EDITORIAIS 31/08/2009
31/8/2009 - EDITORIAL
EDITORIAL
O GLOBO
31/8/2009
Formado na vida sindical, o presidente Lula costuma dar extremo valor a negociações entre grupos organizados, à margem do Congresso. Além do efeito político negativo de um método de governar que reserva ao Legislativo o burocrático papel cartorial de carimbador de acertos feitos entre corporações, ao descartar o Congresso nos debates em torno de formulações oficiais, o Planalto impede que aspectos importantes sobre os temas em discussão sejam levados à mesa.
O mais recente caso é o acordo, fechado intramuros, como costuma acontecer, entre sindicatos, grupos de representação de aposentados e governo, em torno de um sistema de reajustes dos benefícios de segurados da Previdência que recebem mais de um salário mínimo. O pacote será enviado a deputados e senadores, para o devido carimbo. Como o governo tem indiscutível viés sindical, reconheçamos que se tratou de um acordo entre amigos - todos a favor, ninguém contra. O preço será pago pelos contribuintes. O aumento real para os aposentados com benefícios acima de um salário mínimo representará uma pressão adicional sobre um sistema que já acumula um déficit anual de R$40 bilhões - mais de três orçamentos do Bolsa Família -, e só tende a crescer. Ainda mais se o fator previdenciário - que, à falta de limite de idade para a aposentadoria, induz o trabalhador a contribuir por mais tempo, pois a expectativa de vida do brasileiro aumenta ano a ano - for revogado, como o fórum fechado de governo e sindicalistas deseja.
Hoje, o Estado brasileiro gasta com aposentadorias aproximadamente 12% do PIB, o mesmo que nações de Primeiro Mundo em que a faixa da população com mais de 60/65 anos de idade equivale a um percentual semelhante a este do total. O problema é que os idosos no Brasil são algo como 8,5% da população. Ou seja, o país gasta como se os brasileiros tivessem uma idade média superior à que de fato têm. Este descompasso significa que é real a perspectiva de quebra do sistema, à medida que os brasileiros envelheçam e nada seja feito para compensar a despesa crescente.
Outro problema deste acerto intramuros é a criação de mais um mecanismo de indexação, pelo qual os reajustes dos benefícios estarão atrelados à inflação e ao aumento do PIB, como o salário mínimo. Mais um retrocesso, por engessar as despesas de um Estado que precisa investir mais em educação, infraestrutura e saúde. Já não há como, e ficará pior.
VOCAÇÃO PARA DIZER SIM E NÃO
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
31/8/2009
RIO - O discurso duro e ao mesmo tempo apaziguador do presidente Lula na reunião de cúpula da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), ocorrida em Bariloche, na Argentina, é exemplo típico da acertada política externa brasileira. Mas que ainda encontra resistências nos setores mais ligados à segurança nacional, que entendem como fraqueza a vocação diplomática do Brasil no trato com seus vizinhos.
No encontro da Unasul, os presidentes da região discutiram a ampliação do acordo militar que permitirá aos Estados Unidos manter 1.400 pessoas em sete bases na Colômbia, pelos próximos dez anos. Este acordo, negociado pelos dois países nos bastidores, causou polêmica quando veio à tona neste mês. Surpreendeu Brasil e Argentina e atiçou a animosidade de presidentes ligados ao bolivarianismo (e, logicamente, ao antiamericanismo), como Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Hugo Chávez (Venezuela), que chegou a dizer, na última reunião da Unasul, em Quito, que “Ventos de guerra começam a soprar na região”.
Em Bariloche, Lula não lançou mão do histrionismo beligerante do colega, mas foi contundente. Pediu garantias jurídicas de que as operações americanas não violarão os territórios dos demais países da América do Sul. Fez esta exigência e uma crítica pertinente a Álvaro Uribe. O presidente colombiano afirmara que a presença americana no combate ao narcotráfico deve ser encarada de modo natural, pois os Estados Unidos mantêm forças militares na Colômbia desde 1952. Se for assim, pontuou Lula, se a estratégia utilizada até hoje não se mostrou eficaz, ela deve ser repensada. Foi um recado direto. Ainda que a Colômbia tenha a soberania de permitir ações americanas em seu território, elas já não são bem-vindas.
A outra mensagem foi de conciliação, mas com alvo certo, baixar a guarda de Hugo Chávez e seus colegas. É preciso, afirmou Lula, que os países da região se voltem a estratégias de paz e que seus governantes tenham moderação. O alerta faz sentido. Em 2008, o investimento em armas na América do Sul foi de US$ 51 bilhões, 30% a mais do que em 2007. Para países subdesenvolvidos, cuja história é marcada por longos períodos de paz, e, que, ao mesmo tempo, enfrentam sérios problemas relacionados à pobreza e à desigualdade, não há a menor razão para se entrar numa corrida militarista.
Nesse sentido, o discurso de Lula se coaduna perfeitamente com o papel que o Brasil deve desempenhar, o de líder natural da região, que não precisa medir forças em pelejas infrutíferas. No entanto, essa vocação diplomática, de mediador de conflitos entre vizinhos, tem sido questionada dentro do próprio governo.
Em recente visita ao Rio, o ministro da Defesa Nelson Jobim deu declarações de insatisfação em relação ao suposto bom-mocismo da política externa brasileira, afirmando que o país precisa estar preparado para quando tiver de dizer “não”. Jobim, que tem um plano de reestruturação para o Ministério da Defesa, pretende criar um contraponto ao Instituto Rio Branco, fazendo da Escola Superior de Guerra um centro de formação de quadros profissionais voltados para uma carreira civil da defesa. O objetivo é que a área deixe de ser um assunto exclusivamente dos militares. E que a ação dos civis não se restrinja à via diplomática.
Pode ser uma boa ideia. Mas é preciso que haja uma consonância em relação à tradição brasileira não belicista.
KIRCHNER CONTRA A MÍDIA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
31/8/2009
Democracia e liberdade de expressão foram invocadas pela presidente argentina, Cristina Kirchner, em seu discurso diante de ministros, governadores e militantes de seu partido, no qual justificou o envio ao Congresso do projeto da Lei de Serviços de Comunicações Audiovisuais. Mas, em muitos de seus pontos, o projeto avança na direção do cerceamento da liberdade de expressão e do controle estatal dos meios de comunicação, lembrando o que ocorria no tempo da ditadura militar, bem ao contrário do que disse a presidente.
Cristina e seu marido, e antecessor no cargo, Néstor Kirchner, mantêm uma relação conflituosa com a imprensa argentina, que questiona vários aspectos da administração federal. No discurso que pronunciou na Casa Rosada, sede do governo argentino, Cristina Kirchner não conseguiu esconder a visão distorcida que tem do papel dos meios de comunicação.
