23/9/2009 - EDITORIAIS
EDITORIAL
O GLOBO
23/9/2009
O impasse institucional em Honduras assumiu tons dramáticos com o inesperado regresso ao país do presidente deposto Manuel Zelaya e seu refúgio na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Trata-se de uma situação inédita, pois o refúgio geralmente é concedido a pessoas que se vêm obrigadas a deixar um país, e não em sua volta a ele. A questão é delicadíssima, pois envolve a garantia de respeito à inviolabilidade da embaixada brasileira — como de resto de qualquer embaixada —, num momento em que ela abriga um presidente deposto que volta para tentar reassumir a Presidência.
Nesse quadro, agiu bem o presidente Lula ao pedir a Zelaya que não dê motivos para uma invasão da embaixada, que não pode transformar-se num palanque contra o atual governo nem em bunker do presidente deposto e seus partidários. Depois que os EUA pediram calma, o presidente em exercício e inimigo de Zelaya, Roberto Micheletti, assegurou que respeitará a integridade da representação diplomática brasileira em Tegucigalpa.
O impasse em Honduras se arrasta desde junho, quando Zelaya, aliado de Hugo Chávez, foi deposto pelas Forças Armadas, com apoio do Legislativo e do Judiciário, na véspera do referendo convocado para aprovar que concorresse a um novo mandato, o que é inconstitucional naquele país. Foi uma grave ruptura institucional que mobilizou o continente em busca de uma solução que passe pela volta ao poder do presidente eleito — Zelaya. Apesar dos esforços da OEA e de seu secretário-geral, José Miguel Insulza, o governo de fato se recusou a fazer qualquer concessão.
A situação criada em Tegucigalpa exige da diplomacia brasileira o máximo de habilidade para não protagonizar uma grave crise em outro país. É preciso absoluta segurança de que o governo brasileiro não foi conivente com a volta de Zelaya. A solução do impasse compete aos hondurenhos e passa, necessariamente, por negociações na OEA. Não se pode esquecer que o pano de fundo é um campo minado: Zelaya tanto é o presidente constitucional quanto instrumento do projeto bolivariano de Chávez.
O restabelecimento da normalidade institucional em Honduras não pode abrir a guarda para a “democracia” à la Chávez.
AVANÇO DE SINAL
EDITORIAL
O GLOBO
23/9/2009
Num governo em que o presidente não desceu do palanque da reeleição, aproveitou o clima de campanha e logo tratou de trabalhar na indicação de uma candidata a suceder-lhe, é uma decorrência natural que ministros com aspirações nas urnas de 2010 também atropelem o calendário das eleições.
É atitude coerente com o estilo do chefe, mas reprovável sob vários aspectos.
O mais evidente é o descumprimento de prazos e datas estabelecidos pela Justiça eleitoral, algo sempre passível de contestação formal. Assim como Fernando Henrique, a partir de determinado momento do primeiro governo, passou a acordar e dormir com a ideia fixa da aprovação do segundo mandato consecutivo, Lula não toma qualquer decisão de alguma importância sem embalá-la num clima de campanha. Visitas a canteiros do PAC foram convertidas em comícios, e a confirmação do petróleo no pré-sal inspirou a modelagem de um plano de reestatização do setor, com o erguimento de bandeiras nacionalistas e brados contra os “entreguistas”, sob medida para uso em 2010. O descompromisso com calendários legais e a despreocupação com o uso do dinheiro do contribuinte em projetos políticos pessoais e partidários passam a ser práticas usuais também de ministros, à medida que avançam as negociações para a montagem de alianças e chapas regionais, como revelado em reportagem do GLOBO.
O petista Tarso Genro, da Justiça, um dos ministros pré-candidatos, sintomaticamente cumpre agendas, sempre às segundas e sextas, em Porto Alegre, sua base eleitoral.
A fórmula de se manter ministro, usar os recursos materiais e financeiros da pasta, sustentados pelo contribuinte, para fazer política de cunho pessoal fora da época legal, é disseminada: Geddel Vieira, ministro da Integração Nacional em nome do PMDB, é visto com frequência na Bahia, onde executa a missão de pavimentar a candidatura a governador do estado. O mesmo sucede com o nome do PT para suceder a Aécio Neves em Minas, Patrus Ananias, cuja assessoria se esmera em fazer coincidir assuntos da pasta do Ministério do Desenvolvimento Social com os interesses eleitorais do ministro. Também não foge à regra Paulo Bernardo, do Planejamento, muito presente em Curitiba, onde mora com a mulher, Gleisi, aspirante a candidata ao Senado.
E também Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, peça nas articulações fluminenses.
Do ponto de vista formal, argumentase que todos cumprem lei que faculta a viagem de ministros para casa no fim de semana, e a volta ao trabalho, transportados em asas oficiais. Se assim for, há, no mínimo, uma grave infração ética.
O BRASIL ASSUME OS RISCOS DA LIDERANÇA
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
23/9/2009
O abrigo que a embaixada brasileira em Honduras concedeu ao presidente deposto do país, Manuel Zelaya, pôs o Brasil no centro das atenções internacionais. A notícia causou surpresa e certa apreensão pela imprevisibilidade dos próximos desenlaces deste imbróglio que já dura desde 28 de junho, quando Zelaya foi expulso de pijama do seu país após uma quartelada. Mas, apesar das críticas irritadiças do presidente golpista Roberto Micheletti – que acusou o Brasil de ingerência em assuntos internos de Honduras – e dos muxoxos de certos setores conservadores da política nacional, o fato é que o episódio deve ser entendido como uma demonstração inequívoca do protagonismo que o Brasil vem exercendo na geopolítica do continente americano.
O mundo inteiro assiste agora a esse novo capítulo da novela Honduras. Não se sabe ao certo se a diplomacia e o governo brasileiros tiveram uma participação ativa (auxiliando o refúgio desde o início) ou se foram apenas solidariamente reativos (ao abrir as portas da embaixada diante da chegada surpreendente de Zelaya). A segunda versão é a que foi divulgada pelo Itamaraty. O presidente deposto teria voltado a Honduras por meios próprios e, de acordo com relatos, teria cruzado rios e montanhas até chegar à capital Tegucigalpa.
Seja como for, criou-se um fato político de relevância internacional. O país da América Central tem agora dois presidentes, um deles refugiado na embaixada brasileira. Ao aceitar receber Zelaya, o governo brasileiro assumiu os riscos inerentes da situação explosiva, que opõe o aparato repressor do governo interino – que decretou toque de recolher – e os milhares de simpatizantes do presidente deposto. O desfecho é imprevisível. Ainda que Micheletti tenha afirmado que não vai invadir a embaixada brasileira – depois de ter cortado o fornecimento de água, luz e telefone – há o perigo de mais cenas de violência, caso haja insurreição da população.
