Trecho: Dicionário Lula ALI KAMEL
DICIONÁRIOLULA 413
Lula
Quero dizer algumas coisas a vocês, por‑
que muitos aqui podem me conhecer de
ouvir falar. Outros, durante algum tem‑
po, quem sabe, tiveram medo do “bi‑
cho‑papão” que o Lula era neste país. Eu,
que já fui chamado de tantas coisas, que
já causei tanto medo – mas a compensa‑
ção é que causei esperança em outras pes‑
soas –, eu gostaria de dar um testemunho
pessoal, antes de dizer algumas coisas de
Governo. Acho que é importante todos
saberem que eu sou um retirante nordes‑
tino, filho de uma mulher que teve oito
filhos. Na verdade teve 12, mas quatro
morreram, oito sobreviveram. Filho de
um retirante que veio para São Paulo ar‑
riscar a sorte como tantos vieram, na dé‑
cada de 50, e que por aqui casou outra vez
e deixou minha mãe [Eurídice Ferreira de
Melo] sozinha. E que ela veio para São
Paulo, por teimosia. Ela foi enganada
para vir para São Paulo, porque quem dis‑
se que era para ela vir foi um irmão meu,
que mandou uma carta, sem que meu pai
[Aristides Inácio da Silva] – que não que‑
ria que ela viesse – soubesse da carta. E,
para nossa surpresa, quando chegamos
aqui, meu pai estava casado com outra
mulher e já tinha mais quatro filhos. Eu
tenho um total de 26 irmãos, 12 de mi‑
nha mãe e 14 da outra mulher do meu
pai. Eu não sei quantos estão vivos. Da
minha mãe sei que há sete vivos. Mas eu
tive a sorte, que hoje a molecada não tem,
a meninada não tem, de arrumar, em
1960, a possibilidade de fazer um curso
no Senai [Serviço Nacional de Aprendiza‑
gem Industrial]. Fiz um curso de torneiro
mecânico, e esse curso me deu alguns pri‑
vilégios, que tinham os trabalhadores
que possuíam uma profissão. Primeiro,
eu fugi do salário mínimo. Eu passei a ser
torneiro mecânico, e isso era uma profis‑
são muito boa na época. Não era como o
Gilberto Carvalho [secretário particular
da Presidência], que se meteu a largar o
seminário para ser operário e virou solda‑
dor. Eu era torneiro mecânico! E aquilo
me fez ganhar um salário razoável. Em
alguns momentos, acho que ganhava
mais do que o salário de médico, na épo‑
ca. E, por isso, eu fui o primeiro filho, dos
oito da minha mãe, a ter um diploma pro‑
fissional, a ter um carro, a ter uma gela‑
deira, a ter uma televisão, a ter uma casa.
Eu era avesso a política, não gostava de
política, como, quem sabe, muitos padres,
muitos bispos falam que não gostam de
política. Eu odiava política. Eu ainda di‑
zia, por ignorância, que não gostava de
política e não gostava de quem gostava
de política. Isso era a ignorância elevada
à quinta potência. Eu fui para o sindicato
na marra. Eu não gostava do sindica‑
to também. Eu achava que lá só tinha co‑
munista. Eu tinha 21 anos de idade. Meu
irmão era militante, era muito atuante e
tentava me convencer, todas as vezes,
mas eu nunca tive vontade de ir para o
sindicato. Mas, como na vida acontece,
um belo dia eu fui convencido a ir ao sin‑
dicato. Eu fui e cheguei no momento de
uma briga de uma chapa contra a outra.
Quiseram bater no meu irmão. E aí, por
conta disso, eu passei a gostar do sindica‑
to. E isso foi em 1967, minto, em 1968.
Isso foi em agosto de 68. Em setembro eu
já estava filiado e, em 69, eu já estava elei‑
to diretor. Mas nunca me passou pela
cabeça que eu fosse dirigente sindical,
como nunca me passou pela cabeça que
eu fosse presidente do sindicato. Eu fui
eleito presidente. Quando anunciavam o
meu nome, eu já ficava vermelho de ver‑
gonha. E é por isso que eu digo que a vida
ensina muito, porque eu consegui me
transformar num dirigente sindical razoá‑
vel, porque tinha que sobreviver. Não só
L
414 ALI KAMEL
o enfrentamento que fazia com os empre‑
sários, mas sobreviver ao trabalho que a
oposição fazia para tentar me derrotar no
sindicato. Depois, eu me lembro que nós
tivemos um momento glorioso no movi‑
mento sindical, que foi a questão da repo‑
sição salarial de 1977, a famosa reposição
dos 34,1% que tinham nos roubado. Foi
dali que começou uma certa projeção do
movimento sindical junto aos órgãos de
comunicação e à imprensa. Foi daí, então,
que começou a minha aproximação mui‑
to forte com a Igreja. (...) E eu sempre dis‑
se que a minha história é a história do PT,
embora alguém possa não gostar ou não
querer, mas foi exatamente isso, tem
muito a ver com a Igreja. Mesmo que vo‑
cês [bispos e padres] não queiram, jamais
escaparão de ter a vinculação da história
do PT muito ligada à Igreja e, sobretudo, à
Igreja Católica. Digo isso com orgulho,
porque eu sei que, muitas vezes, a im‑
prensa acusou o PT de ser apoiado pela
Igreja, e eu sempre dizia: “A Igreja, en‑
quanto instituição, nunca apoiou o PT ou
qualquer outro partido.” Mas nós tive‑
mos a primazia de vocês criarem comu‑
nidades de base, de vocês criarem pasto‑
rais operárias, de vocês criarem pastorais
de imigrantes, de vocês criarem pasto‑
rais da juventude, de vocês criarem uma
série de movimentos de base com leigos.
E, à medida que foram aprendendo com
vocês [os membros da Igreja], foram ten‑
do consciência política e apareceu o PT, e
essas pessoas viam no PT o espaço políti‑
co para se manifestarem. (...) Às vezes, eu
chegava num lugar e as pessoas falavam:
“Olhe, Lula, nós somos da comunidade tal,
somos do movimento tal. O bispo é meio
conservador, não quer conversar com
você. Nós pedimos para ele receber você,
mas nós queremos participar.” O PT nas‑
ceu assim, onde houvesse um padre que
gostasse de uma boa luta, um bispo
que gostasse de uma boa briga e um mili‑
tante de base com consciência política. O
PT nasceu rapidinho por conta disso. Por
que Getúlio [Vargas, presidente do Brasil
de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954] não con‑
seguiu criar um partido – mesmo sendo
presidente da República – com a força do
PT? Por que, por exemplo, apenas como
fato histórico, o Brizola [Leonel Brizola, já
falecido, ex‑governador do Rio Grande do
Sul e do Rio de Janeiro] não conseguiu
criar um partido nos moldes do PT? Por
que nenhum outro conseguiu, e nós con‑
seguimos? Porque nós conseguimos o
milagre da multiplicação dos seres hu‑
manos. Cristo multiplicou os pães e nós
multiplicamos os seres humanos. Foi a
junção mais perfeita que Deus permitiu
nascer na organização política: era o que
havia de melhor no movimento sindical,
o que havia de melhor no movimento so‑
cial e o que havia de melhor no trabalho
de base que a Igreja Católica fez neste
país. É por isso que, lá pelo ano de 1979,
quando a gente estava pensando em or‑
ganizar o PT, lá estava o Lula em Guarabi‑
ra, fazendo assembleia para ver se conse‑
guia mexer com o rebanho do dom
Marcelo e trazer um pouco para o nosso
lado. Bem, isso fez com que o partido se
transformasse no partido de maior orga‑
nização no meio do povo, na história do
Brasil. As pessoas podem gostar ou não
do PT, mas não tem similar na história
política do nosso país, ou seja, estamos
enraizados naquilo que existe de mais
organizado. E não sou nada mais, dom
Jayme [Chemello, presidente da CNBB],
do que o resultado da junção da esperan‑
ça que esse povo vem acumulando ao
longo de tantos anos de sofrimento. Eu
sempre disse que não sou o resultado da
minha inteligência, o resultado da mi‑
nha capacidade; eu sou o resultado da
média do grau de consciência política da
L
DICIONÁRIOLULA 415
sociedade brasileira. E chegamos aqui
porque acho que é obra de Deus, porque,
veja: em 78, por exemplo, eu era total‑
mente apolítico. Seis meses depois, eu já
estava apoiando o Fernando Henrique
Cardoso [presidente do Brasil de 1995 a
2003] para candidato ao Senado, aqui em
São Paulo, porque, na época, ele era um
intelectual vindo do exterior, progressis‑
ta, e era uma novidade. (...) Pois bem, de
80 para cá, vocês já conhecem o resto da
história.Vocês já conhecem a história por‑
que é uma história que está na imprensa:
o resultado das greves, as campanhas e os
acontecimentos. (...) É por isso que tenho
repetido todas as vezes: eu não posso er‑
rar e não vou errar, porque um fracasso
do meu Governo será um fracasso de
uma parte da história de pessoas que lu‑
taram durante trinta ou quarenta anos.
Alguns morreram, não chegaram a ver
este momento. Outros ficaram pelo ca‑
minho. Milhões de trabalhadores perde‑
ram o emprego neste país. Então, nós
chegamos ao Governo. Agora, qual é a
nossa responsabilidade? É fazer com que
aquilo que a gente sonhou a vida inteira
possa ser colocado em prática, com a cau‑
tela necessária, com os critérios mais de‑
mocráticos possíveis, mas que a gente dê
passos consistentes para que possamos,
no final de um mandato, fazer uma ava‑
liação daquilo que aconteceu no país nos
últimos vinte, trinta, ou quarenta anos.
(...) Fico imaginando como é que fui cria‑
do por uma mãe sozinha, com oito filhos,
morando num quarto e cozinha, no fun‑
do de um bar, onde as pessoas começa‑
vam a ficar bêbadas no sábado, às nove
horas da manhã, e não paravam até as
três horas da manhã. E minha mãe conse‑
guiu criar oito filhos – todos, homens e
mulheres –, trabalhadores e honestos.
Por quê? Porque havia uma estrutura e
uma referência que era ela. Ela tinha va‑
lores. E olhem que ela morreu analfabe‑
ta. Minha mãe não sabia fazer um “o”
com um copo. Entretanto, ela tinha va‑
lores que havia herdado da mãe dela e
que passou para nós. (...) Eu confesso a
vocês: tenho cinco filhos. De vez em
quando, digo para os meus amigos: “Me
arrependi de não ter colocado meus fi‑
lhos para estudarem no Senai, como eu
estudei, e de não os ter colocado para
trabalhar com 15 ou 16 anos, pelo me‑
nos por meio período, para que eles pu‑
dessem ir dando valor às coisas que eles
fazem.” (1/5/03, São Bernardo do Campo –
SP. Missa dos Trabalhadores: “A esperança
é fruto de nossa resistência”)
... conta a sua história a partir do pai: Para
quem não sabe, eu nasci na cidade de Ga‑
ranhuns, subdistrito, na época, de Var‑
gem Comprida, hoje Caetés, porque só
foi transformada em cidade em 1962, e
eu tinha ido embora para São Paulo em
1952. Meu pai [Aristides Inácio da Silva]
engravidou a minha mãe [Eurídice Fer‑
reira de Melo] de mim e foi embora para
São Paulo em 1945. Minha mãe ficou grá‑
vida de mim, eu sou o penúltimo filho
dela e meu pai só veio me ver quando eu
já tinha cinco anos de idade, em 1950.
