Editoriais 4/8/2009
4/8/2009 - EDITORIAIS
EDITORIAL
O GLOBO
4/8/2009
Não faz muito tempo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em decisão liminar, considerou inconstitucional a aplicação de cotas no estado, entre elas as raciais. O governo recorreu, e conseguiu sustar o efeito da decisão para o vestibular deste ano. Espera, no julgamento do mérito, restabelecer o critério da cor na distribuição de vagas no ensino superior.
Consiga ou não, é certo que o tema, devido a suas implicações para a sociedade brasileira — miscigenada, avessa à militância racista —, terá de, mais cedo ou tarde, ser tratado no Supremo Tribunal Federal.
O assunto já tramita na Corte, por meio de dois processos, um deles sobre o Programa Universidade para Todos (ProUni). Neste, o relator, ministro Carlos Britto, foi favorável às cotas, e o julgamento terminou suspenso por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Na semana passada, as cotas voltaram à agenda do STF, desta vez num pedido de liminar encaminhado pelo DEM para suspender a sua aplicação pela Universidade de Brasília (UnB), uma das que mais avançaram nesta prática discriminatória.
A UnB chega a manter tribunais raciais para “julgar” se o candidato é mesmo “negro”, “pardo” ou “índio”.
Há situações criadas nestes tribunais que parecem inspiradas nos supremacistas alemães da década de 30 do século passado.
O ministro Gilmar Mendes, presidente da Corte, não concedeu a liminar, pois não encontrou razão para uma medida de urgência; porém, destacou a necessidade de uma apreciação “célere” do assunto pelo STF. Uma oportunidade é o julgamento do mérito da própria ação do DEM. Ao fundamentar sua decisão, Mendes, em texto de 27 laudas, expôs com precisão críticas à cota racial, importada dos EUA, sociedade com cultura e formação histórica diversas das nossas.
O negro não entra na universidade por ser negro, mas por ser pobre, entende, com acerto, o ministro.
“Com a ampla adoção de programas de cotas raciais, como ficará, do ponto de vista do direito à igualdade, a situação do branco pobre?” — pergunta o ministro. Este é um dos pontos centrais na crítica às cotas: a discriminação contra os pobres que não sejam “negros”, “pardos” ou “índios”, num flagrante atentado ao conceito de igualdade estabelecido na Constituição. O ministro contribui, ainda, para o intenso debate do tema ao alertar sobre o risco de que, em nome do combate ao preconceito e à discriminação, se crie uma sociedade “bicolor”, dividida em dois polos antagônicos: “brancos” e “não brancos” ou “negros” e “não negros”. Parlamentares envolvidos em votações sobre o tema precisam refletir sobre a argumentação do presidente do STF.
DIGITAIS CHAVISTAS
EDITORIAL
O GLOBO
4/8/2009
Hugo Chávez amplia o ataque ao que resta de liberdade de expressão na Venezuela.
Depois do fechamento de 34 emissoras de rádio na sexta-feira, hoje a Assembléia Nacional (totalmente controlada pelo governo) começa a debater a nova lei de “delitos midiáticos”, enquanto o governo aperta o cerco à Globovisión, última rede nacional de TV crítica do chavismo, vítima ontem de um ataque armado.
Segundo “El Pais”, a lei “é considerada brutal por jornalistas e editores, suscetível de criminalizar qualquer opinião”. Para o jornal espanhol, “ainda que com eleições, Chávez está cada vez mais próximo da ditadura”. Conforme disse ao GLOBO o presidente da Câmara Venezuelana de Radiodifusão, Nelson Belfort, “o governo (Chávez) está preparando um pacote com medidas que buscam transformar nosso país em Cuba, onde existe apenas uma estação de rádio, um canal de TV e um jornal”. Para Luis Pardo, presidente da Associação Interamericana de Radiodifusão, a Venezuela entrou “no ponto de não retorno na degradação do sistema democrático e de liberdade de expressão”. Se para dentro da Venezuela o projeto de Chávez é totalitário, para fora ele é desestabilizador, conforme demonstram as impressões digitais do ditador junto às Farc, a narcoguerrilha que luta contra o governo colombiano e mantém em seu poder um verdadeiro exército de reféns entre a vida e a morte. Não são de hoje as ligações entre o venezuelano e as Farc, mas fatos novos foram levantados pelo jornal “New York Times”, comprovando ações de altos escalões do governo de Caracas em apoio aos rebeldes. Uma das mais graves é o surgimento, em poder das Farc, de armas suecas vendidas na década de 80 à Venezuela.
Até agora, o regime chavista foi incapaz de dar as explicações pedidas pelo governo sueco.
Diante da gravidade do caso, enganase o chanceler brasileiro, Celso Amorim, quando o considerou, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, “algo desse tamaninho” se comparado ao acordo pelo qual a Colômbia permite operações militares dos EUA em mais três bases em seu território. Estes dois países já têm um programa de combate a narcotráfico e terrorismo. É legítimo que os países latino-americanos queiram se informar sobre a ampliação dessa cooperação e levantem o assunto na reunião da Unasul marcada para o dia 10, em Quito. Tem razão o chanceler Amorim quando, na mesma entrevista, diz que tudo deve ser tratado com transparência.