O que a imprensa livre faz e tem feito, na Argentina e em outros países, é analisar os atos do governo, criticando-os quando precisam ser criticados. Este é seu papel na democracia. Mas, por desempenharem esse papel, os meios de comunicação têm, na visão de Cristina Kirchner, um "suprapoder que, acima dos poderes da Constituição, arranca decisões por meio da pressão". Para a senadora oposicionista María Eugenia Estenssoro, um governo que compara o direito de expressão ao que considera "direito de extorsão", como fez Cristina Kirchner, "é um governo que se sente incomodado com críticas e quer que haja uma única voz".
Foi para conter isso que chama de "suprapoder" dos meios de comunicação que Cristina Kirchner propôs o projeto de lei de radiodifusão, que muitos de seus críticos consideram semelhante às iniciativas do presidente venezuelano, Hugo Chávez ? cujo governo, aliás, ajudou financeiramente o governo Kirchner em momentos de dificuldades. É clara, no projeto de Kirchner, a intenção de cercear, como fez Chávez, os grupos empresariais da área de comunicação contrários ao governo.
O projeto limita a 10 o número de licenças para operação de televisão aberta ou a cabo por empresa. A lei atual permite que uma empresa opere até 24 emissoras. As que não estiverem enquadradas na nova regra terão prazo de um ano para cumprir as novas normas. Não por acaso, uma das empresas nessa situação é a que edita o jornal Clarín, um dos maiores críticos da administração Kirchner.
Explicitamente, o projeto diz que, em casos como esses, as empresas não poderão alegar direitos adquiridos para manter as concessões que já detêm por força da legislação atualmente em vigor. Terão de se desfazer delas, desistindo de investimentos feitos no passado e repassando os bens e direitos ao preço que o comprador aceitar pagar ? e que, provavelmente, será inferior ao que foi investido. É uma ameaça à segurança jurídica, pois, como observou ao Clarín o constitucionalista Gregorio Badeni, "na Argentina as leis não podem ter efeito retroativo quando afetam direitos adquiridos ou garantias constitucionais, o que é considerado uma lesão grave (a direitos)".
É nítido, também, o objetivo do governo Kirchner de ampliar seu controle sobre os meios de comunicação ao limitar ? em nome do controle do monopólio ? a um terço o número de licenças que podem ser utilizadas para a exploração comercial, isto é, por empresas independentes, e reservar os dois terços restantes, em partes iguais, para o próprio governo e para organizações sem fins lucrativos (como igrejas, sindicatos, universidades e fundações) escolhidas pelo governo.
Além disso, as licenças para os canais de rádio e televisão serão obrigatoriamente revistas a cada dois anos, o que dá ao poder concedente, isto é, ao governo, um enorme poder para controlar os meios de comunicação, punindo os críticos e premiando os que lhe forem leais.
Obviamente, o governo tem pressa na votação do projeto, pois ainda dispõe de maioria no Congresso. Na eleição realizada em 26 de junho, a oposição obteve ampla vitória, mas, por força da legislação, os novos deputados só assumirão seu mandato em 10 de dezembro. Só então o Congresso terá a composição que o eleitorado argentino escolheu. Mas, como a escolha o contraria, o governo Kirchner não quer que o novo Congresso vote seu projeto.
TREM DA INDECÊNCIA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
31/8/2009
"Da alegria" não, pois esse trem fisiológico-eleitoreiro é mais uma tristeza para a sociedade brasileira e melhor seria chamá-lo logo de trem da indecência. Na madrugada de quinta para sexta-feira, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou a emenda à Constituição, conhecida como PEC dos Vereadores, que aumenta em mais de 7 mil o número de vereadores do País. Como se recorda, houve idas e vindas desse projeto nas Casas Legislativas. Originalmente, essa emenda previa o aumento do número de vereadores e uma redução porcentual de gastos das câmaras municipais. Depois foi aprovada só com o aumento do número de vereadores, portanto, sem a diminuição dos gastos, o que levou o então presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, a recusar-se a promulgá-la. Agora foi aprovado o aumento da quantidade de vereadores - precisamente 7.343 novos edis - acoplado à redução de gastos, a vigorar no ano seguinte à promulgação da emenda.
Pelo projeto aprovado o número de vereadores é variável, conforme o número de habitantes de cada município. Foram criadas 24 faixas populacionais, que vão desde as que comportam 9 vereadores - para municípios de até 15 mil habitantes - até 55, para cidades com mais de 8 milhões de habitantes. Em relação ao que dispõe a Constituição, a emenda aprovada reduz, de fato, os gastos das Câmaras Municipais, embora em porcentagens pouco significativas. Por exemplo, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que hoje tem gastos limitados a 5% da receita líquida do município, terá um repasse de 4%. Já na Câmara paulistana, os gastos passarão de 5% para 3,5% da receita municipal.
Não se pense que o novo "trem" beneficiará apenas os futuros candidatos a vereador, aumentando-lhes a oportunidade de obter um mandato nas eleições de 2010. Afinal, um dos itens mais escandalosos da emenda é que ela beneficia os suplentes das eleições de 2008, que serão empossados para que se complete o número ampliado de vereadores de cada Câmara. A medida só não foi mais calamitosa porque o relator do projeto eliminou do texto a obrigatoriedade do pagamento, a esses suplentes que se tornarão efetivos, de remuneração retroativa a 1º de janeiro, data em que foram empossados os candidatos eleitos em outubro de 2008. Nisso, pelo menos, os contribuintes não foram extorquidos.
"Todos os partidos são favoráveis à proposta porque aumenta o número de vereadores, mas limita os gastos das câmaras", disse o líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza. Mas nem todos os deputados concordaram com esse "trem da alegria". O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), por exemplo, pôs a questão em pratos limpos: "Sou favorável a se repensar o número de vereadores, mas no bojo de uma reforma política. Aumentar o número de vereadores não é mais democracia. É mais emprego de vereador."
E é exatamente disso que se trata. Alguém, por acaso, achará que o aumento do número de vereadores, praticamente em todos os municípios brasileiros, dará melhores condições de funcionamento ao trabalho legislativo? Em nenhuma cidade brasileira, por mais pobre que seja, os problemas e dificuldades que existem não serão resolvidos porque a Câmara recebeu mais dois ou três vereadores. O que ocorre é, justamente, o contrário. Não é pequena a quantidade de municípios em que os legislativos estão "inflacionados", tanto em termos de representantes quanto de funcionários e de gastos com pessoal. E mais vereadores é igual a menos serviços públicos.
É claro que na base dessa distorção está o processo eleitoral, em que as vagas para vereadores são negociadas em troca do apoio a candidatos a cargos proporcionais ou majoritários, estaduais ou federais. Há uma espécie de vasos comunicantes ligando currais eleitorais - e esse é um vício histórico. O "trem" fisiológico-eleitoral que a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou infelizmente confirma e arraiga esse nosso velho e atrasado hábito. Vamos esperar que o plenário da Câmara detenha esse "trem".
