Wednesday, August 26, 2009

EDITORIAIS

O QUE PENSA A MÍDIA
26/8/2009 - EDITORIAL
QUEBRA DO SELO
EDITORIAL
O GLOBO
26/8/2009

Parece contrassenso um governo de tão bem pavimentadas relações com o sindicalismo do setor público enfrentar a debandada de boa parte da cúpula da Receita Federal, um dos órgãos vitais do Estado. A dimensão inédita da entrega de cargos de chefia leva a crer que mesmo a recolocação das peças a toque de caixa não será capaz de apaziguar os ânimos por lá.
Não se tem notícia de um movimento que tenha levado 12 dirigentes do alto escalão de qualquer organismo público — entre os quais um subsecretário e cinco dos dez superintendentes — a entregar o cargo e emitir nota pública de teor político. A ligação das demissões com o afastamento da secretária Lina Vieira pelo ministro Guido Mantega, com apenas onze meses de gestão, é indiscutível.
E se considerarmos como verdadeira a condição de Lina de legítima representante do Unafisco — o sindicato dos auditores fiscais —, conclui-se que o governo mexeu em vespeiro ao destituir a secretária e auxiliares.
A Receita, exemplo típico de instituição de Estado, e não de governo, é conhecida por se assentar sobre grupos com lideranças definidas. Lina Vieira seria uma delas. E logo com ela foi acontecer a questão da fiscalização na Petrobras — historicamente um satélite com vida própria a girar em torno da nave-mãe do Estado brasileiro —, numa queda de braço vencida pela estatal, e a polêmica da suposta conversa entre a ministra Dilma Rousseff, ungida candidata a suceder ao chefe Lula, e Lina sobre a devassa em andamento nas empresas de Fernando Sarney, filho de um forte fiador da candidatura da ministra.
Tudo é combustível para alimentar incêndios potencialmente devastadores. A destituição de Lina Vieira parece ter funcionado como centelha de uma explosão que levou o governo do PT, aliado de corporações sindicais — ironia —, a sair chamuscado pelo grave teor da nota redigida pelos demissionários. São graves as referências feitas pelos funcionários a práticas não republicanas dentro da Receita, à ingerência política na instituição, assim como a insinuação de que houve pressão para a fiscalização tirar o foco de “grandes contribuintes”.
Quais, além da estatal? Como se dão as supostas ingerências políticas? Além dessas interferências, quais outras práticas não republicanas ocorreram ou ocorrem? São perguntas que necessitam de respostas cabais e críveis.
A Receita é guardiã legal de informações da esfera privada da população e empresas. Quebrar esse selo de confiabilidade é investir contra o estado de direito.

URGÊNCIA CLIMÁTICA
EDITORIAL
O GLOBO
26/8/2009

Há uma frase de Rajendra Pachauri, diretor do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que resume o dilema: “O que fizermos nos próximos dois ou três anos determinará nosso futuro.” Só que, como lembrou o “New York Times”, a declaração é de dois anos atrás! Quando se trata de enfrentar essa ameaça à Humanidade, juntamse notícias apavorantes, desempenho pífio da maioria dos países e pequenos avanços, configurando um quadro de urgência e, por que não?, de angústia.
Uma coisa é o mundo ser informado de que as geleiras estão derretendo num ritmo assustador.
Outra é tomar conhecimento da primeira estação de esqui do mundo a sucumbir ao aquecimento global: o Glaciar Chacaltaya, na Bolívia, importante contribuinte da bacia que abastece de água La Paz. Uma coisa é ter noção de que a temperatura dos oceanos está subindo. Outra é ficar sabendo, pelo Centro Nacional de Dados Climáticos, dos EUA, que a temperatura média dos oceanos em julho — 17 graus — bateu recorde em 130 anos de monitoramento.
No Ártico, a temperatura da água está quase 5 graus acima do normal.
Todas as expectativas convergem para a Conferência sobre Mudança Climática da ONU, dezembro, em Copenhague, Dinamarca.
Até lá, é preciso que cada um faça mais que sua parte. No Brasil, o setor privado se mobiliza e empresários se comprometeram ontem, no encontro “Brasil e as mudanças climáticas”, a publicar anualmente o inventário das emissões de gases de efeito estufa de suas empresas e as ações adotadas para reduzi-las.
O mesmo nível de responsabilidade deve ser demonstrado pelo Brasil. Há muito caducou a tese de que cabe aos países ricos arcar com a maior parte dos esforços para reduzir a poluição porque sua industrialização começou bem antes. O CO2 dura 40 anos na atmosfera.
Não tem mais sentido falar acerca dos efeitos da Revolução Industrial sobre o meio ambiente.
Importa é quem polui hoje, e hoje o Brasil é um dos grandes poluidores — mesmo que a principal causa seja o desmatamento/queimadas —, junto com China, EUA e União Europeia (os maiores), Índia, Rússia e Indonésia. Todos têm muito pouco tempo para se porem de acordo sobre como mitigar os efeitos dos desequilíbrios climáticos.
A hora é de os governos agirem, inclusive o do Brasil

O CASUÍSMO DA CLASSE POLÍTICA
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
26/8/2009

A cada ano que antecede uma eleição é a mesma coisa. O Congresso, como ocorre agora, se mexe e corre para aprovar as novas regras eleitorais que valerão para o pleito seguinte. Embora as razões alegadas deem conta de um suposto aperfeiçoamento da dinâmica do jogo democrático, há quase sempre um tom de casuísmo. De duas estirpes. Ou o resultado (por exemplo, reeleição, verticalização etc) atende a um mal disfarçado projeto de poder das forças hegemônicas de plantão. Ou reflete uma conjugação de interesses de toda a classe política, que literalmente legisla em causa própria. Afinal, não seria absurdo entender o sistema político brasileiro, a despeito das rusgas entre situação e oposição a nível federal, como um grande consórcio de partidos.
A atual proposta de minirreforma eleitoral, que passou pela Câmara dos Deputados e hoje tramita no Senado, atende basicamente à segunda estirpe de casuísmo. É o caso da consagração das chamadas doações ocultas, pelas quais os partidos poderão receber recursos e repassá-los aos candidatos, dificultando a fiscalização dos gastos de campanha. Atualmente, este tipo de doação é permitido, mas ganha agora um amparo legal explícito, cujo objetivo é impedir restrições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outro ponto negativo é a proposta que permite aos partidos pagarem dívidas de campanha de candidatos, o que abre brecha para a repetição de mecanismos utilizados no escândalo do mensalão. Caso seja aprovada, essa medida fará com que as agremiações possam arrecadar mais doações, depois de realizado o pleito, com a vantagem de divulgar a relação de doadores somente um ano depois. Ou seja, são propostas que, claramente, atendem mais aos cálculos racionais dos políticos do que às demandas dos eleitores por maior transparência e honestidade.
A chance de barrar os candidatos com ficha suja foi desperdiçada. A regra atual – que permite aos políticos que respondem a processos ou tenham contas de campanha rejeitadas concorrerem sub judice – foi, infelizmente, mantida no projeto de lei. A legislação é um contrassenso. Qualquer cidadão que concorra ao mais prosaico cargo via concurso público deve mostrar sua idoneidade. Por que justamente do político exige-se menos? É fato que este problema não é de fácil solução. Requer a delimitação dos tipos de ações judiciais que manchariam ou não a reputação de um candidato. Há ainda o risco de que concorrentes proponham ações com o único intuito de tirar seus adversários do jogo. É possível. Mas é preciso que esse desafio seja encarado de frente. E pelos próprios políticos, pressionados pela opinião pública, já que seria ingenuidade esperar um movimento espontâneo.
Do contrário, o processo será conduzido fora do Parlamento, fomentando ainda mais o fenômeno da judicialização da política, no qual juízes extrapolam suas funções e passam não só a julgar, mas também a legislar.
Não é o que ocorre agora, com as reações do Ministério Público Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais, contra os pontos que representam um retrocesso nesta minirreforma. Estas críticas, feitas num ambiente de debate com a sociedade, são legítimas.
Cabe à classe política ouvir e levar adiante as propostas que realmente vão aperfeiçoar a democracia brasileira. Sem corporativismo, o que, ironicamente, não exclui seus próprios interesses.

