O Símbolo Perdido, de Dan Brown
As estantes envidraçadas no último andar da biblioteca da Academia Phillips Exeter exibem obras escritas por ex-alunos dessa tradicional instituição de ensino médio americana, fundada no século XVIII. É uma coleção heterogênea, com livros de história e de culinária, guias para criação dos filhos e biografias de personagens como o general Ulysses S. Grant. Escritores como Gore Vidal e John Irving destacam-se nas prateleiras. E também está lá um thriller com cores meios esotéricas que vendeu mais de 1 milhão de cópias nas suas primeiras 24 horas no mercado americano, em setembro – e que nesta semana chega às livrarias brasileiras. O Símbolo Perdido (tradução de Fernanda Abreu; Sextante; 496 páginas; 39,90 reais) é o quinto romance de Dan Brown, 45 anos, autor de um dos maiores fenômenos editoriais do século – O Código Da Vinci, que vendeu 80 milhões de exemplares no mundo todo (1,6 milhão só no Brasil). Brown nasceu em Exeter – uma charmosa cidadezinha de cerca de 15.000 habitantes em New Hampshire, na Nova Inglaterra – e até hoje mora, com a mulher, em uma localidade próxima. Estudou na Academia Phillips, onde seu pai era professor de matemática. E, antes de se tornar o maior best-seller internacional da ficção adulta, chegou a dar aulas de inglês na escola. Foi, portanto, por razões afetivas que ele escolheu essa biblioteca como local para conversar com VEJA. Brown veste uma calça esporte e uma blusa Polo Ralph Lauren. Sobre a mesa da sala de conferências da biblioteca, deixou seu casaco de tweed, item obrigatório do figurino de seu herói, o professor de Harvard Robert Langdon. Também como Langdon, ele possui um relógio do Mickey Mouse – mas não o estava usando na entrevista. "Langdon tem muitas características minhas: tem um grande interesse intelectual por símbolos e códigos, estudou em Exeter, sofre de claustrofobia. Mas ele é mais inteligente e corajoso. E, claro, leva uma vida bem mais interessante", diz Brown. Muito interessante, de fato: nos dois livros e filmes anteriores, Langdon – interpretado no cinema por Tom Hanks – sobreviveu à explosão de uma cápsula de antimatéria (nem pergunte o que é isso) e desvendou o mistério da descendência de Jesus Cristo. Em O Símbolo Perdido, ele se envolve em uma espécie de caça ao tesouro metafísica: tem de desvendar códigos e símbolos projetados pela maçonaria, para chegar ao esconderijo que abriga os Antigos Mistérios – a sabedoria ancestral que promete dar poderes sobre-humanos a seu detentor. Langdon e sua co-heroína, Katherine – uma pesquisadora da chamada "ciência noética", que pretende estudar os efeitos da mente sobre o mundo físico –, são acossados pelo vilão mais tenebroso já concebido por Brown: Mal’akh, um satanista alucinado cujo corpo musculoso é completamente tatuado com símbolos místicos. Toda a história se passa em Washington, mas essa não é a capital americana que costuma aparecer no noticiário. "Não há política no livro. Mostrei a cidade que ninguém vê, repleta de mistérios, segredos e locais estranhos", diz o escritor. O Capitólio, sede do Congresso americano, transfigura-se em templo dos Antigos Mistérios. Uma mão amputada, com um anel maçônico e símbolos esotéricos tatuados na ponta dos dedos, é encontrada em um de seus salões. E, nos porões do Congresso, esconde-se uma pirâmide maçônica cujas inscrições crípticas são o centro da narrativa. Essa é a fórmula que Brown experimentou em Anjos e Demônios e calibrou em O Código Da Vinci: uma história de mistério envolvendo uma sociedade secreta, códigos e enigmas, ação acelerada e o lado "oculto" de monumentos públicos famosos. Além de alguma especulação filosófico-religiosa. "Anjos e Demônios é sobre o embate entre ciência e religião. O