A começar pelas explicações de Chávez sobre suas ligações com um grupo guerrilheiro que luta para derrubar o governo constituído da Colômbia, e ainda trafica cocaína.
OS LIMITES DO SANTOS DUMONT
EDITORIAL
JORNAL DO BRASIL
4/8/2009
RIO - O cidadão carioca começa a perceber agora que a ampliação da capacidade de voos do Aeroporto Santos Dumont é capaz de causar problemas consideráveis à cidade. São legítimas as queixas de moradores dos bairros periféricos ao aeroporto, tornadas públicas ontem pelo Jornal do Brasil. Fica patente que faltou planejamento à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) quando da aprovação da Resolução nº 75, em março, que liberou os voos em aeronaves de grande porte destinadas a outras cidades, além da tradicional ligação da ponte aérea Rio-São Paulo. Ainda há tempo de reverter a situação e olhar com mais atenção para a verdadeira porta de entrada dos visitantes do Rio de Janeiro: o Internacional Galeão Tom Jobim.
A reclamação mais pertinente quanto à profusão de voos e horários do Santos Dumont diz respeito à queda de qualidade de vida dos que vivem em suas cercanias. O ruído provocado pelos aviões que se aproximam da pista tem tirado o sono de moradores de áreas altas e outrora bucólicas como Santa Teresa. Atividades cotidianas, como assistir à televisão ou falar ao telefone, têm de ser interrompidas a cada dois minutos, por conta da passagem de uma aeronave. A poluição sonora perturba até mesmo o sono, pois o tráfego aéreo começa por volta das 5h e só para depois da meia-noite.
O consolo – mesmo que temporário – é que haverá uma diminuição do aborrecimento, com a suspensão de alguns voos, que serão outra vez transferidos para o Aeroporto Internacional, por conta de uma reforma na pista. Ainda assim, moradores se perguntam se não seria possível uma alteração na rota das aeronaves, fazendo com que se aproximassem da cidade pelo mar, e não sobre área densamente povoada (o que diminuiria até mesmo o risco – mínimo, mas sempre presente – de acidentes graves). A ideia parece contar com a simpatia da Anac, que diz ter iniciado, semana passada, estudos que irão propor rotas alternativas de voo.
O presidente do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), Ronaldo Jenkins, admite que o momento de trazer os voos de fora da ponte aérea para o Santos Dumont foi inadequado. À época da resolução da Anac, o sindicato permaneceu neutro por haver empresas a favor e contra a decisão. Conforme sublinhou o brigadeiro Allemander Pereira Filho, ex-diretor da Anac, em artigo publicado no JB, muito se falou dos benefícios de se ter a completa utilização da infraestrutura aeroportuária na cidade, sendo ressaltada a grande utilidade locacional do Santos Dumont pela sua proximidade com o distrito de negócios, quando comparado ao Aeroporto Internacional. Entretanto, pouco ou nada foi dito em relação aos impactos ambientais nos bairros vizinhos ou sobre os reflexos no trânsito já conturbado do Centro.
Ao que parece, o governador Sérgio Cabral tinha razão quando tentava barrar o aumento do tráfego no Santos Dumont. Quem sabe com o apoio do governo do estado, a decisão possa ser repensada.
O OCASO DO PATRIARCA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/8/2009
O senador José Sarney voltou do recesso parlamentar mais fraco do que nele entrou. Ao contrário do que desejava, as duas semanas de férias do Congresso, terminadas ontem, não arrefeceram as labaredas que incineram a sua pretensão de continuar na presidência da instituição a qualquer custo. Foi nesse período, aliás, que se abateu sobre ele a mais contundente da sequência de revelações que expuseram a contumácia com que o seu clã se entrega à alquimia de transformar bens públicos em patrimônio particular - as gravações transcritas neste jornal em que Sarney e o seu filho Fernando aparecem arranjando um emprego no Senado para o namorado da neta. A publicação das conversas colocou o Estado sob censura prévia por decisão, a rogo do filho, de um desembargador do Distrito Federal, Dácio Vieira, relacionado com o oligarca maranhense.
Politicamente, a iniciativa apenas serviu para apressar o ocaso do patriarca, até mesmo na bancada senatorial do PMDB, na qual as manifestações de fidelidade a ele já coexistiam com cálculos de conveniência sobre a sua sucessão no comando da Casa. Tanto que, na última quinta-feira, Sarney cobrou da direção do partido um ato formal em sua defesa. Disso resultou uma nota literalmente exemplar - exemplo de como se constrói a política nacional nestes tempos de vale-tudo da aliança lulista - assinada pelo presidente licenciado da legenda, Michel Temer (a quem Lula acenou com a chance de ser o candidato a vice na chapa da ministra Dilma Rousseff), e por sua substituta, a também deputada Íris de Araújo, que investe contra os senadores peemedebistas dissidentes Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, embora sem citá-los pelo nome. Dá ainda uma explicação antológica para o notório apetite da sigla por cargos no Planalto.