Os riscos que advêm do episódio, no entanto, devem ser encarados como o ônus natural do papel de liderança que o Brasil almeja no cenário internacional. Sua atuação na região sul-americana, como um mediador de conflitos, agora se expande para a América Central. Zelaya poderia ter escolhido a embaixada de países mais próximos para se refugiar. Preferiu o Brasil.
Ademais, pega de surpresa, a se confirmar a versão do Itamaraty, a diplomacia brasileira não tinha outra opção senão abrigar Zelaya, que, aliás, já havia tentado, sem sucesso, voltar para Honduras, por duas vezes, em meio às suas perambulações por vários países, nos quais amealhou apoio de inúmeros líderes, de Hugo Chávez, dito seu mentor político, a Barack Obama, que fez os Estados Unidos, antes incentivador, condenar, pela primeira vez, um golpe militar de direita na América Latina.
Zelaya foi deposto quando tentava aprovar, por meio de consulta popular, alteração na Constituição que permitiria a reeleição para presidente. No exílio nestes últimos quase três meses, recebeu apoio da OEA, da União Europeia, do BID, e, após discurso na Assembléia da ONU, 192 Estados aprovaram um documento pedindo sua recondução “imediata e incondicional” ao cargo. Fechar as portas da embaixada a Zelaya, para qualquer um destes países, seria uma enorme contradição.
LICENÇA PARA GASTAR
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
23/9/2009
O governo quer aumentar a gastança, embora arrecade menos que o previsto para 2009, e para isso propõe uma nova redução da meta fiscal. A intenção, agora, é liberar R$ 5,63 bilhões de verbas orçamentárias bloqueadas no começo do ano. Parte do dinheiro, cerca de R$ 1,2 bilhão, deverá ir para gastos vinculados a emendas orçamentárias apresentadas por parlamentares. Congressistas, principalmente da base aliada, têm cobrado a realização de despesas para atender às suas áreas eleitorais. O desbloqueio das verbas é mencionado no relatório bimestral de receitas e despesas primárias (não financeiras) enviado ao Congresso na semana passada. A receita agora prevista, R$ 555,2 bilhões, é R$ 5,77 bilhões menor que a estimada no relatório anterior, isto é, do terceiro bimestre, mas a perda de arrecadação não parece preocupar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O novo relatório aponta elevação de R$ 3,1 bilhões nas despesas obrigatórias. A base de comparação é a estimativa divulgada no bimestre anterior. Os gastos adicionais incluem, entre outros itens, o seguro-desemprego e a compensação a municípios pela redução das transferências normais.
Até o quarto bimestre, as contas federais foram afetadas de várias formas pela recessão. A receita foi reduzida pela retração econômica e, em grau bem menor, pelos incentivos concedidos a setores considerados estratégicos pelo governo. Ao mesmo tempo, o Tesouro gastou mais com o seguro-desemprego e foi forçado, por decisão política do presidente, a transferir dinheiro para municípios, apesar da contração da receita.
Além disso, os aumentos salariais acertados no ano anterior com várias categorias do funcionalismo foram pagos, embora o governo pudesse, pelo menos em alguns casos, deixar o desembolso para depois. Enfim, os novos cálculos apontam um déficit da Previdência maior que o estimado anteriormente, com perda de R$ 500 milhões de receita e expansão de R$ 202 milhões nas despesas.
A piora da situação fiscal foi causada em parte por fatores inevitáveis, como a retração da economia. O corte de impostos para alguns setores ajudou a atenuar o impacto da crise e foi justificável. Pode-se discutir se o governo poderia ter escolhido, com vantagem, outra forma de alívio tributário, mas o resultado foi positivo. Além disso, a política antirrecessiva teria sido mais eficiente se o governo houvesse aumentado os seus investimentos, mas o valor investido com recursos do Tesouro continuou pouco significativo.
Durante a crise, a condução da política fiscal foi apenas parcialmente calculada para estimular de forma saudável a atividade econômica. O aumento da despesa foi na maior parte determinado pelos objetivos eleitorais do governo. Isso resultou na elevação de gastos permanentes, como a folha de salários, sem benefício para a capacidade produtiva do País.
Também, na semana passada, o governo enviou ao Congresso um novo projeto de modificação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2009. O objetivo é abrir um espaço de mais R$ 12,95 bilhões para a redução do superávit primário, isto é, da economia destinada ao pagamento da dívida pública. O Executivo já havia mandado outra mensagem de alteração da LDO de 2009, com o objetivo de redução da meta fiscal, mas essa proposta não foi votada. Com o novo projeto, o governo poderá abater do cálculo do superávit primário o equivalente a 0,94% - e não mais 0,51% - do PIB, com o objetivo oficial de bancar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O novo abatimento é estimado em R$ 28,5 bilhões, com gasto adicional de R$ 12,95 bilhões.
Mas o governo federal não precisaria desse artifício para elevar o gasto com obras. Até o dia 10 de setembro o Tesouro só pagou 9,6% do valor previsto para o investimento. Na prática, ao retirar da conta o dinheiro investido, o governo abre espaço para inflar o custeio. Além disso, parte dos novos investimentos deverá corresponder a projetos de interesse eleitoral de parlamentares da base - dinheiro pulverizado e sem vínculo com uma política nacional de desenvolvimento.
Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, será cumprida neste ano a meta de superávit primário igual a 2,5% do PIB. Não há alteração da meta, garantiu. Depois, enumerou os abatimentos programados para facilitar a execução da política oficial. Logo, descontadas as mudanças, nada muda.
A VOLTA DE ZELAYA
EDITORIAL
O ESTDO DE S. PAULO
23/9/2009
A aparição do deposto presidente hondurenho Manuel Zelaya na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa foi - sem jogo de palavras - um golpe para o regime que se instalou no país em 28 de junho. Na madrugada daquele domingo em que pretendia realizar uma consulta popular considerada ilegal pelo Congresso e pela Justiça, Zelaya foi preso e despachado, ainda de pijama, para a Costa Rica. No dia seguinte, o então presidente do Legislativo, Roberto Micheletti, assumiu o governo. O plebiscito se destinava a abrir caminho a uma mudança constitucional que permitiria a Zelaya disputar um segundo mandato. Refletindo a preocupação dos seus autores com o passado de quarteladas, violência política e perpetuação no poder dos dirigentes de turno, a Constituição hondurenha considera cláusula pétrea o mandato presidencial único.
Era, portanto, uma ameaça à democracia instalada no país a manobra chavista de Zelaya, um abastado político de origens conservadoras que, depois de eleito em 2006, se deixou levar pela lábia bolivariana e o petróleo subsidiado do caudilho de Caracas. No entanto, a comunidade interamericana não poderia, a esta altura da história do Hemisfério, resignar-se à violação consumada da Carta Democrática adotada em 2001 pela OEA. A entidade foi coerente com os seus princípios ao condenar de imediato, sem meios tons, o ato de força em Tegucigalpa, repudiado igualmente pela União Europeia e a Assembleia-Geral da ONU. O chamado governo de facto de Roberto Micheletti ficou completamente isolado e assim permanece. Os EUA e organismos internacionais congelaram cerca de US$ 300 milhões em ajuda ao país.
