O PAC visto de perto
O PAC visto de perto Além de analisar os números do PAC, VEJA enviou quatro repórteres a campo, acompanhados de fotógrafos, para visitar obras incluídas no programa. Os projetos foram escolhidos pela sua grandiosidade ou pela capacidade que terão de mudar a vida das pessoas que habitam seu entorno. Tudo somado, nossa equipe viajou 45 000 quilômetros de avião e 8 500 quilômetros de carro. Os repórteres e fotógrafos passaram por 48 municípios, espalhados por catorze estados. Parte do resultado desse trabalho está a seguir. Um feito magnífico BR-319, no Amazonas: este é um dos melhores trechos da rodovia Asfalto, só nas pontas Esqueleto do novo Aeroporto de Macapá: a inauguração deveria ter ocorrido em 2006 Interrompido pela corrupção Transposição do São Francisco: em Pernambuco, operários perfuram o solo rochoso para a passagem do futuro canal A água demorará a chegar Terminal fluvial, em Santarém: a construção foi paralisada pela cheia do Rio Tapajós Surpreendidos pelo rio Canteiro de obras de Jirau: a usina está sendo feita a 10 quilômetros de seu ponto original A usina da discórdia Ferrovia Norte-Sul: operário limpa trilhos recém-colocados no Tocantins Por enquanto, só trilhos Área da Refinaria Abreu e Lima: nem a terraplenagem foi concluída Sociedade com Hugo Chávez O pavimento não vai durar Ferrovia Nova Transnordestina, no Ceará: o trabalho apenas começou 1 700 quilômetros de quase nadaNesta edição
• PAC: ele existe, é bom que exista, mas a maior parte ainda está no papel
• Por dentro das obras do PACDo arquivo
• O câncer no palanque (6/5/2009)Leo Caldas/Ag. Titular Eclusa, em Tucuruí: paredões
de 45 metros
Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, é a maior obra de engenharia já realizada na Amazônia. Feita entre 1979 e 1992, responde sozinha por 10% de toda a energia gerada no país. Mas sua construção interrompeu a navegação no Rio Tocantins, porque uma parte do projeto foi ignorada: a edificação de eclusas que permitissem às embarcações vencer o desnível de 69 metros entre o lago da barragem e o leito do rio. No fim de 2006, a Eletronorte, que administra a usina, foi incumbida de fazer as eclusas de Tucuruí. Quem vê a estrutura fica embasbacado com seu gigantismo. Do alto, só é possível divisar caminhões e guindastes – os operários, de tão minúsculos, perdem-se na paisagem. Com dois tanques de 210 metros de comprimento, 33 de largura e 45 de altura, as eclusas permitirão o transporte por barco de 40 milhões de toneladas de carga por ano. Deverão ser inauguradas no meio do ano que vem.
Leonardo Coutinho, de Tucuruí (PA)Fernanda Preto
Inaugurada em 1973, a BR-319 ligava Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia, num percurso de 877 quilômetros. Depois de duas décadas sem manutenção, a estrada se esfacelou. Nos dois extremos, o asfalto ficou esburacado. Num trecho de 400 quilômetros, ele deixou de existir: os habitantes o chamam de "meião", por ficar exatamente na metade do trajeto. O meio é um lamaçal tão espesso que nem tratores conseguem atravessar. Quem vive nessa região remota só se locomove pelos rios Madeira, Castanho, Tupana e Luna. Nunca pela BR-319. Da estrada, estão sendo recuperados os trechos próximos a Manaus e a Porto Velho. O "meião" continuará debaixo da lama até que sejam liberadas as licenças ambientais para mexer ali. Sem asfalto em mais da metade do trajeto, a obra jamais cumprirá seu objetivo de ligar as duas capitais.
Igor Paulin, de Careiro (AM)Leo Caldas/Ag. Titular
O Amapá não possui ligação rodoviária com nenhum outro estado. Só é possível chegar lá de barco ou avião. Como uma viagem fluvial partindo de Belém – a capital mais próxima – leva 24 horas, a forma mais racional de chegar ou sair é pelo ar. O novo Aeroporto de Macapádeveria ter ficado pronto em 2006, mas a construção foi interrompida porque a Gautama, empreiteira que tocava a obra, desviou metade dos 113 milhões de reais investidos no projeto. Dele só há o esqueleto de concreto e aço exposto às intempéries amazônicas. Será necessário fazer outra licitação para concluí-lo. A população segue usando o aeroporto velho, que parece uma rodoviária de interior, com cadeiras encardidas e puídas. Quando dois aviões pousam ao mesmo tempo, ele fica superlotado. A Infraero desativou a área ocupada por lojas para aumentar o saguão e ergueu uma barraca de lona encostada ao aeroporto que serve de sala de embarque.