Nós éramos de uma família que, para ser
pobre, precisava ficar rico. Era muito po‑
bre. E a gente vivia de comer o que era
possível comer, como muita gente vive
hoje. Em 1950, meu pai veio visitar mi‑
nha mãe. Como o cidadão não tinha ne‑
nhuma escolaridade sexual, engravidou
a minha mãe da minha irmã mais nova
e voltou para São Paulo. Acontece que
meu pai cometeu um erro, porque ele le‑
vou o meu irmão mais velho com ele
para São Paulo. Quando meu pai chegou
em São Paulo, esse meu irmão descobriu
que meu pai já estava casado, e ele tinha
se casado com a prima da minha mãe
que tinha desaparecido. Quando meu
L
416 ALI KAMEL
pai foi embora para São Paulo, governa‑
dor [de Pernambuco, cargo ocupado por
Jarbas Vasconcellos], uma prima da mi‑
nha mãe desapareceu e, aí, meu irmão
descobriu que meu pai estava casado
com essa mulher e que já tinha quatro
filhos com ela. Esse meu irmão – porque
meu pai era analfabeto, minha mãe era
analfabeta –, esse meu irmão fez uma
carta para minha mãe como se fosse
meu pai, convidando para ir para São
Paulo. A minha mãe vendeu o que tinha,
ela vendeu tudo o que tinha, desde a casa,
que era uma casinha “tapera” – todo
mundo sabe como é uma casinha no
meio do mato –, e ainda naquele tempo
vendeu despertador, vendeu um burrico
que tinha, vendeu não sei o quê mais lá.
Eu sei que, ao todo, ela juntou acho que
13 contos, se não me falha a memória, e
resolveu ir para São Paulo. Colocou os
sete filhos no pau de arara, porque um já
estava lá. E foi uma briga muito grande
porque tinha irmão meu que se escondia
para não ir, um subia no pé de caju e não
queria descer. Uma irmã, na época, ti‑
nha apenas dois anos de idade, e viaja‑
mos 13 dias para São Paulo. A comida era
um saco de farinha, algumas rapaduras
e, quando o caminhão parava, a gente
dormia embaixo do caminhão, de vez
em quando acordava com um temporal
e tinha que sair correndo, e a gente fazia
comida pegando água no rio São Fran‑
cisco, que não era tão poluído como é
hoje, em muitos lugares do país. Depois
de 13 dias de viagem, chegamos a São
Paulo. Aí, viajou minha mãe com sete fi‑
lhos, o irmão da minha mãe, a mulher e
dois filhos. Você imagina, tudo isso en‑
trando num táxi. Descemos do pau de
arara, em São Paulo, pegamos um táxi e
fomos a Santos, onde meu pai trabalha‑
va. A dona Lindu, sequiosa para encon‑
trar o seu marido, sem saber da vida dele.
Quando nós chegamos no porto de San‑
tos, meu pai trabalhava como ensacador,
trabalhava carregando saco de café. Na‑
quele tempo, ganhava por produção. En‑
tão, ele carregava um saco de sessenta
quilos embaixo do braço, outro embaixo
desse braço e um no pescoço. Era um ne‑
gócio maluco para ganhar um pouco de
dinheiro a mais. Aí, um compadre nosso
foi lá, chamaram meu pai. Quando meu
pai veio e viu minha mãe e a trempa de
barrigudinhos ali, ele tomou um susto,
mas não levou a minha mãe para a casa
dele, pediu para um compadre levar a
minha mãe para a casa dele [o compadre],
levou os filhos para lá, e lá nós vimos a
outra mulher dele, que já tinha quatro
filhos. Então, minha mãe ficou morando
uns meses com esse compadre até que
meu pai levou a mulher que estava com
ele para outra casa e levou minha mãe
para dentro de casa, porque, segundo o
conceito dele, minha mãe era a legítima,
então a casa principal tinha que ser da
minha mãe. Acontece que a minha mãe
só conseguiu suportar isso durante pou‑
co tempo. E é por isso que a minha mãe é
uma referência, porque ela, sozinha –
que deve ser a situação da mãe ou do pai
de alguns de vocês [alunos do ProJovem]
–, analfabeta, resolveu se separar do
meu pai. E, um belo dia, nós tínhamos
como únicas coisas a roupa do corpo,
uma tina – eu não sei se vocês sabem o
que é tina, uma barrica cortada no
meio, um desses tonéis de carvalho, cor‑
tado no meio, onde se lavava a roupa e,
muitas vezes, se tomava banho –, uma
lata de leite Mococa vazia, onde meu pai
guardava um pão doce que comprava só
para ele, e uma faca. Era o que a gente
teve de mudança. E ficamos lá. Um ir‑
mão meu trabalhava numa carvoaria,
outro irmão trabalhava vendendo sardi‑
nha, outro trabalhava num bar e eu ven‑
L
DICIONÁRIOLULA 417
dia amendoim e laranja. E, de vez em
quando, o meu irmão mais velho me
dava um cascudo porque eu tinha vergo‑
nha de gritar: “Olha a tapioca, olha o
amendoim, olha a laranja.” Ele gritava
um pouco e quando ele falava: “Agora,
Lula, grita você”, quando eu ia gritar eu
tinha vergonha, e ele me dava um coco‑
rote. É por isso que eu acho que eu tenho
a cabeça meio chata, de tomar cocorote
do meu irmão mais velho. Pois bem, até
1955 nós ficamos em Santos. Aí, minha
mãe resolveu ir para São Paulo. Meus ir‑
mãos todos, nenhum tinha profissão,
todos trabalhavam ganhando o salário
mínimo e, em 1956, eu fui para São Pau‑
lo. Aí eu já tinha 11 anos de idade. Quan‑
do eu saí de Caetés, eu tinha sete anos de
idade. A primeira coisa que eu adorava
era engraxar sapato no sábado e no do‑
mingo. Adorava acabar de engraxar o
sapato, chegar no bar, porque era na fren‑
te de um bar, pedir meia bengala de
pão, mandar colocar mortadela. Naque‑
le tempo tinha uma bebida chamada
Tubaí na, que eu não sei se tem mais, e
era meia bengala de pão com mortadela,
uma Tubaína, e ali estava ganho o meu
sábado. Naquele tempo, a gente não po‑
dia ir ao cinema, Jarbas, porque lá em
São Paulo tinha que colocar paletó para
ir ao cinema. Uma vez, um amigo meu,
chamado Cláudio, me emprestou um pa‑
letó, eu briguei com ele no meio do cami‑
nho e ele tomou o paletó de volta, e eu
não pude ir ao cinema. Pois bem, depois
eu comecei a trabalhar de tintureiro,
carregava paletó; eu não sou muito alto,
vocês estão percebendo, mas até os 18
anos eu não tinha desenvolvido quase
nada, eu era muito baixinho. Tinha um
empregado da Ford, que depois eu come‑
cei a chamá‑lo de compadre, que era um
“homão” grande, e umas três vezes eu fui
levar o terno dele ao tintureiro; eu era
carregador, era um cabo de vassoura
aqui nas costas, colocava os ternos aqui
do lado e saía carregando. Quando eu
chegava para entregar o terno, a parte de
baixo estava molhada, porque, como o
terno era muito grande, arrastava no
chão. A minha gratidão com esse compa‑
nheiro é que depois eu o encontrei já
como presidente do sindicato na Ford.
Ele é pernambucano, e esse cara, mesmo
eu levando a roupa dele suja, nunca me
deu uma bronca, e a mulher dele ainda
me dava uma gorjeta, mas eu tinha que
trazer a roupa de volta para lavar outra
vez, e trazia para lavar outra vez. Eu es‑
tou contando tudo isso para vocês por‑
que o meu desafio aqui é despertar espe‑
rança em vocês e motivação para vocês.
Eu sei as condições em que mora muita
gente no Brasil. Nós morávamos num
quarto e cozinha, na Vila Carioca, e a
gente morava em 13 pessoas num quarto
e cozinha. Eram aquelas caminhas de
mola, de dia se fechava, de noite abria.
Eu dormia junto com a minha mãe e
com duas irmãs e outro meu irmão, e mi‑
nha mãe com outros meus irmãos do
lado, primos pobres ainda dormiam lá.
Não tinha banheiro, o banheiro era o
que atendia o bar e era lá que as minhas
irmãs tinham que tomar banho e eu. De‑
pois de um bar de sábado à noite, imagi‑
nem o ambiente no banheiro, e a gente
utilizava aquilo lá. Pois bem, eu me lem‑
bro de um dia como se fosse hoje. Uma
vez, nós fomos nos mudar dessa casa no
fundo do bar para uma outra casa. A úni‑
ca coisa que a gente tinha era um fogão a
gás, um fogão a querosene que a minha
irmã, que tinha sete ou oito anos, cada
vez que ia acender, o desgraçado do fogão
pegava fogo, e essa minha irmã estava
quase para morrer de estresse com oito
anos de idade porque já não aguentava
mais. Um dia, nós compramos um fogão
L
418 ALI KAMEL
de duas bocas. Nós mudamos dessa rua
que eu morava para uma rua chamada
rua Auriverde que o Moura e o [inaudí‑
vel] conhecem muito bem, que estão
aqui, meus primos de Pernambuco. A
gente tinha um fogão de duas bocas.
A maior alegria que eu tive na vida foi
poder colocar em cima do caminhão um
fogão de duas bocas, para todo mundo
saber que eu tinha progredido. Pois bem,
nenhum irmão meu tinha profissão,
eles não tinham tirado o diploma primá‑
rio ainda, portanto todos ganhavam sa‑
lário mínimo. Aí, minha mãe, um dia,
recebeu uma notícia de que tinha uma
vaga no Senai, para que eu fizesse um
curso. Me pegou pelo braço, fomos a pé,
muito longe, chegamos lá, eu fiz um tes‑
te e fui aceito no Senai para fazer um
curso de torneiro mecânico. Graças a
esse curso, eu fui o primeiro filho da mi‑
nha mãe a ter um diploma primário, eu
fui o primeiro filho da minha mãe a ter
uma profissão, eu fui o primeiro filho da
minha mãe a ter uma casa própria, eu
fui o primeiro filho da minha mãe a ter
um carro, a ter uma televisão e, por con‑
ta dessa profissão, eu fui trabalhar
numa empresa grande, que era a Villa‑
res, e por conta de ser uma empresa
grande, eu ganhava um salário razoá‑
vel que podia sustentar minha mãe,
duas irmãs, pagar aluguel e ainda pen‑
sar em casar. E casei. Pois bem, graças a
essa profissão, eu fui para uma empre‑
sa, virei dirigente sindical, virei presi‑
dente, entrei na política e hoje estou
aqui como presidente da República.
(20/7/05, Recife – PE. Aula inaugural do
ProJovem – Programa Nacional de Inclu
são de Jovens)
... tinha um pai inusitado: E o meu pai [Aris‑
tides Inácio da Silva] era uma coisa inu‑
sitada. Eu morava em Vicente de Carva‑
lho, ali na divisa entre Guarujá e Santos,
e meu pai trabalhava num armazém de
café. Era naquele tempo em que o tra‑
balhador ia trabalhar de terno, gravata
e chapéu todo santo dia, e meu pai não
sabia diferenciar um “o” de um “i”. En‑
tretanto, todo santo dia ele comprava
um jornal em Santos e atravessava de
barco, como se estivesse lendo o jornal.