Apesar disso, provavelmente contando com a passagem do tempo até a próxima eleição presidencial de 29 de novembro e o arrefecimento da condenação externa, o regime rejeitou a saída honrosa que lhe foi oferecida pouco mais de uma semana depois do golpe pela própria OEA e o governo americano - a proposta de acordo intermediado pelo presidente Oscar Arias, da Costa Rica, por isso conhecido como Pacto de San José, numa alusão à capital do país. Em suas linhas gerais, previa o restabelecimento do mandato de Zelaya, com a formação de um governo o mais próximo possível do que seria a unidade nacional, anistia aos envolvidos na ruptura da legalidade, abandono do plano da consulta popular e eleições na data prevista sob supervisão internacional. A inflexibilidade das autoridades hondurenhas se revelaria obtusa. Semanas atrás, Washington endureceu, anunciando que, "no momento", não aceitaria os resultados de uma eleição promovida pelo governo Micheletti.
O governo de Tegucigalpa cometeu outro erro ao não cuidar prioritariamente de impedir o regresso de Zelaya. Duas vezes, em julho, ele encenara a volta de forma ostensiva: primeiro, por avião, depois, por terra, vindo da Nicarágua. O bloqueio do aeroporto da capital e a presença militar na fronteira interromperam o espetáculo. Anteontem, numa reviravolta desmoralizante para os seus inimigos, Zelaya entrou às escondidas no país, depois de "uma caminhada difícil, por montanhas" e foi acolhido na Embaixada do Brasil. Da parte dele, uma escolha sem dúvida bem pensada. Da parte do Brasil, um ato coerente com a política do Itamaraty - ainda que possa ser classificado como uma interferência nos negócios internos de Honduras. O País, afinal de contas, tem estado à frente dos esforços da OEA para a recondução de Zelaya, tendo retirado o seu embaixador em Tegucigalpa em protesto contra o golpe.
Agora, o jogo está feito e a equação política do país muda irremediavelmente. Ou o governo de facto aceita o Pacto de San José e se retira de cena, ou tenta se manter e praticamente estimula a eclosão de distúrbios de rua que terão tudo para terminar em derramamento de sangue. Ontem, as forças de segurança já dispersaram com bombas de efeito moral e balas de borracha os partidários de Zelaya que, instigados por ele em entrevistas à TV, haviam passado a noite em frente à embaixada brasileira. Ainda que o pior não aconteça, não se imagina como Micheletti poderá resistir à inevitável intensificação das pressões externas para devolver o mando ao presidente que, sob a proteção do Brasil, o espreita, por assim dizer, do outro lado da rua.
UM NOVO MODELO DE CRESCIMENTO?
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
23/9/2009
O governo está mudando o modelo de crescimento econômico - até agora baseado no estímulo ao consumo - e doravante, ao que parece, para dar prioridade aos investimentos, sem lembrar que mudança abrupta pode criar novos problemas.
O modelo de estímulo ao consumo baseou-se na expansão do crédito (crédito bancário, ampliação dos prazos de financiamento, diversificação dos usos de cartões de crédito) - mas esses incentivos não foram acompanhados por redução da taxa de juros, que mesmo com a queda da Selic é uma das mais altas do mundo.
Os investimentos na produção industrial não acompanharam o crescimento da demanda, pois havia grandes estoques e, diante da queda das exportações, não houve estímulo para investir, numa fase em que o mercado financeiro internacional se fechava e o custo do dinheiro se elevava.
O modelo que agora daria prioridade aos investimentos e que o presidente do BNDES defende, notadamente para o setor siderúrgico, enfrenta sérias dificuldades para ser financiado, ao passo que a demanda doméstica continuará crescendo.
Os investimentos na infraestrutura continuam muito urgentes, mas, em nome de uma filosofia de que devem ser realizados pelo governo - que já mostrou sua incapacidade de administrá-los, apesar de dispor de recursos financeiros -, a eles serão acrescidos, a partir de agora, os do programa do pré-sal, que exigirá recursos numa dimensão que nem o governo conseguiu ainda imaginar.
Todos esses projetos, que se traduzirão por um aumento da renda disponível, só poderão ser financiados por poupança externa, que naturalmente aumentará a dívida externa brasileira, que nos últimos anos acusava uma nítida tendência de redução.
No entanto, a demanda doméstica continuará crescendo, dada a cultura do endividamento profundamente enraizada no País. Isso exigirá que a indústria invista mesmo sem saber se a poupança interna poderá sustentar a demanda, enquanto o acesso ao mercado financeiro internacional será para as empresas de grande porte, que nisso encontrarão a concorrência do setor público. Nesse contexto, é plausível que os investidores estrangeiros possam levar uma grande vantagem.
Temos de acrescentar que, se o Banco Central optar por um aumento da taxa Selic para conter a demanda, será mais difícil ainda financiar investimentos que já atualmente não dão retorno, em razão do custo do dinheiro.
EQUAÇÃO DIFÍCIL
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
23/9/2009
Proposta dos Estados Unidos para reequilibrar a economia global deveria passar pela desejável reforma do FMI
A CÚPULA do G20, que reunirá mais uma vez as principais economias mundiais a partir de amanhã em Pittsburgh, nos EUA, não mais desperta as grandes expectativas alimentadas no encontro de Washington, em novembro passado. Aquele encontro chegou a ser encarado como o possível ponto de partida para um acordo geral de regulação das transações financeiras e comerciais entre os países -um sucessor do modelo desenhado em 1944, na conferência de Bretton Woods, que ruiu na década de 70.
Ainda que suas pretensões não cheguem a tanto, a proposta a ser apresentada pelo governo americano para corrigir os desequilíbrios que estiveram na origem da crise econômica global é ambiciosa. No que tange ao interesse particular do Brasil, cria-se uma oportunidade para ver atendido o legítimo pleito de ampliação do peso dos países emergentes no Fundo Monetário Internacional. A multiplicidade de interesses envolvidos, entretanto, recomenda acompanhar as negociações com paciência e ceticismo.
Em resumo, os Estados Unidos se dispõem a controlar os gastos de seu governo, parte de um esforço para reduzir o consumo total de sua economia, que nos últimos anos acumulou dívidas e megadéficits comerciais, enquanto o resto do mundo acumulava reservas sem precedentes em dólar. Em contrapartida, os grandes poupadores e exportadores, caso de China, Japão e Alemanha, tratariam de estimular seus mercados internos e, em consequência, suas importações.