MAIS UM ´´ESTUDO´´ DO IPEA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
31/8/2009
Agindo acintosamente como integrante da campanha presidencial da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) voltou a publicar um "Comunicado da Presidência" concebido para alimentar os discursos da candidata governista ao pleito de 2010. Com 8 páginas e preparado por uma equipe de 14 consultores subordinada ao economista Márcio Pochmann, o estudo pretende mostrar que, no governo Lula, a produtividade do setor público cresceu mais do que a do setor privado.
Há alguns meses, o Ipea já havia publicado dois "Comunicados" com igual propósito. O primeiro foi escrito para refutar as críticas de que o governo "inchou" o Estado, por ter aumentado em 98% os gastos com a folha de pagamento dos servidores civis, ao contratar 201 mil novos funcionários e elevar para 76 mil o número de cargos de confiança, entre 2003 e 2008, sem que isso tenha resultado na melhora da qualidade dos serviços prestados. O estudo sustentava que haveria "espaço" para a contratação de mais servidores. O segundo "Comunicado" foi preparado para criticar as privatizações de bancos públicos realizadas no governo Fernando Henrique, a elas atribuindo a concentração do mercado financeiro e a redução da oferta de serviços à população de baixa renda.
Preparado para justificar o crescimento das despesas de pessoal e sustentar as "virtudes" do setor público, o novo "Comunicado" tenta demonstrar que os governos estaduais que adotaram programas de "choque de eficiência", cortando gastos com pessoal, não aumentaram a produtividade. O estudo afirma que, nos últimos cinco anos, os setores da administração pública que contrataram mais servidores e "recuperaram o valor real das remunerações" obtiveram ganho médio de produtividade 35% superior à do setor privado.
"Após o processo de deterioração na administração pública, o Brasil renova o papel do Estado com ganhos de produtividade. As diferenças regionais e setoriais de produtividade na administração pública indicam o quanto o País como um todo ainda precisa prosseguir na escalada da modernização do Estado", conclui o "Comunicado", depois de enfatizar a importância das técnicas de planejamento e da expansão dos "conselhos de representação da sociedade", principalmente nas áreas de saúde, educação e assistência social, como atributos básicos para a "generalização de uma nova noção de ética" e "revalorização da função pública".
Retórica à parte, o novo "Comunicado" do Ipea peca pelo mesmo enviesamento ideológico e pela mesma falta de rigor metodológico dos anteriores. A maior falha está no critério de medição de produtividade adotado, que enfatiza a relação entre despesa orçamentária e o pessoal "ocupado". Os autores do estudo não levaram em conta que, no setor privado, a produtividade é medida com base no impacto do trabalho e da produção no aumento do faturamento das empresas. E, ao tratar do setor público, confundiram aumento de produtividade com aumento de gasto público, não levando em conta a qualidade dos serviços prestados.
Em outras palavras, como estavam mais preocupados em defender a expansão do Estado e criticar os defensores de "choques de gestão", os autores do estudo misturam alhos com bugalhos. O trabalho foi divulgado uma semana depois de Lula ter tratado do tema, ao sancionar a lei que criou mais varas federais. "Quando resolvemos tomar medidas para melhorar o funcionamento das instituições, há sempre duas críticas: a de que o Estado está inchando e de que é preciso um choque de gestão. As pessoas ainda não se deram conta de que, quanto melhor funcionar o Estado, melhor fica para todo mundo", disse ele na ocasião, justificando o aumento do gasto com funcionalismo.
Com o novo "Comunicado", o Ipea compromete ainda mais a sua credibilidade. Criado há quatro décadas para realizar pesquisas para subsidiar políticas públicas e programas econômicos do Executivo, o órgão, desde que passou a ser dirigido por Pochmann, já promoveu uma "caça às bruxas", realizou um concurso público para admissão de novos membros por critérios ideológicos e transformou suas pesquisas em panfletos para embasar as "teses" que Lula vem defendendo na campanha da ministra Dilma Rousseff.
VANGUARDA DO CLIMA
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
31/8/2009
Empresários seguem tendência internacional e pressionam governo a adotar meta ousada na reunião de Copenhague
UM GRUPO de 22 grandes empresas nacionais expostas à competição global tomou a dianteira no debate sobre a mudança climática. Da Andrade Gutierrez à Votorantim, pesos pesados lançaram uma carta aberta cobrando posição mais arrojada do governo federal para a Conferência de Copenhague, em dezembro.
A reunião será a 15ª dos países que integram a Convenção do Clima, de 1992. É o prazo final para que se adote um tratado substituto ao Protocolo de Kyoto (1997), que fracassou no objetivo de reduzir a poluição aceleradora do aquecimento global. Teme-se que Copenhague fique aquém do que seria necessário para sanar as deficiências de Kyoto.
Em causa estão emissões dos gases do efeito estufa, como o CO2. Eles são produzidos por vários setores: energia, indústria, transportes, agricultura e desmatamento, entre os principais. Os compostos engrossam um cobertor invisível na atmosfera, aquecendo-a globalmente.
A temperatura média já se elevou 0,7C em dois séculos. Para evitar que ultrapasse a barreira dos 2C, considerada perigosa para a estabilidade do clima planetário, pesquisadores estimam que seria preciso cortar até 40% das emissões antes do ano 2020.
O governo brasileiro reluta em adotar compromissos de reduzir emissões, por temer que o custo do esforço comprometa o desenvolvimento. Nações mais ricas foram e são as maiores emissoras -portanto deveriam responder pelo maior esforço.
Os empresários, porém, encaram com pragmatismo esses cálculos sobre o futuro: "Mesmo que os países desenvolvidos reduzissem imediatamente a zero suas emissões, não seria possível alcançar a meta global de redução sem uma participação das economias emergentes".
O tema espinhoso da conferência de dezembro será a redução de emissões por desmatamento e degradação de florestas, conhecida como "Redd" (ao apodrecer ou queimar, a madeira lança CO2 no ar). "Redd" é uma maneira barata de reduzir emissões, pois restringe só atividades predatórias, como a pecuária extensiva de baixa rentabilidade.
O Brasil poderia obter bons recursos no mercado mundial de carbono, pois vem reduzindo o desflorestamento. Brasília, contudo, aceita apenas doações voluntárias como compensação pelo desmatamento evitado. Resiste a converter o ativo em créditos negociáveis, argumentando que países ricos se safariam de suas obrigações pagando pouco pelo "direito de poluir" (créditos de carbono "Redd" que inundariam o mercado).