REBELIÃO NA RECEITA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
26/8/2009

A interferência sistemática do governo na Receita Federal, a começar do afastamento, em julho do ano passado, do então secretário Jorge Rachid, tido como "independente demais", acaba de produzir uma crise também sem precedentes nesse órgão de Estado cujas eficiência e integridade dependem decisivamente da autonomia que lhe for concedida para o exercício de suas funções eminentemente técnicas. Em protesto contra a desabusada ingerência política do Planalto, 12 membros da cúpula do Fisco - o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas, 6 superintendentes regionais e 5 coordenadores-gerais - pediram exoneração dos seus cargos de confiança, enquanto se informava que seriam seguidos por delegados, inspetores, chefes de departamento e superintendentes adjuntos. Alguns já estavam na lista negra do novo secretário Octacílio Cartaxo, que substituiu a titular Lina Maria Vieira, demitida - por motivos políticos - antes de completar um ano na função.

A carta que encaminharam a Cartaxo denuncia a política de mão pesada que se abateu sobre a instituição, conduzida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, por determinação vinda "de cima", como ele disse a Lina Vieira para tentar justificar a sua remoção. A "forma como ocorreu a exoneração" é o primeiro alvo do documento. Mantega nunca deu uma explicação pública para o ato. Mas não é segredo para ninguém que a secretária foi abatida por haver desagradado duplamente ao governo. Em primeiro lugar porque a Receita não contribuía para o que se pode chamar o "esforço de guerra" do presidente Lula pela eleição da ministra Dilma Rousseff como sua sucessora.

É disso que rigorosamente se trata quando Lula se põe a culpar o Fisco pela queda da arrecadação federal. No ano passado, a receita do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) caiu quase à metade. As receitas administradas, provenientes das tarifas que incidem sobre serviços públicos, sofreram em julho a nona queda consecutiva em relação ao mesmo mês do exercício anterior. Isso significa uma restrição objetiva aos planos de Lula de fazer gastos à tripa forra no ano eleitoral de 2010. Exasperado, ele ignorou a causa óbvia do problema - a forte desaceleração da economia nacional nos dois trimestres precedentes -, preferindo atribuí-lo à justificada prioridade da Receita à fiscalização dos grandes contribuintes, em vez de ir atrás, como Lina Vieira ironizou, "dos velhinhos e aposentados". Vale lembrar, a propósito, que grandes contribuintes o são em outro sentido ainda: como doadores de campanhas.

O segundo aborrecimento do Planalto com a secretária foi a nota da Receita considerando ilegal a manobra contábil que permitiu à Petrobrás adiar o recolhimento de R$ 1,2 bilhão em tributos. A nota foi uma das razões da criação da CPI da estatal. Depondo na comissão, Cartaxo, o novo secretário, acalmou o governo ao sustentar que a empresa pode não ter feito nada de errado - ao que os signatários do pedido de exoneração aludiram na sua carta. "Essas medidas", acusaram, referindo-se ao conjunto da obra de intromissão do governo, "revelam uma clara ruptura com a orientação e as diretrizes da gestão anterior (?), tanto no estilo de administrar quanto no projeto de atuação do órgão." Com igual clareza - e contundência - cobraram a continuidade da política de fiscalização com foco nos grandes contribuintes, "a autonomia técnica (da Receita) na solução de consultas e de divergências de interpretação" e a rejeição de qualquer tipo de ingerência política no órgão.

Para os auditores fiscais, o que acima de tudo simbolizou a ruptura foi o anúncio, feito na semana passada, de que o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas, seria afastado. "Ele havia encontrado meios, com pouca gente, de fiscalizar a indústria, o comércio, o setor de informática", disse ao Estado o superintendente adjunto da 4ª Região Fiscal, Luiz Carlos Queiróz. O expurgo alcançou ainda os dois colegas que acompanharam Lina Maria ao Senado, onde ela reiterou que a ministra Dilma lhe pediu para "agilizar" a fiscalização sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado. Também foi exonerada a chefe de gabinete da ex-secretária, Iraneth Maria Weiller, que confirmou que a sub da ministra estivera na Receita para agendar a reunião entre elas.

Na verdade, sendo o lulismo o que é, não havia razão para manter o Fisco independente do Planalto, num período eleitoral.

NOVA CPMF PARA A GASTANÇA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
26/8/2009

Saúde é pretexto. O presidente Lula quer mesmo é arrecadar mais dinheiro para sustentar a gastança eleitoral. Será essa a destinação principal da nova CPMF, se o Congresso aprovar a recriação desse tributo, agora batizado como Contribuição Social para a Saúde (CSS). O governo federal não precisa de mais impostos para financiar os programas sociais mais importantes. Recursos não faltam. Só falta usá-los corretamente, evitando esbanjamentos e reorientando as despesas. Mas essa não é a especialidade mais aplaudida no Palácio do Planalto. Se fosse, o governo teria investido muito mais, em vez de elevar as despesas de custeio, como resposta à crise econômica iniciada há cerca de um ano.

Talvez o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, acredite na CSS como solução para os problemas de sua Pasta. Neste ano, ele teve gastos inesperados, por causa da epidemia de gripe suína. Em 2010, segundo se prevê em Brasília, a arrecadação federal não deverá ser muito maior que a estimada para este ano, porque haverá um rescaldo da crise: foi perdido um ano de crescimento econômico e isso se refletirá na arrecadação pública.

Na semana passada, o ministro conseguiu dos deputados de seu partido, o PMDB, a promessa de votar rapidamente o projeto de recriação da CPMF. Ele pode ter agido de boa-fé ao pressionar os companheiros. Mas não conseguiria explicar a um auditório crítico e informado por que o governo precisa desse imposto para a saúde.

Quase todos os países - desenvolvidos e em desenvolvimento - foram afetados pela recessão. O impacto foi menor em vários emergentes, mas nenhum ficou livre de problemas. A maior parte desses países tem carga tributária menor que a brasileira, alguns têm exibido um desempenho pior que o do Brasil, e nem por isso deverão adotar novos impostos. Não precisarão disso porque seus governos, pelo menos aqueles conhecidos pela boa administração, costumam tratar de outra forma os problemas de alocação de recursos.

O presidente Lula nunca parou de se queixar da extinção da CPMF. Não tomou a iniciativa formal de propor a sua recriação, deixando o trabalho para os parlamentares aliados. Para que deveria assumir a responsabilidade por essa medida tão antipática às pessoas sensatas e informadas? Não se responsabilizou, mas sempre agiu a favor da instituição da CSS.