O mais evidente obstáculo ao entendimento é o governo chinês, que obtém taxas incomparáveis de crescimento econômico com a política de manter desvalorizada a cotação de sua moeda, o yuan, para baratear seus produtos e impulsionar as vendas ao exterior. O atrativo a ser oferecido aos gigantes Brasil, Rússia, Índia e China, associados na sigla Bric, é o aumento da participação dos países não desenvolvidos no FMI, dos atuais 43% para algo próximo dos 50%.
Mesmo que haja um entendimento entre americanos e Brics, resta a oposição dos países europeus, candidatos naturais à perda de influência no organismo multilateral. A desejável reforma do FMI ainda pode perder força com o arrefecimento da crise.
A medida é mais que razoável diante da rápida expansão da parcela emergente no Produto Interno Bruto mundial, que passou de pouco mais de um terço, até a década passada, para a quase metade de hoje, se considerada a paridade do poder de compra entre as moedas. E se torna mais estratégica uma vez que, pelo modelo imaginado pelos EUA, caberia ao Fundo o monitoramento das metas fixadas para o ordenamento dos fluxos de dinheiro entre os países.
LEI DESIDRATADA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
23/9/2009
A "LEI SECA" , como ficou conhecida a de número 11.705/2008, que incluiu no Código de Trânsito Brasileiro um limite quantitativo rigoroso para o nível de álcool no sangue de motoristas, constitui um bom exemplo de que o endurecimento da legislação nem sempre produz os resultados pretendidos. Paradoxalmente, a fixação do teto de 6 decigramas de álcool por litro de sangue -algo como dois copos de cerveja- parece estar contribuindo para a impunidade dos condutores flagrados em embriaguez ao volante.
O objetivo era induzir o nível de álcool no sangue a zero. Pelo menos de início, a nova regra conseguiu reprimir esse comportamento de risco, que segundo estatísticas está envolvido em cerca de 40% a 60% dos acidentes de trânsito com mortes. A fiscalização aumentou, e motoristas temerosos das penalidades draconianas -prisão em flagrante e seis meses a três anos de detenção- passaram a pensar duas vezes antes de beber e dirigir.
Ocorre que, ao fixar o limite numérico, a lei tornou o crime, tipificado no artigo 306 do código, dependente da comprovação da embriaguez por meio de teste químico de presença de álcool no sangue. Como ninguém está obrigado a produzir provas contra si próprio, é direito do autuado recusar-se a realizar o teste do bafômetro. Levantamento recente indicou que, nos casos que chegam aos tribunais, 80% dos refratários ao teste terminam absolvidos por falta de provas.
Colhe-se, como era previsível, o efeito oposto do pretendido. À medida que o esforço de fiscalização se esvai, o temor da punição arrefece. Em paralelo, difunde-se que basta escapar do teste para arcar só com as punições administrativas (multa e suspensão da carteira por um ano). Mais uma lei deixa de "pegar".
Constatado o paradoxo, debate-se agora na Câmara um novo endurecimento da lei. Pela proposta, a recusa ao teste do bafômetro passaria a ser indício suficiente para a prisão. Cogita-se corrigir o erro anterior com outro: punir o cidadão por exercer o direito, consagrado na jurisprudência, de não se incriminar.
A GUERRA ELEITORAL NO PALANQUE DO GOVERNO LULA
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
23/9/2009
É guerra. Essa é a única tradução do conflito entre o PMDB e o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), que tem ocupado à farta páginas dos jornais para atacar aquele partido e deve prosseguir nessa cruzada até a definição oficial da chapa governista à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ciro tem repetido seu discurso com críticas severas à "hegemonia moral e intelectual" da aliança do Palácio do Planalto com o PMDB e insistido na tese de que essa fórmula de "governabilidade" é insustentável. Se eleitos, diz ele, nem a ministra Dilma Rousseff (PT), nem o tucano José Serra, nem ele próprio, Ciro, teriam condições de sustentar politicamente o presidente do Senado, José Sarney (MA), por exemplo, com todo o desgaste que isso representa, nem qualquer demanda apresentada por um PMDB corroído eticamente pela ação de seus líderes. Isso seria mortalmente desgastante para qualquer outro governante que não Lula, que tem uma popularidade incomum.
Foi um pouco retardada a reação do presidente licenciado do PMDB e também presidente da Câmara, Michel Temer (SP), mas igualmente veemente. "O fruto dessa crítica (de Ciro ao PMDB) é que não haverá aliança onde ele estiver", disse Temer, no domingo, no jornal "O Estado de S. Paulo". "O PMDB não fará aliança, nem apoiará a chapa majoritária integrada por alguém que o critique contundentemente", reiterou o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), da tropa de choque pemedebista. A declaração veio associada a outro movimento do PMDB, de tentar uma definição rápida - e oficial - do PT e da candidata de Lula à sua sucessão, Dilma Rousseff, em relação a uma aliança com o PMDB na disputa presidencial, em que o partido de Temer reivindica a vice-presidência.
Foi uma mudança de rumo visível: até Ciro iniciar a sua ofensiva, a cúpula do PMDB se esmerou em tentativas de convencer o PT a desocupar o palanque de Dilma em alguns Estados onde líderes do grupo têm interesse em disputar o governo. É o caso da Bahia, onde o ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) quer que o governador petista, Jaques Wagner, desista de disputar a reeleição e apoie a sua candidatura, como uma das condições para que o PMDB nacional apoie a ministra. São os casos também do Pará (onde o PMDB deseja mandar para casa a governadora petista Ana Carepa e que o candidato da aliança ao governo seja o pemedebista Jader Barbalho) e do Rio e Minas (onde a exigência é que o PT não tenha candidato próprio). O jogo inicial de chantagem do PMDB não subentendia o apoio coeso à candidata, pois a cúpula pemedebista não tem poder sobre os diretórios regionais de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, que tendem a apoiar a candidatura do tucano José Serra.
O confronto com Ciro obrigou a cúpula do PMDB a rápidas mudanças de estratégia. Trata-se, agora, de antecipar a definição da vice-presidência e evitar que o deputado do PSB assuma a vaga. Se, antes, o argumento usado era o de que Lula teria de obrigar o PT a ceder posições nos Estados que interessassem ao partido de Temer porque apenas isso poderia garantir a boa vontade dos diretórios estaduais em relação à sua candidata, agora o discurso é que só uma decisão antecipada do PT, de ceder a vice para o PMDB, seria capaz de evitar a divisão do partido entre candidaturas diferentes, como ocorreu em todas as eleições recentes.
