Saturday, March 13, 2010

Entrevista: Eric Holder


É o nosso Nuremberg

O secretário de Justiça americano diz que levar os terroristas
do 11 de Setembro ao tribunal será o "julgamento do século"
e garante que a prisão de Guantánamo será fechada


André Petry, de Washington

Mike Mcgregor/Contourphotos.com/Getty Images
"Até agora, o caso de Khalid Sheikh Mohammed segue encaminhado para julgamento civil. Mas é óbvio que as condições podem mudar"


Na porta de madeira do gabinete do secretário Eric Holder, há cinco pequenas marcas de tiro. Foram feitas com arma de chumbinho pelos filhos de Bob Kennedy, secretário de Justiça americano de 1961 a 1964. Holder, o primeiro negro a ocupar esse cargo, é um admirador de Bob Kennedy e sabe o que são tiros na porta. Há quatro meses, ele anunciou que Khalid Sheikh Mohammed, o gerente operacional dos atentados de 11 de setembro que foi submetido 183 vezes à simulação de afogamento ao ser interrogado pela CIA, seria julgado num tribunal civil em Manhattan, perto de onde ficavam as torres gêmeas. Desde então, Holder está sob justificado e intenso tiroteio da oposição, que defende julgamento militar em Guantánamo. Holder desistiu de Manhattan. Ele é da copa e cozinha do presidente Barack Obama. Foi aliado de primeira hora, fez parte da campanha, e sua mulher, a obstetra Sharon Malone, é amiga da primeira-dama. Mesmo assim, Holder irritou a Casa Branca com a decisão sobre onde julgar Mohammed. Nesta entrevista, ele admite que pode até desistir de levá-lo à Justiça civil, mas diz que os EUA estão prontos para fazer o seu "julgamento de Nuremberg".

Quando estava previsto que Khalid Sheikh Mohammed se sentaria no banco dos réus num tribunal civil no coração de Manhattan, o senhor disse que esse seria o "julgamento do século". Ainda será?
Creio que sim. Em 11 de setembro de 2001, sofremos o pior ataque terrorista da nossa história, com todas aquelas mortes. Diante disso, e examinando-se as acusações contra o réu, o julgamento certamente vai atrair a atenção mundial, e merece atraí-la.

Julgamentos assim são uma aposta: podem servir como uma bela demonstração de justiça ao mundo, mas também podem virar uma tribuna para proselitismo do criminoso. Há risco de que isso aconteça?
No curso desse julgamento, Khalid Sheikh Mohammed e seus compatriotas mostrarão o que são, ou seja, assassinos. Não estamos falando de homens de substância, nem de grandes personalidades. São homens pequenos. Quem teme que o julgamento se transforme em algo imprevisto precisa ter isso em mente. Nosso país já lidou com gente desse tipo no passado e, seguramente, vai lidar no futuro. Mas são pessoas que atuam à margem da história.

O senhor estudou com Telford Taylor, promotor americano em Nuremberg, onde os nazistas foram julgados depois da II Guerra. Nuremberg serviu de inspiração para definir os moldes do julgamento de Mohammed?
Os julgamentos de Nuremberg foram vistos desde o começo como um procedimento justo, e são considerados assim até hoje. Daqui a cinquenta anos, quando olharmos para o que estamos fazendo hoje, espero que possamos dizer o mesmo. Espero que a leitura seja de que agimos com justiça, de acordo com o que há de melhor no sistema jurídico americano e com os nossos valores. Não é fácil fazê-lo. Nuremberg aconteceu depois do fim da II Guerra. Nós estamos no meio de uma guerra contra o terrorismo. Mas acredito que é no calor da batalha que mostramos se realmente somos fiéis aos nossos valores.