O projeto de criação desse tributo - definitivo, ao contrário da CPMF - foi enxertado pelos deputados na Proposta de Emenda Constitucional nº 29. O objetivo dessa emenda, já aprovada no Senado, era a ampliação do repasse obrigatório de recursos orçamentários para a saúde. Com o enxerto, introduzido na Câmara, o esquema de financiamento seria ampliado. Feito o acréscimo, o governo conseguiu a aprovação do texto básico na Câmara. Foi uma vitória apertada, de apenas dois votos a mais que os necessários. Mas a oposição conseguiu impedir a aprovação total do projeto. Falta a votação de um destaque: o texto aprovado não inclui a base de arrecadação da CSS, indispensável à existência do tributo.

Se o PMDB cumprir a promessa feita ao ministro da Saúde, o governo terá uma boa possibilidade de conseguir a aprovação do projeto na Câmara. Será necessária, no entanto, mais uma votação no Senado, por causa da alteração do texto. Entre os senadores o apoio será mais problemático.

Mas é preciso barrar já na Câmara dos Deputados esse novo assalto ao contribuinte. A arrecadação federal cresceu em 2008, apesar da extinção da CPMF, e voltará a crescer com a recuperação da economia. A CSS terá o mesmo fato gerador do imposto do cheque, a mera movimentação de recursos. Isso é uma aberração em termos tributários. Incidirá em cascata - outra aberração.

Mas será, acima de tudo, mais um fator de alimentação da gastança. Nada impede o governo e seus aliados de atribuir mais dinheiro à saúde, à educação e aos objetivos considerados mais nobres, quando se elabora o orçamento. É uma questão de competência administrativa, de decência política e de respeito aos cidadãos. A arrecadação de um tributo a mais, mesmo carimbado para a saúde, no fim das contas, liberará verbas para a gastança e para a lambança. O Brasil trabalhador e produtivo apenas perderá com isso. Ganharão os habituais cupins do Tesouro.

A VERDADE SOBRE AS OCUPAÇÕES
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
26/8/2009

As características que assumiu a operação de reintegração de posse de um terreno em Capão Redondo, onde viviam cerca de 2 mil pessoas em 800 barracos - realizada segunda-feira pela Polícia Militar (PM) e cujas cenas de violência, transmitidas pela televisão, causaram forte impressão -, devem merecer toda a atenção da opinião pública e das autoridades. Elas mostram que, ao contrário do que muitos imaginam, em geral operações desse tipo não são uma disputa pura e simples entre ferozes e desalmados policiais e um grupo de deserdados em luta pela sobrevivência.

Antes de mais nada, é preciso lembrar que a operação foi feita dentro da mais rigorosa legalidade, com base em decisão tomada pela Justiça há oito meses. Nesse longo período, a dona do terreno, a Viação Campo Limpo, tentou chegar a acordo com os moradores sobre sua desocupação pacífica. Só depois do malogro dos entendimentos é que ela pediu e conseguiu da Justiça a ordem de reintegração de posse. A empresa também cedeu caminhões para transportar os pertences dos ocupantes do terreno. Nesse caso, não se pode dizer que houve precipitação ou má vontade do proprietário.

Quanto à PM, ela foi ao local para cumprir a obrigação de fazer respeitar decisão judicial, com ordens para agir com moderação, usando só em último caso, como de fato ocorreu, bombas de gás e balas de borracha. Para completar o quadro, registre-se que a Secretaria de Assistência Social, ofereceu aos despejados vagas - que foram rejeitadas - em albergues da Prefeitura, assim como passagens aos que desejassem voltar às suas cidades de origem. Tudo que era possível, numa situação delicada como essa, foi feito, portanto, para que a desocupação do terreno se desse sem conflito.

Isto não ocorreu porque havia entre os moradores - insuflando-os a resistir - um grupo bem organizado e determinado a enfrentar a polícia. Esse grupo - no qual segundo a PM havia pessoas de fora da favela, entre as quais traficantes - orientou e participou da montagem de barricadas nas duas principais entradas do terreno. Pneus e dois automóveis foram incendiados para impedir a entrada dos policiais, recebidos pelos moradores com pedras, rojões e coquetéis molotov. Um dos automóveis incendiados transportava botijões de gás e explodiu perto de um grupo de policiais, por pouco não provocando uma tragédia.

Alguns barracos foram incendiados e o fogo logo se alastrou - segundo os moradores, pelas bombas lançadas pela polícia e, segundo esta, pelos favelados, para assim dificultar a sua ação. As características das ações do grupo que organizou a resistência à operação policial não deixam dúvidas de que não era integrado por simples moradores - que não sabem preparar coquetéis molotov nem armar barricadas com destreza e em locais muito bem escolhidos -, mas por gente bem treinada. Isto é reforçado pelo que aconteceu com fotógrafos do Estado e do Diário de S. Paulo, atacados por cinco homens, dois deles armados, que roubaram seus equipamentos e os levaram para um barraco, onde foram salvos pela polícia.

É importante chamar a atenção para todos esses detalhes, porque eles compõem um quadro que tem muito pouco a ver com a versão distorcida da maioria dos conflitos resultantes das desocupações de terrenos na cidade, transformados numa luta do bem contra o mal. Não há inocentes nessa história. O poder público, por exemplo, tem uma grande parcela de responsabilidade, na medida em que não combate com a eficiência necessária as máfias dos loteamentos clandestinos, que exploram a boa-fé dos favelados e estimulam as ocupações irregulares. Sem falar na insuficiente oferta de moradias populares.

Mas, havendo decisão judicial a cumprir, e tendo ainda o poder público feito a sua parte para resolver o problema - como ocorreu no caso do Capão Redondo -, não podia deixar de agir como agiu. E deve agir assim, sempre, em casos semelhantes, como - para citar um exemplo - os da ocupação irregular, que avança perigosamente, de áreas de proteção de mananciais na Serra da Cantareira, vitais para o abastecimento de água da capital.

ALVOROÇO NA RECEITA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
26/8/2009

Tratada com hipocrisia no governo e na oposição, passagem pelo fisco de grupo sindical retrata politização lamentável

