Luiz Garcia Fora do gibi
O Globo - 07/08/2009 |
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Nunca deu para entender direito por que o presidente Lula precisa ter simultaneamente um ministro do Exterior e um assessor especial para assuntos internacionais; ainda mais se ambos, aparentemente, têm igual força no governo. Segundo críticos cruéis e invejosos, Lula necessitaria do assessor Marco Aurélio Garcia para lhe explicar exatamente o que o ministro Celso Amorim faz ou diz. Não deve ser verdade. Ambos conseguem ser perfeitamente ininteligíveis ao mesmo tempo. Praticam o diplomatês com desembaraço de fazer inveja a certos economistas oficiais quando explicam ao povo o que está acontecendo com o seu dinheiro. Por exemplo, não parece que adiantaria grande coisa pedir a qualquer membro do atual governo, ministro ou não, que traduzisse em termos aceitáveis a mais recente interpretação dada pelo assessor aos acontecimentos dos últimos dias na Venezuela, de onde ele acaba de voltar. Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (órgão da Organização dos Estados Americanos, da qual o Brasil faz parte), a liberdade de expressão está correndo sério risco na Venezuela. A comissão citou fatos que justificam o diagnóstico: fechamento de 34 estações de rádio, agressões a jornalistas e um cabeludo projeto de lei sobre “delitos midiáticos” (deve ser o que antigamente se definia como crimes de imprensa). Outras acusações partiram da Sociedade Interamericana de Imprensa, que não fez por pouco: “Em todos os níveis, o governo está adotando medidas legais e judiciais para fazer desaparecer a imprensa crítica.” E mais: segundo a Associação Internacional de Radiodifusão, “o regime autoritário venezuelano aumenta suas ações de hostilidade e violência contra meios livres e independentes”. Não são venezuelanos da oposição que revelam esse quadro triste. São entidades internacionais, sem voto de obediência a qualquer governo, que se dedicam a brigar pela preservação do direito de expressão em qualquer país. Para a opinião pública, principalmente a de países vizinhos da Venezuela, agressões a esse direito perto de suas fronteiras são problema que precisa ser visto com preocupação e tristeza. Quem zela pela democracia no Brasil, por exemplo, não pode deixar de se preocupar com ameaças à liberdade de expressão em qualquer país vizinho. Não é por acaso que a Organização dos Estados Americanos e também o nosso ainda limitado mercado comum consideram vital a preservação da democracia no Hemisfério. Ainda mais porque regimes autoritários têm uma desagradável tendência a desaguar em totalitarismo absoluto. E ditaduras gostam de ter irmãs por perto, desde que bem disciplinadas. O atual governo brasileiro — que, claro, não deu qualquer passo evidente na direção do autoritarismo — deixa de agir em defesa do seu próprio perfil quando minimiza acontecimentos antigos e recentes na Venezuela. Outro dia, o assessor Marco Aurélio, voltando de um encontro com Chávez em Caracas, preferiu responder com ironia quando repórteres lhe perguntaram sobre as ameaças à democracia na Venezuela. Para ele, o que a mídia local diz sobre o presidente “não está no gibi”. Se era com esse humor sofisticado que Marco Aurélio se preparava para prestar contas ao chanceler e ao presidente sobre os problemas do vizinho, ele certamente gastou uma passagem de avião àtoa. Também ficou fora do gibi. |