Para impedir o desvio, bastaria acordar um teto para os créditos Redd. Por exemplo, 10% do total de reduções. Para usufruir desse mercado, o Brasil precisaria recalcular quanto produz, hoje, de poluição com desmatamento.
Os dados disponíveis indicam três quartos das emissões brasileiras, mas são de 1994. O novo inventário nacional é postergado ano após ano. A parcela do desmate deve ser hoje bem menor, mas isso significa que emissões pela queima de petróleo crescem mais que as de outras fontes, algo que o governo prefere não ver explicitado.
ALÉM DA DESCRIMINAÇÃO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
31/8/2009
INICIATIVAS de descriminar o porte de drogas para uso pessoal ganham terreno na América Latina. Sem legalizar o comércio de drogas, mas deixando de considerar criminoso quem as consome, elas se somam a medidas parecidas adotadas em países da Europa -onde não foram acompanhadas da explosão do consumo.
O debate no Brasil, impulsionado pela proposta de descriminação da maconha feita pela Comissão Latino-Americanas sobre Drogas e Democracia, ONG coliderada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, indica caminhos para aperfeiçoamentos institucionais.
O marco é a lei 11.343, de 2006, que diferenciou usuários de traficantes. Mas o fim da prisão dos consumidores, com programas de tratamento para viciados, repercutiu pouco sobre problemas graves associados ao mercado de drogas ilegais: a violência, o contrabando de armas e a corrupção dos agentes do Estado.
Hoje esses temas têm sido tratados a partir de convenções internacionais que dão prioridade à redução da oferta e da produção, e não da demanda. A diretriz por vezes se traduz em políticas inócuas ou que agravam aqueles problemas -quando redundam, por exemplo, num aumento da violência sem, necessariamente, implicarem redução do tráfico.
É o caso das ofensivas de erradicação de cultivos, que então se deslocam para outros lugares, ou das operações no Brasil contra o varejo de drogas, nas quais a grande maioria dos presos está na escala mais baixa do crime.
Excluída a hipótese da legalização, que traria efeitos provavelmente deletérios na saúde pública, não há solução simples. No Brasil, merece apoio a proposta de criar matizes nas penas de acordo com o tipo e a quantidade de droga vendida. Mas, tratando-se de fenômeno transnacional, é preciso um novo acordo global.
RELAXAMENTO FISCAL TENDE A AFETAR JUROS E APRECIAR REAL
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
31/8/2009
O superávit primário da União, Estados, municípios e empresas estatais caiu de 2,04% para 1,76% do Produto Interno Bruto (PIB) entre julho e julho, segundo dados acumulados em 12 meses divulgados pelo Banco Central. O percentual se distanciou um pouco mais da trajetória da meta fiscal de 2009, fixada em 2,5% do PIB. Um eventual descumprimento do objetivo em apenas um ano não alteraria, necessariamente, a dinâmica de queda da dívida líquida do setor público. Mas representaria um arranhão na credibilidade da política fiscal, construída com o esforço de mais de uma década.
Ainda há chances razoáveis de cumprimento da meta, que é um tanto elástica. Podem ser abatidos do objetivo os gastos do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), equivalentes a 0,5% do PIB. O governo também cogita a hipótese de excluir da meta os projetos de investimento previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estimados em 0,65% do PIB. Como há sobreposição entre investimentos do PPI e do PAC, pode-se afirmar que, no final das contas, a meta ajustada seria de 1,85% do PIB.
Para abater os investimentos da meta, entretanto, uma condição necessária é a sua efetiva execução. O histórico não é nada animador. Compilação de dados do Tesouro feita pelo Banco Santander mostra que os investimentos avançaram apenas modestamente, de 0,7% para 0,8% do PIB entre o primeiro semestre de 2008 e o de 2009.
A arrecadação, por outro lado, tende a melhorar, já que o pior da retração econômica parece ter ficado para trás, embora alguns economistas temam que ela não voltará tão cedo aos padrões de 2008, que teria sido um ano atípico. Resta saber se a Receita Federal será capaz de aproveitar essa oportunidade, em meio à crise causada pela demissão da ex-secretária Lina Vieira. De qualquer forma, em uma situação de emergência, o governo sempre poderá sacar os recursos depositados no fundo soberano, estimados em 0,5% do PIB, para tapar o buraco.
Para 2010, o quadro parece um pouco mais favorável, já que o governo deverá desmontar alguns dos estímulos fiscais anunciados para tirar a economia da recessão. É o caso, por exemplo, do corte do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) sobre automóveis.
Mas deve-se ponderar que o enfraquecimento do resultado primário decorre também da forte expansão de gastos correntes, como aumentos dos salários do funcionalismo e dos benefícios previdenciários. O novo nível de despesa tornou-se permanente e dificilmente será revertido. Não no curto prazo.
Apesar das perspectivas incertas para o superávit primário, ainda não é possível afirmar, com base nas informações disponíveis, que a dívida líquida do setor público entrará em trajetória preocupante. Neste ano, o indicador subiu de 38,8% para 44,1% do PIB, entre dezembro e julho passado. Mas o consenso do mercado financeiro é que em 2010 a dívida caia para 40,95% do PIB, mantendo tendência de redução até 2013, quando chegaria a 35% do PIB.
A recente distensão monetária, que levou a taxa Selic a 8,75% ao ano, o menor valor da história, deverá produzir uma queda consistente na despesa com juros da dívida pública. De dezembro para cá, esse gasto encolheu de 5,66% para 5,11% do PIB, nos números acumulados em 12 meses. Daqui por diante, é de se esperar queda mais expressiva, já que a redução da taxa básica de juros atua com defasagem de cerca de um ano nos encargos da dívida. Juros menores significam que, daqui em diante, o superávit primário exigido para estabilizar a relação entre a dívida líquida e o PIB também será menor.
A dinâmica da dívida pública ainda é favorável, mas isso não elimina todas as preocupações com a política fiscal. A expansão permanente dos gastos tende a eliminar o espaço para os investimentos privados. O resultado disso será uma Selic mais alta e o mercado financeiro já incorporou esse receio na curva de juros futuros. A expansão fiscal também atua para exacerbar a apreciação do câmbio, pois representa um aumento da demanda por bens não transacionáveis em detrimento dos bens transacionáveis. A retomada da disciplina fiscal, portanto, é muito importante para evitar juros mais altos e câmbio mais apreciado.
ENCONTRO BRASIL-ALEMANHA
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
31/8/2009
O Encontro Econômico Brasil-Alemanha 2009, que se realiza em Vitória, é a maior ação bilateral entre os dois países. E se realiza em momento de impulsão de negócios visando à transposição do cenário recessivo global para a retomada do crescimento.
A expectativa é de que seja implementada nova dinâmica nas relações empresariais. As 1.140 inscrições (967 brasileiras e 173 alemãs) e o agendamento de 65 reuniões comerciais, nos dois dias do evento, demonstram forte interesse na realização de investimentos.