NAUFRAGOU , não sem estardalhaço, a primeira tentativa do governo Lula de aparelhar a Receita Federal. O grupo de sindicalistas, muitos próximos do petismo, que o ministro Guido Mantega promoveu em agosto de 2008, no lugar de uma gestão que considerava vinculada ao tucanato, escapou ao controle do Palácio do Planalto.
A criatura ameaçou o criador, paradoxalmente, quando ela começou a aplicar conhecidas fórmulas de aparelhamento esquerdista. A ocupação sindical, respaldada pelo PT, estendeu-se por praticamente todos os cargos de confiança da Receita. Delegados, as autoridades fiscais mais próximas dos municípios, passaram a ser escolhidos com base num confuso processo de eleições e assembleias.
A queda na arrecadação, num contexto de crise econômica e de desonerações fiscais promovidas pela administração federal, despertou, dentro do governo, a primeira onda de insatisfação contra a nova orientação do fisco. Empresas com bom trânsito no Planalto reclamaram de algumas mudanças de postos e da disposição anunciada de concentrar o foco da fiscalização em "grandes contribuintes".
O choque com a Petrobras -a estatal acusada pelo time da então secretária Lina Vieira de valer-se de manobras contábeis para deixar de recolher R$ 4 bilhões ao fisco- foi a gota d"água.
Lula mandou interromper o experimento e demitiu sumariamente a secretária. Mas a história, como se sabe, não acabou aí. De saída, os insatisfeitos ameaçaram o governo: se o substituto viesse de fora da facção, haveria debandada, em "solidariedade", nos postos-chave da Receita.
O governo se dobrou à ameaça e nomeou Otacílio Cartaxo, até então da mais estreita confiança de Lina Vieira, na tentativa de serenar os ânimos. Mas a acusação, feita por Vieira nesta Folha, de que recebera da ministra Dilma Rousseff um pedido para "agilizar" processo contra familiares de José Sarney complicou as coisas. Era preciso proteger a candidata de Lula, e uma troca de cargos mais profunda começou a ser ensaiada na Receita.
Em paralelo, o Planalto "convenceu" Cartaxo e o efetivou no posto. No Congresso, o secretário recuou das críticas à Petrobras; internamente, abriu alas para o expurgo no órgão, acalentado pelo núcleo do governo. Foi a senha para a debandada espalhafatosa, anteontem, de 12 autoridades fazendárias leais ao grupo sindical, protesto que se alastrou nesta terça, atingindo dezenas de cargos de confiança.
Salta aos olhos a hipocrisia na exploração política do assunto. A oposição, que condenou a ascensão de Lina Vieira por representar um projeto de aparelhamento do fisco, agora trata os sindicalistas defenestrados como heróis do bem público. O governo age como se não tivesse sido o patrocinador do aparelhamento e, cinicamente, assesta sua poderosa máquina de macular reputações contra a ex-secretária.
Mas a pior consequência de todo esse episódio foi a lamentável politização de um órgão da importância da Receita. Desfere-se um golpe contra uma instituição sobre a qual não deveria pesar nenhum indício de atuação enviesada ou manipulação partidária. Haverá sequelas.

TORRES DE MARFIM
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
26/8/2009

ERRAM mais uma vez a USP e a Unicamp ao prorrogarem seu boicote ao Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), sucessor do Provão e que vem sendo aplicado pelo Ministério da Educação aos formandos de graduação desde 2004. O erro é mais grave neste ano porque o ministério, em negociação com a USP, atendeu à reivindicação de que a prova passasse a ser aplicada em todos os alunos, quando antes vigorava um sistema de amostragem.
O Enade mantém defeitos não negligenciáveis, entre eles o de não incorporar a nota ao currículo dos formandos. Isso contribuiu para os boicotes estudantis, mais forte argumento da USP para não aderir. A Unicamp, do seu lado, alega estar implementando um "processo de avaliação institucional" proposto por seu Conselho Universitário.
A questão é que o Enade é o único instrumento de comparação entre os cursos de graduação do país. Desde 2008 -o que deveria encorajar os recalcitrantes-, seu resultado ajuda a compor o CPC (Conceito Preliminar de Curso), que leva em conta também infraestrutura e qualificação de professores.
Como instituições estaduais e autônomas, USP e Unicamp têm o direito de ficar de fora do Enade, obrigatório para federais e particulares. O problema é que, enquanto elas reivindicam ser as melhores universidades do Brasil, não há como comprovar que isso valha para a graduação.
É verdade que as instituições estaduais paulistas lideram o ranking de pós-graduações da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), mas isso não inclui o grosso de seus alunos. Na prática, fica a impressão de que USP e Unicamp recorrem a subterfúgios para evitar serem avaliadas.

MUITO JOGO PARA PLATEIA E NENHUMA SOLUÇÃO
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
26/8/2009

Movido por crises sucessivas desde o início da década, quando um de seus presidentes, Jader Barbalho (PMDB-PA), foi alvejado por denúncias e obrigado a renunciar ao mandato para manter seus direitos políticos, o Senado tem reagido de forma sempre discutível aos problemas que lá se acumulam. O que sobra para a história, depois de decisões destinadas antes a marketing político do que propriamente a uma profilaxia efetiva do Senado, é que a instituição nunca é o objeto de uma reforma efetiva porque isso representa, para quase todos os que ocupam gabinetes e assentos no plenário como representantes do povo, dificultar a vida eleitoral dos senadores.
Um lance de marketing foi a decisão do PSDB e do DEM, tomada ontem, de retirar todos os seus 15 integrantes da Comissão de Ética do Senado, em represália ao fato de a maioria dos seus membros terem referendado o engavetamento das 11 denúncias e representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Uma semana antes, um acordo entre os partidos garantiu que as representações contra Sarney seriam engavetadas junto com a apresentada pelo PMDB contra o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). Depois de uma ação rápida onde todos se salvaram, portanto, faz-se jogo para a plateia.
O lance seguinte foi todo montado sobre um outro lance de conveniência política, este jogado ao público há seis anos pelo senador Tião Viana (PT-AC). Na época, a ação foi contra a decisão do presidente da Comissão de Ética, Juvêncio da Fonseca, que se recusou a abrir investigação contra o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e deixou a decisão para a mesa do Senado, onde ACM tinha maioria. Viana propôs, então, acabar com o Conselho de Ética e remeter as decisões sobre as denúncias contra os senadores para o Supremo Tribunal Federal (STF), instância judiciária à qual se submetem todos os processos contra parlamentares federais. Junto com a água do banho, Viana propunha jogar a criança fora: o senador petista, para extinguir o Conselho, sugeria acabar com o Código de Ética e, junto, com todo o regulamento que tipifica quebra de decoro parlamentar. Era mais ou menos o seguinte: já que o Conselho não faz a sua parte, vamos expor a sua inutilidade, eliminando-o.
Seis anos depois (o projeto de resolução é de 2003), a proposta que teria por objetivo expor a ineficiência do Conselho de Ética pode ser usada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para livrar definitivamente os senadores do controle interno. "Tem que acabar com essa porcaria [Conselho de Ética]", afirmou em "O Globo" (25/8) o senador Wellington Salgado (PMDB-MG). "Se entrar em pauta o PMDB vota para acabar com esse troço". O PMDB, portanto, acena resolver definitivamente os problemas éticos de seus senadores que corriqueiramente provocam crises no Senado simplesmente eliminando o Conselho de Ética.
Como o relator do projeto de resolução na Comissão de Constituição e Justiça é o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), da oposição, o projeto está sendo integralmente substituído. Isso dificulta a promessa do PMDB de eliminar o Conselho de Ética, mas vai à votação um que atende à conveniência imediata do PSDB e do DEM: a maioria da "tropa de choque" do PMDB é composta por suplentes de senadores, então resolva-se o problema proibindo suplentes cujos titulares dos mandatos não morreram, nem renunciaram, de participar do Conselho de Ética. Isto é, em vez do Senado aproveitar a crise para rever a esdrúxula regra de suplentes sem voto, dá-se ao suplente, que constitucionalmente substitui o senador, um mandato pela metade, proibindo-o de assumir determinadas funções.
De todas as alternativas que serão analisadas hoje pela Comissão de Constituição e Justiça, nenhuma tem potencial - ou remete à intenção de qualquer partido - de dotar o Senado dos instrumentos políticos necessários para evitar outras crises do gênero no futuro. Espera-se que não seja necessária uma crise maior ainda que essa, ou soluços mais frequentes no funcionamento das instituições, para que governo e oposição cumpram o seu papel de governar, fazer oposição e zelar pela ética das instituições, e parem de enxergar o eleitor como um espectador incapaz de interagir com seus representantes a não ser pelo espetáculo.

INCÔMODO SUSPENSE
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
26/8/2009

Não se sabe exatamente a dimensão petrolífera a ser encontrada na camada submarina chamada pré-sal. Imagina-se uma grande riqueza – e tomara até que seja maior do que a estimada, porque certamente fará bem ao Brasil. Aí é que está: até que ponto esse suposto tesouro será distribuído de forma a maximizar os seus efeitos para o desenvolvimento nacional e para o bem-estar da sociedade?