Só não via de cabeça para baixo, coitado,
porque tinha figura, fotografia e ele não
se enganava. Mas isso era a demonstra‑
ção da vontade que ele tinha de ler e não
adiantava ter vontade naquele instante,
porque nem sempre o poder público
está preparado para atender a vontade
das pessoas. (8/9/03, Brasília – DF. Lança
mento do Programa Brasil Alfabetizado)
... soube da morte do pai com atraso: Recebi
a notícia da morte de meu pai por uma
carta, depois de 13 dias que ele tinha
morrido. E não era só uma notícia ruim,
ruim foi eu ficar 13 dias sem saber que
ele tinha morrido. Quando o carteiro
conseguiu descobrir onde eu estava, eu
recebi a carta. (25/1/05, Aparecida de Goiâ
nia – GO. Homenagem ao Dia do Carteiro
e inauguração das novas instalações do Cen
tro de Tratamento de Cartas e Encomendas)
... é Lula desde pequeno: Eu me chamava
Lula, desde pequeno. Eu não tinha o
nome político, porque quando fui me
candidatar, em 1982, as pessoas só me
conheciam por Lula, não me conheciam
por Luiz Inácio. Então, eu fui ao cartório
e aumentei o Lula no meu nome. Meu
nome era Luiz Inácio da Silva e eu colo‑
quei Luiz Inácio Lula da Silva, passou a
ser o meu nome oficial. (15/9/07, Madri –
Espanha. Entrevista ao jornal El País)
... foi mais feliz quando criança do que seus
filhos são hoje: Quero dizer para vocês
que toda vez que vejo uma criança, nos
dias de hoje, eu me lembro que, quando
eu e muitos de vocês éramos crianças,
embora fôssemos tão pobres quanto as
L
DICIONÁRIOLULA 419
crianças de hoje, naquele tempo a gente
não tinha a violência que temos hoje. A
rua era nossa. Ou seja, ir para a rua era
quase como conquistar a liberdade. A
gente podia jogar bola na rua, bastavam
duas pedras e já se fazia o gol; uma bola
de meia, e já valia a pena jogar. A gente
não tinha medo de trânsito, porque não
havia muitos carros. A gente não tinha
medo de bandido, porque não havia
tanto bandido, gangue; a gente voltava
da escola e ia para a rua, para o campo
de futebol, e voltava para casa às seis
ou sete horas da noite, inteiro, sem ter
acontecido nada. Hoje, as nossas crian‑
ças não têm essa oportunidade, seja por‑
que todas as casas são feitas com grades,
pois o medo toma conta das pessoas,
seja porque não há mais o espaço nas
ruas. Não temos a tranquilidade que
tínhamos antes. Então, muitas crian‑
ças, aquelas que ainda podem, ficam na
frente da televisão, vendo desenho ani‑
mado, ou ficam na rua, sem ter muito o
que fazer. Eu digo sempre que, naquele
tempo, a gente era muito pobre, mas
tinha mais liberdade. Eu, por exemplo,
acho que era mais feliz do que meus fi‑
lhos são hoje ou quando eram crianças,
porque eu tinha o mundo aos meus pés.
Eu morava na Vila Carioca. Havia tan‑
tos campos de futebol na Vila Carioca
que a gente podia escolher o campo que
queria jogar, a hora que queria jogar.
Meus filhos não têm. Se quiserem jo‑
gar têm que ficar sócios de um clube e
pagar uma mensalidade ou alugar uma
quadra de futebol society para poder jo‑
gar uma hora. Então, fico pensando nos
milhões de crianças que não podem pa‑
gar, dos pais que têm vontade de colocar
os filhos para praticar algum esporte e
não podem. E, às vezes, próximo à casa
da pessoa tem um belo clube que fica fe‑
chado de segunda a sexta. E as crianças,
do lado de fora, sem ter onde brincar.
(2/10/03, Brasília – DF. Apresentação do
Programa Segundo Tempo e seus parceiros)
... não sabe quantos irmãos tem vivos: Eu te‑
nho um total de 26 irmãos, 12 de minha
mãe e 14 da outra mulher do meu pai. Eu
não sei quantos estão vivos. Da minha
mãe sei que há sete vivos. (1/5/03, Indaia
tuba – SP. Visita ao Retiro de Itaici – CNBB)
... se frustrou ao não ser aceito para servir
o Exército: Eu me lembro que uma das
frustrações grandes que eu tive na mi‑
nha vida foi quando, com 18 anos de
idade, eu me apresentei ali no Parque
Dom Pedro para tentar servir no Exér‑
cito brasileiro, e não consegui. Não sei
por quê, não me quiseram. O dado con‑
creto é que eu não pude servir no Exér‑
cito brasileiro, e isso foi uma frustração
muito grande para minha mãe, porque
um dos sonhos dela era que seus filhos
pudessem servir o Exército. Pode ser
que tenha algumas pessoas com pre‑
conceito contra o Exército brasileiro,
mas no meio do povo pobre, certamen‑
te, grande parte das famílias gostaria
que os seus filhos tivessem a oportu‑
nidade de servir no Exército brasileiro.
Mas a minha frustração foi compensa‑
da quando, quase quarenta anos depois,
eu sou eleito presidente da República,
e aquele menino que não pôde servir
o Exército brasileiro vira comandan‑
te‑chefe das Forças Armadas do nosso
país. (11/8/06, Barueri – SP. Visita ao 20.º
Grupo de Artilharia de Campanha Leve e a
oficinas do Programa Soldado Cidadão)
... nunca ganhou um presente quando crian
ça: Amanhã é Dia da Criança. Nós so‑
mos educados de que o Dia da Criança
é um dia para as crianças ganharem
presentes. Eu não sei quantos presentes
você ganhou quando era criança. O meu
primeiro presente fui eu mesmo que
comprei, aos 17 anos de idade. Naquele
L
420 ALI KAMEL
tempo, a gente chamava bola de capotão
e, como eu não podia comprar uma bola
de capotão, comprei uma bola de borra‑
cha que, quando bateu no primeiro espi‑
nho, furou. O meu segundo presente foi
aos 18 anos de idade, já com o meu salá‑
rio. Comprei uma bicicleta, que era um
sonho que eu tinha, uma bicicleta velha.
Essa desgramada dessa bicicleta tinha
um problema na corrente; eu dava duas
pedaladas e tinha que descer para con‑
sertar a corrente da bicicleta. Eu passava
mais tempo ajoelhado, tentando conser‑
tar a corrente, do que andando de bicicle‑
ta. Eu estou dizendo isso porque amanhã
é o Dia da Criança, e muitas crianças,
certamente, irão ganhar presentes. Ou‑
tras crianças não irão ganhar presentes
e, certamente, isso não pode e não deve
mudar a vida das pessoas. Eu me lem‑
bro de um dia, Roberto e Moisés [crian‑
ças presentes à solenidade], eu morava
em Vicente de Carvalho, entre Santos
e Guarujá, era um bairro muito pobre e
naquele tempo a prefeitura dava presen‑
tes. Eu me lembro que a minha mãe, lá
pelas seis horas da manhã, pegou na mi‑
nha mão e fomos para a prefeitura, para
esperar o presente. Naquele tempo tinha
uns carrinhos de corda, daqueles que
nem abridor de lata, que você dava um
pouquinho de corda, o carrinho andava
meio metro, e já era uma maravilha do
mundo. Eu sonhava com um carrinho
daqueles. Nós ficamos até as duas horas
da tarde na fila e, quando chegou a mi‑
nha vez, simplesmente minha mãe foi
comunicada que tinham terminado os
presentes. Aquilo não mudou a minha
vida, e não mudou por quê? Porque para
superar essa coisa material que tanto
agrada a gente – agrada por um dia, por
uma semana, porque depois os brinque‑
dos ficam jogados num canto, quebram –,
para superar tudo isso é preciso uma pa‑
lavra mágica, na verdade, duas palavras
mágicas: carinho e afeto. É a gente saber
que dentro de casa a gente tem muito ca‑
rinho, muito afeto e muita compreensão
entre a nossa família. O exemplo está
aqui neste palco. (11/10/07, Brasília – DF.
Lançamento do programa social Direitos de
Cidadania – Criança e Adolescente)
... bebia água suja na infância: Então, o pro‑
jeto da água é uma coisa maravilhosa que
eu sonho que poderá dar maior sustança
ao povo do Nordeste, porque, embora as
pessoas não saibam, eu sei o que é ir pe‑
gar água num açude, num pote, e deixar
a água assentar, porque a gente não tinha
cultura nem para ferver nem para coar.
A gente tomava daquela água e depois
as canelinhas ficavam dessa grossura, o
barrigão dessa grossura, a gente pensava
que era saúde. E não era saúde e não fo‑
ram poucas as vezes em que eu, com sete
anos de idade, tinha que ir com a minha
irmã buscar pote d’água. Então, eu sei o
que é a gente andar 12 léguas, 16 léguas
para trazer um pote d’água na cabeça. E,
às vezes, não sabe se é água, se são fezes
de animais, se é caramujo, se é urina, e é
daquela água que tem que beber. Então,
quem está no bem‑bom não sabe o sacri‑
fício. Quem está no bem‑bom não sabe o
que é isso. Como nós não temos dinheiro
para comprar água Perrier para beber,
água boa, então nós bebemos. (11/2/05,
Surubim – PE. Inauguração do Projeto de
Abastecimento do Jucazinho)
... começou a trabalhar aos 11: Eu comecei
a trabalhar com 11 anos de idade e traba‑
lhava porque precisava, não trabalhava
por prazer, não. Eu não acredito que al‑
guém trabalhe por prazer antes de com‑
pletar 14 anos de idade. (16/7/04, Brasília
– DF. Entrevista coletiva para os Jornalistas
Amigos da Criança)
... começou a trabalhar aos 13: Eu acho que
o primeiro emprego... eu acho que fica
L
DICIONÁRIOLULA 421
uma lembrança eterna na cabeça da gen‑
te. Eu era muito menino, tinha 13 anos
de idade e era uma família de quatro
pessoas, eram o pai, a mãe, duas filhas, e
eles me tratavam como se eu fosse um fi‑
lho da casa. Eu trabalhei lá até começar a
trabalhar numa fábrica, mas a lembran‑
ça que eu carrego é do carinho com que
eles me tratavam, ou seja, eu aprendi um
pouco a passar roupa, aprendi a lavar
roupa, eu entregava a roupa. Até hoje
eu tenho uma relação de amizade com
o casal. Eles moram hoje numa cidade
do interior de São Paulo, mas foi muito
marcante na minha vida, porque não
era apenas a relação de trabalho, é que
a família era amiga da minha família,
da minha mãe, então eu tenho uma boa
relação com o seu Antônio, com a dona
Marina, a Mariko e a Kenko, que eram
as duas filhas com quem trabalhava. Eu
guardo essa recordação. (17/5/05, Brasília
– DF. Entrevista à TV japonesa NHK)
... deve tudo a duas mulheres: Eu devo parte
do que eu sou na vida a minha mãe, uma
nordestina de Garanhuns que teve a co‑
ragem de colocar oito filhos num pau de
arara e sobreviver em São Paulo, pen‑
sando que ia encontrar o maridão que
já estava lá desde 1945. Isso foi em 1952,
e, quando ela chegou para se encontrar
com o maridão dela, ele estava casado
com outra. E ela não perdeu a ternura
e cuidou dos oito filhos sozinha e con‑
seguiu até fazer com que um deles che‑
gasse à Presidência da República. Uma
outra é esta “galega” que está aqui do
meu lado. Esta “galega”, eu não sei se ela
teve a sorte de me encontrar ou eu tive
a sorte de encontrá‑la. O dado concreto
é que nós vamos fazer 31 anos de casa‑
dos, e nesses 31 anos nós já passamos por
momentos muito difíceis. De vez em
quando eu digo que a Marisa foi a mãe
e o pai dos meus filhos. Primeiro, pela
minha atividade sindical, eu não estava
junto com ela em nenhum momento em
que nasceram os meus filhos. Depois, eu
nunca estava em casa para ver o boletim
da molecada, para ver se estava tudo
bem na escola ou se não estava bem. O
dado concreto é que o caçula já está com
18 anos, e hoje eu olho para o céu e dou
graças a Deus de ter tido a Marisa cui‑
dando daquela molecada, fazendo o pa‑
pel de pai e mãe, e não permitindo que
a ausência do pai fosse razão para que a
gente tivesse um filho revoltado dentro
de casa ou tivesse algum problema. Não
tem isso. E mais ainda, mesmo quando
eu fui preso em 1980, a dona Marisa,
que parecia ser frágil, que parecia ser
debilitada para enfrentar uma situação
daquelas, em nenhum momento ela va‑
cilou em assumir, junto com as mulhe‑
res de São Bernardo do Campo, a luta
que os metalúrgicos estavam fazendo.
Então, a força dessas duas mulheres, da
minha mãe e da minha mulher, é, na
verdade, uma espécie de vento, de força
invisível que me empurra para dizer:
por mais difícil que seja o momento
que você esteja vivendo, não abaixe a
cabeça nunca e não se sinta derrotado.