O senhor desistiu de fazer o julgamento dos terroristas em Manhattan. Há possibilidade de que também desista de fazê-lo em um tribunal civil, como o pressiona a oposição?
Examinamos os casos à luz da realidade, que é dinâmica. Mas, pelo menos até agora, o caso de Khalid Sheikh Mohammed segue encaminhado para julgamento civil. é óbvio, porém, que as condições podem mudar. Temos nossos parâmetros, nossa pedra de toque, e consideramos o respeito à lei uma questão essencial e inegociável. Agora, dentro dessa moldura básica, somos flexíveis. Além disso, há uma proposta no Congresso para bloquear o financiamento para um julgamento civil.

Fora uma determinação do Congresso, o que pode acontecer a ponto de mudar sua decisão?
Há uma gama de questões, mas realmente não posso discuti-las publicamente. Há suspeitos que hoje são réus mas amanhã deixam de ser, porque resolvem cooperar com as investigações, para citar um exemplo. São coisas que podem mudar nosso entendimento sobre o que é mais apropriado.

Um julgamento militar não seria visto como um fracasso do presidente Obama em se distanciar das práticas do governo anterior, que incluíram prisão sem acusação formal e tortura durante os interrogatórios?
O sistema das comissões militares não é o mesmo de antes. Fizemos uma reformulação completa. Hoje, eu me sentiria à vontade para remeter um réu a uma comissão militar. Antes, tínhamos deficiências em relação à forma como os advogados de defesa eram escolhidos, ao uso de informações sem provas materiais, às técnicas usadas para extrair informação dos interrogados. Tudo isso mudou no governo do presidente Obama. As comissões militares, agora, estão em harmonia com o que há de melhor no sistema jurídico americano. Sei que é fácil, hoje, olhar para trás e criticar o que foi feito no governo anterior. Tenho consciência de que eles tiveram de lidar com muitas coisas ao mesmo tempo depois do 11 de Setembro. Merecem o benefício da dúvida. Mas não sou tão caridoso com o ex-vice-presidente e sua crença persistente de que as tais técnicas heterodoxas de interrogatório funcionam e estão em harmonia com o que este país é. Isso é inteiramente condenável.

A opinião pública americana apoia o julgamento dos terroristas em tribunais militares...
Não estou seguro de que a opinião pública seja realmente contra o julgamento na Justiça civil. Quando se pergunta se os suspeitos de terrorismo devem ser julgados em cortes civis, as pessoas respondem que não. Quando são informadas de que as cortes civis têm um extraordinário histórico de sucesso no julgamento de terroristas, com uma taxa de condenação de 100% e com os réus fornecendo informações de inteligência, as pessoas mudam de opinião. Então, atribuo parte da oposição captada pelas pesquisas ao desconhecimento do desempenho das cortes civis.

Em que é errada a visão de que os terroristas são combatentes estrangeiros em guerra contra os EUA e, por isso, não faz sentido julgá-los como criminosos comuns com as garantias da Constituição americana?
Não existe essa dicotomia. Podemos tratar esses casos como atos criminosos que violam nosso código penal, mas também podemos tratá-los como atos de guerra. Porque são as duas coisas. Não vejo por que teríamos de escolher qual é a descrição mais adequada, se, de fato, ambas o são.

O presidente Obama prometeu fechar a prisão na Baía de Guantánamo, em Cuba, em um ano. O prazo acabou, a prisão continua lá e já há quem diga que não fecha mais.
Não cumprimos o prazo, mas a prisão de Guantánamo será fechada. Guantánamo não nos ajudou na guerra contra a Al Qaeda. Primeiro, porque virou um símbolo que ajuda no recrutamento do terror. Assim como os excessos cometidos na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, ajudaram os terroristas a recrutar jovens impressionáveis para suas fileiras, Guantánamo serviu ao mesmo propósito. Hoje, não é mais o que foi nos seus dias iniciais, mas a imagem permanece, e isso favorece o trabalho de recrutamento dos terroristas. O segundo problema é que a existência de Guantámano complicou a relação dos EUA com os aliados tradicionais. Já revisamos os 240 casos de presos em Guantánamo, determinamos o que deve ser feito com cada um e, agora, estamos trabalhando com o Congresso para fechar as instalações e arranjar um lugar para abrigar os que seguirão presos. Há a possibilidade de comprarmos uma prisão em Thompson, no Illinois.