O jogo é pesado. Ciro e o PMDB colocam na mesa da disputa presidencial um dado que não existia antes: o pressuposto de que a presença de um deles na aliança que dará sustentação a Dilma exclui liminarmente o outro. O PMDB tem uma estrutura nacional que falta ao PSB - e que poderia pender a balança para o lado do partido de Temer. Ciro, todavia, tem demonstrado inegável popularidade nas pesquisas. Ele foi candidato a presidente pela última vez em 2002, na disputa em que Lula venceu com a sua adesão, no segundo turno, contra o hoje governador José Serra. Seu "recall" é invejável: na pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem, Ciro é o candidato com mais intenções de voto quando o candidato do PSDB é Aécio Neves. Quando o postulante tucano é Serra, está em empate ou alguns pontos à frente de Dilma. O processo eleitoral não começou e Lula ainda não exerceu o seu poder de transferência, mas as pesquisas revelam que, até o momento, o cacife eleitoral de Ciro é muito maior que o do PMDB.
RECONHECIMENTO IMPORTANTE
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
23/9/2009
O vigor da economia brasileira rende mais um importante reconhecimento mundial. É a conquista do selo grau de investimento, conferido pela Moody’s, que elevou a nota do país para "Baa3".
Só faltava essa agência de classificação de risco, uma das mais conceituadas, prestar tal reverência ao Brasil. A Standard Poor’s foi a primeira a declarar grau de investimento à nossa economia, e o fez no dia 30 de abril do ano passado. Menos de um mês depois, em 29 de maio, a Fitch atribuiu essa nota ao país.
Ou seja, antes e depois da crise, aplausos aos fundamentos econômicos do Brasil, plantados desde o início do Plano Real e desenvolvidos na era Lula. Conforme declarou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, país entrou na turbulência com fundamentos sólidos. Essa visão coincide com a avaliação da Moody’s, que ressalta "a capacidade de absorção de choques e de resposta das autoridades", conforme demonstrado durante uma das maiores crises mundiais.
Além de resistência, o Brasil apresenta hoje "robusta flexibilidade econômica e financeira", diz o texto emitido pela Moody’s. Ressalta que a recessão sofrida pelo país foi relativamente curta e que as reservas brasileiras foram pouco afetadas pelo cenário adverso, o mesmo ocorrendo com indicadores importantes, como dívida do governo. Apesar disso, a agência faz ressalvas ao comportamento fiscal do governo.
De fato a economia brasileira foi uma das primeiras a sair da retração, apresentando crescimento de 1,9% no segundo trimestre, em relação ao primeiro. E a expansão das atividades produtivas deve continuar nos dois últimos trimestres de 2009, criando a perspectiva de que o ano será encerrado com o PIB em ritmo de crescimento anual superior a 4%.
A agência de risco também destaca "a ausência de estresse financeiro no sistema bancário". A propósito, vale lembrar que esse alicerce – a liquidez, sem sobressaltos, do sistema financeiro – é que tem permitido a adoção de medidas anticíclicas na área de financiamentos. O volume de crédito na economia brasileira equivale hoje a 43% do PIB (Produto Interno Bruto), recorde no país, e as perspectivas são de crescimento. Na atual conjuntura, esse aspecto ganhou grande relevância das agências de risco.
Então, pelo conjunto da obra, a Moody’s aponta "melhora significativa do perfil de crédito soberano do Brasil", a quem declara um "vencedor" em comparação com outros países globalmente integrados.
A questão do crédito soberano está na essência dos selos conferidos pelas agências de risco. Tais distintivos refletem o risco que um governo tem de não honrar o pagamento de seus títulos. Para o Brasil, essa possibilidade passou a ser considerada cada vez mais remota desde o ano passado. Afinal o país se tornou credor internacional, apresentando reservas de sobra para cumprir os seus compromissos com a comunidade financeira. Em junho último, o Brasil emprestou 10 bilhões de dólares ao Fundo Monetário Internacional – fato inédito na nossa história econômica.
O grau de investimento de um país é visto como atestado de solidez institucional e econômica. Trata-se de indicativo levado em conta pelas empresas estrangeiras nas decisões sobre implantação de projetos. Portanto esse selo e mais a retomada do crescimento do PIB constituem fatores que encorajam a aposta no Brasil – apesar de antigos problemas como juros muito elevados e carga tributária extremamente pesada. Não há dúvida: melhorando esses aspectos, crescerá a competitividade da nossa economia.
O SONHO DA NOVA ORDEM
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
23/9/2009
Regulação do mercado financeiro é tema de reunião do G20
Quando estourou a crise mundial há um ano, foi um salve-se quem puder mundo afora. Numa primeira hora, a ideia era a de que governos deveriam ficar longe dos mercados. Mas foi justamente a sua participação nos respectivos mercados financeiros que levou muitos países a enfrentar vigorosamente o problema, com alguns deles – incluindo o Brasil – tirando suas economias da recessão, restabelecendo o crescimento. E foi essa ação dos governos que evitou a derrocada completa dos ativos financeiros. Porém, essas intervenções serviram para alertar o planeta de que é necessário uma maior regulação dos mercados. Por isso, ainda não se pode dizer que tudo está bem. O momento de estabilização nos Estados Unidos, ou possível retomada econômica, se assemelha a momentos de ensaios de recuperação ocorridos durante os anos 1930, na Grande Depressão. A advertência é para o risco de a economia dos EUA se arrastar também em ritmo letárgico.
Em 14 de setembro de 2008, um domingo, o Banco Lehman Brothers já estava preenchendo os papéis para dar entrada no capítulo 11, o de falências na legislação dos EUA. No dia seguinte, os mercados abririam sob a sombra e os efeitos devastadores do colapso da instituição com mais de um século de atuação em Wall Street. Desde então, o mundo não foi mais o mesmo, tanto para os EUA como para as outras seis potências mundiais – Japão, Alemanha, Itália, Inglaterra, França e Canadá –, a Rússia e, principalmente, para aos demais 12 países que integram o Grupo dos 20 (G20), incluindo o Brasil.
Daí a importância da reunião de cúpula, amanhã e depois, do G20 em Pittsburgh, estado da Pensilvânia. Os líderes que vão se encontrar na antiga capital mundial do aço tentarão aprovar uma nova ordem para o mercado financeiro mundial. Mas o problema é saber como essa regulação será feita e em que profundidade, pois alguns deles tendem a acreditar que o mercado sempre se autorregula. Governos podem, sim, estimular a economia, mas não têm como seguir nessa toada de modo indefinido. Os mercados são globalizados, mas a regulação ainda é responsabilidade soberana de cada governo. Por isso mesmo que os países emergentes – Brasil à frente – vão pressionar os ricos. Mas a questão é se a Europa, os EUA e outros desenvolvidos vão aderir a essa regulação.