Levante a cabeça e vá à luta, porque a
vitória é sempre possível, na medida
em que a gente acredita nela. E isso
me fez estar aqui onde eu estou hoje
e, obviamente, eu não estaria aqui se
não fosse o símbolo dessas duas figuras
para mim, mas também se não fosse o
carinho de vocês, de perderem tantas
eleições comigo e não desistirem nun‑
ca de chegar onde eu cheguei. (8/3/05,
Apodi – RN. Cerimônia por ocasião do Dia
Internacional da Mulher)
... nunca bateu nos filhos: Ora, se bater
numa mulher, que às vezes tem até o ta‑
manho do marido ou é mais forte que o
marido, é um crime dessa envergadura,
L
422 ALI KAMEL
você disse bem, Xuxa [Maria da Graça
Meneghel, apresentadora de programas
infantis da TV Globo], imaginem bater
numa criança. Eu falo com conhecimen‑
to de causa porque tenho cinco filhos e,
graças a Deus, nunca precisei levantar a
mão para bater em nenhum dos meus
filhos. Muitas vezes, quando uma
criança parece impertinente, quando
uma criança parece incomodar uma
conversa de adultos, ou quando uma
criança parece incomodar o progra‑
ma de televisão que o adulto está as‑
sistindo ou o jogo de futebol, o grito
ou a palmada na criança deveria ser
substituído pela compreensão de que
aquela criança não está incomodando
porque ela quer incomodar. Ela está
apenas dizendo ao adulto: “Eu existo,
eu sou melhor para você do que a tele‑
visão, eu sou melhor para você do que
essa conversa, pelo amor de Deus, me
dê pelo menos um minuto de atenção
que eu vou ficar quieta no meu lugar,
vou brincar, e não vou ficar perturban‑
do.” (15/6/07, Brasília – DF. Lançamento
da campanha Não Bata, Eduque, em favor
dos direitos da criança e contra o castigo
físico e humilhante)
... tinha o sonho de ser mecânico: O meu so‑
nho era ser mecânico. Eu não sabia nem
o que era, mas eu queria ser mecânico
porque eu tinha um irmão mais velho
que se sujava de graxa, que era mecâni‑
co de carros, então... eu queria ser mecâ‑
nico. Aí, entrei na fábrica de parafusos
Marte, fui lá, me inscrevi, fiz a ficha, fui
ao Senai, passei no teste. Eu não sabia
o que era um torno. Passei na frente de
uma prensa e achava que aquilo era
um torno, tal era a minha ignorância
dentro de uma fábrica. (23/4/03, Brasília
– DF. Assinatura de convênio entre a Confe
deração Nacional da Indústria e o Ministé
rio da Educação)
... no primeiro emprego, tinha orgulho de usar
macacão, desde que sujo de graxa: Bem,
mas eu lembro do dia, em 1960, quando
eu coloquei aquele macacão e saí para
andar os dois quilômetros para ir tra‑
balhar. Eu me achava o máximo, eu me
achava... Tinha uma quitanda que tinha
uma loura bonita, já uma moça. Eu era
um moleque, e passava todo de pescoção
duro, achando que aquela moça estava
olhando para mim. Ela nem me enxer‑
gava. Mas eu achava que ela olhava para
mim e essa esperança me fazia, todo dia,
passar orgulhosamente na frente. Mas
eu me lembro que no primeiro dia em
que fui trabalhar, eu cheguei lá e não
sabia o que fazer. Aí, fiquei lá. Me man‑
daram catar uns pedacinhos de ferro,
eu catei uns pedacinhos de ferro. Mas
chegou a hora do almoço, eu tinha que
almoçar em casa, passar na frente da
quitanda, ver a loura. E eu ia estar limpo,
outra vez? Então, eu não tinha trabalha‑
do! Aí eu peguei um tanque de óleo preto
que tinha lá para [inaudível] peça, [inau‑
dível] lá, esfreguei toda a lama, parecia...
Cheguei em casa todo sujo de graxa, de
óleo, pretinho, pretinho, com o maior
orgulho. Minha mãe sorria para mim,
vendo o filho dela mecânico; enquanto
eu era um catador de ferro ali, achava
que eu era mecânico. (17/4/08, Belo Ho
rizonte – MG. Visita às obras do projeto de
urbanização da Vila São José)
... não tinha dinheiro para comprar Danoninho:
Há vinte anos eu, que era um trabalha‑
dor qualificado, para comprar Danoni‑
nho para os meus filhos, eu comprava
medido, por semana. Só podia tomar
um, se tomasse dois era castigado, só
faltava colocar cadeado na geladeira. E
eu era considerado classe média operá‑
ria. Se tivesse trabalhado na fábrica de
alguns aqui, quem sabe eu tivesse ga‑
nho um pouco mais, mas eu estava na
L
DICIONÁRIOLULA 423
Villares, então, não estava ganhando
tão bem. (12/3/08, Brasília – DF. Mesa de
negócios do Economist Newspaper Group)
... não teve nada de graça: Eu sou um ho‑
mem calejado, eu apanhei muito na
vida. Eu nunca, nunca na minha vida
tive alguma coisa que eu não tivesse
que lutar que nem um desgraçado para
conquistar, nunca. (3/8/05, Garanhuns –
PE. Lançamento do Plano Safra da Agricul
tura Familiar 2005/2006)
... teve de enfrentar enchentes que levavam
ratos e merda para dentro de casa: Pense
num “cabra” que desde os 11 anos de
idade se habituou a viver com enchente.
Pense num “cabra” que com 11 anos de
idade morou numa rua chamada Auri‑
verde, na Vila Carioca em São Paulo, em
que chegava o final do ano já dava dor
de barriga e disenteria mesmo, porque
a gente sabia que ia encher. Pense num
“cabra” que morou num cortiço em que,
num único quintal, moravam oito fa‑
mílias, trinta pessoas, com um banhei‑
ro só, sem descarga, sem água encanada,
pense, meu filho. Pense o que são vinte
pessoas se levantando às seis horas da
manhã e só ter um desaguadouro. Pen‑
se o que é pegar água do poço, colocar
num baldinho e puxar uma cordinha,
amarrar. E água fria, porque não dava
para esquentar para todo mundo, ou to‑
mava banho de bacia dentro da cozinha.
Pense num “cabra” que, um dia, saiu
dessa rua Auriverde e foi morar na rua
Verão, numa casa nova, com cheiro de
tinta, em junho de 1963. E, em janeiro
de 1964, acordou à meia‑noite, com rato
disputando espaço com barata, com
merda boiando na ponta do nariz, com
água batendo no colchão, e teve que se
levantar à noite para levantar o colchão,
para levantar a mãe, para tirar as irmãs.
E, a partir da primeira enchente, toda
desgraçada que vem é pior do que a pri‑
meira. Parece que a casa afunda toda, e
vai ficando maior, e aí não para mais.
Pense num “cabra” que achava que a
enchente de um metro de água era mui‑
to, e mudou‑se para outra rua mais alta,
que não dava enchente e, no primeiro
ano, deu um metro e meio de água den‑
tro de casa. Eu sei que eu vivi tudo isso
na década de 60, e eu sei que tem muita
gente que vive, hoje, em 2007, porque
não foi feito o que deveria ter sido feito
pelos governantes brasileiros. (12/7/07,
Recife – PE. Lançamento do PAC nas áreas
de saneamento e urbanização no estado
de Pernambuco)
... em 1966, amargou o desemprego: Eu en‑
trei na Villares no dia 29 de janeiro de
1966. A Villares, naquele tempo, pro‑
duzia motor de navio, produzia ponte
rolante, produzia peças para o metrô.
A Villares estava no auge, muito di‑
nheiro do BNDES, a Villares estava no
auge. Um belo dia, nós chegamos para
trabalhar e a Villares dispensou 1.500
trabalhadores numa tacada só. É preci‑
so ter noção do que significa o desespe‑
ro de um pai de família chegar em casa
e falar: “Perdi o emprego.” (26/2/08, Rio
de Janeiro – RJ. Inauguração da fábrica de
pneus de mineração e terraplanagem da
Michelin – América do Sul)
... como operário, tinha vergonha da marmita
se não houvesse carne: Você, no domingo,
visitando o trabalhador, ele não tinha
um pedaço de carne para colocar na
mesa, mas, se você perguntasse para
ele: “Você está comendo carne?” Ele
falava “estou”, porque ele tinha vergo‑
nha de dizer. Eu sei que, muitas vezes,
parece que não faz parte da liturgia
presidencial contar determinados casos.
Mas, quando eu comecei a trabalhar na
Villares, não tinha refeitório, não tinha
restaurante, a gente levava marmita. E a
segunda‑feira, normalmente, é o melhor
L
424 ALI KAMEL
dia da marmita, porque é a sobra do al‑
moço do domingo, é o bife à milanesa, é
o macarrão, é o frango. E eu me lembro,
isso está gravado na minha memória,
eu me lembro, como se fosse hoje, que
cheguei numa segunda‑feira – normal‑
mente, sentam‑se os mesmos compa‑
nheiros à mesa, quem já trabalhou em
fábrica sabe; às vezes, chegam certos
companheiros e sentam‑se juntos du‑
rante anos e anos, é como se fosse uma
confraria – e eu fiquei distanciado por‑
que na minha marmita não tinha mis‑
tura. Eu estava lá sentado, cada um dos
companheiros abria a comida cheirosa,
e, quando eu fui abrir a minha, eu vi que
não tinha carne. Eu peguei e fechei: “Ah!
Eu não estou com fome, não. Vou deixar
para comer depois.” E sempre tem aque‑
le cara que faz a pergunta indesejável. O
cara falou assim para mim: “Ô Lula, me
dá a tua mistura.” Eu falei: “Não, não vou
dar porque eu vou comer mais tarde.” E
isso acontece porque as pessoas têm ver‑
gonha. Ninguém vai reconhecer para
um amigo, para um namorado, que não
teve o que comer, ninguém vai reconhe‑
cer. (20/10/05, Brasília – DF. Abertura do
Seminário Internacional Bolsa Família)
... parou de estudar, mas não devia ter pa
rado: Uma outra coisa importante, Mi‑
chel [Ferreira da Silva, representante
dos alunos da Escola Técnica do Senai
em Petrolina], é que você não pode se
contentar com o curso que você fez.
Eu estou te dizendo isso agora porque
eu me contentei com o curso que eu
fiz. Eu tinha quase 18 anos quando me
formei, minha mãe e duas irmãs mo‑
ravam comigo, a gente pagava aluguel,
tive que arrumar um emprego à noite
porque ganhava 25% a mais, e eu ainda
fazia duas horas extras por noite, todos
os dias, Armando [Monteiro, deputado,
presidente da Confederação Nacional
da Indústria], duas horas extras que era
para poder pagar o aluguel e cuidar da
minha mãe e das duas irmãs. Então, eu
não estudei mais, parei. Aí, arrumei
emprego numa fábrica grande, passei
logo a ganhar mais que dez salários mí‑
nimos porque, naquele tempo, torneiro
mecânico era uma profissão importan‑
te, torneiro, frisador, mandrilador. Eu
passei a ganhar um salário razoável e
eu sempre fui um trabalhador que fa‑
zia, no mínimo, quarenta horas extras
por mês, porque eu dizia: “Os meus ví‑
cios eu quero sustentar com as horas
extras para não mexer no meu salário.”
Eu parei de estudar, mas eu queria te
dar um conselho: não pare, não. Não
pare, porque você chegou até aqui, o
mundo se abriu para você. Você pode
trabalhar, pode ganhar um salário, um
salário melhor, pode pagar um curso
melhor, pode se formar doutor e pode
atender a uma demanda que o Brasil
está precisando hoje. (4/9/07, Petrolina
– PE. Inauguração da Escola Técnica do
Senai em Petrolina)
... poderia ter ficado com parte do dedo,
mas perdeu todo ele porque era pobre: Eu,
quando cortei este dedo aqui, eram três
horas da manhã, eu trabalhava numa
metalúrgica, chamada Metalúrgica In‑
dependência. Eu me lembro até hoje.
Na verdade, o dedo não tinha amassado
todo, poderia ter tirado um cotoquinho,
ter deixado um cotoquinho, pelo menos
para eu coçar o ouvido. Mas eu era peão,
estava vestido de macacão, três horas da
manhã, fedendo a óleo. Eu acho que o
cara que me pegou falou: “Sabe de uma
coisa, arranca logo o dedo desse peão.” E
tirou todo o meu dedo. É assim que, mui‑
tas vezes, o pobre é tratado neste país.
