada da Polícia Militar, mas também do investigativo, de competência da Polícia Civil. Mas é justamente isso, em parte, que se verifica no caso em questão.
Aliás, não é a primeira vez que a polícia tropeça nos próprios coturnos. Exemplo mais enfático disso ocorreu em abril de 2005, quando, no afã de dar uma resposta à sociedade sobre um sequestro que, por pouco, não levou à morte mãe e filha, o pedreiro Adenildo Araújo foi preso e apresentado como o autor do delito. À época, fomos o único veículo de comunicação a colocar em xeque a atitude da polícia, que, dias depois, admitiu ter agarrado o homem errado. Àquela altura, no entanto, o estrago na vida de Adenildo já havia sido feito, e o Governo do Estado, reconhecendo a gravidade da falha, achou por bem dar ao pedreiro uma casa para morar.
Pelo visto, o erro não foi totalmente assimilado, a lição não foi absorvida. Fica patente, no caso envolvendo o crime do padre Rugerro, mais uma vez, a vontade, mais do que a capacidade, da polícia em dar uma resposta rápida e eficiente. Agindo assim, ela própria está sujeita a praticar atos delituosos, como invadir casas e deter eventualmente pessoas, por exemplo, sem ordem judicial. Em termos práticos, isso resultará em mais violência, agora, praticada por aqueles dos quais a sociedade espera justamente o contrário, ou seja, que os próprios policiais sejam exemplos de retidão e de zelo no cumprimento de seus deveres.