A administração Barack Obama parece estar comprometida em resgatar as maiores instituições financeiras, para evitar que mais organizações de grande porte possam falir. Só por querer mudar o sistema de saúde, estendendo a cobertura aos mais de 100 milhões de norte-americanos que não têm plano privado, ele vem sendo equiparado a socialista, por querer limitar a liberdade dos mercados financeiros e regular o melindroso setor. No encontro em Pittsburgh, certamente vai ouvir de colegas como Nicolas Sarkozy (França), Angela Merkel (Alemanha), Gordon Brown (Inglaterra) e Lula que deve fazer o que está pretendendo. Se internamente Obama encontra resistência para mudar o modelo para a saúde, será muito difícil os emergentes conseguirem ver realizado o sonho de uma nova ordem mundial para o mercado financeiro, alicerce para o desenvolvimento sustentado.
A OFENSIVA DA CGU CONTRA O NEPOTISMO
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
23/9/2009
O provimento de cargos comissionados do serviço público por meio da contratação de parentes (nepotismo) é praga que viceja no Brasil desde a colônia. A forma original de dizimá-la há muito distanciou-se no tempo com a resistência ao ingresso do Estado na era do administrador profissional. Vale dizer, mediante identificação permanente das funções do aparelho governamental e convocação de quadros hábeis a executá-las. Um processo que, convém explicar, compreende preencher os cargos pelo critério único da seleção meritocrática (concurso público) e aperfeiçoamento constante das habilidades de cada servidor.
À falta de semelhante reforma, vez em quando surgem tentativas de pôr fim à anomalia, algumas apenas para amortecer a indignação da sociedade. Nada para operar efeito no mundo real. Mas, em agosto do ano passado, ante avassalador uso da máquina estatal como cabide de emprego para familiares, o Supremo Tribunal Federal (STF) entrou em cena para reprimir o abuso. A súmula vinculante que, então, editou, proibiu o nepotismo no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O texto vedou a nomeação de cônjuge, companheiro(a), parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau para cargo em comissão ou de confiança na administração pública direta e indireta. Alcançou, também, o nepotismo cruzado (quando autoridades contratam parentes de outras autoridades para driblar a relação direta de parentesco). Mas não chegou a excepcionar alguns casos, como o de servidor há muito em atividade que se casa com companheira de trabalho lotada na mesma repartição.
Agora, a Controladoria-Geral da União (CGU) sistematizou ação com regras dotadas de eficácia plena para encerrar as práticas nepóticas na esfera do Executivo federal. Muniu-se o órgão de decreto para obter informações dos ministérios a fim de relacionar os contratados com base em parentesco. O órgão tem em mãos, por enquanto, 73% dos dados requeridos. Quando forem completados, deverão abranger os 21.699 funcionários comissionados. Mas, já partir do percentual conseguido, a CGU promoverá a identificação dos casos que devem ensejar a expedição dos atos de demissão. A iniciativa será seguida de decreto presidencial em que, também, haverá definição das formas de nepotismo e das lacunas deixadas pela súmula do STF.
O primeiro passo do trabalho consistirá em verificar a existência de subordinação direta entre parentes. Trata-se de hipótese proibida pelo Regime Jurídico Único dos Servidores Civis da União (Lei nº 8.112/1990). A vinculação será banida e punida a irregularidade. Entenda-se que o saneamento da administração pela extinção de privilégio incompatível com a moralidade pública não atende apenas a exigências de natureza ética. Impõe-se, sobretudo, para afastar grave ofensa aos princípios do mérito, da transparência e da legalidade consagrados na Constituição.
ORGANIZAÇÃO É TUDO
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
23/9/2009
Cuiabá recebe a partir de hoje a Copa América de Basquete Feminino, o terceiro grande evento esportivo internacional realizado na Capital desde a inauguração do ginásio Esportivo Aecim Tocantins.
Além deste torneio, o ginásio já abrigou partidas da Liga Mundial de Vôlei Masculino e a Copa América de Vôlei, também masculino. Outras grandes competições aconteceram no espaço esportivo, mas estas três podem ser consideradas as de maior relevância.
A partir de hoje à noite, a seleção brasileira entra em quadra para disputar o título com mais sete seleções. Os jogos prosseguem durante a semana, com a grande final no domingo – o Sportv transmite a competição.
Importante reforçar que os envolvidos na organização deste evento têm a obrigação de fazer uma competição de alto nível em todos os aspectos – do cumprimento dos horários à segurança dentro e no entorno do ginásio, passando por condição de trabalho para jornalistas e comodidade para o público.
A opinião pública internacional ainda tem poucas referências sobre Cuiabá, uma das 12 cidades brasileiras que estarão no centro das atenções internacionais em meados de 2014, por causa da Copa do Mundo. Por isso é importante que um evento da magnitude da Copa América, no qual estarão presentes jornalistas de vários países, seja sucesso do ponto de vista da organização, a fim de que Cuiabá dê mostras de que pode acolher um grande evento mundial. É óbvio que não dá para comparar eventos de magnitudes tão díspares quanto uma Copa América de Basquete e uma Copa do Mundo. Mas o fracasso em um pode dizer muito do que será a organização do outro.
Situações como a do último final de semana, quando por alguns minutos faltou energia elétrica na quadra em consequência da chuva, não podem se repetir – qualquer que seja o motivo. Pelo que se anunciou, o problema já foi resolvido com a chegada de providenciais geradores.
É importante que Cuiabá e Mato Grosso tenham em mente que organização é tudo num evento esportivo. Povo acolhedor, belezas naturais, culinária convidativa compõem um cenário de atração, mas não significarão nada se os aspectos técnicos de um grande evento não forem respeitados.
O Diário torce pelo sucesso desta Copa América, pois acredita que este torneio será um dos inúmeros pequenos ensaios do grande espetáculo que está por vir.
“É importante que tenham em mente que organização é tudo num evento esportivo”
A MUDANÇA DO XERIFE
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
23/9/2009
O Brasil viveu duas fases na sua relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A primeira foi nos anos oitenta e noventa, quando o país vivia pedindo empréstimos para socorrer desequilíbrios no balanço de pagamentos. A segunda ocorreu quando o governo federal resolveu pagar antecipadamente a dívida com o Fundo e culminando com o anúncio, no ano passado, que iria emprestar 10 bilhões de dólares ao órgão.
As polêmicas sobre as políticas do FMI sempre estiveram ligadas às exigências que o órgão fazia aos países tomadores de empréstimos, consideradas conservadoras e causadoras de recessão e desemprego. O Fundo foi criado na reforma do sistema monetário internacional com o objetivo de fazer empréstimos aos países que apresentassem déficit nas contas com o resto do mundo. Assim, um país sem receitas de exportações para pagar importações vitais à sua economia poderia recorrer ao FMI e obter empréstimos, como meio de evitar o colapso. Para dar dinheiro a um país, o órgão fazia exigências duríssimas de combate à inflação, redução do déficit público e austeridade nos gastos do governo, inclusive os de natureza social.