Esta é a 27ª edição do encontro econômico entre os dois países – e que dá ao Espírito Santo a primazia de sediá-lo. Entre as metas definidas constam: ampliar as operações comerciais e a cooperação técnico-financeira; atrair investimentos, tanto para o território brasileiro quanto para o alemão; e promover a associação entre empresas nas duas nações, incluindo transferência tecnológica.
A cooperação econômica entre os dois países remonta desde antes da Segunda Guerra Mundial, com investimentos concentrados na área de comércio. Já no pós-guerra, principalmente nas décadas de 50 a 70, as atividades industriais foram o foco principal de projetos.
Atualmente, vive-se a chamada terceira onda de investimentos, estreitando ainda mais os laços empresariais entre Brasil e Alemanha. Os interesses por negócios abrangem um leque diversificado, com uma característica notória: a preocupação em desenvolver produtos e tecnologias sustentáveis.
Alemanha é hoje o maior investidor externo no Brasil. Em plena crise internacional, o Investimento Externo Direto (IED) daquele país no território brasileiro atingiu US$ 1,98 bilhão em 2009, até abril, de acordo com dados do Banco Central. Corresponde a quase o dobro do montante de US$ 1,04 bilhão registrado em todo o ano de 2008. Esse avanço demonstra a visão de oportunidades, mesmo em cenário de contração da economia mundial.
Já a confiança dos investidores de todos os países na Alemanha – uma das maiores potências econômicas e tecnológicas da Europa – cresce há sete meses consecutivos, segundo o Centro de Pesquisa Econômico Europeu (ZEW). Esse resultado sugere que o pior da crise já passou e que a tendência é aumentar a produção de bens e de serviços.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) antevê que o encontro empresarial que se realiza em Vitória implementará novos negócios entre Brasil e Alemanha. A balança comercial entre os dois países fechou o ano passado em US$ 20,87 bilhões. O mercado brasileiro exportou um total de US$ 8,85 bilhões para os consumidores alemães e importou US$ 12 bilhões em produtos daquela nação, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento. Para a CNI, esses números podem ser alavancados com maior participação das pequenas e médias empresas no setor internacional.
O Encontro Econômico Brasil-Alemanha 2009 também discutirá a experiência alemã na organização da Copa do Mundo de futebol, inclusive os investimentos em infraestrutura exigidos pelo maior evento esportivo do planeta. Interessa muito aos nossos empresários. No Brasil, a Copa de 2014 demandará serviços para grandes empresas – construção de estádios, modernização de aeroportos, implantação do trem-bala, etc. –, mas também abre oportunidades para milhares de pequenas firmas que produzem diferentes produtos.
O evento reunindo Brasil e Alemanha referencia o Espírito Santo como marco de nova etapa de aproximação empresarial entre os dois países.
AGRONEGÓCIO ENCURRALADO
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
31/8/2009
Portaria obrigaruralista a dobrarprodução paranão ter a terradesapropriada
Os produtores rurais brasileiros vivem dias de grande apreensão. Diferentemente dos países de economia mais desenvolvida, como Estados Unidos, Alemanha, França e Inglaterra, em que a atividade agropecuária é estimulada e até exageradamente protegida – a ponto de gerar conflitos e inviabilizar acordos em nível mundial –, o Brasil tem criado dificuldades que só fazem aumentar a já natural incerteza do negócio, que depende do clima e dos mercados. Não bastasse a derrocada das cotações internacionais das commodities agrícolas, imposta pela crise mundial do crédito, e que só aos poucos vai sendo superada – fator externo que forçou uma queda na produção para evitar prejuízo maior –, o produtor é, agora, sobressaltado por duas avalanches. Ambas produzidas pelo Estado, ambas carregadas de visão preconceituosa contra o agronegócio.
A primeira onda o transforma no vilão da ecologia e quer punir os netos de hoje pela falta de regulação que permitiu a seus avós, por exemplo, plantar em encostas. Debate que se arrasta cada vez mais para longe da lógica e do bom senso, essa é uma questão colocada pela fase de atualização dos códigos florestal e ambiental. Ambos absolutamente necessários ao futuro sustentável do país e que, por isso mesmo, deveriam demandar a busca civilizada, inteligente e democrática do consenso. Mas a aproximação do calendário eleitoral, que vem contaminando quase tudo que depende do governo e dos políticos, acabou impondo a improdutiva transformação do debate em palanque, oportunidade para a performance midiática de certas autoridades que mais parecem preocupadas em garantir sua vaga no próximo pleito.
A outra não é menos grave, mas é mais urgente. Num arroubo autoritário claramente patrocinado pelo Palácio do Planalto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário quer que entre em vigor, ainda esta semana, uma portaria que simplesmente dobra os atuais índices de produtividade das propriedades rurais. Não importa se não há mercado, se não há para quem vender, se os preços não estão cobrindo o custo e se o crédito está escasso e caro. Com ou sem prejuízo, o produtor que se vire e dobre imediatamente sua produção, sob pena de ter sua terra desapropriada para fins de reforma agrária. É tratamento que em nada lembra a isenção do IPI para garantir a produção e venda de automóveis, com a exata compreensão da fase que enfrentava essa indústria. A tal portaria – deveria ser assunto para o Congresso Nacional, tal a sua importância –atropela a realidade, assim como fizeram as falidas economias planejadas do século passado, em que o governo arbitrava tudo. Ela depende ainda do Ministério da Agricultura, mas, a julgar pela sanha autoritária dos que invadem a propriedade alheia para impor o desejo de uma minoria, o produtor rural terá de escolher: na temporada de baixa do mercado, ou toma prejuízo ou sua terra vira assentamento, do qual nada será exigido, muito menos a produtividade.
LUZ AMARELA NA ECONOMIA
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
31/8/2009
A dívida líquida do setor público passou de 38,8% do PIB em dezembro de 2008 para 44,1% em julho último, deixando para trás a projeção para o ano, de 41,4%. O salto, de 5,2 pontos percentuais, equivale a um crescimento, em termos absolutos, de R$ 130 bilhões. Isso, apesar de a flexibilização da política monetária ter permitido uma economia no pagamento de juros que fez recuar a relação com o PIB, num espaço de 12 meses, ao mais baixo patamar da série histórica — 5,11% em julho.
Os números da dívida divulgados pelo Banco Central emitem grave alerta, que não pode ser ignorado, sobretudo pelos complicadores vislumbrados no futuro próximo. Primeiro, tradicionalmente, os gastos aumentam no segundo semestre. Segundo, a proximidade das eleições em 2010, com a disputa eleitoral já em andamento, exercerá forte pressão sobre as despesas e investimentos. Nessa última rubrica, só o Programa de Aceleração do Acrescimento (PAC) absorverá R$ 142,1 bilhões a mais, conforme anunciado pelo governo.