O senhor já esteve em Guantánamo?
Estive uma vez, logo depois de tomar posse.

O senhor viu Khalid Mohammed?
Só pela televisão.

Há suspeitas de que o governo americano, apesar do discurso pela legalidade e direitos humanos, continua mandando presos a países que torturam.
Não, não fazemos isso. Não devolvemos um preso nem ao seu próprio país quando há risco de que seja torturado. Nesse caso, temos de achar um país alternativo. Por isso às vezes é tão difícil encontrar um lugar. O Departamento de Estado tem feito buscas no mundo inteiro, literalmente no mundo inteiro, tentando encontrar lugares adequados.

O cargo de secretário de Justiça é especialmente espinhoso porque equivale ao de ministro da Justiça e, ao mesmo tempo, ao de procurador-geral. Até onde vai o poder político da Casa Branca e onde começa seu zelo jurídico?
Esse é o desafio de todo secretário de Justiça. Faço parte da equipe ministerial do presidente Obama, mas, ainda assim, não posso ser político como outros membros do ministério. Como sou o responsável pelo cumprimento das leis neste país, preciso manter minha independência. O desafio é encontrar o equilíbrio certo entre ser independente e ser parte do governo.

Os críticos dizem que o senhor está menos independente e mais pró-governo, e que os treze meses no cargo o deixaram mais sensível aos argumentos políticos.
Cabe aos outros avaliar se estou encontrando o equilíbrio correto entre ser ministro e ser independente, mas acho que tenho hoje o mesmo nível de sensibilidade política de antes. Tenho posições claras, sigo acreditando fortemente no nosso sistema jurídico, e não mudei em nada. Isso é o que me guia na hora do conflito com os outros. Temos tido batalhas, mas são batalhas de ideais, sobre o rumo que os EUA devem tomar, sobre nossa ordem jurídica. Fundamentalmente, creio que sou o mesmo de treze meses atrás.

O trabalho é mais difícil do que o senhor imaginava?
Ser o secretário de Justiça nunca foi fácil, mas talvez agora seja um pouco mais difícil porque há desafios simultâneos. Estamos envolvidos em esforços de guerra em dois países e lidando com uma economia em recuperação depois da maior crise desde os anos 30. A crise teve um enorme impacto no sistema de financiamento imobiliário, com fraudes em hipotecas, o que cai na área do Departamento de Justiça. A crise também chegou aos governos estaduais, que estão com os cofres menos cheios, e isso afeta as demandas das polícias locais. Por fim, as crises econômicas tendem a elevar a taxa de criminalidade, o que repercute igualmente no Departamento de Justiça.

Existe algum segredo para combater com eficiência a corrupção de políticos e funcionários públicos?
Na minha carreira no Departamento de Justiça, trabalhei doze anos na Integridade Pública. (Ele se refere à unidade criada em 1976 para investigar a corrupção de ocupantes de cargo público, eleitos ou nomeados, nas três esferas de governo. Em 2008, a unidade acusou 949 agentes públicos, dos quais 827 foram condenados). A unidade provou-se muito efetiva e hoje está presente em várias subsedes do Departamento de Justiça pelo país. As equipes da Integridade Pública sabem como investigar um caso de corrupção oficial, sabem o que e como procurar para fazer uma investigação capaz de resultar num processo judicial competente. Os crimes na esfera pública são diferentes dos crimes comuns. São mais difíceis de detectar, de investigar e de julgar. Por isso, uma unidade especializada, com equipe própria, consegue um combate mais efetivo contraa corrupção oficial.

É mais difícil pegar políticos corruptos do que terroristas?
Como?

É mais difícil pegar políticos corruptos do que terroristas?

Como assim?

No Brasil, talvez seja mais fácil pegar terroristas do que políticos corruptos.
O quê?


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