Pretendendo ser ferina, a manifestação consegue ser patética ao propor que deixem o partido, que ficaria mais "coeso e musculoso" sem eles. "O PMDB", diz a nota, "acata com humildade o descontentamento de alguns poucos integrantes que perderam espaço político e apostaram na fama efêmera oriunda de acusações vazias." De fato, espaço eles perderam, na razão direta da densidade de suas acusações a uma agremiação que nada mais é do que um movimentado balcão de negócios - quaisquer negócios, naturalmente. Mas o descaramento mais refinado está na alegação de que a legenda não mercadeja espaços no governo, com tudo que se lhe segue. "Os cargos públicos são apenas consequência de ideais convergentes" (sic), explicam os signatários da patranha. Deve ser em nome desses altos objetivos que o partido, ao que se diz, pedirá mais convergência a Lula para compensar a provável perda da presidência do Senado.
No grande grotão em que o dono dos cargos e os seus concupiscentes aliados transformaram a política brasileira - com a promessa de mais do mesmo se cerrarem fileiras em torno da candidatura Dilma -, as práticas da família que enfeudou o Maranhão estão inscritas na ordem natural das coisas. Quantos hão de ter ficado surpresos, por exemplo, com a decisão da Polícia Federal de indiciar o empresário Fernando Sarney por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e tráfico de influência? Com característica mentalidade, Sarney-pai imaginou que, ao ocupar a principal cadeira do Senado, protegeria o primogênito dos efeitos da investigação policial, a Operação Boi Barrica. E este, com característica truculência, já tentara fazer a sua parte. Documentos do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) revelam que no ano passado ele encaminhou três pedidos ao órgão.
Primeiro, que convocasse um repórter deste jornal a identificar as fontes em que se baseou para informar que Fernando corria o risco de ser indiciado. Segundo, que bloqueasse o acesso do Estado às apurações em curso. Terceiro, que proibisse os procuradores federais de dar entrevistas. Foi o seu lance inicial na tentativa de amordaçar a imprensa. Mas o CNMP aprovou por unanimidade o parecer do relator, Diaulas Ribeiro, contrário aos pedidos. "Não se pode confundir observância do segredo de Justiça com censura prévia", argumentou. "A censura prévia é proibida pela Constituição Federal." Fernando voltaria à carga três vezes em diferentes instâncias do Judiciário. Na terceira tentativa, acertou - à maneira de um bumerangue, no entanto, para a situação política do pai.
O CUSTO DO SOCORRO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/8/2009
Com as medidas de socorro a instituições financeiras em dificuldades, de estímulo à atividade econômica e de proteção às camadas sociais mais vulneráveis que adotaram com presteza, os governos dos países industrializados e dos principais países em desenvolvimento evitaram que os efeitos da maior crise das últimas sete décadas fossem piores do que estão sendo. Tudo isso, porém, tem um custo fiscal que começa a ser calculado, mas cujas dimensões já parecem assustadoras.
Isso exigirá medidas de correção que devem ser programadas desde já e colocadas em prática durante um longo período. Mas, até agora, muito poucos governos mostraram ter-se dado conta do problema. É grande, por isso, o risco de a crise acabar impondo uma conta muito alta às gerações futuras.
Esse é o quadro que surge com muita clareza de um estudo recém-divulgado pelo FMI sobre o impacto das medidas de combate à crise nas finanças públicas de diferentes países. No grupo dos 20 países mais desenvolvidos do mundo, o G-20, que inclui os maiores países industrializados e vários países em desenvolvimento, como o Brasil, as medidas de enfrentamento da crise provocaram um aumento do déficit público equivalente a 5,5% do PIB de 2007 até agora.
À medida que a crise arrefece, menores são as pressões por medidas de socorro, mas, observa o FMI, os déficits em que esses países já incorreram terão efeitos por muito tempo. Uma das conclusões mais impressionantes do estudo do Fundo é a evolução, já constatada ou prevista para os próximos cinco anos, da dívida pública dos países industrializados que fazem parte do G-20.
Nos países mais ricos do mundo, a dívida dos governos, que correspondia a 78,8% do PIB em 2007, isto é, antes da crise, deverá chegar a 119,7% em 2014. É um aumento de mais de 40 pontos porcentuais, num prazo de apenas sete anos. A dívida do governo dos Estados Unidos quase duplicará, devendo passar de 63,1% do PIB em 2007 para 112% em 2014. A do Reino Unido mais do que dobrará em sete anos, pois deverá passar de 44,1% para 99,7% em 2014.
A dívida pública como proporção do PIB crescerá também nos países emergentes que integram o G-20, mas de maneira bem menos aguda. De acordo com o FMI, ela passará de 37,5% do PIB em 2007 para o máximo de 40,2% em 2010 e se reduzirá a 36,4% em 2014. A relação entre a dívida pública brasileira e o PIB, segundo o FMI, passará de 57,7% em 2007, para o máximo de 70,1% em 2009, declinando lentamente nos próximos anos e chegando a 62,2% em 2014. Observe-se, porém, que o nível de endividamento do Brasil é um dos mais altos entre os países emergentes.
O ajuste mais profundo, por isso, deverá ser feito pelos países ricos. Com base no crescimento médio observado nesses países e também na inflação média dos últimos anos, o FMI projetou o esforço fiscal (isto é, o superávit primário das contas públicas) que os governos desses países precisarão fazer ao longo de duas décadas, contadas a partir de 2014, para fazer a dívida pública voltar ao nível de 2007 ou mantê-la nesse nível.