L.C., de Macapá (AP)Manoel Marques
A transposição do Rio São Franciscopara regiões afetadas pela seca é um dos orgulhos do PAC. A obra envolve a construção de dois megacanais: o Eixo Norte, de 426 quilômetros de extensão, levará água para municípios do Ceará e do Rio Grande do Norte, e o Eixo Leste, de 287 quilômetros, beneficiará Paraíba e Pernambuco. Ambos terão, em média, 25 metros de largura e 6 de profundidade. O objetivo é transferir água de forma contínua para rios e açudes que secam em períodos de estiagem. Ao longo do trajeto, há serras, penhascos, rodovias e rios. Para ultrapassá-los, o projeto prevê 87 passarelas, 64 pontes, 42 aquedutos, 27 barragens e cinco túneis, um deles com 15 quilômetros de extensão. Até agora, porém, nenhuma dessas obras foi concluída. Dos 100 quilômetros de canais já escavados, apenas 2% estão concretados. Uma grande dificuldade é abrir caminho para os canais entre as árvores espinhentas da caatinga. Esse trabalho é feito no braço. VEJA deparou com uma equipe de quatro operários, todos com motosserra à mão, desbastando a vegetação. Sua meta era derrubar um trecho com 20 quilômetros de extensão. Sob o sol de 43 graus, eles afirmaram avançar apenas 200 metros a cada dia. Técnicos calculam que, com sorte, até o fim de 2010 estará pronto o canal do Eixo Leste, mas sem todos os equipamentos necessários ao seu funcionamento.
José Edward, de Cabrobó (PE)Leo Caldas/Ag. Titular
A Amazônia, com 25 000 quilômetros de rios navegáveis, depende do transporte fluvial para movimentar pessoas e cargas. O embarque e o desembarque nas cidades da região são caóticos. Para disciplinar a navegação, o governo decidiu construir 38 terminais hidroviários, com papel semelhante ao de rodoviárias. Em Santarém, a cidade mais importante a receber um desses portos, a obra foi paralisada depois de ter sido encoberta por uma das cheias do Rio Tapajós. Elementar: na Amazônia os rios sobem todo ano no inverno e baixam no verão. O Porto de Manaus, por exemplo, construído por ingleses no início do século passado, nunca foi inundado porque usa plataformas flutuantes. Os engenheiros do PAC reconhecem o erro em Santarém e afirmam que seguirão a receita correta.
L.C., de Santarém (PA)Fernanda Preto
Situada no caudaloso leito do Rio Madeira, no interior de Rondônia, ahidrelétrica de Jirau teve sua construção iniciada graças a uma permissão provisória do Ibama. A empresa responsável, entretanto, começou a erguer a estrutura (que vai consumir 700 000 metros cúbicos de concreto, oito vezes a quantidade usada no Estádio do Maracanã) em um ponto que fica a 10 quilômetros do lugar onde estava prevista sua instalação original. Isso porque, no local, há uma ilhota bem no meio do rio – a Ilha do Padre – que facilitará o trabalho de represamento das águas. Ao tomar essa liberdade, além de burlar o edital de licitação, a empresa invadiu áreas de preservação ambiental. Para completar, durante as escavações foram encontrados quatro sítios arqueológicos indígenas. Resultado: o governo de Rondônia barrou o prosseguimento da construção em maio. Na semana passada, finalmente, ele concordou em autorizar a obra, em troca de uma indenização de 45 milhões de reais.
