Sunday, September 02, 2007

MINHA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE DO 3º CONGRESSO DO PT

MINHA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE DO 3º CONGRESSO DO PT
02.09, 17h02
por Paulo Moura, cientista político

Nessa manhã de domingo, findo o mês do cachorro louco, que terminou mordendo 40 ladrões; pensava levar meu filho à 29ª Expointer, a feira internacional do agronegócio. Choveu. O domingo é cinza; melancólico. Bateu-me um sentimento de nostalgia ... Comecei a lembrar-me dos meus 20 anos, quando o PT nascia e eu fazia já uns 3 anos de militância estudantil, acreditando que o socialismo era via para a Liberdade. Afinal, lutávamos pela volta das liberdades democráticas" acreditava eu. Mas tempo e o convívio com o petismo me ensinaram o que é stalinismo e o que é trotskismo, sua versão ortodoxa. O tempo, a experiência e a razão me mostraram que, em política fala-se com gestos; atitudes. A retórica omite o que quer e evidencia o que se quer induzir a acreditar; sabe-se disso, aprendi, desde Aristóteles.

Gastei mais uns anos acreditando dava para endireitar a esquerda; até que caiu a ficha. Naquela época não existia celular pré-pago e estudante pé-rapado telefonava de orelhão. Senti que precisava estudar mais e militar menos. Como pude cair na conversa fiada dessa gente? 

Larguei então a vida apostólica de salvador da humanidade. Resolvi que tinha que salvar a mim mesmo e aos meus. Se conseguisse, minha passagem por esta vida já estaria de bom tamanho. Trilhar o bom caminho será minha contribuição para o bem da humanidade, concluí. Voltei a estudar. E não parei mais. Aprendi muita coisa desde então. Com esse domingo cinza, repassei a semana em busca de assunto para esse artigo. Recaída apostólica. Deve ser herança da educação católica. Nas manchetes, o STF e os 40 ladrões; e o 3º Congresso do PT.

Se tiver gente seguindo essa gente com a minha ingenuidade de adolescente, pensei, quem sabe se eu publicar algo sobre o que aprendi estudando ...? Resolvi apresentar mina tese ao 3º Congresso do PT. Leio na imprensa que Zé Dirceu fará maioria outra vez. Minha tese não passa da porta de entrada da secretaria geral do partido. Mesmo assim, vou tentar. Vamos lá, não custa tentar. Bendita internet.

Uma das minhas primeiras descobertas e o livro "Capitalismo Socialismo e Democracia", de Joseph Schumpeter. Nessa obra, pela primeira vez, alguém colocou em questão a relação dos marxistas com a Democracia. Schumpeter foi um dos mais importantes economistas do século XX. Nascido em 1883 no ano de morte de Marx, publicou esse livro em 1942, e liquidou com o conceito marxista da ditadura do proletariado. Segundo ele, desde 1916, véspera da Revolução Russa, a ausência de uma definição de Democracia na teoria marxista tornou-se relevante, embora os socialistas sempre se dissessem os únicos e verdadeiros democratas. 

De acordo com os Marx, a propriedade privada sobre os meios de produção é o que habilita a burguesia para explorar o trabalho e para impor seus interesses de classe sobre a sociedade. Logo, o poder político da burguesia aparece como uma forma particular de poder econômico. Portanto, não poderia existir democracia enquanto existisse este poder econômico. A democracia política, assim, seria uma farsa, e a ser eliminada para os socialistas poderem acabar com a "exploração do homem pelo homem".

Schumpeter contesta estas idéias, que viraram senso comum na tradição socialista. É impossível reduzir o poder individual ou de grupos a termos unicamente econômicos dizia. Inexiste uma linha sequer sobre a relação entre socialismo e democracia na teoria marxista. Os marxistas precisam definir claramente o modus operandi de um governo democrático sob o regime socialista. O socialismo, em tese, poderia ser o ideal da democracia, mas os socialistas nunca especificaram o caminho pelo qual seus slogans se aplicariam no terreno prático. As palavras "revolução" e "ditadura" são recorrentes nos textos "sagrados" do marxismo. 

Os precursores do pensamento socialista e seus discípulos; acusava Schumpeter, nunca apresentaram objeções à idéia de conquista do paraíso comunista pela violência e o terror. O recurso à violência, é defendido como via temporária legítima para a conversão da sociedade à "verdadeira" democracia". A teoria marxista da luta de classes, incrementada por Lênin a partir da Revolução Russa, dizia que a revolução necessita do esforço de uma minoria para impor-se sobre o povo recalcitrante. No Manifesto Comunista Marx fala de expropriar a burguesia e sobre o desaparecimento das distinções de classe, idéias que trazem implícito o recurso à "força", sob a vigência da "ditadura do proletariado".