O governo americano, que tem gerado grandes déficits públicos até agora financiados sem preocupação por investidores internos e externos, terá de gerar um superávit primário equivalente a 4,2% do PIB durante 20 anos. Ao governo do Reino Unido caberá um esforço maior, de 4,5% do PIB. O Brasil, que alcançou resultados semelhantes a esses nos últimos anos, terá de esforçar-se menos, pois precisará gerar um superávit de 2% do PIB.
Se isso não for feito, adverte o FMI, a dívida pública continuará a crescer nesses países, o que, em algum momento, gerará desconfianças entre os investidores. Para continuar obtendo financiamento para seus déficits, isto é, para continuar colocando os títulos de dívida pública no mercado no ritmo necessário para cobrir seus rombos, os governos terão de aumentar os juros. Isso pode resultar num espiral de dívida e juros, que acabará por afetar a atividade econômica. Assim, o custo do estímulo atual à economia poderá ser o desestímulo à atividade econômica no futuro.
INFLAÇÃO À BRASILEIRA
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO
4/8/2009
A deflação continua sendo um espetáculo distante para os brasileiros, como o Natal com neve e os fogos do ano-novo chinês. Na maior parte do mundo a recessão derrubou os preços no atacado e no varejo, mas o efeito da crise, no Brasil, é bem menor. Nos 12 meses terminados em julho, os preços por atacado encolheram 3,57%, refletindo a tendência global e, em parte, a depreciação do dólar. No varejo, no entanto, os bens e serviços ficaram 4,70% mais caros no mesmo período, segundo a pesquisa mensal do IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas. Outros indicadores também mostram a resistência da inflação no varejo. O IPCA, referência da política oficial de juros, aumentou 4,80% nos 12 meses até junho. O INPC, 4,94%. Os preços ao consumidor continuam, portanto, razoavelmente contidos e devem convergir para o centro da meta oficial ? 4,5% em 2009 ?, mas ainda crescem muito mais que na maior parte do mundo.
Na zona do euro, a deflação anual chegou a 0,6% em julho. O Banco Central Europeu havia estipulado uma inflação de 2% como objetivo de médio prazo, mas a economia ainda terá de se aquecer durante bom tempo antes de aparecer algum efeito inflacionário. Nos Estados Unidos, no mês passado, o índice de preços ao consumidor divulgado pelo Departamento do Trabalho era 1,4% inferior ao de um ano antes. Também nesse caso a redução do custo de vida refletiu a contração dos negócios, a redução do emprego e o comportamento muito mais cauteloso dos consumidores.
No Brasil, o Índice de Preços por Atacado (IPA) mostra a diminuição tanto dos preços agropecuários (8,34% em 12 meses) quanto dos industriais (1,66%). Na ponta do consumo, no entanto, a alimentação encareceu 3,48% nesse período, enquanto as despesas de habitação cresceram 5,17%. Os custos da habitação incluem além de aluguel, imposto predial e manutenção do imóvel, os gastos com energia, água, saneamento e telecomunicação.
Vários desses custos são indexados, isto é, corrigidos com base na inflação passada. As tarifas corrigidas neste mês podem até não subir, porque o IGP-M diminuiu 0,67% em 12 meses, por efeito dos preços por atacado, mas a deflação ocorre apenas ocasionalmente. Além disso, a correção de aluguéis e tarifas pelo IGP-M envolve uma distorção bem conhecida. O principal componente desse indicador é o IPA, com peso de 60% na sua formação. O aumento das cotações da soja e do trigo na Bolsa de Chicago e a elevação dos preços do petróleo em Nova York e Londres podem, portanto, refletir-se nos aluguéis e nas tarifas de serviços de utilidade pública. A desindexação de salários e de outros preços, trazida pelo Plano Real, quebrou a inércia inflacionária e tornou mais eficiente o sistema de preços. Mas a indexação foi mantida para contratos com duração igual ou superior a um ano e isso inclui as concessões de serviços de utilidade pública. Nada justifica a manutenção, por muito mais tempo, desse resquício da cultura inflacionária.
Mas esse fator explica apenas em parte a inflação dos preços ao consumidor, bem superior à de outros países com economia razoavelmente ordenada. No Brasil, a demanda de consumo, apesar da crise, caiu bem menos que na maior parte dos países desenvolvidos e emergentes. Parte das famílias continuou recebendo transferências do governo por meio dos programas sociais. Esses consumidores foram pouco afetados pelo desemprego. Além disso, os salários foram afetados moderadamente pelas demissões, mas alguns segmentos da indústria e do comércio precisaram cortar preços. Na média, os bens de consumo encareceram muito menos que os serviços, menos sujeitos à concorrência.
O governo poderia ter baixado a meta de inflação para 2011 e isso afetaria positivamente as expectativas do mercado. Perdeu uma boa oportunidade. Além disso, as expectativas são afetadas pelo constante aumento do custeio governamental, em especial daqueles itens permanentes, como a folha de salários. A piora das contas públicas poderá não afetar a inflação até o próximo ano, mas o risco é crescente. O mercado sabe disso e o Banco Central também. Também isso explica, certamente, a interrupção dos cortes da taxa básica de juros.