Não é diferente. (26/2/08, Rio de Janeiro –
RJ. Inauguração da Unidade de Pronto Aten
dimento 24h de Campo Grande)
L
DICIONÁRIOLULA 425
... tinha vergonha do dedo amputado: Quem
não tem nenhum problema, muitas ve‑
zes, não sabe o que estou falando. O pre‑
conceito contra quem tem um problema
qualquer, num certo membro qualquer,
se não houver um tratamento, é mui‑
to grande. Eu, quando perdi este dedo
aqui, andava no ônibus, durante muito
tempo, com a mão no bolso, com ver‑
gonha das pessoas perceberem que eu
não tinha um dedo. Naquele tempo não
tinha o Sarah [Rede Sarah de hospitais,
especializado em reabilitação física e
neurológica], nem eu jamais imaginei
vir a Brasília, muito menos ser o presi‑
dente da República. Mas o dado concre‑
to é que eu sei como é que essas pessoas
se sentem. (17/12/03, Brasília – DF. Inau
guração do Centro Internacional de Neuro
ciências e Reabilitação – Rede Sarah)
... acredita em Deus: Aconteceu porque
tinha que acontecer, porque, como eu
acredito em Deus, eu penso que Deus
fez acontecer. (1/5/03, São Bernardo do
Campo – SP. Op. cit.)
... conheceu Marisa ao lhe dar um atestado
de vida no sindicato: Eu comecei a mi‑
nha vida sindical cuidando do Depar‑
tamento de Previdência Social. Foi lá,
inclusive, que eu conheci a Marisa. Ela
foi procurar um atestado de vida e eu vi,
lá, uma viuvinha bonita. Eu falei: “Vou
dar o atestado de vida e vou, aqui, pedi‑la
em namoro.” Isso é verdade mesmo. Eu
trabalhava no Departamento de Previ‑
dência Social, no sindicato, e tinha um
advogado que trabalhava comigo, o Lui‑
zinho – nem sei se ele está mais no sindi‑
cato. E eu falava assim... Eu cuidava das
viúvas que iam lá procurar atestado de
vida, cuidava de habite‑se, cuidava de
uma série de documentos que naquele
tempo exigiam, não sei se exigem tudo
isso hoje ainda. Eu disse para o Luizi‑
nho: “Olhe, se aparecer uma viuvinha
bonita aqui, você me fala.” Porque eu era
o chefe do departamento e era justo que
eu atendesse. Aí, um dia, ele falou assim
para mim: “Oh, Lula, tem uma lourinha
aí bonita.” (14/12/07, São Paulo – SP. Inau
guração da Agência da Previdência Social
de Benefício por Incapacidade – APS/BI)
... gosta realmente de dona Marisa: Olha,
se você quer saber, eu gosto, mesmo,
é da dona Marisa Letícia Lula da Sil‑
va. (20/6/03, Washington D.C. – Estados
Unidos. Entrevista coletiva concedida após
reunião de trabalho com o presidente dos
Estados Unidos, George W. Bush)
... teve em 1979 o ano mais difícil: Eu não
me esqueço nunca, e me marca profun‑
damente, o ano de 1979. Aqui há muitos
companheiros daquela época e nós tive‑
mos, possivelmente, um dos melhores
acordos que o sindicato já fez. Eu tinha
preparado a categoria para uma guer‑
ra, não para uma greve. E qualquer que
fosse a proposta que não fosse 100%, os
companheiros achavam pouco. Não sei
se dom Cláudio [Dom Cláudio Hummes,
cardeal arcebispo de São Paulo] está lem‑
brado, foi a assembleia mais difícil da
minha vida, e cada vez que alguém ten‑
tava falar num acordo, tomava vaia dos
trabalhadores. Eu consegui convencer os
meus companheiros a aceitarem o acor‑
do, mas foi o ano mais difícil da minha
vida, porque os trabalhadores voltaram
para dentro da fábrica com a sensação
de que eu tinha traído todos eles. Uma
sensação de que a greve deveria ir até as
últimas consequências. Foi o ano mais
duro da minha vida sindical. No ano de
1980, eu pensei com meus botões: “Se os
trabalhadores acham que podem levar a
greve até o limite do impossível, vão le‑
var.” E vocês estão lembrados que, com
41 dias, a greve terminou e eu estava pre‑
so ainda. E aquela foi a greve em que nós
mais perdemos economicamente, não
L
426 ALI KAMEL
ganhamos absolutamente nada. Milha‑
res de trabalhadores foram mandados
embora. Entretanto, o ganho político
que nós tivemos resultou na criação do
PT, na criação da CUT e na chegada da‑
quele líder do sindicato à Presidência da
República. (1/5/03, São Bernardo do Cam
po – SP. Op. cit.)
... em 1980 e hoje, acha que a onça deve beber
água: Meu caro Carlos Mesa [presidente
da Bolívia] e meu caro Toledo [Alejan‑
dro Toledo, presidente do Peru], em 1980,
quando mataram o Wilson Pinheiro de
Souza, eu vim a esta cidade e o clima era
muito tenso, porque o Wilson Pinheiro
era um sindicalista e foi morto dentro
de sua casa. E quando eu cheguei aqui
tinha uma assembleia de trabalhadores,
um clima muito tenso, muita gente ar‑
mada andando pelas ruas, o nosso que‑
rido companheiro Osmarino [Amâncio
Rodrigues, ex‑sindicalista], que está
aqui do nosso lado, estava aqui. E me
chamaram para fazer um pronuncia‑
mento. Eu não lembro o que eu disse, eu
só lembro que disse que estava cansado
de fazer discurso na beira de caixão de
companheiros que tinham sido assas‑
sinados. E eu me lembro que utilizei
uma frase, que é muito usual aqui no
Brasil, dizendo que estava chegando a
hora da “onça beber água”. Eu disse essa
frase, voltamos para Rio Branco; estrada
totalmente de terra, uma poeira muito
grande e, para minha surpresa, alguns
dias depois, quando eu estava em São
Paulo, eu fui comunicado que eu estava
sendo processado porque um delegado
da Polícia Federal tinha entendido que
a frase que eu utilizei, “Está chegando a
hora da onça beber água”, era uma se‑
nha para que os trabalhadores se vin‑
gassem. Aconteceu que, no dia seguinte,
eu fui embora, e os trabalhadores ma‑
taram uma pessoa que eles considera‑
vam suspeita de ter matado o Wilson
Pinheiro. Por conta disso, eu fui julgado
em Manaus, fui condenado a três anos
e meio de prisão. Obviamente que não
cumpri a pena porque era réu primário
[em apelação a instâncias superiores,
acabou absolvido]. Mas o esquisito foi
que, na acusação, diziam que eu não
tinha que ser condenado porque tinha
matado qualquer pessoa, que eu não
tinha que ser condenado porque usava
revólver ou metralhadora; eu tinha que
ser preso porque a minha arma era a
minha língua, que era muito ferina, e
eu não podia andar por aí dizendo que a
onça podia beber água. E ainda hoje eu
acho que a onça precisa beber água, por‑
que senão ela morre. (11/8/04, Brasileia –
AC. Inauguração da ponte Wilson Pinheiro
– Integração BrasilBolívia)
... narra a sua trajetória política: Depois que
eu ganhei as eleições, eu passei vários
dias imaginando se era verdade que eu
tinha ganho as eleições. Quando eu to‑
mei posse, eu ficava imaginando como
a democracia é uma coisa fantástica,
porque na sociologia política brasileira
não se imaginava que um operário pu‑
desse chegar a presidente da República.
Eu mesmo não acreditava. E, em vinte
anos, organizamos um partido e ganha‑
mos a Presidência, numa demonstração
de que isso pode acontecer em qual‑
quer país do mundo. Ou seja, a minha
eleição é a demonstração viva de que
a sociedade civil, os trabalhadores po‑
dem governar qualquer país. Têm que
se organizar. Essa é uma coisa extraor‑
dinária. Você, imagine, em tão pouco
tempo, em vinte anos. Eu perdi uma
eleição para governador de São Paulo,
aí fiquei decepcionado em 1982, fiquei
decepcionado, [achando] que eu não ia
ganhar nunca. Depois de um ano eu
cheguei à conclusão que precisava con‑
L
DICIONÁRIOLULA 427
tinuar organizando os trabalhadores.
Em 1986, fui o deputado mais votado da
história do Brasil. Depois, eu não quis
mais ser deputado. Depois, eu perdi a
primeira eleição para presidente. Eu
tive quase 47% dos votos. Fiquei vários
meses decepcionado, achando que não
valia a pena, pensando em desistir de
tudo. Depois, eu fiquei pensando: “Não
é todo dia que um operário tem 32 mi‑
lhões de votos.” Então, eu fiquei imagi‑
nando a dimensão do que significam 32
milhões de votos. Imagine 32 milhões
de seres humanos se levantarem em
um belo dia de manhã pensando em
votar em você. Isso me estimulou e fui
candidato em 1994. Até o mês de abril
de 1994 eu estava certo de que eu ga‑
nharia as eleições. Os meus adversários,
com medo de eu ganhar, diminuíram o
mandato presidencial, proibiram colo‑
car imagem externa na televisão, e eu
perdi. Juntaram‑se todos contra mim e
eu perdi as eleições. Outra vez, eu pen‑
sei em desistir. Mas chegou em 1998, eu
não queria ser candidato. Eu não queria,
porque era muito difícil a eleição, mas
eu tive que ser candidato outra vez. Tive
32% dos votos. Aí eu pensei: “Bom, já
perdi três eleições, eu acho que está na
hora de parar.” Aí, chegou 2002, outra
vez eu fui candidato e ganhei. Então,
esse processo que aconteceu no Brasil é
uma novidade, eu diria, extraordinária
para o mundo. Nem na Revolução Rus‑
sa os trabalhadores chegaram ao poder,
nem na Revolução Cubana os trabalha‑
dores chegaram ao Governo. E no Brasil,
pela via democrática, com debate po‑
lítico, eu fui eleito. Então eu acho que
isso pode despertar em outros traba‑
lhadores, no mundo inteiro, a vontade
de acreditar como eu acreditei. (20/5/05,
Brasília – DF. Entrevista à jornalista Insun
Kang, do jornal Chosun Ilbo)
... atribui a sua eleição à teimosia: Até para
chegar a presidente da República tive
que perder três eleições. Quantos de vo‑
cês imaginaram que eu ia desistir? Quan‑
tos? Alguns até queriam que eu desistis‑
se. Mas a teimosia me fez ser presidente
da República. E, agora que eu cheguei,
eu não vou jogar fora a oportunidade de
realizar o sonho de mais de uma geração,
de alguns até que já morreram e não che‑
garam a ver esse momento. (25/6/03, Bra
sília – DF. 1.º Seminário de Infraestrutura
para o Desenvolvimento Sustentável)
... é presidente porque quis ser: Eu sou o
único presidente que não pode recla‑
mar: “Ah, alguém quis que eu fosse
presidente.” Não. Fui eu que briguei
muito para ser presidente da República.
Briguei porque acredito em cada pala‑
vra que eu disse durante os meus trinta
anos de política. Briguei porque acredi‑
to que é possível transformar este país.
Briguei porque acredito que é possível
fazer com que o dinheiro público possa
ser muito mais útil à sociedade, se não
permitirmos a corrupção e a safadeza.
Briguei porque acredito que é possível
construir um outro país. (30/10/03, Jua
zeiro – BA. Visita à XIV Feira Nacional de
Agricultura Irrigada – FENAGRI)
... foi eleito porque o Brasil chegou ao fundo
do poço: Se o Brasil tivesse tudo maravi‑
lhoso, se todos os estados tivessem di‑
nheiro, se todas as prefeituras tivessem
muito dinheiro, se o Governo Federal
estivesse nadando em dinheiro, não
seria eu o presidente da República. Eu
só estou presidente da República por‑
que o país chegou a um fundo do poço
tão grande que o povo pensou: “Vamos
colocar um peão, para ver se ele conse‑
gue resolver esse negócio.” Não foi por
outra razão. (18/8/03, Pouso Alegre – MG.
Retomada das obras da rodovia Fernão
Dias e do anúncio da recuperação de seis
L
428 ALI KAMEL
mil quilômetros de rodovias federais em
todo o país)
... chora, mas é durão: Eu sou de chorar
de emoção no meio de vocês, mas não
sou de chorar em mesa de negociação.