O Fundo foi bastante acusado de responsável pela piora da situação social de muitos países, por não fazer distinção entre gasto público destinado a minorar a pobreza e gasto com esbanjamento da máquina pública. Quando o presidente Lula anunciou que pagaria antecipadamente a dívida do país com o FMI, ele fez questão de dizer que o Brasil iria recuperar sua soberania e não teria que obedecer às diretrizes do órgão. Ao emprestar, para o Fundo, 10 bilhões de dólares das reservas brasileiras, acumuladas pelo bom desempenho do comércio exterior do país, Lula disse que agora era o Brasil que iria dizer o que o Fundo deveria fazer. Embora haja muito de bravata nas declarações do governo, elas refletem a imagem desse órgão em várias partes do mundo.
Nos últimos dez anos, os recursos e a importância do FMI foram reduzidos, até que estourou a crise financeira mundial. O total de recursos do Fundo, que antes da crise não passavam de 200 bilhões de dólares, era muito pouco dinheiro para um órgão que pretende ter relevância na economia mundial. Depois da crise, os países associados decidiram colocar mais dinheiro no órgão, elevando para algo próximo de 500 bilhões de dólares o total à disposição para as operações do Fundo. Mas, a grande novidade está na mudança de comportamento do FMI, que reformulou suas exigências (chamadas de “condicionalidades”) e já não atua como um xerife austero ditando uma receita única a todos que lhe pedem empréstimos, sem considerar as pecualiaridades do país, sobretudo os gastos públicos vinculados à educação e à redução da pobreza. O xerife voltou, mas retornou mudado, tentando recuperar seu papel no mundo das finanças globais.
DUPLO DESAFIO
EDITORIAL
23/9/2009
O Seminário Internacional Os desafios da Agricultura Tropical, realizado no último dia 15, em São Paulo, reforçou um desafio: o da agricultura mais eficaz e também capaz de servir como “um sorvedouro de dió¬¬xido de carbono (CO2)”, o principal gás do aque¬¬cimento global. Em palestra, o professor Car¬¬los Cerri, do Centro de Energia Nuclear na Agri¬¬cultura (Cena) do câmpus da Esalq/USP de Piracicaba, abordou a produção de biocombustíveis, cujo uso diminui a emissão desse gás pelos veículos automotores, e depois o plantio direto, outra forma de controle do gás. Nessa técnica, a terra não é revolvida e a palha e os restos da safra anterior permanecem no solo, cobrindo a terra e evitando a emissão de CO2 do solo descoberto. Também são importantes a não utilização de queimadas, como é comum na cultura da cana, e o uso cada vez maior de modelagens matemáticas para interligar as informações geográficas e de manejo do solo e da cultura, algo viável, por exemplo, nas aplicações de fertilizantes. Em um estado em que a agricultura tem grande peso, como o Paraná, não se pode esquecer que cada quilo de nitrogênio na forma de fertilizante emite em sua síntese 4,5 quilos de CO2 para a atmosfera. Toda a técnica capaz de minizar o problema é bem-vinda.
A CONFUSÃO HONDURENHA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
23/9/2009
O envolvimento do governo brasileiro no episódio hondurenho configura, até o presente momento, a aplicação prática de uma tradição diplomática que nosso país mantém. A concessão de abrigo ao presidente Manuel Zelaya, deposto há três meses, não pode, por isso, ser criticada. A hospitalidade concedida ao mandatário de Honduras coloca nosso país como um dos protagonistas da crise, ao mesmo tempo que reforça a política internacional de não intervenção e de proteção da democracia que historicamente cultuamos. O golpe, rejeitado pela maioria dos países, da Venezuela de Chávez aos Estados Unidos de Obama, por boa parte das organizações internacionais, ganhou um cenário mais tenso com a chegada de Zelaya a Tegucigalpa e sua busca de proteção na embaixada do Brasil. Ainda assim, trata-se de uma situação incomum, já que o presidente deposto não quer pedir asilo formal ao Brasil, ao mesmo tempo em que o governo interino, que assumiu há 90 dias, quer que a situação se defina, ou com a concessão de asilo, ou com a entrega de Zelaya.
As tropelias que ocorreram ontem de manhã em frente à embaixada brasileira, quando os manifestantes foram dispersados à força, dá uma ideia da gravidade e delicadeza dessas questões. O próprio presidente Lula, em conversa com o presidente asilado, recomendou-lhe que não fornecesse qualquer pretexto para a invasão da sede diplomática e recomendou “negociação democrática” para romper o impasse que há três meses significou um quebra do sistema representativo de Honduras.
O que está em jogo no episódio do país centro-americano, agora com a participação importante e até essencial do Brasil, é muito mais do que a tentativa de devolver o poder ao presidente que a sociedade hondurenha elegeu. Há uma complexa soma de realidades políticas e econômicas que se embaralham neste momento hemisférico. Se do caso hondurenho resultar um fracasso institucional, o que ainda não está descartado, ele terá sido a demonstração da dificuldade que a América Latina tem de manter-se no caminho da normalidade democrática e do respeito à vontade das urnas. Os próprios governantes acabam colaborando para isso sempre que colocam seus interesses pessoais ou partidários acima da valorização das instituições. O Brasil, que desde a redemocratização na década de 80 mantém uma postura de rejeição formal aos golpes e às rupturas institucionais que afetam a rotina eleitoral e a normalidade, precisa usar essa autoridade para ajudar a construir uma solução capaz de fazer com que, no atual episódio, a democracia avance em Honduras e no continente.
GUERRA CONTRA O NEPOTISMO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
23/9/2009
Encerrado o prazo estipulado em decreto para os diferentes órgãos do governo federal prestarem informações sobre a existência de eventuais parentescos entre os mais de 21 mil servidores lotados em cargos de confiança, a Controladoria- Geral da União (CGU) promete agir com rigor para pôr fim aos abusos. A decisão, tardia, precisa contar com o apoio da sociedade, pois a prática, além de colocar o poder público a serviço de uns poucos privilegiados, constitui-se numa porta aberta para todo tipo de irregularidade na máquina administrativa, incluindo a corrupção. O combate a essa deformação não se constitui num objetivo fácil de ser alcançado, o que demonstra a necessidade de ações como a empreendida agora serem cercadas acima de tudo de persistência e determinação.
De todas as etapas do processo, a mais complicada é justamente a prevista para ser deflagrada a partir de agora. Nesta primeira fase, será preciso justamente identificar funcionários em discordância com a Lei nº 8.112/1990, que versa sobre o serviço público e proíbe a subordinação direta entre parentes. Num segundo momento, o desafio será elaborar um decreto capaz de suprir as lacunas da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada em agosto do ano passado, que proibiu o nepotismo no âmbito dos três poderes mas deixou vagos alguns aspectos relevantes.