CRESCIMENTO LENTO NA INDÚSTRIA
EDITORIAL
O ESTQADO DE S. PAULO
4/8/2009
Em junho, com crescimento de 0,2%, a produção industrial apresentou menor ritmo de aumento do que no mês anterior (1,2%), mas foi o sexto mês consecutivo de expansão, o que não impediu uma queda de 13,4% no primeiro semestre em relação a igual período de 2008.
O importante foi a modificação por categorias de uso em relação ao mês anterior. O maior crescimento foi dos bens de capital - de 0,9% em maio para 2,1% em junho -, que parece indicar que a indústria nacional voltou a investir, já que as exportações desses bens continuam estagnadas. É o prenúncio de maior volume da produção física nos próximos meses e indicação de um aumento da confiança das empresas pela retomada da demanda.
Isso também transparece na produção de bens intermediários: de 0,3% em maio, para 0,7% em junho.
Na produção de bens de consumo duráveis se registra queda de 0,4%, ante aumento de 4% em maio, que parece se explicar mais pela queda da produção de equipamentos de informática do que de veículos automotores, em que só houve redução da produção de caminhões. No caso de bens de consumo semiduráveis e não-duráveis, a queda em junho foi de 2,6%, ante crescimento de 0,8% em maio, o que se pode explicar pelas compras do Dia das Mães.
Um desempenho muito bom foi registrado pela indústria extrativa, que refletiu o aumento da demanda de commodities para exportação, especialmente as destinadas à China.
Tem-se a impressão de que a produção industrial no segundo semestre deverá ser melhor do que no primeiro, mas com uma recuperação muito lenta enquanto não se registrar um aumento das exportações de produtos manufaturados, que parece muito improvável no atual contexto internacional em que os melhores clientes do Brasil para esses produtos são os Estados Unidos e a Argentina.
A retomada da produção industrial depende, essencialmente, da demanda doméstica. Esta poderá se comportar melhor nas classes C e D e para produtos de menor valor agregado. Há uma preocupação sobre como evoluirá a demanda de produtos que hoje se beneficiam da redução de impostos (carros de passageiros, linha branca e material de construção), quando os incentivos forem extintos. A manutenção da demanda dependerá mais da realização de investimentos em infraestrutura, que exigem muita mão de obra, mas que até agora sofrem grandes atrasos.
VALOR AO MÉRITO
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
4/8/2009
Proposta da gestão Serra para carreira magisterial tenta compensar 14 anos de mau desempenho tucano na educação
À FRENTE do governo do Estado de São Paulo há 14 anos, o PSDB amarga resultados muito ruins na educação. Reveses nessa área já foram demonstrados por indicadores que medem desempenho de alunos e docentes.
Embora as sucessivas gestões tucanas na unidade mais rica da federação tenham sido bem-sucedidas em promover a universalização, quando se trata da qualidade do ensino muito pouco -ou quase nada- foi feito. Índices que poderiam fornecer orientação para melhorar a política educacional demoraram a ser criados, e cargos fundamentais, como os de diretores regionais de ensino, foram ocupados ao sabor de interesses políticos.
Agora, a Secretaria da Educação paulista lança um projeto de lei com vistas a mudar a evolução da carreira magisterial. A proposta se segue a outras medidas positivas tomadas nos últimos dois anos -como a instituição do Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação de SP), a implantação de currículo para o ensino básico, a limitação das faltas com bônus de assiduidade para docentes e as propostas de avaliação de professores temporários e de dirigentes regionais.
O projeto do governo, que tem de ser aprovado pela Assembleia Legislativa, consiste em submeter o docente a quatro provas durante 12 anos. O profissional capaz de obter as notas mínimas estabelecidas ganhará 25% de aumento a cada etapa. Para passar da primeira para a segunda faixa salarial, a nota mínima será seis, em escala de zero a dez; para a remuneração máxima, nove. Também contam pontos a assiduidade em sala de aula e a permanência na mesma escola. A estimativa do próprio governo é de que até 20% dos docentes consigam atingir as notas mínimas. Aqueles que não se qualificarem para as promoções receberão o reajuste tradicional, baseado em tempo de serviço e cursos.
O Estado ainda tem um número altíssimo de professores temporários -100 mil dos 230 mil da rede. Em avaliação aplicada pelo governo no início do ano, 1.500 deles receberam nota zero. Metade não chegou à nota cinco.
O processo de avaliação foi confuso e embargado pela Justiça. Houve denúncias de irregularidades, como vazamento de gabarito, e criou-se um conflito entre a Secretaria de Educação e o sindicato dos professores, Apeoesp, que acabou por provocar atraso no início das aulas.
É de registrar que a atuação do sindicato, lamentavelmente, tem sido não raro retrógrada e avessa a mudanças que coloquem o mérito à frente de interesses corporativos imediatos.
As medidas que a gestão José Serra tem tomado para sanar a vexatória situação da área educacional paulista vão no caminho certo, mas ainda podem avançar.