Código Da Vinci apresenta uma perspectiva alternativa sobre a vida de Jesus e o Santo Graal. Já O Símbolo Perdido é sobre o poder da mente humana. É o mais filosófico dos meus livros", diz o autor. E há quem ache que os romances só pretendem distrair o leitor em suas horas de espera no aeroporto... A ordem secreta de O Símbolo Perdido é a maçonaria. Muitos fundadores da nação americana – como George Washington, seu primeiro presidente – eram maçons, e os símbolos esotéricos da irmandade até hoje estão presentes na vida do país (o exemplo mais proeminente é a pirâmide com olho na nota de 1 dólar). Brown é bom em coletar miudezas históricas que se relacionam com seu tema central. O Símbolo Perdido faz referência, por exemplo, a uma das representações mais estranhas que já se fizeram de Washington: uma estátua de mármore esculpida por Horatio Greenough no século XIX representava o presidente como o deus grego Zeus, de toga, espada em uma das mãos, peito desnudo – e com os músculos salientes de um lutador de vale-tudo. A estátua esteve alguns anos no Congresso, mas acabou retirada de lá, segundo Brown (ou Langdon) porque seu ostensivo paganismo ofendia os congressistas cristãos. Um afresco do Capitólio, A Apoteose de Washington, também representa o primeiro presidente como uma espécie de Deus, alçando-se aos círculos celestes mais elevados. E está dado o mote para Brown desenvolver um dos temas mais caros ao novo livro: a divindade intrínseca de todo ser humano. Divulgação Herói de ação No geral, não é preciso comprar as teses esotéricas de Brown para divertir-se com O Símbolo Perdido. É um bom thriller, com algumas das melhores cenas de ação já escritas pelo autor, como o eletrizante jogo de gato e rato entre o bandido Mal’akh e Katherine dentro de um galpão fechado, sem nenhuma fonte de luz. "É uma cena curta, mas levei uma semana para escrevê-la. No final, estava com dores na mandíbula – percebi que estava apertando os dentes, por causa da tensão", diz Brown. Robert Langdon, herói de ação e professor da inexistente disciplina da simbologia em Harvard, é um grande achado. O próprio Brown não se deu conta imediatamente do potencial do personagem: depois de apresentá-lo em Anjos e Demônios, abandonou-o no livro seguinte,Ponto de Impacto. Mas teve a sorte de ter mudado de agente na mesma época. "Li umas vinte páginas de Anjos e Demônios e disse para Brown: ‘Você tem de escrever mais livros com Langdon. Ele é seu grande personagem’", conta Heide Lange, o atual agente do escritor. Depois de O Código Da Vinci, outros tentaram a mesma fórmula do "thriller acadêmico", sem tanto sucesso. Brown parece de fato conhecer alguma ciência oculta.Uma ciência oculta
Como Dan Brown, em O Símbolo Perdido, mistura de novo os ingredientes – sociedades secretas, códigos enigmáticos, os subterrâneos de monumentos famosos e alguma elucubração filosófica – que o tornaram o maior best-seller da ficção adulta
Jerônimo Teixeira, de ExeterUniverso paralelo
O Capitólio, o afresco que o adorna• Trecho: O Símbolo Perdido
Hanks como Langdon: o simbologista é um grande achado
Brown ainda dá um tremendo crédito à tal da "noética", com seus duvidosos estudos sobre poder mental. O escritor diz que demorou a aceitar as conclusões da nova disciplina, e que seu ceticismo é parcialmente responsável pelo tempo alongado – seis anos desde a publicação de O Código Da Vinci – que levou para escreverO Símbolo Perdido. Hoje, porém, está convencido: "A noética é uma ciência de verdade. Está estudando quantitativamente a influência do pensamento sobre o universo físico". Mais adiante na entrevista, porém, ele admite que os resultados ainda são escorregadios. "As grandes questões da filosofia são difíceis e etéreas", diz. Sim. De fato.