Essa discussão já está pegando fogo, indicando que o potencial petrolífero não é o único presente no pré-sal. Nele há também um forte manancial de disputa que já emerge antes da divulgação das novas regras para exploração.

Em torno do pré-sal já se estabeleceram fios de discussões para todos os gostos. No viés econômico, predominam debates sobre distribuição de royalties e participação especial dos Estados produtores, entre outros temas, como a industrialização do petróleo, etc. No campo ideológico, repercute a provável criação de uma estatal para cuidar especificamente desse tesouro submarino. No palco eleitoral, tendo como pano de fundo o pleito de 2010, fala-se do uso do petróleo para fazer andar o carro da candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).

Quase nada foi divulgado sobre as intenções do governo. As regras serão oficialmente anunciadas no próximo dia 31. Enquanto isso, sobram especulações. A dica mais recente foi dada pelo ministro Edison Lobão (Minas e Energia). Disse que a Petrobras deverá ter, no mínimo, 30% de participação acionária em todos os consórcios que atuarão no pré-sal.

O mesmo Edison Lobão cria suspense sobre o novo cenário exploratório. Afirmou ontem que o Palácio do Planalto ainda não decidiu se haverá cobrança de royalties no sistema de partilha, caso venha a ser adotado nas áreas ainda não licitadas do pré-sal. O tom é novelesco. O ministro admitiu que, se houver essa cobrança, provavelmente a alíquota será menor que a atual (10% sobre a produção bruta de petróleo). Nesse caso, os Estados e municípios produtores ganhariam uma compensação adicional no modelo. "Eles teriam um ‘x’ a mais, ainda não estabelecido", afirmou.

Para os Estados produtores, como o Espírito Santo, a questão central está na distribuição dos royalties – que também é o ponto nevrálgico para a definição do marco regulatório a ser aplicado ao pré-sal. Até agora, no entanto, não se sabe o que está por vir.


A cartilha do pré-sal está sendo preparada intramuros, nos gabinetes de Brasília. Corre em segredo político. Isso, evidentemente, inquieta as unidades da federação produtoras de petróleo, pois elas temem tratamento inadequado ao impacto que sofrem com a atividade exploratória. Mas a decisão é centralizada. Nada foi discutido previamente com os governos estaduais, fazendo lembrar regime de governo autoritário.

O novo marco regulatório do setor do petróleo, desenhado após indícios de reservas gigantes no pré-sal, prevê, segundo se comenta, o envio de pelo menos três projetos de lei ao Congresso. Provavelmente, um deles estabelece o sistema de partilha para as áreas de intensa produção na camada pré-sal que ainda não foram licitadas, em substituição ao modelo de concessões em vigor hoje.

O segundo projeto criaria uma empresa estatal para administrar a parcela de petróleo que caberá ao governo dentro do regime de partilha. Já o terceiro projeto criaria um fundo para investir na área social e em infraestrutura, que também funcionará como fundo soberano.

Resta aguardar que o Palácio do Planalto faça a divulgação.

PUNIÇÃO AOS DEMOLIDORES
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
26/8/2009

Justiça pune proprietários que tentaram impedir o tombamento de um casarão

Merece aplauso a recente decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que confirmou liminar condenando os proprietários de um histórico casarão, construído no século 19, em estilo colonial, em Santa Maria do Suaçuí, na Região Leste de Minas Gerais. Na calada da noite, em total desrespeito à memória da cidade, eles demoliram o imóvel em 2008, na tentativa de impedir seu tombamento. O propósito dos proprietários, segundo o Ministério Público Estadual (MPE), autor da ação, era, depois de jogar no chão o velho sobrado em torno do qual se desenvolveu boa parte da história do lugar, comercializar o terreno. Mas a confirmação da liminar pelo TJMG impede a concretização desse plano e ainda condena os proprietários a reconstruir o sobrado com as mesmas características que faziam dele uma peça de grande valor histórico, a pagar uma indenização em valor equivalente ao do imóvel demolido, a ser calculado pela Justiça.

A tentativa dos proprietários do casarão de burlar a preservação da história da cidade em que viveram seus antepassados se deu quando estava em curso o processo de tombamento municipal, segundo apurou a reportagem do Estado de Minas. Começava a avançar um inquérito civil público para calcular o valor cultural da peça. Essa providência antecede a busca de proteção legal para aquele patrimônio que vinha apresentando sinais de descaracterização. Construído no alinhamento da rua, como era costume em sua época, o velho sobrado abrigava atividade comercial no primeiro pavimento e residência no segundo. A sua manutenção poderia permitir a instalação de um centro cultural, com espaços preciosos para a preservação de documentos e objetos da história da cidade e que ficariam franqueados à visitação pública, especialmente por parte de escolares. A sentença se completa ao atribuir culpa também à administração municipal, que, à época da demolição não teria se movido no sentido de impedi-la.

A quantia a ser paga pelos proprietários que tentaram o golpe da demolição para impedir aquela comunidade de contar com esse patrimônio e com o benefício da irradiação de cultura e informação que dele se poderia obter deverá ser depositada no Fundo Estadual de Direitos Difusos Lesados. É pouco para o tamanho do prejuízo que causaram. A Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico/MG está, aliás, requerendo também o pagamento de indenização por dano moral coletivo. A ação do MPE e a firme decisão da Justiça mineira neste caso devem servir de alerta aos que pretendem enfrentar e aos que não raro afrontam o interesse coletivo, destruindo às escondidas peças que, mesmo sem ter ainda um laudo técnico que o comprove, têm óbvias características de algo a ser preservado. São pessoas que se negam a ter qualquer compromisso que não seja com seus interesses pessoais. Dono do maior acervo cultural e histórico do Brasil, o povo mineiro tem dado ao país exemplos de louvável responsabilidade quanto à guarda e preservação de patrimônio que diz respeito a toda a humanidade. É, por isso mesmo, inaceitável qualquer tentativa de se transformar em exceção, à custa de golpes perpetrados à revelia do interesse da lei do interesse coletivo.

A CRISE NA RECEITA FEDERAL
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
26/8/2009

A Secretaria da Receita Federal do Brasil exerce funções que a situam em posição específica e singular entre os órgãos estratégicos do Estado. É circunstância que decorre da obrigação de assegurar fluxo seguro de recursos para a execução dos planos de governo. Usa para tanto a fiscalização sobre os agentes sujeitos à incidência de impostos, o combate à sonegação fiscal, o controle aduaneiro e participação na repressão ao contrabando e à lavagem de dinheiro, entre dezenas de outras ações. São deveres que impõem a necessidade de revestir o órgão do mais elevado grau de independência operacional e autonomia administrativa.

Diante do papel crítico que lhe é reservado, é fácil intuir a gravidade da crise instalada na Receita desde segunda-feira, quando 12 ocupantes dos mais altos cargos de direção — o subsecretário Jorge Freitas da Silva, seis superintendentes e cinco coordenadores — pediram demissão.

O ato coletivo de exoneração foi adotado para protestar contra a demissão da então secretária Lina Vieira. Em carta ao atual secretário, Otacílio Cartaxo, os demissionários denunciam que o afastamento de Lina representou condenável intromissão política na instituição.

