Monday, October 09, 2006

O debate: como e por que Alckmin venceu

O debate: como e por que Alckmin venceu

Querem uma síntese do que foi o debate? Alckmin chamou Lula de “mentiroso” e sinônimos mais de uma vez. E o petista não conseguiu reagir. Ao contrário, admitiu ter falado no rádio a mentira que seu oponente denunciava. E Alckmin fez a pergunta fatal: “Qual a origem do dinheiro?” E se dirigindo aos telespectadores: “Por que ele [Lula] não pergunta a seu churrasqueiro [Jorge Lorenzetti]? O tucano venceu o debate? É claro que sim. É isso o que as pesquisas vão dizer? Bem, aí é outro problema. Mas vamos com calma e por partes. E também pretendo provar, no penúltimo bloco deste texto, o mal que Marilena Chaui fez a Lula.

Vocês sabem que voto contra Lula. E, pois, voto em Alckmin. Conhecem também o que penso a respeito da importância de derrotar o PT — partido que, seguida estritamente a lei, tem de ser extinto por infração a todos os códigos de conduta que regem a vida social: da Constituição à legislação eleitoral. Mas sei separar as coisas. Fui um crítico muito duro das primeiras semanas da campanha de Alckmin na TV, que estava errada. O primeiro texto afirmando que aquilo não levaria a nada foi publicado aqui. Podem procurar. Depois, as circunstâncias impuseram a mudança de tom, começou a haver um lento, mas contínuo, crescimento nas urnas. Ainda assim, parecia que não haveria tempo. Mas chegaram os magos do PT com a sua idéia “genial” de um dossiê fajuto. O resultado está aí.

Faço essa observação para lembrar que sei a diferença entre o que é fato e o que é minha torcida. E o fato é que Alckmin nocauteou, sim, Lula nos argumentos. Uma pesquisa de opinião a respeito tende a reproduzir o quadro da preferência eleitoral. Por enquanto, pode até ser que se registre a “vitória de Lula” no confronto. E, no entanto, Lula, Alckmin, eu e qualquer um que tenha visto o debate sabemos que o petista foi esmagado. A cara desenxabida de Marta Suplicy numa entrevista ao fim do programa denunciava tudo. O comportamento, ainda estupefato, de Maro Aurélio Garcia numa entrevista ao programa Canal Livre era o retrato da noite. Lula acabara de ter uma das piores performances de sua vida em encontros dessa natureza.

Fator surpresa
O que desorientou Lula e seus assessores foi o tom surpreendentemente duro de Alckmin. À queima-roupa, o tucano lascou a pergunta sobre a origem do dinheiro sujo que pagou o “dossiê fajuto” (nossa expressão pegou, leitores) logo de cara. Lula titubeou. Não esperava. Disse que também queria saber... E tentou ensaiar ali uma teoria conspiratória: a negociata o teria prejudicado; logo, ele não seria responsável por ela. Não adiantou. Alckmin não desistiu da questão. Na sua vez de atacar, o petista afirmou que os sanguessugas começaram com Barjas Negri, nomeado depois secretário do governo de São Paulo. E o ex-governador disparou uma frase que era um sinal claro que a noite estava perdida para Lula: “Não me meça pela sua régua”.

E não deu um minuto de descanso ao petista. O presidente-candidato se atrapalhou já na largada. Esqueceu de cumprimentar os telespectadores, os promotores do evento, e saiu se defendendo. Lula é bom palanqueiro. Costuma ser mais afinado em debate do que estava neste domingo, mas nunca foi um bom satirista, não consegue fazer ironias, ser sutil, engraçado. Tentou colar em Alckmin a pecha de “candidato ensaiado”. Não adiantou. O outro, mostrado em metade da tela, conservava no rosto um sorriso frio e sereno. Lula estava com olhos injetados, mais inchados do que de hábito e com o raciocínio mais confuso do que o normal.

À sugestão de que estava ensaiado, Alckmin responde que seu adversário ficava olhando para as suas fichas, lendo o que lhe prepararam. E ironizava: “Você (sic) está mal informado. O que o pessoal escreveu aí está errado”. Lula então anunciou que iria fazer as perguntas sem as fichas. Não deu. Parou de disfarçar. Pôs os óculos e passou a ler um verdadeiro relatório de assessoria. Do ponto de vista do espetáculo dos antagonistas, um desastre para o petista.

Ditão, Diogo e Reinaldo
Numa noite em que o Ditão de Pinda baixou em Alckmin, que seguiu rigorosamente as orientações deste blog e do Podcast do Diogo (neste ponto, petralha aciona a tecla SAP para piadas), Lula teve de se confrontar com a notável capacidade do ex-governador de São Paulo de decorar números, dados, comparações etc. O que lhe permitiu falar com fluência, mantendo o outro o tempo inteiro nas cordas, como um boxeador que protege a cara com as luvas e começa a tomar soco no fígado. Beijou a lona a primeira vez quando o tucano falou sobre os gastos com cartões corporativos. Dedo em riste, pediu a Alckmin que não fosse leviano. Na seqüência, ouviu a palavra “mentiroso”. Solicitou direito de resposta. Alckmin mandou bala: então também iria pedir porque foi chamado de “leviano”. A produção decidiu que não houve ofensas. Lula soçobrava.