Gastos permanentes de custeio também estão em alta. A folha de salários do setor público não para de crescer. Aposentadorias e pensões devem ter aumento real no próximo ano. Ainda assim, tentativas do Congresso Nacional de conter despesas foram anuladas pelo presidente da República, que vetou dispositivos incluídos na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2010. Foram vetados, por exemplo, itens que restringiam despesas com publicidade, viagens e diárias de funcionários e proibiam a exclusão de restos a pagar relativos a obras do PAC não executadas do cálculo do superávit primário (economia para pagamento de juros).
Registre-se, ainda, o baixo desempenho fiscal. A arrecadação de impostos e contribuições federais teve queda real de 7,39% nos sete primeiros meses do ano. De um lado, em consequência direta da crise; de outro, em decorrência de medidas anticíclicas, como a desoneração de setores específicos da cadeia produtiva, destinada a apressar a retomada da atividade econômica. No todo, a receita líquida do governo caiu 1,8% entre janeiro e julho, em relação ao mesmo período de 2008, perda superior a R$ 110 bilhões. Em sentido contrário, as despesas totais do Tesouro cresceram 10%.
Em suma, não faltam evidências de que a contenção de gastos é imperativa. Se o quadro interno aponta nesse sentido, o externo apenas o ratifica. O comércio internacional do país já encolheu um quarto este ano, em comparação com 2008. Importações e exportações somaram US$ 162,5 bilhões até a segunda semana deste mês, contra US$ 218,8 bilhões no ano passado. Com tantos poréns, a estabilidade econômica está prestes a render ao Brasil mais um reconhecimento de uma grande agência de classificação de risco, com a concessão do investment grade (grau de investimento), em setembro, pela Moody’s.
A promoção é importante atrativo para investidores estrangeiros. Mas, se o caminho até aqui foi árduo e durou décadas, o de volta é ladeira abaixo, capaz de ser percorrido num piscar de olhos. Que não se cochile, portanto. Toda vigilância é pouca para preservar os fundamentos macroeconômicos que puseram o país na antessala do Primeiro Mundo, sem os quais o retrocesso será inevitável.
POR UMA NAÇÃO RECONCILIADA
EDITORIAL
GAZETA DO POVO (PR)
31/8/2009
No último dia 28 de agosto, a Lei n.º 6.683/1979, mais conhecida como a Lei da Anistia, completou seus 30 anos de existência em meio a intensos debates acerca de seu alcance. Mais especificamente, se essa lei teria ou não abrangido crimes cometidos por militares, notadamente os crimes de tortura, sequestro e homicídio.
Do lado daqueles que entendem que a Lei da Anistia teria sido mesmo “ampla, geral e irrestrita”, os argumentos mais frequentes são: a) a amplitude da redação do artigo 1.º da referida lei: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado). § 1.º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política....”; b) as garantias constitucionais previstas no artigo 5.º, da Constituição Federal de 1988: “XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;” e “XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;” c) que a previsão de que o crime de tortura seria insuscetível a anistia teria entrado em vigor apenas com a Lei n.º 9.455/1997; e d) que, em termos práticos, todos os crimes já estariam prescritos.
Já em relação aos que sustentam a inaplicabilidade da Lei da Anistia, os principais argumentos são os seguintes: a) o de que o “espírito” da Lei da Anistia seria o de beneficiar apenas os opositores ao regime; b) o de que não se poderia admitir uma autoanistia, ou seja, os ofensores não poderiam promover um perdão a si mesmos; c) o de que os crimes praticados pelos militares, com destaque especial para a tortura, não poderiam ser caracterizados como crimes políticos; d) o de que os crimes praticados nos “anos de chumbo” seriam crimes contra a humanidade e que, por isso, seriam imprescritíveis e não sujeitos a anistias, com base em diplomas internacionais dos quais o Brasil seria signatário; e e) o de que os prazos prescricionais estariam suspensos em decorrência da não abertura de muitos dos arquivos da época da ditadura.
Como se vê, portanto, um debate com endereço certo: o Supremo Tribunal Federal. E a mais alta corte do país enfrentará o tema em decorrência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de n.º 153, movida pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O tema é evidentemente polêmico e no próprio governo não há consenso. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, defende a anistia ampla. Já o ministro da Justiça, Tarso Genro, tem-se revelado um dos principais defensores da tese de que os militares não teriam sido beneficiados pela Lei da Anistia.
Mas, colocado o problema, será correto centrarmos e quase que limitarmos o debate na questão do alcance da Lei da Anistia e, em última análise, na punição ou não dos militares? Parece-nos que não.
O olhar deve ser mais amplo. Preocupa-nos que o desejo de punição seja – ou ao menos pareça ser – muito mais intenso do que a busca da verdade e o esforço por uma verdadeira reconciliação social.
Não podemos, jamais, esquecer nossa história. E, ao resgatá-la, nosso objetivo principal deve ser o de reconciliação e pacificação social.
Como já se defendeu neste mesmo espaço, “o zelo pela memória de sua própria história é sinal da vitalidade de um povo que, guardando as lições do passado, compreende melhor o presente e prepara com mais segurança o futuro”. Mas “outro sinal de saúde coletiva é a capacidade de perdoar, de impedir que o rancor imobilize e impeça a construção de uma nação mais humana. Fala-se aqui do perdão em lato sensu, do valor a ser perseguido por cada indivíduo em particular e por todos como povo, independentemente do credo de cada um”.
E, nessa linha de pensamento, o melhor exemplo para o Brasil talvez não seja o de países mais próximos, como Argentina e Chile, mas sim um modelo mais distante, que vem do outro lado do Atlântico: o da África do Sul, com especial destaque para a figura de Nelson Mandela (Prêmio Nobel da Paz em 1993). O exemplo de um homem que passou quase três décadas na prisão e que, ao se tornar o primeiro presidente negro da África do Sul, buscou, acima de tudo, a reconciliação da sociedade sul-africana.
Assim, mais do que a punição dos militares, o que devemos defender, com vigor, é a abertura definitiva dos arquivos da ditadura e a adoção de mecanismos eficientes de reconciliação. E um bom começo pode ser a discussão acerca da Lei n. º 11.111/2005, que, curiosamente sancionada pelo presidente Lula, atribuiu à Casa Civil – hoje ocupada por Dilma Rousseff e antes por José Dirceu – o poder de classificação e de decisão sobre a divulgação ou não de documentos considerados sigilosos, dentre os quais se encontram, como sabemos, muitos arquivos do regime militar.