No caso da nova sistemática de valorização salarial, seria desejável estabelecer alguma vinculação do prêmio com o desempenho dos alunos. Além disso, para que São Paulo possa alcançar resultados mais favoráveis, é preciso aumentar a carga horária, incrementar as atividades extraclasse e melhorar a qualidade das instalações escolares.
DIFICULDADES INDUSTRIAIS
EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
4/8/2009
DADOS RELATIVOS ao desempenho da indústria, divulgados ontem pelo IBGE, confirmam que o baque causado pela crise internacional ainda está por ser superado. A pesquisa indica que, apesar da queda de 13,4% no semestre (a maior desde 1976), a indústria está reagindo na comparação com o final de 2008 e o início de 2009 -mas o ritmo é um tanto lento.
A atividade aumentou 3,4% no segundo trimestre em relação ao primeiro. De setembro a dezembro de 2008, auge da crise, a produção das fábricas chegou ao seu patamar mais baixo, equivalente ao de 2004 -agora, a indústria consegue atingir o nível de 2006.
Um dado positivo foi a elevação dos investimentos, puxados por máquinas e equipamentos de informática, construção, energia, caminhões e ônibus.
Entre os aspectos que têm contribuído para imprimir ritmo lento à retomada industrial está o comércio exterior. Estudo da Agência de Promoção de Exportações (Apex) estima que houve uma perda de 24,5% nas exportações brasileiras em relação ao que elas representariam se o cenário não tivesse sido afetado pela crise. O estudo é otimista em relação aos resultados do final deste ano, considerando que a cada mês diminui essa diferença.
A má notícia para a indústria é que a perspectiva de melhores resultados nas exportações advém da demanda chinesa por minérios, carnes e grãos brasileiros -e não da procura por bens manufaturados. Esta, ao contrário, cai em razão do esfriamento da economia mundial e da própria agressividade da China em mercados nos quais o Brasil tinha presença relevante.
Para tornar a situação ainda menos favorável, a taxa de câmbio vem indicando crescente valorização do real em comparação com o dólar -um fator a mais a dificultar as exportações.
BC INTERROMPE O CICLO DE BAIXA DA TAXA DE JUROS
EDITORIAL
VALOR ECONÔMICO
4/8/2009
O Comitê de Política Monetária do Banco Central deu uma pausa, que se prevê longa, no ciclo de redução dos juros, ao determinar a redução de meio ponto percentual em sua reunião de julho. Com a Selic a 8,75%, a mais baixa em termos nominais em décadas, o BC cortou desde janeiro cinco pontos percentuais da taxa básica. Na ata do Copom não há nenhuma palavra que descarte novas reduções marginais, embora alguns diretores do BC quisessem interromper a sequência de cortes já na última reunião. O cenário traçado pelo Copom indica uma recuperação lenta, segura e gradual e os juros não se moverão até que exista segurança de que a economia realmente se comportará desta forma. Após uma severa e curta retração, que durou dois trimestres, a economia brasileira já voltou a crescer e, embora a expectativa para o curto prazo indique uma pequena queda do PIB no ano, para 2010 boa parte das estimativas aponta para uma expansão de 3% a 4% - uma boa performance se considerada a previsão de baixo crescimento dos países desenvolvidos para o período.
Os preços estão bem comportados, mas as expectativas do mercado quanto à inflação começaram a se elevar, apesar de estarem dentro da meta para 2009 e 2010. A tranquilidade no front inflacionário só é quebrada pelo preço de serviços, cuja evolução nos 12 meses encerrados em junho foi de 7,21%, ante 6,99% em dezembro. Os preços administrados sofrerão reajuste de 4,5%, na projeção do Copom, enquanto que os preços livres, tanto os transacionáveis como os não transacionáveis, estão em desaceleração. Além da resistência natural à queda dos serviços, seus preços encontram alguma sustentação na manutenção, em magnitude inferior à de 2008, dos ganhos do rendimento médio real e da massa salarial - 3% e 3,3% respectivamente, em maio, ante o mesmo mês do ano anterior. Apesar disso, o BC acredita que o "comportamento da demanda doméstica deve exercer menos pressão sobre os preços dos serviços nos próximos trimestres".
Há vários fatores que dão tranquilidade à autoridade monetária sobre a inflação. A crise internacional continua exercendo efeito predominantemente baixista sobre os bens adquiridos pelo país. Além disso, a utilização da capacidade instalada de produção sofreu um forte baque e recuou para menos de 80% (79,4%, segundo dados da CNI mencionados na ata), o que traz menor pressão sobre os preços. Para o Copom, a ociosidade da indústria, no entanto, "não deve ser eliminada rapidamente". Em tese, isto abre a possibilidade de estímulo adicional via política monetária caso a recuperação seja claudicante demais, mas o BC não menciona a possibilidade por querer averiguar os efeitos dos cortes já realizados, que demoram para ser plenamente sentidos pela economia.
A recuperação deve ser agora mais lenta por vários motivos. Embora os mercados de crédito doméstico tenham voltado a operar quase normalmente, a demanda será bastante inferior aos 30% dos últimos anos. O comércio internacional sofreu um violento golpe e os principais mercados compradores, como Estados Unidos, União Europeia e Japão, por exemplo, estão em recessão e, ao que tudo indica, vão readquirir fôlego muito lentamente.