Se Marx acreditasse na democracia em seus procedimentos, isso deveria ser explicitado na sua teoria. Justificar a aceitação de procedimentos antidemocráticos implica em comprovar a aceitação desses valores como instrumentos legítimos de luta política. Há explícita na teoria leninista a idéia de a vanguarda revolucionária profissional é a "expressão consciente da vontade inconsciente das massas". Os socialistas, portanto, deveriam forçar o povo a aceitar algo desejável, mas que o povo não quer, ainda que possa vir a gostar ao experimentar. O caráter antidemocrático do socialismo já estava comprovado no início dos anos 1940, 23 anos após a revolução na Rússia de Lênin, Trotski e Joseph Stalin.

Qualquer argumento a favor do "adiamento" da democracia, dizia Schumpeter, ainda que por um período transitório, constitui-se em pretexto para a ditadura. A história comprova, isso tanto nos regimes socialistas implantados no mundo, com nos regimes autoritários de direita. O mesmo se comprova nas relações internas dos partidos comunistas. As teses reformistas do SPD alemão, no do século XX, em defesa da implantação do socialismo pela reforma do capitalismo, através da luta política democrática, foi tachada de "revisionista" e de traição ao proletariado pelos marxistas ortodoxos.

Depois de Schumpeter, nenhum dos autores que se dedicaram a estudos sobre a democracia era adepto do marxismo. Intelectuais socialistas somente começaram a se preocupar com reflexões sobre a democracia na década de 1970, quando, finalmente admitiram o fracasso do socialismo real. 

Nos meus estudos, uma das minhas descobertas foi o cientista político Robert Dahl. No livro Poliarquia, Dahl define a democratização como um processo progressivo de ampliação da participação política e da competição pelo poder. Esses dois indicadores oferecem critérios para classificar os regimes políticos segundo sua maior ou menor aproximação do ideal democrático. Para ele, o grau de competição e participação dos atores políticos dentro de um regime, define o grau de democratização do regime. Mas, o que mais me marcou na leitura de Dahl foi a afirmação de que, num regime democrático, jamais se deve permitir que um força política detenha sozinha o monopólio do poder, pois, nessa situação, eles eliminarão a liberdade e a democracia, e os competidores, e necessariamente buscarão a perpetuação no poder. 

Os escritos nunca refutados de Maquiavel, em "O Príncipe" (publicado no início do século XVI), concordaria. Há implícita a essa afirmação de Dahl, uma leitura hobbesiana da natureza humana. Para Hobbes, "o homem é o lobo do homem". Por isso, sem o temor à punição do Estado (o Leviatã), os homens imporão sua vontade como animais. Hobbes era um defensor do Absolutismo e viveu numa época em que a força imperativa dos reis era condição para a submissão dos senhores feudais a um poder máximo, capaz de unificar a força os estados nacionais nascentes. Na teoria marxista, o socialismo como via de transição para o comunismo, se equivaleria ao que o Absolutismo foi como regime de transição para o capitalismo e a democracia "burguesa".

Para Dahl, só quem pode conter o apetite autoritário dos animais políticos, são seus competidores pelo poder, legitimados pela participação política da sociedade, num sistema democrático. O alicerce da democracia, portanto, está na sociedade e não no Estado. Logo, quanto mais concentrado o poder nas mãos do Estado, especialmente se controlado pelo monopólio de um grupo, menos democrático o regime. E, quanto mais distribuído o poder nas mãos dos atores políticos, mais democrático o regime.

A democracia mantém-se pelo equilíbrio de forças na competição pelo poder, e deve estar consubstanciada na lei. E a lei deve definir sua vigência pela garantia da Liberdade de organização e Expressão; o direito de voto e a elegibilidade; o direito à competição pelo apoio da sociedade; o direito de disputa pelos votos da maioria e de acesso a fontes alternativas de informação; a ocorrência periódica de eleições livres e idôneas; e a existência de instituições que garantam a preservação desse sistema e de outras manifestações de preferência. (Poliarquia, p. 27)

Qualquer tentativa de cerceamento dessas liberdades é golpe contra a democracia; é evidência de vocação autoritária. Pode ser que alguém discorde do conceito de Dahl sobre a democracia. Difícil é discordar é discordar de seus critérios de definição sobre vocações autoritárias. A teoria de Dahl influenciou decisivamente a mudança de posição dos EUA em relação às ditaduras incentivadas e apoiadas pelo governo norte-americano nas décadas de 1960 e 1970, a pretexto de conter o avanço do comunismo no mundo.

Desconfio que o camarada Joseph Dirceu vetará minha tese no 3º Congresso do PT. Por isso, defino-a como "tese paralela".

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