(4/6/03, São Paulo – SP. 8.º Congresso Na
cional da CUT)
... confia na palavra: Eu sou de uma terra
em que o homem assume o compro‑
misso olhando nos olhos dos outros.
Vale mais do que um documento e vale
mais do que uma promessa. O caráter
não precisa de assinatura. (10/1/03, Tere
sina – PI. Visita à Vila Irmã Dulce)
... tem memória boa: Eu sou um homem
que tem a memória boa. Se há uma coi‑
sa que eu tenho privilegiada é a minha
memória. Não pensem que eu esqueço
um nome ou uma coisa que eu pro‑
meti. Eu sei cada palavra com que eu
me comprometi com o povo, em cada
canto deste país. Sei cada palavra, até
porque não foi uma única vez que eu
disputei as eleições. Eu perdi três elei‑
ções. (6/5/03, Aracaju – SE. Outorga da
Medalha do Mérito Serigy)
... sonha alto: Eu aprendi com um com‑
panheiro meu que diz o seguinte: “Oh,
Lula, o homem tem que ser do tamanho
do seu sonho. Se você sonha pequeno,
você faz coisas pequenas; se você sonha
grande, você faz coisa grande.” Eu sou
pequeno, mas sonho grande e espero
concretizar os sonhos que não são meus,
são do povo brasileiro. (24/2/05, Vitória
– ES. Início das obras do novo terminal do
Aeroporto Internacional de Vitória)
... é otimista porque a vida assim o ensinou:
Eu sou um otimista inveterado. Eu sou
tão otimista que, quando a minha mãe
saiu de Pernambuco com oito filhos
agarrados na saia dela, num pau de
arara, minha mãe levantava a cabeça e
dizia: “Nós vamos vencer!” Para quem
saiu de lá e chegou à Presidência da Re‑
pública, eu não tenho o direito de não
ser otimista. (14/12/04, Manaus – AM.
Inauguração da 1.ª etapa da expansão da
HondaManaus)
... sabe mais que os outros; sofreu e ven
ceu, como Deus: Quando nós ganhamos
as eleições, todo mundo dizia: “O Brasil
vai quebrar, esse Lula não vai dar certo.
Imagina, esse retirante nordestino quer
governar um país que sempre foi gover‑
nado por doutor, sempre foi governado
por gente lá de riba, lá do andar de cima,
não vai dar certo.” O que eles não sabiam
é que eu tinha a convicção de que eu sa‑
bia mais do que eles e que eu não podia
errar. Isso é que eles não sabiam: é que
não podia errar. E, por isso, eu montei
uma equipe de qualidade. Apanhamos
que nem cachorro sarnento. Não foi
fácil, não. Eu tinha até medo do segun‑
do mandato, porque eu achava: “Se eu
apanhar tanto, como eu apanhei no pri‑
meiro, eu vou morrer de pancada.” Mas,
graças a Deus, nós aprendemos uma li‑
ção: das coisas ruins da vida da gente, a
gente precisa tirar proveito. Eu acho que,
de vez em quando, Deus faz as coisas co‑
nosco de propósito, para saber se a gente
vai passar na provação. Ele passou. Pois
bem, nós passamos. (6/5/08, Igarapé da
Cachoeirinha – AM. Inauguração do projeto
de urbanização do Igarapé da Cachoeirinha,
assinatura de ordens de início das obras da
ponte sobre o rio Negro, de ordens de serviço
do PAC e do Pacto Federativo do Amazonas)
... sabe o que quer, sabe fazer: Eu tenho
consciência de cada passo que vou dar
neste país. Nada será feito de forma
precipitada, fora de hora, tudo será feito
como tem que ser feito. (22/4/03, Vitória
– ES. Assinatura de Protocolo de Intenções e
repasse de recursos da União para o Espírito
Santo, para a área da segurança pública)
... tem de atender às reivindicações de si
próprio: A minha vida inteira foi reivin‑
L
DICIONÁRIOLULA 429
dicar. E eu, agora, não questiono nin‑
guém, Tarso [Genro, ministro do Con‑
selho de Desenvolvimento Econômico
e Social – CDES], eu agora só me ques‑
tiono. Eu tenho que atender às minhas
próprias reivindicações. (4/9/03, Brasí
lia – DF. Reunião do Conselho de Desenvol
vimento Econômico e Social – CDES)
... não precisa falar inglês: Os preconceituo‑
sos contra mim diziam assim: “Como é
possível o Lula governar um país se ele
não sabe nem falar inglês? Como é que
ele vai conseguir conversar com o Bush
[George W. Bush, presidente dos Estados
Unidos], com o Tony Blair [primeiro‑mi‑
nistro do Reino Unido]?” Eu estou provan‑
do que eu não preciso falar inglês para ser
respeitado no mundo. Eu tenho que falar
português. Eu tenho que falar, pura e sim‑
plesmente, a língua de 175 milhões de
brasileiros, para ser respeitado no mundo.
(4/6/03, São Paulo – SP. Op. cit.)
... duvida do próprio merecimento: Tenho
vários títulos de doutor honoris causa para
receber e não recebi nenhum, porque só
vou receber depois que eu deixar de ser
presidente, para saber se as pes soas que‑
riam me dar porque eu mereço ou porque
eu era presidente da República. Então,
quando terminar o meu mandato, eu vou
atrás. (20/10/05, Brasília – DF. Abertura do
11.º Congresso Nacional do PCdoB)
... duvida das novas amizades: Guardem
sempre uma frase que eu digo: “No dia
em que eu deixar a Presidência da Repú‑
blica, só terei como amigos, certamente,
aqueles que eram meus amigos antes de
eu ser presidente da República.” Disso eu
não me esqueço. Eu tenho conversado
com vários ex‑presidentes, e os ex‑presi‑
dentes falam assim para mim: “Puxa vida,
quando eu estava na Presidência, tinha
tanta gente que queria falar comigo, ti‑
nha tanta audiência. Eu, agora, deixei de
ser presidente e ninguém telefona mais
para mim, ninguém liga mais para mim.”
Ou seja, é assim mesmo, porque não tem
uma relação verdadeira. (21/1/05, Porto
Seguro – BA. Visita ao acampamento Luiz
Inácio Lula da Silva)
... tem muitos amigos: Eu sou um homem
de muitos amigos. Durante a minha
vida inteira eu construí uma relação
de amizade que eu tento fazer sólida.
Eu nunca perdi a amizade de um com‑
panheiro porque ele divergiu de mim,
porque não concordou comigo, porque
está em outro partido ou porque torce
para outro time. Nunca. (18/4/05, São
Bernardo do Campo – SP. Comemoração
dos trinta anos da sua posse como presiden
te do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC)
... é um homem de sorte: Eu não tenho
tempo para levantar de cara feia. Eu
sou um homem de muita sorte. Então,
eu quero continuar, todos os dias, ten‑
do muita sorte. É o seguinte: tudo o que
dá errado é culpa minha, tudo o que dá
certo é porque eu tenho sorte. Eu acho
que o povo não vai votar num azarado
para ser presidente da República, nun‑
ca. Tampouco uma mulher vai escolher
um marido azarado. Imagine se o cara
chegar para a mulher: “Meu amor, eu
quero me casar com você, mas eu queria
dizer que eu sou tão azarado que eu não
tenho sorte nunca...” Você acha que ela
vai se casar? (20/3/08, Foz do Iguaçu – PR.
Entrega dos contratos de cessão de uso de
águas públicas para aquicultura, assinatu
ra do termo de cooperação entre a Petrobras
e os estados do MS e PR para construção do
alcoolduto Campo Grande)
... é imune a urucubaca: O que tem de gente
fazendo figa para que a gente não consi‑
ga ter sucesso é uma coisa maluca, mas,
como eu sou um cristão e tenho muita
fé, urucubaca não vai pegar em cima de
nós. (23/7/04, Brasília – DF. Assinatura
da MP de correção de aposentadorias e pen
L
430 ALI KAMEL
sões de fevereiro de 1994 a março de 1997,
e da MP de abono de R$100,00 no I.R. de
pessoas físicas)
... não atribui o sucesso à sorte: Tem muita
gente que diz que as coisas estão dando
certo no Brasil porque o Lula tem sorte.
Obviamente que eu prefiro ser o Lula
com sorte do que o Lula sem sorte, por‑
que não há na vida nada que aconteça,
para nenhum de nós, se a gente não tiver
um pouco de sorte. Mas o que está acon‑
tecendo no Brasil é uma coisa que nós
preparamos, e muitos dos ensinamentos
que eu aprendi na minha vida cotidiana
eu coloco em prática na arte de governar
este país. Eu me casei pela primeira vez
em 1969 e assumi o compromisso, com
a minha mulher, de que eu só ia pagar
um ano de aluguel e depois eu ia com‑
prar uma casa. Para poder comprar essa
casa, no primeiro ano de casados – eu e
a mulher trabalhando –, nós nunca fo‑
mos a um restaurante, nós nunca fomos
ao cinema, porque, a cada vez que eu ia
pagar o aluguel, eu achava aquele dinhei‑
ro amaldiçoado. Era um dinheiro que
eu dava e eu sabia que não estava cons‑
truindo nada para mim. Fizemos um ano
de sacrifício, não tinha restaurante, não
tinha cinema, não tinha teatro, não ti‑
nha festa, não tinha roupa nova, não
tinha nada. Um ano depois, eu comprei a
minha primeira casa. Quem conhece São
Paulo, era no Parque Bristol, era uma ri‑
banceira tão grande que, quando chovia,
a gente quase não conseguia ir trabalhar,
porque não tinha guia, não tinha sar‑
jeta, o barro virava uma cola e eu tinha
que colocar uma galocha, andar a pé até
o asfalto, tirar a galocha, embrulhar em
um jornal e levar para a fábrica. Quando
chegava à fábrica, lavava, deixava secar, e
à tarde, quando eu saía da fábrica, descia
do ônibus, na padaria, colocava a galo‑
cha, chegava em casa, tirava a galocha.
Mais um pouco e eu pegaria o apelido de
Lula Galocha. Dois anos depois, minha
mulher morreu, eu fiquei quatro anos
viúvo, me casei outra vez. Tinha vendido
a casa porque eu tinha me mudado para
São Bernardo. Quando eu me casei com a
Marisa, eu assumi um compromisso: em
um ano a gente vai comprar outra casa.
Não deu para comprar em um ano, eu
comprei a casa em um ano e seis meses.
A Marisa trabalhava, eu trabalhava, ou‑
tra vez não tinha restaurante, não tinha
cinema, não tinha roupa nova. Qualquer
dinheiro que a gente ganhava era guarda‑
do para a gente comprar a casa. Um ano
e meio depois, eu comprei uma casinha
do BNH [Banco Nacional da Habitação, já
extinto], com 33m2. Imaginem o tama‑
nho da casa: quando um filho ia dormir,
o outro tinha que se levantar; quando co‑
locava o fogão, tinha que tirar a geladeira;
se esticasse o pé no quarto, o pé saía pela
janela. Nunca reclamei, porque não sou
feito para reclamar. Eu aprendi que, em
vez de reclamar, nós temos que fazer as
transformações que acreditamos que seja
possível fazer, e fazê‑las. Eu contei esses
dois casos para chegar ao Brasil. Aqui tem
extraordinários companheiros e compa‑
nheiras que vieram comigo, intelectuais
da mais alta competência deste país. Es‑
sas pessoas sabem, como muitos de vocês
aqui em Araraquara sabem, que, quando
eu tomei posse, muita gente dizia: “Coi‑
tado do Lula. O Brasil está quebrado.” Pri‑
meiro, o Brasil não tinha credibilidade
externa, a gente não tinha dinheiro para
pagar as nossas importações, o dinheiro
que a gente tinha de reserva eram trinta
bilhões de dólares, emprestados pelo
FMI [Fundo Monetário Internacional], e a
gente estava com os juros na estratosfera.