AVANÇO DE UM ABUSO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
31/8/2009
A comissão especial da Câmara de Deputados que estuda a questão do número de vereadores aprovou a proposta de emenda constitucional que aumenta em mais de 7 mil o total de vereadores do país. Mesmo aprovada junto com uma proposta de reduzir o percentual de repasse de recursos às Câmaras Municipais, a ampliação do número de vereadores está fundamentada em argumentos que não se sustentam. A qualidade da representação não está vinculada ao número de representantes, mas guarda relação com outros fatores que levam ao aperfeiçoamento da democracia. Neste sentido, é evidente que o Congresso Nacional – primeiro no Senado, por onde a PEC já tramitou e foi aprovada, e agora na Câmara – submeteu-se a pressões municipais que não necessariamente respondem ao interesse da democracia e da sociedade brasileira.
Menos mal que o projeto de aumento de vereadores vem agora acompanhado de um outro, necessário, que define o percentual de repasse orçamentário às Câmaras e que, assim, corrige o erro cometido no Senado. Ao aprovar essa regra que aumenta o número de vereadores, o Senado retirou do texto a limitação de gastos, numa decisão que levou a um impasse que agora os deputados tentam sanar.
De qualquer maneira, a questão básica não está resolvida. Ao contrário. Aumentar o número de vereadores de maneira tão expressiva é uma demonstração de insensibilidade política que não se coaduna com o interesse público de ter instituições enxutas e eficientes. A realidade brasileira não comporta esses acenos demagógicos. A democracia do país, que precisa qualificar-se, em nada lucra com o inchaço das Câmaras Municipais. A quantidade é, muitas vezes, inimiga da qualidade e esta nunca se confunde com aquela.
É compreensível que haja pressão por parte de vereadores e de suplentes, é compreensível até mesmo que tal pressão tenha intensidade extra em anos pré-eleitorais, como agora. O que não pode ser tolerado é que uma decisão que os tribunais superiores tomaram há cinco anos e que a população aprova volte transformada numa espécie de trenzinho da alegria para exatos 7.343 suplentes que preencherão as vagas desse número que a emenda constitucional cria. A questão precisa ser reposta dentro de um projeto amplo de estruturação das instituições legislativas e no contexto de uma reforma política ampla e corajosa. Há pouco sentido em que cidades com 2 mil ou 3 mil habitantes tenham Câmaras compostas por nove vereadores, cujo trabalho muitíssimas vezes se resume a uma sessão por mês, à noite. Estes fatos precisam ser levados em consideração pelos deputados federais, a quem compete o próximo passo. O interesse do país precisa ser colocado em primeiro lugar.
DIÁLOGO ANTICONFLITO
EDITORIAL
ZERO HORA (RS)
31/8/2009
Ainda incipientes, os sinais de disposição para o diálogo com entidades representativas da sociedade civil, manifestados pela Brigada Militar depois de uma sucessão de confrontos que culminou com a morte de um sem-terra, são promissores pelo fato de acenar com uma perspectiva de paz. A iniciativa não significa passar por cima de eventuais excessos cometidos de parte a parte, alguns dos quais ainda na dependência da conclusão de investigações sobre o que realmente ocorreu. É importante, porém, que a disposição para um acordo capaz de assegurar o mínimo de civilidade para manifestações, sem interferir nos direitos de terceiros, e uma adequada manutenção da ordem por parte das autoridades de segurança, seja correspondida por representantes de entidades de maneira geral.
De parte da BM, a sucessão de equívocos que custou a morte do sem-terra expôs uma corporação relutante em admitir de imediato o descontrole, uma demora inexplicável na elucidação do autor do disparo e na revelação de seu nome, dando margem a especulações que acabam agravando ainda mais as dimensões do problema. Diante da reação da opinião pública, a Brigada acabou afastando o comandante da operação. Decisão semelhante foi tomada em Canoas, após a denúncia de excessos numa ação contra camelôs e de agressão contra um motorista de ônibus.
Nesse ambiente, deve ser considerado como positivo qualquer esforço para distensionar as relações entre quem se vale do direito constitucional da livre manifestação e quem tem como atribuição legal assegurar a ordem e os direitos do conjunto dos cidadãos. É importante, por isso, que a oportunidade aberta para o diálogo não se restrinja à Capital nem a formalidades como itinerários, locais e horários de manifestações, mas que avance para uma forma de convivência em que cada lado possa agir sempre estritamente dentro da lei.
TEMPO DE CARTÃO VERMELHO
EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
31/8/2009
O Senado acaba de nos deixar mais uma lição, pouco educativa, é verdade, mas que pode se transformar num símbolo interessante - como já começa a acontecer - no processo de depuração da atividade política, principalmente. Ao transpor do campo de futebol para a tribuna a punição da transgressão de uma norma através de um cartão vermelho, o senador Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, gerou mais um capítulo de desgaste daquela Casa e criou um tipo, um instrumento capaz de externar a indignação, individual ou coletiva, como aconteceu com os caras-pintadas que foram às ruas para exigir a saída de um presidente da República do poder.
Se o presidente do Senado vai entregar o cargo, ou não vai, deixou de ser o fundamental, mesmo quando desse ato dependerá o funcionamento do Senado. O que importa é a resposta que deve ser dada por toda classe política a esse gesto até agora limitado aos campos de futebol e que representa, na atividade pública, uma punição bem mais grave. Como foi visto em mais um bate-boca que terminou com o cartão vermelho sendo atribuído ao presidente Lula e até devolvido a Suplicy, tornando-se, a partir de então, motivo de galhofa, de ridicularização, como se fosse pouco o desgaste a que tem sido submetido o Senado.
Mas ao ser estendido a toda classe política como um símbolo visual de cobrança, o cartão vermelho presta-se à execução de um bom serviço e com certeza chegará ao horário gratuito de propaganda eleitoral, pelo que se exigirá do eleitorado uma atenção mais rigorosa. Porque não vale apenas mostrá-lo a um ou outro político, valendo-se da força que ele exerce numa partida de futebol, onde se pune a agressão física e só eventualmente a agressão moral quando, por exemplo, o atleta agride o árbitro com palavras. No campo social, o potencial punitivo do cartão vermelho é bem mais amplo, porque trata dos aspectos ético e moral, com infinitas possibilidades.
Assim, por exemplo, tanto cabe cartão vermelho para o político que violenta o decoro parlamentar ou se apropria de recursos públicos - simplificadamente, que rouba o dinheiro do povo - quanto para o servidor público que exorbita de sua autoridade e prejudica o cidadão ou a cidadã por ação ou omissão. Pode ser aplicado, desta forma, ao detentor de um mandato que pratica o nepotismo por ter acesso e domínio do aparelho administrativo, como ao agente público que negligência no atendimento a um paciente em um hospital ou deixa penando atrás das grades pessoas inocentes ou que perderam a liberdade por incúria do serviço público.