Há outra declaração no documento que adiciona ingrediente conceitual propício a aumentar a tensão interna e a gerar constrangimento ao governo. Dizem os signatários que haviam consentido em ocupar cargos de chefia “na crença da possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política e econômica”.

Já as demissões da chefe de gabinete da secretária destituída, Iraneth Weiler, e do assessor especial Alberto Amadeu Neto foram apontadas como outra “clara ruptura“ das “diretrizes que pautavam a gestão anterior”. Lembra-se de que a degola de Lina veio em seguida à impugnação da Receita à mudança contábil utilizada pela Petrobras para economizar R$ 4 bilhões em recolhimento de impostos As turbulências na Receita Federal guardam maior carga de alarme porque reafirmam tendências intervencionistas na postura do governo. Há pouco, a AdvocaciaGeral da União (AGU) assumiu por meio de portaria a representação judicial do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Multas pesadas impostas a empresas por motivos de concentração econômica inconveniente precederam a decisão da AGU. O presidente do Conselho, Arthur Sanchez Badin, considerou a iniciativa prejudicial à independência e eficiência da entidade.

Em maio de 2007, o governo mudou a cúpula dirigente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), incomodado com as exigências para liberação de licenças ambientais. Projeto de lei submetido ao Congresso pelo Planalto reduz a independência das agências reguladoras, inclusive com a transferência para diversos ministérios da competência original que lhes foi atribuída.

A submissão de instâncias estratégicas do serviço público a interesses insólitos é política de índole suicida. Gera a cultura da ineficácia e da corrupção, destrói a confiança na previsibilidade administrativa e situações prejudiciais ao país — de que é exemplo, agora, a desestruturação da Receita. É hora de refletir e mudar.

QUEIMADAS, DE NOVO
EDITORIAL
DIÁRIO DE CUIABÁ (MT)
26/8/2009

Entra ano e sai ano, o resultado é sempre o mesmo: o retrato fiel da degradação ambiental. Curiosamente, a sociedade organizada costuma assistir, passivamente, a esse estado de coisas: uma cidade e todo um Estado sob o risco da destruição, como uma triste herança para as próximas gerações. São as queimadas, que, nesta época do ano, atingem, em cheio, praticamente os quatro cantos de Mato Grosso.

Ao longo dos últimos anos, esse desastre ambiental ocorre sempre com a mesma seqüência, sempre num período em que as autoridades ditas competentes se reúnem para definir e anunciar estratégias de combate ao inimigo. Infelizmente, o resultado, todos os anos, é sempre o mesmo: parte da flora destruída e a fauna, constantemente ameaçada.

Ontem, este Diário, por sinal, trouxe uma notícia extremamente reveladora desse triste quadro: a informação de que a “última fronteira” Norte, em Mato Grosso, vem a ser nada menos do que líder no ranking de municípios com maior numero de focos de calor.

Com efeito, Colniza (1.065 km ao Norte de Cuiabá), registrou 615 focos no período proibitivo de queimadas, segundo dados divulgados pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). Sozinho, o Município é responsável por 8,1% do total de focos (7.589) nesse período, que começou em 15 de julho e vai até 15 de setembro. No geral, Mato Grosso registrou queda de 37,35% no número de focos, em relação ao mesmo período do ano passado.

Vale registrar que a presença do Município no pódio de focos é recorrente, segundo a própria Sema, considerando que, como ainda não é uma região consolidada, há muita queima de área para limpeza de terreno. E isso é “comum” em regiões cuja atividade econômica se baseia na pecuária e no extrativismo vegetal.

Colniza, a título de lembrança, integrou um projeto de colonização da Amazônia, intensificado na década de 80. Alcançou o posto de cidade somente em 1998. Em 2004, ficou nacionalmente conhecida como a cidade mais violenta do país, por conta do numero mortes registradas, segundo um estudo divulgado pela Organização dos Estados Ibero-Americanos.

É preciso mudar esse quadro urgentemente, exigindo dos Governos, em todos os níveis, um maior empenho na disponibilização de mais recursos (financeiros e humanos), sobretudo, nos períodos considerados críticos. Não será, certamente, com extensos balanços e relatórios idem que o Estado vai pôr fim a uma das maiores pragas que atacam o Meio Ambiente em Mato Grosso, as queimadas.

“São as queimadas, que, nesta época do ano, atingem, em cheio, os quatro cantos do estado”

O LIXO NOS TEMPOS DO TWITTER
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
26/8/2009

A pesquisadora da USP Nelly Novaes Coelho, referência em literatura para infantes, disse certa vez que o tempo será a ideologia do século 21. De tempo ela entende: é octogenária, está na ativa e se jacta fazer só o que lhe dá prazer, mérito de quem manda nos próprios ponteiros.
Feito militantes da luta armada, quiçá, vamos pedir as horas roubadas de volta – pelo menos para recuperar a deliciosa sensação de uma interminável tarde vadia de sábado, com um livro ao alcance da mão e com conversa para jogar fora. Nesse dia, havemos também de nos dar conta de que a tecnologia, movida pela velocidade e a síntese de um twitter, consome eternidades para ser administrada. É com os aparelhos em off, sabe-se, que a Terra volta a sua rotação e seus moradores recuperam a escala humana.
Mas o tempo não será a única reserva ideológica do século 21 – este século sem muros em Berlim, sem Guerra Fria, e já se despedindo da Cuba Libre. O lixo, ao lado do tempo, tornou-se a bandeira do futuro próximo, sob a pena de, do contrário, não haver futuro nenhum. Reciclar virou questão de vida ou morte – ou mais de morte, do que se tem notícia.
O que se pode perceber, contudo, é que a devolução do tempo e a gestão racional dos detritos hão de ser tão ou mais difíceis de alcançar que o sonho de um mundo livre da tirania. A utopia aplicada a práticas do cotidiano é a mais difícil das tarefas – prescinde do discurso e pede a mão na massa, a mudança de hábitos, e hábitos são uma segunda natureza.
Gerir o lixo e o tempo exige começar tudo de novo. Assim falando, soa como uma tentativa de reduzir um assunto de ordem internacional ao quintal pequenino onde praticamos nossos valores paroquianos. Qualquer um diria sem pestanejar que a quebra-quebra para saber quem vai ficar com o lixo – em qualquer conta do planeta, inclusive na civilizada Inglaterra, como bem se viu – é uma questão política. E que o cidadão comum responde por um ínfimo dessa história.
Aí é que são elas. O grande barato da gestão do lixo é que depende de uma ação em rede, à ma¬¬neira dos mais importantes assuntos contemporâneos. É um assunto tão individual quanto coletivo e não há quem não sofra os efeitos do serviço malfeito. Daí a certeza de que está se tornando uma ideologia – mexe com um modelo de vida, de sociedade, de cidade, abriga uma ética desafiante. É um cuidado que começa no banheiro de casa e redunda no destino dos oceanos.
À revelia dos ganhos da onda verde – cada vez maior desde a Conferência Rio 92 – ainda há chão a palmilhar, até que o meio ambiente e o destino adequado do lixo se tornem uma causa social. Prova disso é o ônus que cabe aos mais pobres na resolução do problema. São eles que administram a maior parte do volume do lixo, sem que essa contribuição redunde em dinheiro no bolso. O lixo é para essa parcela da população sinônimo de informalidade e até de escravidão moderna, como mostrou matéria do jornalista Mauri König, publicada pela Gazeta do Povo em 16 de agosto.
A reportagem “Escravos do Lixo” chama atenção para as condições desumanas enfrentadas pelos 15 mil carrinheiros de Curitiba e região me¬¬tropolitana. Em bairros como Parolin e Vila Tor¬¬res, até 60% dos catadores vivem em barracões. A situação sinaliza o ponto em que estamos. Se na ponta da cadeia da reciclagem existe gente pa¬¬gando comida e aluguel com o resultado de seu trabalho é porque se está longe, muito longe. E que não resta à sociedade organizada outra saída senão incluir o lixo em seu expediente, a ferro e a fogo, de modo a transformá-la na mais importante agenda social dos nossos dias.
É preciso arrumar tempo para tanto. É isso, ou não haverá tempo nenhum.