A inflação já tinha ultrapassado os dois
dígitos, e a situação era que “o Brasil vai
quebrar”. A primeira coisa que nós fize‑
L
DICIONÁRIOLULA 431
mos, no ano de 2003, foi o maior aperto
que este país já conheceu. Eu perdi até
amigos que achavam que eu podia fazer
a transformação no primeiro ano ou no
primeiro mês. Perdi muitos amigos que
achavam que eu não ia fazer nada, por‑
que os juros continuavam altos, porque
o Brasil não crescia, porque tinha desem‑
prego. E nós fizemos o ano de maior sacri‑
fício neste país. Aumentamos, inclusive,
o superávit primário: era de 3,75% e nós
levamos para 4,25%. Por quê? Porque eu
precisava fazer um sinal para os credores
brasileiros de que a gente ia garantir o
pagamento daquilo que era a dívida con‑
traída por nós mesmos. Passamos 2003,
2004 deu uma melhorada, a inflação co‑
meçou a voltar e nós tivemos que aumen‑
tar juros outra vez. Passamos 2005 muito
apertados. Todo mundo acompanhou
pela televisão o que os partidos de oposi‑
ção tentaram fazer conosco. Todo mundo,
aqui neste país, acompanhou o que uma
parte da imprensa fez conosco em 2005 e
em 2006. E em nenhum momento vocês
me viram nervoso, porque eu tinha ob‑
jetivos, eu tinha propósitos. Eu sempre
dizia: “Qualquer governante neste país
pode errar, que não tem problema, o
povo já está acostumado com erros de go‑
vernantes.” O povo elege um governante
e ele não cumpre 10% do que prometeu.
Quando termina o seu mandato ele vai
embora, estudar lá fora, fica quatro anos
fora, depois regressa como se nada tives‑
se acontecido e ainda se candidata outra
vez. Eu dizia: “Eu não posso errar, porque,
se eu errar, tem duas coisas graves que
vão acontecer.” Primeiro, eu não posso ir
para fora, não quero ir para fora. Quando
eu perdi as eleições, me ofereceram um
curso em Harvard, para que eu fosse me
preparar, aprender inglês, que eu ia ficar
mais “chiquérrimo”. Obviamente que
tinha vontade de fazer tudo isso, mas eu
achava que, se eu quisesse ser presidente
do Brasil, eu precisava conhecer a alma
deste país, viajar este país, viajar os gro‑
tões deste país, conhecer a cara do povo
deste país. Pois bem, esta é a primeira ra‑
zão pela qual eu não posso errar. A outra
é porque vindo de onde eu vim e chegar
à Presidência da República... porque tam‑
bém não estava nos livros de sociologia
um operário ser presidente da República
do Brasil. Imaginava‑se que, se houvesse
uma revolução, um operário poderia che‑
gar à Presidência da República. Mas não
tem, também, nenhum país que fez revo‑
lução em que um operário chegou à Pre‑
sidência da República; normalmente era
alguém mais sabido do que o operário, in‑
telectualmente. Então, o Brasil construiu
uma coisa sui generis. O Brasil é uma das
dez maiores nações do mundo, e o nosso
processo cultural, o nosso processo de‑
mocrático permitiu que um metalúrgico,
que só tem um curso do Senai, chegasse
à Presidência da República deste país. E
eu dizia: “Por que eu não posso errar?”
Porque, se eu errar, eles vão colocar uma
cangalha no nosso pescoço e vão passar
150 anos ou 200 anos para as pessoas ad‑
mitirem que um operário pode chegar à
Presidência da República. Então, todo o
sacrifício que nós fizemos permitiu que a
gente pudesse estar vivendo o momento
que estamos vivendo hoje. Nós, que tí‑
nhamos apenas 30 bilhões de reais de re‑
servas, dos quais 15 bilhões e 900 milhões
do FMI, hoje temos quase 200 bilhões de
dólares de reservas, não devemos nada ao
FMI, não devemos nada ao Clube de Paris
e não devemos nada a ninguém. O que
nós devemos são as compras que faze‑
mos. Hoje o Brasil, que desde que Cabral
colocou os pés aqui sempre deveu para
alguém, na história de quinhentos anos,
o Brasil sempre deveu para alguém. Hoje,
graças a Deus, o Brasil é credor interna‑
L
432 ALI KAMEL
cional, nós temos mais reservas do que
nós devemos. (14/3/08, Araraquara – SP.
Assinatura de ordens de início das obras do
PAC em Araraquara)
... divide para aprender melhor: Agora, eu
gosto de tencionar as disputas, porque
toda vez... eu nunca ouvi um único eco‑
nomista na minha vida. Nunca. Quando
eu não estava na Presidência, eu, nos últi‑
mos dez anos, antes de chegar à Presidên‑
cia, me reunia todo mês com pelo menos
trinta economistas. Quando eu precisava
de um assessor que eu chamava para me
dizer uma coisa, eu chamava outro que
pensava um pouco diferente dele para
ver se tinha um denominador comum
que me permitisse não ouvir apenas
uma voz, mas ouvir duas, se possível três,
para poder tomar as decisões corretas. É
assim que eu sou e, aos sessenta anos de
idade, ao invés de mudar, eu quero aper‑
feiçoar esse modo de ser que aprendemos
com a vida. (18/11/05, Brasília – DF. Entre
vista coletiva a emissoras de rádio de AM, PE,
MG, PA, BA, RS, CE e GO)
... não governa com “principismo”: Eu fui
um que fui ao Congresso Nacional tra‑
balhar para a bancada do PT não apro‑
var a CPMF [Contribuição Provisória
sobre a Movimentação ou Transmis‑
são de Valores e de Créditos e Direitos
de Natureza Financeira]. Agora, eu sou
um cidadão que tem humildade para
mudar de posição, sobretudo quando
você vira presidente da República e
depende de quarenta bilhões de reais
para fazer investimentos. Eu não sou
um poste, eu sou um ser humano.
Você não governa com principismo.
Principismo você faz no partido quan‑
do pensa que não vai ganhar nunca as
eleições. Quando você vira Governo,
você governa em função da realidade
que você tem, e uma das realidades é o
Orçamento da União. (15/9/07, Madri –
Espanha. Entrevista coletiva a jornalistas
brasileiros, após almoço oferecido pelo pre
sidente de Governo da Espanha, José Luis
Zapatero)
... pertence ao Brasil: E eu tenho dito aos
quatro cantos do país: “Eu não vou jo‑
gar fora essa oportunidade.” Primeiro,
porque o Brasil não é do Lula, o Lula é
que é brasileiro. O Brasil pertence a 175
milhões de brasileiros, o nosso manda‑
to é de apenas quatro anos e, portanto,
nós temos que fazer o esforço que for
necessário para que possamos, nos qua‑
tro anos, deixar alguma coisa plantada
para que os nossos filhos e os nossos
netos possam colher. (15/4/03, Catalão
– GO. Inauguração do novo Complexo Mi
neroindustrial Copebrás)
... é popular, mas não populista: Eu gosto
de ser chamado de popular e me ofen‑
do em ser confundido com populista.
(12/3/08, Brasília – DF. Op. cit.)
... desperta esperanças como nenhum outro:
Eu sei a expectativa que estou geran‑
do nas mulheres, nos homens e nas
crianças. Eu nunca vi, na história do
Brasil, tanta expectativa, tanta esperan‑
ça e tanta gente pedindo a Deus para a
gente acertar. E tanta gente pedindo não
emprego, mas dizendo para mim: “Lula,
como é que eu faço para ajudar o nosso
Governo a dar certo?” (24/1/03, Porto Ale
gre – RS. III Fórum Social Mundial)
... é o presidente mais aplaudido em Davos:
Algum de vocês, algum dia, imaginou
que eu pudesse ser o presidente mais
aplaudido na história de Davos? Sabem
por quê? Porque, antes, nós tínhamos
tido uma reunião iberoamericana, com
todos os países da América Latina. E co‑
mecei a perceber que os governantes do
Terceiro Mundo agem como se fossem
inferiores; nós somos sempre “coitadi‑
nhos”, estamos sempre procurando um
culpado para as nossas causas. (27/3/03,
L
DICIONÁRIOLULA 433
São Paulo – SP. Posse do presidente da Asso
ciação Comercial de São Paulo)
... não quer dividir, mas trabalha com um Brasil
já dividido: Daí criou‑se o sofisma de que
alguém queria dividir o Brasil: “Esse Lula
quer dividir o Brasil entre ricos e pobres.”
Não, eu não quero dividir, eu já nasci
com ele dividido e, lamentavelmente,
nasci do lado dos pobres. Eu poderia ter
nascido senhor de engenho, mas nasci na
senzala. Não fui eu quem dividiu, ele veio
dividido. O que eu quero é repartir o pão
produzido de forma mais justa, e quem
estuda economia neste país, quem fala
de economia com seriedade sabe que
o consumo, numa parte deste país, está
crescendo a níveis que nunca cresceram,
sobretudo na parte mais pobre deste país.
(6/11/06, São Paulo – SP. Premiação das Em
presas mais Admiradas no Brasil)
... não pode errar: É por isso que, sem que‑
rer ofender ninguém, eu digo sempre:
“Qualquer pessoa pode ser presidente; de‑
pois que ele sai, o povo nem lembra que
ele existe.” Mas eu, no dia em que vencer
o meu mandato, virei morar a seiscentos
metros deste sindicato. Então, se eu não
fizer as coisas direito, muita gente sabe
onde eu moro. Quero encontrar vocês
durante todo o meu mandato, e quero
encontrar vocês também depois do meu
mandato e olhar na cara do Marinho
[Luiz Marinho, presidente da Central
Única dos Trabalhadores], do Feijóo [José
Lopez Feijóo, presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC], do Vicentinho
[Vicente Paulo da Silva, deputado federal
pelo PT de São Paulo], do Meneguelli [Jair
Meneguelli, presidente do Serviço Social
da Indústria – SESI], do Guiba [Heguiber‑
to Della Bella Navarro, delegado regional
do Trabalho em São Paulo], de cada um
de vocês, e dizer: “Companheiros, mis‑
são cumprida, porque eu estou aqui de
cabeça erguida, olhando no olho de cada
um de vocês.” (26/6/03, São Bernardo do
Campo – SP. Abertura do 4.º Congresso de
Metalúrgicos do ABC)
... se fracassar, o fracasso não será dele: Os
adversários querem, na verdade, é impe‑
dir que as coisas aconteçam neste país;
mediocridade de algumas pessoas que
acham que elas só terão chance de vencer
na vida se eu fracassar. Agora, se eu fracas‑
sar, o fracasso não é meu. Aquele “cabra”
que morou dentro da água, aquele “ca‑
bra” que bebeu água do açude em Caetés,
aquele “cabra” que bebeu água não filtra‑
da, mas assentada, aquele “cabra” que co‑
mia uma vez por dia, quando tinha, virou
presidente da República. Então, as pes‑
soas não vão me prejudicar, até porque
os que querem me prejudicar, quando eu
não for mais presidente, vão me convidar
para fazer palestra para eles e vão pagar.
Quem vai ser prejudicado é o povo deste
país, são milhões e milhões de mulheres,
crianças, jovens que estão abandonados
há meio século. Como é que a gente recu‑
pera isso? Se não houver, por parte da so‑
ciedade, a compreensão de que a disputa
eleitoral termina quando conta os votos,
contou os votos, não tem mais situação
e oposição, pode ter no Congresso, mas,
para administrar, todo mundo tem que
assumir a responsabilidade. Hoje, Eduar‑
do [Campos, governador de Pernambuco],
eu sou um homem convencido de que só
Deus, na sua grandeza infinita, pode im‑
pedir que a gente faça as coisas que nós te‑
mos que fazer neste país, doa a quem doer.
Nós vamos elevar o padrão de vida dessa
sociedade, nós vamos elevar o padrão de
vida do povo, fazer essas crianças terem
esperança, porque hoje esses jovens que
a gente vê na televisão todo santo dia co‑
metendo violência são os filhos da déca‑
da de 80, são jovens que foram nascidos
até na época do milagre brasileiro, mas
um milagre brasileiro que não sabia que
L
434 ALI KAMEL
tinha crianças, homens e mulheres neste
país. (12/7/07, Recife – PE. Lançamento do
PAC nas áreas de saneamento e urbanização
no estado de Pernambuco)
... pode ser cobrado, mas quer que as pes
soas cobrem também de si próprias: As pes‑
soas que são exigentes comigo têm que
continuar a ser exigentes, têm que co‑
brar. Não podem parar de cobrar nunca.