As exportações brasileiras estão tendo bom desempenho, puxadas pelas commodities, com menor estímulo externo para a indústria de manufaturados, que tem maior poder de irradiação sobre o emprego e o nível de atividade. E enquanto a economia não voltar a um ritmo compatível com seu potencial, as empresas serão menos generosas do que foram no passado recente com as reivindicações salariais. E, diante de uma situação ainda cercada por incertezas, o consumidor está hoje mais endividado do que nas retrações anteriores e a cautela nas compras tende a ser uma atitude predominante. A diferença positiva, porém, é que houve finalmente um significativo desafogo com a queda de juros - no caso do Brasil, uma das mais poderosas ações contracíclicas.
Se o nível histórico dos juros for suficiente para destravar boa parte dos investimentos, que se contraíram à espera de tempos melhores, a recuperação econômica poderá ser mais rápida e saudável do que prevê um agora otimista Copom.
DECISÃO A SER REVISTA
EDITORIAL
A GAZETA (ES)
4/8/2009
A crise moral que toma conta do Senado, protagonizada pela família Sarney e aliados, pendeu para o pior lado possível: a censura à imprensa.
Na sexta-feira, por meio de medida liminar, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu o jornal O Estado de S.Paulo e o estadao.com.br de publicar reportagens que contenham informações da Operação Faktor, mais conhecida como Boi Barrica. O recurso judicial foi iniciativa do empresário Fernando Sarney, um dos filhos do presidente do Senado.
Não há dúvida sobre o que a família do senador maranhense tenta evitar que continue a ser veiculado. Em meados de julho último, a empresária Teresa Murad, nora de José Sarney, foi indiciada pela Polícia Federal no inquérito da Operação Boi Barrica. É acusada de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e de operar instituição financeira sem autorização. Trata-se da mulher do empresário Fernando Sarney, também indiciado pela PF pelos mesmos crimes, além de formação de quadrilha. Ele é apontado como chefe de um grupo que tem forte influência política para direcionar licitações e desviar dinheiro público.
As gravações com divulgação proibida também revelaram nepotismo. Ligam José Sarney à contratação de parentes e afilhados políticos. Mostram, entre outras coisas, Fernando Sarney articulando com o pai um emprego para o namorado de sua filha (neta do senador) por meio de ato secreto no Senado.
Mas está determinada a censura a esse material. O exercício jornalístico está tolhido, tal como ocorria na época do regime político de exceção. Por enquanto, não podem mais ser divulgadas notícias sobre o Boi Barrica. O pedido de Fernando Sarney chegou ao desembargador na quinta-feira, no fim do dia, e, na manhã da sexta-feira, a liminar já havia sido concedida. O magistrado arbitrou a aplicação de multa de R$ 150 mil – por "cada ato de violação do presente comando judicial".
Chama a atenção o fato de a liminar ter sido concedida por juiz do convívio de José Sarney e de Agaciel Maia – o mago dos atos secretos. O desembargador Dácio Vieira é ex-consultor jurídico do Senado, onde também trabalhou na gráfica durante o período em que Agaciel foi diretor desse departamento. Dácio esteve presente ao luxuoso casamento de Mayanna Maia, filha de Agaciel, em 10 de junho, em Brasília. Esses laços de convivência criaram a expectativa de que o desembargador se julgasse impedido de apreciar a demanda judicial.
Os advogados do empresário Fernando Sarney afirmam que a imprensa praticou crime ao publicar trechos das conversas telefônicas gravadas na operação com autorização judicial. Porém, acima desse discurso, há que ser preservado um valor constitucional maior: é a liberdade de imprensa. Ademais, o material censurado é de inegável interesse público, e a população tem o direito de ser informada.
Vale uma analogia do caso com o Pentagon Papers (Papéis do Pentágono), documento secreto do Departamento de Defesa sobre a participação militar dos EUA no Vietnã entre 1945 e 1967, que acabou vazando. The New York Times e The Washington Post publicaram matérias em série, causando reação do presidente Richard Nixon. Ele tentou usar a máquina do governo para cessar a veiculação, no entanto, a Suprema Corte garantiu a liberdade de expressão, mesmo que os dois jornais viessem a ser responsabilizados pelo conteúdo das publicações.
Assim deve funcionar o Estado de Direito. Espera-se que sirva de espelho para o caso das gravações envolvendo a família Sarney. Censura, jamais.
INSENSATEZ NA ESTRADA
EDITORIAL
ESTADO DE MINAS
4/8/2009
A insensatez anda à solta nas rodovias federais que cortam Minas Gerais. Levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF), divulgado ontem, não deixa dúvida: o impacto que se conseguiu nos primeiros dias de vigência da chamada Lei Seca já foi totalmente esquecido e aumenta a cada dia o número de irresponsáveis que insistem em misturar bebida alcoólica com volante. Não importa que isso aumente não apenas a possibilidade de acidentes, como também a gravidade das ocorrências. Em julho do ano passado, o primeiro mês completo de vigência da lei, comemorou-se pela primeira vez, em período de férias escolares, a redução do número de acidentes e de mortes nas estradas. Um ano depois, o perigo voltou com força total. Algo precisa ser feito logo, já que parte dos estudantes teve as férias ampliadas por mais uma ou duas semanas, como medida preventiva contra a propagação da gripe suína, e muita gente terá ainda de voltar para casa.