O REI ESTÁ NU
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
26/8/2009

Os fãs do Rei Roberto Carlos (alguém não é?) devem ter se sentido os últimos dos súditos ao saber dos preços do show do cantor, no início de outubro, no Teatro Positivo. Para ficar bem pertinho do artista, reles mortais precisam desembolsar R$ 1,2 mil. E ficar longe também é caro – R$ 400, com sorte.
As razões alegadas pelas produções são mais do mesmo – as meias-entradas lançariam os promotores na indefinição do quanto vão lucrar e, por tabela, se vão conseguir arcar com as despesas da turnê. Em tempo, os curitibanos vão pagar mais caro do que o resto dos brasileiros. Resta saber se é porque temos mais estudantes indo a shows do rei Roberto Carlos ou se nossos custos culturais são de outro país que não aquele em que RC reina desde os idos de 60.
Enquanto não se define o sexo dos anjos, o que sabe, e bem sabido, e não é de hoje, é que o país patina numa espécie de esquizofrenia cultural. Da década de 70 para cá, quando os ídolos populares – no esporte, na música, nas cênicas – debandaram de jatinho para o Olimpo um novo cálculo passou a ser feito: é melhor proporcionar arte de qualidade para poucos, já que o custo-benefício é bem mais vantajoso.
Não se pode chamar isso tudo de um show de cidadania. E nem podia ser diferente num país que tende a ignorar o impacto social da cultura. Como shows e afins são eventos, vitrines ou coisa que valha, não há muito esforço em popularizar. Como dizem alguns dos que sonham com a arte ao alcance de mais gente, quem desistiu do povo foram os artistas, e não vice-versa, como alardeiam muitos deles por aí.

RECEITA DE CRISE
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
26/8/2009

O que está ocorrendo na Receita Federal é reflexo da mentalidade intervencionista e dirigista do governo. Infelizmente, o aparelhamento político do Estado vem se agravando na atual administração, com ameaças frequentes para a autonomia de órgãos públicos e para a própria democracia. O episódio em que 12 altos funcionários da Receita Federal – seis superintendentes estaduais, cinco coordenadores e um subsecretário da instituição – puseram seus cargos à disposição reflete uma espécie de rebelião contra as ingerências de caráter político numa área que deveria ser conduzida com critérios exclusivamente técnicos.

Os servidores públicos da estrutura tributária estão entre os considerados como integrantes das carreiras de Estado. Têm a mesma importância para o país que o serviço diplomático ou a Polícia Federal, por exemplo. Eles trabalham numa das áreas vitais para o próprio funcionamento do país, gerenciando o sistema de impostos e taxas que a população paga para manter as instituições e para garantir os serviços essenciais. Por isso e pela relevância das funções que exercem, tais servidores não podem ficar sujeitos nem às conveniências dos partidos ou frentes partidárias que se sucedem no poder, nem aos interesses políticos ou eleitorais de um ministro ou de um presidente. A apropriação das instituições e de suas funções relevantes pelos partidos é o retrato da falta de maturidade da democracia. Há anos, o país assiste, não sem constrangimento, à distribuição de cargos a pessoas cuja qualificação para as funções não passa de uma ficha partidária ou do apadrinhamento de um chefe político. Assim, o Banco do Brasil, a Petrobras e outras empresas ou agências acabam conduzidas com objetivos partidários ou eleitorais, numa apropriação indevida de empresas e serviços que são permanentes. Até a Polícia Federal e agora a Receita, instituições fundamentais para a estrutura do Estado brasileiro, são alvo da cobiça dos que julgam que a vitória eleitoral significa licença para usar o poder para qualquer objetivo, especialmente os que não se confundem com o interesse público e às vezes a ele se opõem.

Há um inequívoco alerta na rebelião dos superintendentes e coordenadores de área da Receita Federal. O Brasil precisa avançar na busca de um serviço público profissionalizado, de uma burocracia competente e com autonomia técnica e de uma democracia em que os partidos cheguem ao poder para servir ao país e não para administrar a coisa pública como se ela fosse moldável partidariamente. As carreiras de Estado precisam ser preservadas porque, se não forem tecnicamente qualificadas e autônomas e se não agirem dentro dos princípios de impessoalidade, moralidade, eficiência e legalidade (como exige o artigo 37 da Constituição), não cumprirão seu papel de indispensável esteio do Estado democrático de direito.

FILANTROPIA DETURPADA
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
26/8/2009

A grave deturpação nos critérios de concessão de bolsas de estudo por parte da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) não surpreende apenas pela intensidade com que a instituição era usada por políticos, mas também pela informalidade dos trâmites. Como a prática não era bancada pela própria universidade, que se valia da cota de 20% das vagas destinadas a alunos carentes como pretexto para assegurar vantagens fiscais, os prejuízos foram transferidos para todos os contribuintes. Apesar das alegações de desconhecimento do processo, é inconcebível que políticos experientes, conscientes de que filantropia é sinônimo de caridade e humanitarismo, fizessem uso da posição alcançada pelo voto dos eleitores para auferir favorecimentos pessoais ou para terceiros.

No caso das falhas nas contas apontadas agora por auditores, a prática poderia ser considerada legal se a instituição tivesse arcado com os custos. Não era, porém, o que vinha acontecendo: as bolsas concedidas para apadrinhados e parentes de parlamentares e outros agentes públicos eram usadas para contrapartidas de isenções fiscais usufruídas pela entidade. Isso significa que, além de se prestarem para a instituição auferir vantagens fiscais, eram distribuídas a quem não precisa, algumas vezes para filhos de políticos, egressos portanto de famílias com renda muito acima do teto, fixado em um salário mínimo e meio. E isso sem a exigência de qualquer formalidade.

Num país às voltas com tantas denúncias de irregularidades, o risco é o de a participação de políticos nesse tipo de esquema e as benesses com o chapéu do contribuinte oferecidas por instituições interessadas em agradar ao poder acabarem sendo encaradas como normais. Nas explicações, os envolvidos insistem sempre em passar a ideia de lisura do processo, quando não é isso o que ocorre.

Caberá ao Ministério Público apurar a fundo as deformações apontadas pela auditoria. Mas o país precisa enfrentar de forma mais ampla uma questão cultural que leva até mesmo quem deveria dar o exemplo a insistir permanentemente em tirar vantagem.