Mas toda vez que forem me cobrar, an‑
tes cobrem a si mesmas: “O que eu estou
fazendo para mudar este país?” Não de‑
positem tudo nas costas do presidente,
porque aí é falso. Depositem nas costas
de cada um de nós. O que nós estamos fa‑
zendo para mudar a história deste país?
O que nós estamos fazendo para haver
a distribuição de renda? Porque, se fos‑
se possível fazer por decreto, já estaria
feito. (28/8/03, São Paulo – SP. Aniversário
dos vinte anos da Central Única dos Traba
lhadores, e posse da nova diretoria)
... explica elogios a ditadores: Por isso, é
com muito orgulho que, de vez em
quando, as pessoas falam: “O Lula de‑
fende, elogia o Governo Geisel [Ernesto
Geisel, presidente do Brasil de 1974 a
1979], o Lula elogia não sei das quantas
e tal.” Pois eu agora veja a contradição,
Requião [Roberto Requião, governador
do Paraná]: um dos presidentes que per‑
mitiu que a gente vivesse o momento
político mais crítico da história do país,
o presidente Médici [Emílio Garrastazu
Médici, presidente do Brasil de 1969 a
1974], foi o homem que assinou a Em‑
brapa [Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária] e foi o homem que as‑
sinou Itaipu. Em uma demonstração
de que cada um de nós tem uma coisa
boa para oferecer, tem coisas ruins den‑
tro da gente, e que nós não poderemos
ficar julgando eternamente as pesso‑
as por um gesto, ou dois gestos, sem
compreender os outros gestos que as
pes soas fizeram, que permitiram que o
Brasil encontrasse o seu rumo. Cada um
de nós será julgado um dia. Cada um de
nós será julgado por aquilo que fez, por
aquilo que deixar de fazer, pelos nossos
erros e pelos nossos acertos. (23/4/08,
Brasília – DF. Comemoração do 35.º ani
versário da Empresa Brasileira de Pesqui
sa Agropecuária – Embrapa)
... não recebe lições de ética: E quero dizer
para vocês, meus companheiros e com‑
panheiras: neste país de 180 milhões de
brasileiros pode ter igual, mas não tem
nem mulher nem homem que tenha
coragem de me dar lição de ética, de
moral e de honestidade. Neste país, está
para nascer alguém que venha querer
discutir ética. Porque eu digo sempre
o seguinte: “Eu sou filho de pai e mãe
analfabetos, minha mãe não era capaz
de fazer um ‘o’ com um copo. E o único
legado que eles deixaram, não apenas
para mim, para a família, era que andar
de cabeça erguida é a coisa mais impor‑
tante que pode acontecer a um homem e
a uma mulher.” Portanto, meus compa‑
nheiros, eu conquistei o direito de andar
de cabeça erguida, neste país, com muito
sacrifício. E não vai ser a elite brasileira
que vai fazer eu baixar a minha cabeça.
Não vai ser. (22/7/05, Rio de Janeiro – RJ.
Visita às novas unidades de produção da Re
finaria de Duque de Caxias – Reduc)
... bebe, mas sem ficar bêbado: Eu duvido
que tenha um jornalista no Brasil que
tenha me visto bêbado. Duvido que te‑
nha um companheiro meu do PT que
tenha me visto bêbado. Duvido que
tenha um militante do movimento
sindical que tenha me visto bêbado. E
eu digo para todo mundo ouvir: a últi‑
ma vez que eu bebi foi quando o Brasil
perdeu da Holanda, de 2 a 0, na Copa
do Mundo de 1974. Foi a primeira vez
que eu vi televisão em cores, a gente ti‑
L
DICIONÁRIOLULA 435
nha fechado o sindicato para comemo‑
rar a vitória do Brasil. O Brasil perdeu
e a gente bebeu, de tristeza. Eu estava
casado com a Marisa há um mês e che‑
guei em casa travado. Depois disso, eu
duvido. Então, eu fiquei furioso por‑
que como é que pode um cidadão que
nunca conversou comigo, que nunca
me viu, que nunca tomou um copo
de cerveja comigo, que nunca tomou
um copo d’água comigo, fazer uma
matéria de que eu bebia [Larry Rohter,
repórter do New York Times]? Isso me
deixou muito furioso. Se é um compa‑
nheiro que está comigo num bar e está
me vendo tomar dois uísques, escreva
que eu tomei dois uísques que esta‑
rá falando a verdade. Então, eu fiquei
muito furioso. Eu fiquei muito furioso,
porque se as pessoas perguntam para
mim: “Lula, você bebe?”, eu falo: “Bebo.”
Gosto, gosto de tomar um uisquezinho,
não gosto de cerveja, não gosto muito
de vinho. Agora, eu estou falando de 33
anos. Eu duvido, desafio alguém a dizer
que já me viu bêbado. (10/10/07, Brasí
lia – DF. Entrevista ao jornalista Kennedy
Alencar, do jornal Folha de S.Paulo)
... não bebe antes de falar em público, ao
contrário da época em que era metalúrgico:
Vou tomar um pouquinho de água. A
diferença do Lula presidente, aqui em
Araraquara, e o Lula metalúrgico, na
porta de fábrica, é que lá, quando eu
ia fazer assembleia às cinco horas da
manhã, era obrigado a tomar uma coi‑
sa mais quente do que água para poder
falar, e como presidente eu estou com
uma aguinha aqui. (14/3/08, Araraqua
ra – SP. Assinatura de ordens de início das
obras do PAC em Araraquara)
... adora briga, mas não pode brigar: Eu gos‑
to de uma briga, adoro uma briga, quem
me conhece sabe que eu adoro uma
briga. Agora, eu sou o presidente da Re‑
pública, eu não posso ficar responden‑
do cada baixo nível que fazem contra
mim. Não posso. A minha responsabi‑
lidade é tentar dar de mim aquilo que
vocês acreditaram que eu podia dar, e
foi por isso que, neste estado aqui, eu
tive a votação que tive nas eleições de
2002. (21/3/06, Salvador – BA. Retomada
das obras do metrô de Salvador)
... briga com a balança: O peso deve estar
nos 84 quilos. [...] Mas estou agora fa‑
zendo regime, e eu vou chegar a oitenta
quilos. Essa ginástica, esse exercício
físico, eu acho que isso me deixa com
bom humor todo dia. Eu não tenho mo‑
tivo para não ter bom humor. (10/10/07,
Brasília – DF. Op. cit.)
... é uma metamorfose ambulante: As pes‑
soas dizem uma coisa hoje, amanhã têm
que reconhecer que erraram. E eu acho
que, graças a Deus, o mundo é assim.
Graças a Deus, nós temos inteligência
para não ser os donos da verdade e ser
uma espécie de metamorfose ambulan‑
te, mudando sempre, nos aprimorando
sempre, para melhorar sempre. O que
eu posso te garantir é que eu continuo,
hoje, o mesmo Lula de janeiro de 2003.
(15/5/07, Brasília – DF. Entrevista coletiva
a jornalistas brasileiros e estrangeiros)
... gosta de governar, mas teme enjoar: Eu
gosto de tudo no Governo, gosto de
discutir economia, gosto de discutir
política externa... O segundo mandato,
para mim, está sendo mais complica‑
do do que o primeiro, porque eu passo
24 horas por dia tentando me motivar.
Eu não quero permitir que o segundo
mandato me canse, por isso tento ficar
criando coisas novas. Mas estou feliz,
sou um homem feliz hoje. (10/12/07.
Entrevista exclusiva ao repórter Ricardo
Amaral [revista Época] durante voo Ar
gentinaBrasil, após a posse da presidente
Cristina Kirchner)
L
436 ALI KAMEL
... quer entrar para a História: Eu não que‑
ro passar para a história do Brasil como
o presidente que será lembrado porque
tem uma fotografia exposta no Salão No‑
bre do Palácio. Não. Eu quero ser lembra‑
do como presidente da República pelas
políticas sociais que nós implementar‑
mos; pela mudança da qualidade de vida
de homens e mulheres; e, sobretudo, pela
qualidade da Educação e da Saúde que a
gente quer implantar neste país. (1/5/03,
São Bernardo do Campo – SP. Op. cit.)
... quer entrar para a História, mas não é da
turma do “eu me amo”: Eu acho que nós
vamos passar para a história do país da
forma que o povo nos enxergar. Não cabe
a mim me enxergar, eu não sou da tur‑
ma do “eu me amo”. Sabe aquela turma
do “eu me amo”, que tudo o que faz é o
melhor do mundo? Eu não sou. Eu não
estou fazendo para mim. O que eu estou
fazendo são aspirações que eu alimentei
a vida inteira, que estou tentando cons‑
truir, sabendo que não é possível mudar
em quatro anos erros estruturais de qui‑
nhentos anos, de trezentos anos, de du‑
zentos anos. Mas pela primeira vez nós
estamos colocando o pobre na agenda
mundial. Pela primeira vez, eu sou con‑
vidado a Davos, a Evian, no G‑8. Eu nun‑
ca pensei em participar do G‑8, porque o
Brasil tinha caído, e colocar a questão da
fome, discutir a fome com os presidentes
dos países mais importantes do mundo.
De repente, você ter apoio de presiden‑
tes importantes; de repente, hoje não
tem uma reunião internacional em que
a questão da fome não seja colocada e o
Bolsa Família seja pego como exemplo.
Então, isso é uma coisa importante. Sabe
por quê? Porque a fome... as pessoas têm
vergonha de dizer que têm fome. E so‑
mente quem sentiu é que sabe o que é a
dor do estômago vazio. (7/11/05, Brasília
– DF. Entrevista ao programa Roda Viva)
... acha que todos que quiseram governar
apenas para entrar para a História fracas
saram: Eu queria dizer a vocês que tem
gente que quer governar uma cidade,
um estado ou um país, para marcar o
seu nome na História ou, quem sabe,
construir uma biografia. Eu acredito
que todos que pensam assim ou que
pensaram fracassaram antes de come‑
çar. (27/3/03, São Paulo – SP. Op. cit.)
... sabe como quer entrar para a História:
Eu vou passar para a história do Brasil
como o presidente que fez a maior polí‑
tica social, como o presidente que mais
construiu universidades públicas no
Brasil e, ao mesmo tempo, como o presi‑
dente que levou mais benefícios para os
pequenos agricultores nas regiões mais
pobres do país. (5/7/07, Bruxelas – Bélgi
ca. Entrevista ao canal France 24)
... quando deixar a Presidência, quer viver a
vidinha dele: Eu sei, ao longo da Histó‑
ria, a dificuldade das pessoas viverem
sem a corte, depois de passar tanto tem‑
po com a corte. E, por conta disso, mui‑
ta gente erra na política, muita gente
cai em depressão, muita gente não se
dá conta de que perdeu, acabou o man‑
dato, tem que fazer outra coisa. Eu pre‑
tendo viver a minha vidinha tranquila.
Eu – você conhece – pretendo voltar, no
meu sábado e domingo, lá para o meu
terreninho em São Bernardo do Campo,
fazer o meu feijãozinho, fazer o meu
coelhinho na panela de ferro, fumar
um cigarrinho de corda sentado perto
do fogão a lenha. E obviamente que vou
continuar tendo atividade política, mas
não quero nada de cargo, não quero vol‑
tar para a direção do PT, não quero nada.
(10/10/07, Brasília – DF. Op. cit.)
... quando chegar 2014, quer estar vivo: Não
há a menor hipótese de um terceiro
mandato, isso seria brincar com a de‑
mocracia brasileira. Quando terminar
L
DICIONÁRIOLULA 437
meu mandato na Presidência, em 2010,
quero voltar para a minha amada São
Bernardo do Campo e andar de cabeça
erguida ao lado dos meus velhos com‑
panheiros de movimento sindical. Aí
vou pescar, descansar e fazer aquele
meu coelhinho assado, que eu adoro.
Quanto a 2014, se eu estiver vivo já dou
graças a Deus. (18/2/08, Brasília – DF. En
trevista exclusiva à revista Encontro)