E Alckmin não parava de bater. Numa das perguntas, Lula tentou interrompê-lo, e ele não teve dúvida: “Candidato, respeito!” Num debate, jamais se deve dar ao adversário a vantagem de nos passar um pito por infração das regras. Em 1982, Franco Montoro, que disputava o governo de São Paulo, respondia a uma questão, e Reynaldo de Barros, homem de Maluf, tentou falar junto. Ganhou um “Cala a boca!”. Com autoridade. E ele se calou. O pito do “Dr. Alckmin” foi a segunda beijada na lona dada por Lula. Voltou a ver o chão do ringue de perto quando afirmou, depois de ter acusado Alckmin de ser o responsável pelo PCC em São Paulo, que ninguém era culpado pela violência, nem ele, presidente, nem os governadores...

Privatizações
Uma esperteza do petismo acabou custando caro. Lula andou dizendo em comícios que Alckmin, se vencer, vai privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e os Correios. Infelizmente, é mentira. Não vai. Aqui, uma observação a meus amiguinhos conservadores: privatizar pode ser o correto, e é. Mas debater o tema é entregar o poder ao Apedeuta de bandeja. Como o PSDB não fará isso mesmo que vença, precisa, sim, desmentir a coisa. E Alckmin conseguiu fazê-lo sem satanizar as privatizações.

Foi nesse ponto, já no fim do debate, que o tucano chamou Lula de mentiroso. E o petista, que não tinha como se defender, teve de admitir que fizera mesmo a acusação. Alckmin estava com o seu programa ali: “Eu o desafio a mostrar onde é que está escrito isso aqui”. E disse, outra vez, a palavra "mentira". A Lula restou balbuciar que os tucanos gostam de vender estatais. De novo, as pernas estavam bambas.

Fator Marilena Chaui
O PT tem um especialista em ética: Marilena Chaui. Acredito que foi o nosso Platão de calças (o original usava túnica, rá, rá, rá) da USP quem soprou ao seu Tiranete de Siracusa que “ética não é saber antes das irregularidades, mas punir depois que se fica sabendo”. Ele repetiu isso ao longo do programa umas três vezes. Bem, nem Franklin Martins agüentou. Foi obrigado a perguntar-lhe que garantia haveria, então, de que novas irregularidades não aconteceriam sem que o chefe ficasse sabendo. Sim, a definição do Apedeuta de ética é formidável. Poderia ser redigida de uma outra forma: “Ética é igual ignorância”. Ora, se, neste momento, houver algum aliado de Lula fazendo alguma sacanagem, onde está a ética? No fato de Lula não saber de nada. Não é magnífico?

Não, não, Lula. Ética, na coisa pública, é criar um conjunto de procedimentos que elimine o máximo possível as possibilidades de alguém transgredir o que está socialmente pactuado. Por exemplo: aparelhar o Estado, nomear 30 mil companheiros, receber em palácio tesoureiro e presidente do partido, tudo isso estimula os atos aéticos, que não são aceitos como valores pelo Estado democrático.

Se..., os efeitos e a conclusão
Se alguém realmente indeciso assistiu ao debate e se este ajuda a definir o voto, é claro que Alckmin faturou. Lula não conseguiu fazer, desta vez, nem mesmo aquele discurso populista, coalhado de metáforas. Num momento de grande inspiração, respondendo sobre política externa, imaginem só, mandou bala: “Minha mãe dizia: ‘Cada macaco no seu galho’”. Por que ele disse isso? Sei lá eu. Duvido que ele saiba. O debate serviu também para evidenciar as suas fragilidades técnicas, políticas e intelectuais, agora que ele já não é mais o santo intocável de 2002, incensado pelo jornalismo político, que gritava “preconceito!” à simples sugestão de que ele pudesse ser despreparado. Delúbio Soares, Marcos Valério, Jorge Lorenzetti, Ricardo Berzoniev e congêneres “humanizaram” Lula. E como!!!

O debate também é importante como antecipação de como será a campanha de segundo turno. Se Lula esperava se manter naquela linha do ineditismo-triunfalista, pode tirar o cavalo da chuva. O encontro deste domingo marca, definitivamente, o ponto de inflexão do PSDB. Finalmente, é possível ligar Lula à sua obra. Assim, o PT também vai mudar a sua estratégia. Agora que o dossiê fajuto fracassou e que a linguagem propositiva, paz e amor, não foi o bastante para garantir a vitória no primeiro turno, vem pauleira por aí. Mas atenção: programa de televisão e debates não substituem o trabalho dos líderes tucanos nos Estados.

A performance de Alckmin não teve um único erro. O Ditão sabia das coisas: “Bate nele, doutor! Bate nele!”
Por Reinaldo Azevedo VOLTAR A ARTIGOS ETC

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