A resistência ao problema, em toda a administração pública, demonstra a dificuldade de o país assegurar avanços contra esse mal e a necessidade de as ações serem empreendidas com rigor. Uma prova disso são as constantes denúncias de nepotismo cruzado, pelo qual um magistrado emprega o parente de outro, por exemplo, e mesmo de casos nos quais a troca de favores com vagas no setor público envolve integrantes de diferentes poderes.
Por mais que as corporações insistam na defesa de causas discutíveis, não há outra saída. O nepotismo e suas consequências constituem-se numa deformação inaceitável, que só se desfaz com o desligamento dos servidores eventualmente envolvidos com alguma relação de parentesco vetada por lei.
MATADORES A SANGUE-FRIO
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
23/9/2009
Teve grande repercussão o caderno especial Cabeça de Matador, que o Jornal do Commercio publicou há poucos dias com textos de Eduardo Machado, que coordena o blog PEbodycount. Traz relatos de assassinos de aluguel, os pistoleiros que matam por dinheiro ou consideração ao mandante. Com frieza, cinismo, nem remorso. E também de outros tipos de assassinos. Nossa reportagem entrevistou também psicólogos e outros estudiosos, autoridades. Fica bem claro que há no Brasil uma cultura da violência, forjada nas injustiças e desigualdades da colonização e na nossa herança inquisitorial.
O nosso repórter investigou o tema no Recife e interior, foi a penitenciárias, esteve com homens com um rastro de sangue que concordaram em contar porque se tornaram matadores. Suas histórias, as análises de especialistas e o quadro de violência ajudam a revelar uma sociedade em que matar faz parte do jogo de poder. Romper cadeias e condicionamentos culturais não é fácil. A magistrada Inês Albuquerque, responsável pelo julgamento de 144 pistoleiros em Jaboatão dos Guararapes (vive sob proteção 24 horas), não percebe mudança, apesar de uma queda de 10% nos homicídios. Ela está julgando componentes de sete grupos de extermínio.
Para ela, os matadores se fortalecem onde há ausência do poder público, passam a ganhar espaço. O psicanalista José Carlos Escobar, que teve o irmão Antônio Carlos Escobar, também psicanalista, assassinado por um adolescente, diz que o ato de matar ou mandar matar faz parte da cultura da sociedade pernambucana: “Quando se fala em matador, é preciso pensar que vivemos numa cultura em que matar está presente. Não só os perversos matam. Há os que matam para sobressair, para atingir um certo status. Essas pessoas vivem bem em nossa sociedade. Se nós não apertamos o gatilho com elas, pelo menos damos uma forcinha nos omitindo”. Quando um menino de 16 anos matou o irmão dele, várias pessoas se prontificaram a “resolver” o caso, leia-se: eliminar o criminoso.
Como no tempo do cangaço, fazendeiros e outras pessoas que têm costas quentes, como se diz popularmente, costumam ter um bando de pistoleiros em sua órbita, que eles protegem, acoitam e eventualmente remuneram. Os matadores a serviço do latifundiário não são assassinos 24 horas por dia. Trabalham como vaqueiros, tratadores, agricultores. “Não pago nada, fazem por consideração”, disse um fazendeiro que mostrou ao repórter a orelha de um desafeto morto, que guarda como troféu. Um dos aspectos mais perversos desse tipo de homicídio é a total ausência de emoção, compaixão, arrependimento, remorso do pistoleiro.
Como observamos acima, tudo isso tem raiz na nossa história e na cultura que ela repassou ao longo de séculos. O escravo, juridicamente, era uma coisa, não tinha nenhum direito. O amo podia castigá-lo barbaramente, mutilá-lo, matá-lo, manter relações sexuais com as escravas, sem nenhuma consequência legal e penal. Finda oficialmente a escravidão, o costume prosseguiu, com as mesmas características de crueldade, irresponsabilidade e covardia. O escravo era amarrado ao pelourinho para receber as chibatadas ordenadas pelo patrão. Sobretudo nas brenhas do interior, quem hoje cai em desgraça diante de um que tem algum poder e dinheiro é agarrado por capangas ou amarrado para levar uma surra de rebenque, ou simplesmente ser “apagado”.
É preciso, porém, que a lei comece afinal a ter vigor. Um pistoleiro que é policial militar disse ao nosso repórter que na pistolagem há muitos outros policiais e que os paisanos são poucos. Diariamente somos bombardeados com notícias de variados tipos de má conduta de policiais e pouco se faz para modificar essa situação anômala. Lembre-se ainda que as penas aplicadas a esses criminosos, quando chegam a ser julgados, são brandas, e ainda tem o regime aberto, o encurtamento da penalidade, e logo eles estão de volta à “profissão’.
EVITANDO O MAL MAIOR
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
23/9/2009
Os cidadãos, de um modo geral, não gostam de mudar planos e metas, isso é da natureza humana. No entanto, muitas vezes é preciso contrariar o que se deseja em função de forças maiores que atuam na sociedade. É o caso do processo de adiantamento das aulas implantado na rede pública de educação e cujo objetivo é tirar de circulação das escolas milhares de alunos no período mais perigoso para a transmissão do vírus H1N1, responsável pela gripe suína.
É compreensível que as pessoas se irritem com a mudança, mas neste momento é preciso chamá-las a responsabilidade mostrando que a saúde coletiva está em jogo. É necessário que todos sejam esclarecidos de que o período chuvoso é o mais perigoso para a transmissão da nova gripe em nossa região, que por enquanto, com as altas temperaturas, tem passado com razoável tranqüilidade por um monstro que abalou as estruturas de cidades e sociedades bem mais consolidadas do que a nossa. Na outra ponta, pais, alunos e professores não podem fugir da responsabilidade que lhes é peculiar no processo educacional.
O Estado, como provedor do sistema educacional, está fazendo a parte dele ao mobilizar uma estrutura gigantesca para atender milhares de alunos e chega ser constrangedor, senão irresponsável, que os destinatários de todo esse esforço se recusem a participar das aulas. É, ressalte-se, constrangedor que 90% dos alunos de um turno deixem de ir as aulas marcadas para os sábados porque estão preocupados com as baladas do fim de semana ou envolvidos com assuntos pessoais. Não pode ser assim! O esforço para conter a proliferação da gripe suína é um dever de todos, não é coisa para receber apenas atenção do sistema de saúde, médicos, enfermeiros e infectologistas. Ela é um problema maior.
Nesse sentido parece sensato o argumento da presidente do Conselho Estadual de Educação ao defender que estamos vivendo um momento atípico e que as inconveniências momentâneas servem para evitar um mal maior.
Não podem os atores do processo educacional agir como aquele passageiro de avião, que irrita-se e faz escandâlo quando um vôo é cancelado porque a aeronave apresenta uma pane mecânica e será preciso consertá-la. Será preferível embarcar no avião problemático? A resposta é óbvia!