DE CANIÇO E SAMBURÁ
EDITORIAL
GAZETA DE ALAGOAS
26/8/2009

Dentre os muitos potenciais subutilizados de Alagoas, a pesca sempre esperou dias melhores, apesar da Natureza ter brindado nosso Estado com uma grande riqueza em termos de variedade e quantidade de frutos d’água (doce e salgada).
Como para compensar nosso atraso em termos de investimentos e de políticas voltadas para a produção de pescado, desponta como positiva as experiências de piscicultura levadas adiante no Baixo São Francisco. Melhor ainda seria se essa ideia fosse efetivamente pescada para outras regiões alagoanas, povoando nossos rios, lagoas e costa marítima de projetos rentáveis e sustentáveis. Natureza, apesar dos danos sofridos, não nos falta para isso.
No próprio nome do Estado, referência óbvia a grande quantidade de alagoas (como se escrevia, há séculos, a denominação para as lagunas de nossa terra), está contida a indicação de algo além da beleza natural. E, até poucas décadas, era evidente a excepcional fartura das lagunas alagoanas. Mundaú, Manguaba, Roteiro, não eram famosas apenas pela grande beleza. Suas carapebas, tainhas, camurins, conquistaram merecida fama nacional, assim como os caranguejos (uçás e guaiamuns), siris, camarões, taiobas, massunins, unha-de-velho... isso sem falar nas ostras da lagoa de Roteiro e no bagre do Pilar (que agregou o nome da cidade como sobrenome) e o sururu, ainda hoje símbolo culinário de Alagoas.
Tilápias e tambaquis são muitíssimos bem-vindos. Que se sintam em casa. Mas que também nos preocupemos em salvar e tornar rentável as populações de surubins (para citar o mais famoso dentre um elenco de 250 a 300 peixes da fauna do Rio São Francisco), sem se esquecer, naturalmente, dos incomparáveis pitus, antes tão abundantes nos rios alagoanos. Vamos em frente, com algo mais que caniços e samburás, recuperar a piscicosidade (quase) perdida das águas alagoanas.

A SAÚDE DA POLÍCIA
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
26/8/2009

É muito bom saber que os investimentos de Pernambuco em segurança pública cresceram quase o dobro do percentual nacional, de acordo com divulgação recente do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A fonte e os números não deixam dúvida de que alguma coisa está melhorando em um setor extremamente sensível em nosso Estado, fazendo mais expressiva a constatação de que o número de homicídios caiu no período pesquisado, isto é, 2008 em relação a 2007, o que pode se reproduzir, quem sabe, até com melhores resultados, no ano corrente. Entretanto, como contraponto a esses indicadores, uma outra pesquisa, desenvolvida na Fiocruz Pernambuco, revela que a corporação a quem pode se atribuir aqueles resultados favoráveis, a Polícia Militar, está com a saúde comprometida.
Na forma e no conteúdo essa pesquisa tem a autoridade da origem: faz parte da tese de doutorado em saúde pública da professora de educação física Daniela Karina da Silva Ferreira, que estudou o modo de vida de 288 policiais do sexo masculino no Recife, utilizando um questionário padrão. O cuidado acadêmico de tratar de um tema delicado - porque de outra forma traz sempre conotação político-eleitoral -, se presta a servir de norte, indicar caminhos, contribuir com políticas públicas na área da segurança, que vão muito além de aumentar o efetivo policial, dotá-lo de equipamentos mais sofisticados ou armamento proporcional ao crescimento da criminalidade. Quando se pensa na qualidade do sistema, a atenção é voltada para o agente público, suas fragilidades, suas condições de trabalho, o suporte social que lhe é dado e a atenção à saúde como instrumento fundamental para uma boa prestação de serviço público.
É verdade que a pesquisa que detectou graves sintomas no aparelho policial militar de Pernambuco vem de data anterior ao atual governo - responsável por maiores investimentos no setor e pela redução dos índices de homicídios, como mostra o Anuário -, mas não é admissível que em apenas um ano, ou dois, tenha mudado uma etiologia de causas sociais tão profundas como as que foram detectadas. A pesquisa revelou um quadro de saúde preocupante, com policiais sofrendo de ansiedade, sobrepeso, cansaço e perda de visão, condições agravadas pelo fato de que a quase totalidade dos casos estudados é de policiais que não fazem exercícios físicos regulares, como deveriam. Assim, o primeiro diagnóstico desejável é de que urge reavaliar o estilo de vida da corporação, atentar mais para as condições de saúde de cada um dos seus integrantes e tomar providências para recuperar a melhor condição de trabalho da tropa.
Num segundo momento, o problema fica mais complicado: a verificação de cada um dos itens estudados tem a ver com o histórico de uma corporação que parece ter se voltado mais pela quantidade que pela qualidade. Por exemplo, sabe-se agora, com o rigor acadêmico da tese de doutorado, que eram insatisfatórias a carga de trabalho semanal, as exigências psicológicas e físicas e a falta de suporte social - ausência de preocupação dos superiores com o bem-estar dos subordinados, a falta de atenção às coisas que falavam, a exposição dos subordinados a conflitos, o fracasso na promoção do trabalho em equipe, a ausência de ajuda no trabalho.
A descrição das queixas de saúde agrava o quadro: mais de 54% reclamavam de fadiga, 42,5% de problemas de visão, 33,8% de dores musculares, a irritação, ansiedade e dores de cabeça atingiam a 31% dos policiais pesquisados, que em escala menor se queixavam de pressão alta, dificuldades de sono, problemas ósseos, problemas digestivos, inchaço nas pernas, tontura, alergias, prisão de ventre, problemas auditivos. Dá-se, assim, uma combinação perniciosa comum à maioria dos brasileiros mas incompatível com esse segmento de agentes públicos a quem é entregue a difícil tarefa da segurança pública.

POBREZA DE ESPÍRITO PÚBLICO
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
26/8/2009

O discurso de que o pior da crise no Senado já passou interessa apenas aos que maquinaram descaradamente uma saída que não levará substancialmente a lugar algum. Quem assim se posiciona circunscreve os escândalos da Casa em torno de suas próprias sapatas, o que não corresponde à dura realidade dos fatos. Estes, não apenas aí, mas também em outras casas legislativas, mostram que estamos diante de uma crise do Parlamento brasileiro, prefigurada num jeito irresponsável e pouco republicano de se fazer política no País.

Nesse aspecto, ainda que se trate de uma reação a posteriori, com ampla margem para uma leitura irônica de seus movimentos – lentos, por natureza –, uma vez que ele integra o governo, portanto a tábua de salvação na qual se agarrou o presidente do Senado, José Sarney, para escapar das denúncias que lhe pesavam sobre os ombros, fez bem o senador Eduardo Suplicy vir a público ontem lembrar que nada efetivamente passou. Ora se passou! Quiçá passará, arranjada como foi a “solução” da crise no Senado.

Que o Planalto e o próprio Sarney queiram produzir uma leitura envolvente da forma como as irregularidades foram contornadas, apontando para a necessidade de se construir uma agenda positiva no Senado, não surpreende. Embarcar simplesmente nela, contudo, constituiria um ato de pura ingenuidade, atributo raro entre os políticos. Nesse sentido, tem sido pedagógica a ascensão ao poder de partidos que antes ostentavam uma postura mais compromissada com os princípios republicanos.

É nesse pano de fundo, por exemplo, que deve ser inserida a pendenga jurídico-política na qual está metido um ex-comunista com assento na Câmara Municipal de Manaus, a julgar por tudo aquilo que ele resolveu expor, como quem revolvesse as próprias vísceras, buscando, com esse gesto, virar do avesso discursos forjados sobre uma base apoiada no terreno movediço das imoralidades públicas.

Nesse ponto, aliás, a atitude, aqui, do vereador Marcelo Ramos e a de Eduardo Suplicy, no Senado, convergem para o mesmo fim, ou seja, advertem a sociedade de que o Parlamento brasileiro é parte de uma crise maior, alimentada, na raiz, pela pobreza de espírito público da classe política.

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