A hora da estrela
Cinema
Sandra Bullock já fez de tudo: filmes bons (e nem tão bons)
de sucesso, filmes esquecíveis, filmes ruins. No último ano,
porém, ela tentou algo diferente: levar-se a sério como atriz
Isabela BoscovFotos Everett Collection/Grupo Keystone ARDIDA COMO PIMENTA
Sandra, no papel de Leigh
Anne Tuohy, entra em campo
para dizer a que veio ao seu filho
adotivo (Quinton Aaron),
em Um Sonho Possível:
com um revólver na bolsa
e sem papas na língua
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Em Um Sonho Possível (The Blind Side,Estados Unidos, 2009), que estreia no país no próximo dia 19, Sandra Bullock dá um passo que já resultou em tombo para muitas estrelas de comédias românticas: enfrenta uma personagem dramática madura. No papel verídico de Leigh Anne Tuohy, uma sulista rica, republicana e religiosa que abrigou em casa, junto à família, um rapaz negro e pobre sem conhecê-lo (e depois o adotou, dando-lhe a chance de se tornar um atleta célebre do futebol americano), Sandra vive um tipo de mulher que o cinema tende a suavizar com traços folclóricos: moralista, dura na queda e contundente nas suas certezas. Ela, no entanto, deixou todas as arestas da personagem aparentes. Obteve, assim, sua primeira indicação ao Oscar e uma acolhida inesperada. Um Sonho Possível, em que pesem seus muitos clichês, confrontou o público americano com alguém que lhe pareceu familiar e verdadeiro. A bilheteria foi estrondosa – a segunda de Sandra no último ano, em que ela também fez sucesso em outro papel potencialmente antipático, o da executiva de A Proposta. A seguir, trechos da entrevista que a atriz concedeu a VEJA.
A maioria das atrizes americanas se queixa do sexismo e do preconceito de idade em Hollywood. E, no entanto, mulheres como você, agora com 45 anos, e Meryl Streep, com 60, viraram sucesso na bilheteria. Algo mudou?
O sexismo e o preconceito de idade eram, sim, prevalentes, mas de uns cinco anos para cá essa noção é mais um clichê do que uma realidade. Hollywood é um negócio; se alguns filmes com mulheres dão dinheiro, outros como eles serão feitos. Os dois bons papéis que tive no último ano, em A Proposta e Um Sonho Possível, foram escritos por homens. Não nasceram de um desejo feminino de criar uma oportunidade para as mulheres em um ambiente chauvinista.
Você parece nunca ter se sentido tão segura quanto agora. É resultado da idade?
Acho que há muito tempo já me sinto confortável comigo mesma. Se existe algo de diferente, é porque talvez se reflita no meu trabalho quanto estou feliz na minha vida pessoal. Ser criativa e me empregar de maneira produtiva é, claro, importante para mim. Mas minha vida íntima e minha família são a prioridade; sem paz nelas, não há trabalho que traga satisfação. Acho que as duas coisas, os bons projetos e a tranquilidade pessoal, convergiram.
Suas personagens em A Proposta e Um Sonho Possível são ambas decididas e autossuficientes. Elas se parecem com você?
A executiva de A Proposta e Leigh Anne Tuohy, a dona de casa de Um Sonho Possível, têm um histórico muito diverso do meu. Para mim, isso as torna não só mais atraentes como também, paradoxalmente, mais acessíveis. Não sou boa em emprestar partes de mim mesma a personagens. Gosto de figuras muito bem definidas, nas quais posso mergulhar inteira.
Você disse que, nos primeiros dias de filmagem de Um Sonho Possível, estava tão mal no papel que considerou largar o filme.
Passei muito tempo com Leigh Anne, tentando assimilar a maneira como ela fala e se veste, seu jeito de ser. Mas as primeiras cenas que rodamos foram de uma frustração indescritível. Não consegui juntar esses elementos em uma personagem crível. John Lee Hancock, o diretor, passou dois anos preparando esse filme, e eu cogitei abandoná-lo para não destruí-lo: achei que o papel de fato estava além de mim. Mas, quando começamos a fazer as cenas com as crianças, tudo repentinamente entrou nos eixos.
Você já se vira nessa situação antes, de tatear em busca de um papel?
Muitas vezes. Sempre torço para que o clique que faz as coisas se encaixarem venha logo. Mas nem sempre os meus desejos são atendidos.
O público americano adorou Um Sonho Possível, mas o mesmo não se pode dizer da crítica, que objetou, acima de tudo, ao que ela considerou paternalismo – a ideia de um personagem negro que é salvo por uma família branca.
Cresci numa família muito misturada, tanto do ponto de vista étnico quanto cultural. Não sou de direita e não sou religiosa, como a protagonista. Mas compreendo o valor de ajudar uma criança, de amar um filho que não tenha nascido de você e de não medir esforços para proteger sua família. Estou habituada a ganhar resenhas ruins, e sei também que é inevitável que julguemos os outros por tudo e qualquer coisa – eu faço isso constantemente, e me sinto mal por isso. Mas acho que objetar a um filme por ele mostrar amor e generosidade não é um exemplo de boa argumentação.
A INSPIRAÇÃO Sandra, com Leigh Anne Tuohy: "Se as pessoas veem hipocrisia no gesto dela, não sei nem como reagir" |
Você diria que os liberais se irritam ao ver um papel positivo como esse encarnado em uma mulher republicana, e ainda por cima defensora do porte de armas?
Estou atônita. Não sei como responder a essa pergunta. Leigh Anne é uma mulher absolutamente honesta, que calha também de ser republicana e favorável ao porte de armas. A casa dela está aberta a qualquer um que necessite, como Michael Oher, o menino que ela adotou, necessitava. Se as pessoas são míopes a ponto de enxergar hipocrisia no gesto dela, não sei como reagir.
Há cinco anos, você se casou e ganhou uma família pronta, como madrasta dos três filhos de seu marido. Que tipo de ajuste essa mudança exigiu?
Todo tipo. Mas foram os ajustes mais gratificantes e abençoados que já tive de fazer na vida. É um lugar-comum dizer isso, mas essa família, que me recebeu de braços abertos, foi a melhor coisa que me aconteceu.
Você procura se manter longe de Hollywood e protege com unhas e dentes a privacidade dos seus filhos. O que você diria se um deles se interessasse pelo showbiz por sua causa?
Eu diria: cresça, vá à escola e torne-se um adulto. Se então você ainda quiser entrar no showbiz, a decisão será sua. Mas não se deve entrar nesse meio antes de saber o que se está fazendo.
Trailer |