Os dados da PRF revelam que, no mês passado, somente nas rodovias federais de Minas, foram autuados 119 motoristas embriagados, dos quais 84 foram detidos. Parece que se perdeu quase todo o avanço da sociedade no combate à violência que transforma em tragédia o indiscutível direito das famílias, ao lazer de uma viagem segura e confortável. O número de autuações de motoristas alcoolizados, 119, representou um injustificável aumento de 32,22% sobre as de 90 de julho de 2008. E as detenções por embriaguez foram 20% maiores do que as de igual mês do ano passado. Também fora do âmbito da Lei Seca, os números são alarmantes. As estradas federais de Minas tiveram 11.913 acidentes, um aumento de 13,78% em relação a julho do ano anterior. Mas o pior foi o crescimento do número de mortes, que passou de 89 para 116, 30,33% maior. Isso significa que retomamos a macabra média de 3,74 vidas perdidas a cada dia, graças à imprudência dos motoristas, à precariedade das rodovias e à fiscalização insuficiente.
É preciso reagir. O conformismo com o fracasso das medidas de repressão a essa verdadeira barbárie que o país patrocina em suas estradas é tão nefasto quanto a certeza da impunidade. Ninguém duvida de que os melhores resultados obtidos pela Lei Seca se devem ao medo de ser pego pela fiscalização e ter de responder a uma condenação. Mas, se é alto o número de autuações e detenções de motoristas que dirigem bêbados ou que cometem imprudências de modo a pôr em risco a vida de inocentes, é vergonhosamente baixo o de condenações e, menor ainda, o de cumprimento de penas. Por isso mesmo, tudo o que puder deve ser feito – e rápido – para estancar a tragédia do mau uso do carro. Cabem, ao certo, programas educacionais permanentes. Falta ampliar o efetivo posto à disposição da fiscalização, além de outras providências. Mas também faltam fórmulas de enquadramento mais severo dos irresponsáveis do trânsito. Uma ideia é tornar suspeito quem se negar ao teste do bafômetro, como já ocorre com o DNA, nos casos de paternidade. Além, é claro, de tornar o mais sumário possível o rito processual que levará esses criminosos para uma exemplar cadeia.
EDUCAÇÃO POBRE É PRECONCEITO
EDITORIAL
CORREIO BRAZILIENSE
4/8/2009
O projeto do senador Cristovam Buarque de obrigar filhos de políticos eleitos a estudar em escola pública está condenado ao malogro por extrapolar restrições da ordem constitucional. A Carta de 1988 ergue como um dos fundamentos da República o princípio da liberdade individual. Logo, estabelecer obrigações que obstruam o exercício dos direitos de escolha do cidadão fere o liberalismo republicano. Ninguém poderá, portanto, ser obrigado a matricular filhos em determinados colégios ainda que, por descuido do Congresso, legislação nesse sentido fosse aprovada.
Apesar disso, a iniciativa chama a atenção por trazer ao debate, mais uma vez, a maior tragédia nacional. A proposta exibe o quadro de discriminação no processo educativo. Os ricos dispõem de recursos para educar a família em estabelecimentos particulares, apontados nas pesquisas como os mais qualificados. Em outras palavras: a leitura que é possível fazer do texto do ex-governador do Distrito Federal é a de que a escola pública no Brasil reforça a desigualdade social por ser de qualidade inferior.
Aluno que frequenta instituições de ensino do Estado não aprende. Ou, se aprende, não aprende o suficiente para disputar com os estudantes da escola privada vagas nas boas universidades e nos bons empregos. Perpetua-se, assim, o círculo vicioso da pobreza. Sem instrumentos capazes de alçá-la a patamares mais elevados da escala social, a criança continuará no patamar em que se encontra. A educação, vale frisar, é a única porta que dá passagem aos mais altos níveis da escala social.
O reconhecimento do papel da excelência não constitui novidade nem no Brasil nem no mundo. É exaustivamente reiterado por especialistas, pesquisadores, políticos e educadores. Apesar da admissão unânime do fato, porém, continuamos a exibir os piores resultados nas avaliações de aprendizagem. Tanto nos testes nacionais quanto nos internacionais, a classificação é constrangedora. Os estudantes brasileiros aparecem na rabeira. Quem conclui o ensino médio só domina conteúdos de até a oitava série do fundamental.
Vale, pois, a questão. Por que as providências tardam? Por que faltam ações efetivas capazes de pôr a educação no patamar em que deve estar? Talvez haja muitas respostas. Uma é incontestável. Não se melhora a educação porque o tema não constitui prioridade do Estado. População pobre, pensam os políticos independentemente de partido, se satisfaz com educação pobre. O mesmo raciocínio torto e preconceituoso aplicam ao transporte público e à saúde pública. Se fossem obrigados a usar os serviços oferecidos pelo governo, mudariam o olhar. Sem isso, a sociedade brasileira continuará partida. De um lado, os que tudo podem. De outro, os que tudo lhes é negado.