Raposas que são, alguns políticos vêm levando ao ridículo o gesto teatral e pouco comum do senador Suplicy. De tão inusitado, sequer bate com o tipo, a personalidade dele, tão tímido e recatado que é, sujeitar-se a um confronto que lhe tirou a serenidade e o fez perder-se num matraquear de palavras sem sentido. Apenas mais um episódio que diminuiu o Senado como instituição simbólica dos "pais da pátria", na tradição romana, como sempre lembra um dos senadores, exatamente o que presidia os trabalhos na hora do cartão vermelho, o representante do Piauí, Mão Santa. Ali ficou evidente a prevalência do cartão punitivo sobre o símbolo da sabedoria dos senadores romanos.
Apesar dessa tentativa, porém, o gesto poderá ser apropriado por um segmento que no passado teve sucesso com outros símbolos. São os jovens que com frequência tomam as ruas fazendo história, como tem acontecido em quase todo mundo, com data marcada, 1968, quando saíram do casulo e tiraram um herói francês do poder. Aconteceu também no Brasil e uma velha lição diz que a história se repete, como tragédia ou farsa.
LIDERANÇA INDESEJADA
EDITORIAL
DIÁRIO DO NORDESTE (CE)
31/8/2009
A pandemia da gripe suína continua a fazer vítimas pelo mundo afora, apesar das reações dos governos aos seus efeitos e da constante orientação da Organização Mundial de Saúde sobre os métodos e recursos cientificamente recomendados para combatê-la. Uma enfermidade em escala mundial como esta não encontra nenhum país preparado para enfrentar os seus efeitos. Tanto pelo fator surpresa, como pelo inusitado da ocorrência. Ainda assim, houve respostas imediatas ao desafio. O Brasil, apesar da objetividade no enfrentamento da crise na saúde pública provocada pelo vírus H1N1, constata, agora, no ranking internacional da doença, um campeonato indesejado: tornou-se o líder mundial em mortes, provocadas pela gripe suína, com 576 baixas já computadas nessa escala cada vez mais ascendente. Essa posição no campo da letalidade era previsível, diante das condições climáticas registradas, especialmente, no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste.
A estação chuvosa, com as quedas constantes de temperatura, contribuem para a maior propagação do vírus responsável pela pandemia. Entretanto, a estratégia posta em prática pelo Ministério da Saúde, em caráter preventivo, produziu efeito. Tanto que, entre abril e agosto, dos 30.800 casos graves registrados no País, apenas 5.200 tiveram confirmação laboratorial para esse vírus mortífero. Das 480 gestantes infectadas, 58 morreram nesse grupo considerado como de alto risco.
Por maiores que sejam as atenções dispensadas pelos órgãos de saúde pública às emergências como esta, há sempre quem veja falhas nas providências adotadas. Quando do anúncio da pandemia, em abril passado, o Ministério da Saúde convocou os maiores especialistas nacionais em infectologia para estabelecer a estratégia a ser seguida como política pública. A primeira providência consensual foi adquirir toda a produção do medicamento Tamiflu, limitando assim a sua comercialização fora das indicações médicas. Evitou, desse modo, a automedicação e os exageros típicos das situações emergenciais.
O rápido esgotamento do estoque de álcool, na sua composição gel, caracterizou a corrida ao produto. Assim também seria com o único medicamento disponível para os quadros de gripe, não fossem as restrições para sua venda em farmácias e uso sem orientação médica. As autoridades da saúde pública subestimaram, no entanto, a massa expressiva de doentes necessitando de consulta médica para fazer uso do medicamento.
Especialistas em doenças infecto-contagiosas apontam as causas de propagação rápida da doença: a limitação da prescrição do remédio apenas aos casos mais graves e, em seguida, a concentração do tratamento hospitalar também só aos casos mais graves. Como os postos de saúde da rede pública não oferecem respostas eficazes à demanda constante, o vírus passou a se propagar, ao mesmo tempo em que as baixas aumentavam. Faltou o controle da doença.
Nessa atmosfera de crise pandêmica, o Ceará tem sido apontado como Estado privilegiado por seu clima quente e seco, fatores capazes de inviabilizar a propagação do vírus H1N1. Tanto assim que o boletim da Vigilância em Saúde, da Secretaria de Saúde do Estado, registra apenas a ocorrência de 65 casos, até hoje, sendo 59 em Fortaleza, quatro em Quixadá e dois correspondentes a pacientes migrados de outros Estados, sem óbito.
Mesmo com essas condições ambientais inibidoras da expansão do vírus, a prevenção não pode ser relaxada.
OS VEREADORES E A CIDADE
EDITORIAL
A CRÍTICA (AM)
31/8/2009
Esta semana, a presidência da Câmara dos Deputados deve levar ao plenário da Casa a ‘PEC dos Vereadores’. Os caminhos para a discussão da matéria têm sido tortos. Primeiro, essa é uma demanda que nasce para atender interesses restritos e questionáveis. Em nenhum momento, a população brasileira, por meio de suas organizações representativas disse que deseja ter mais vereadores.
A aprovação da emenda à Constituição, pela Comissão Especial da Câmara, na madrugada da última sexta-feira (28), reaviva a memória quando, em outros tempos, o Poder Legislativo tomava decisões importantes para a sociedade na calada da noite. A falta de transparência no trato do tema e a pressa para aprovar a proposta produzem uma sensação ruim.
Se o projeto seguiu um caminho que não possibilitou o debate amplo nas cidades sobre as vantagens e as desvantagens aumento do número de vereadores, a Câmara tinha o dever de provocar as discussões e assegurar a participação popular contra o arrastão feito por suplentes de vereadores e vereadores simpáticos à PEC.
Se aprovada a emenda, o Brasil terá mais 7.343 vagas para as câmaras municipais. O outro dado, nessa PEC, é a redução do repasse dos recursos às câmaras municipais, o que está sendo festejado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) por entender que a medida dará mais fôlego às prefeituras. A questão não encerra-se ai.
O aumento do número de vereadores deveria indicar maior representatividade dos municípios e mais fiscalização desse Poder no sentido de melhorar a cidade. O perfil das câmaras municipais, de acordo com estudos nessa área, mostra uma atuação tímida e mais comprometida em atender as demandas do Executivo que, por sua vez, nem sempre propõe e executa ações que vão tornar o município mais humanizado.
As articulações pela aprovação da PEC indicam, hoje, a sua aprovação no futuro próximo. A vitória de uns não esgota a urgente necessidade de o legislativo municipal e a sociedade civil organizada discutirem o papel da câmara municipal. Há um espaço de novos conflitos que passam pelo olhar do vereador. É maior a responsabilidade dos que se colocam diante dos eleitores como candidatos a ser seus representantes. O vereador é o elemento mais próximo da comunidade e deve, por dever de ofício, fazer dessa proximidade inerente, um instrumento de promoção das pessoas e da cidade.