I.P., de Porto Velho (RO)Manoel Marques
A Ferrovia Norte-Sul avança a ritmo de maria-fumaça. As obras começaram em 1987, mas o primeiro trecho, entre Maranhão e Tocantins, só ficou pronto uma década depois. Em 2003, o governo retomou o projeto, mas a construção só ganhou velocidade em 2007, graças ao dinheiro da Vale, que arrendou um trecho da estrada de ferro. No Tocantins, foram colocados 350 quilômetros de trilhos. Lula já foi ao estado para tirar fotos ao lado de uma locomotiva com vagões carregados de soja, o principal produto da região. Infelizmente, a imagem era uma simulação. Os grãos produzidos à beira da Norte-Sul continuam sendo transportados em carretas até o Maranhão, a 300 quilômetros, para dali ser exportados. Os trilhos ainda não beneficiam os agricultores porque não foi feito nenhum terminal para embarcar a soja nos trens. "Os trilhos chegaram, mas o trem não veio", resume o produtor rural Celso Stülp, cuja fazenda é cortada pela Norte-Sul. O governo afirma que aprontará tudo até o fim do ano. Não será fácil. Além dos terminais, faltam 150 quilômetros de trilhos até Palmas, a capital do Tocantins, quatro pátios intermodais e seis pontes. Isso no trecho norte da ferrovia. No sul, entre Tocantins e São Paulo, muitos pedaços nem sequer foram licitados.
J. E., de Colinas do Tocantins (TO)Oscar Cabral
Uma sucessão de obstáculos ameaça aRefinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A pedra fundamental foi lançada em 2005, mas nem a terraplenagem está concluída. Primeiro, o Tribunal de Contas da União apontou sobrepreço de 20% em alguns contratos. Depois, o orçamento para a construção da refinaria bateu em 23 bilhões de reais, o dobro do que a Petrobras pretendia gastar. Para completar, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que havia prometido bancar 40% do projeto, não entrega o dinheiro. Diante de tantas dificuldades, a Petrobras decidiu fazer nova rodada de licitações para baixar custos. Até agora, porém, a empresa não divulgou os resultados. Na grande área vazia onde deveria estar a refinaria, o que se vê são máquinas paradas, operários fazendo pequenos serviços e dezenas de moradores pobres da região indagando onde podem se inscrever para trabalhar na construção quando ela realmente engrenar.
Raquel Salgado, de Ipojuca (PE)Leo Caldas/Ag. Titular Trecho da BR-163, no Pará: um verdadeiro rali
A vocação da BR-163 é unir o maior polo do agronegócio brasileiro, Mato Grosso, ao Porto de Santarém, no Pará. Mas, com cerca de metade de seus 1 780 quilômetros sem asfalto, a estrada jamais cumpriu esse papel. Quando chove, ela vira um grande atoleiro; quando faz sol, ela some na poeira. O PAC pretende mudar o cenário, mas o ritmo e a qualidade da obra são desanimadores. Por falta de investimentos, os trabalhos, que estão a cargo da divisão de engenharia do Exército, avançam lentamente. No Pará, foram pavimentados só 20 quilômetros da rodovia em dois anos de trabalho. No outro extremo, em Mato Grosso, as obras alcançam 53 quilômetros. Entre esses dois canteiros, há um estirão de 842 quilômetros de terra, onde não existe nenhum tipo de trabalho sendo feito. E não há previsão de que a situação vá mudar em breve. Para piorar, nos trechos em que a pavimentação está sendo feita, os engenheiros decidiram não usar asfalto. Eles optaram pelo tratamento superficial duplo – uma cobertura mais barata que o asfalto usinado, mas com vida útil bem mais curta: varia de dois a sete anos, dependendo do tráfego que recebe.
L.C., de Rurópolis (PA)Oscar Cabral
Em junho de 2006, o presidente Lula foi até Missão Velha, no interior do Ceará, anunciar a construção da Ferrovia Nova Transnordestina. O projeto deveria integrar o interior de Ceará, Pernambuco, Alagoas e Piauí a dois dos maiores portos do Nordeste, Pecém e Suape. Três anos depois, não há um só trilho colocado nos 1 700 quilômetros por onde a estrada de ferro deveria passar. Só há obras ao longo de um trecho de 250 quilômetros, entre Ceará e Pernambuco – e por lá operários ainda podem ser vistos arrancando mato. No restante do trajeto, não há sequer autorização ambiental para o início dos trabalhos. Em Alagoas, o único sinal de atividade é a remodelação de um antigo ramal férreo, construído em 1855, a ser interligado à nova linha. "Muitas empresas poderiam se fixar aqui, pois temos terra e mão de obra barata, mas não vêm porque o transporte de mercadorias para as capitais ainda é muito caro", diz Marcones Sá, prefeito de Salgueiro, a cidade pernambucana que abrigará o maior entroncamento da Transnordestina.
R.S., de Salgueiro (PE)