Monday, October 23, 2006

Os negócios do primeiro-filho

Fábio Luis enfrentou acusações de irregularidades com a Gamecorp, mas virou empresário bem-sucedido

Angélica Santa Cruz

Um ano e quatro meses depois de enfrentar denúncias de que sua empresa só saiu do campo das idéias registradas em contrato social graças a um empurrão da Telemar, o biólogo Fábio Luis da Silva, filho mais velho do presidente Lula e de Marisa Letícia, pode ser chamado de homem bem-sucedido. Ganha salário mensal de R$ 10 mil, fora a divisão de lucros - o que não o torna um sujeito rico, mas é 16 vezes o que conseguia há 4 anos prestando consultorias - e é mais do que os R$ 8.885,48 que seu pai recebe na Presidência. É sócio de um negócio com faturamento estimado em R$ 30 milhões para 2007 e no qual tem participação avaliada, em valores de mercado, em R$ 500 mil. Em décadas de vida pública, Lula acumulou patrimônio de R$ 839 mil.

Fábio tem 32 anos, mora em um apartamento na zona oeste de São Paulo, costuma se vestir com jeans e camisetas, passa a maior parte de seu tempo às voltas com um universo formado por cinema, bandas de rock ou games, evita badalações e nas últimas semanas andou dando explicações a amigos por conta da notícia que circula na internet de que teria comprado uma mansão em um condomínio fechado de São Bernardo do Campo. ('Se alguém provar que essa casa é minha, pode ficar com ela', costuma responder ele).

Passou a ser chamado publicamente de 'Lulinha' - na verdade um apelido usado entre amigos para seu irmão caçula, Luis Claudio - quando vieram à tona seus negócios com a Telemar. E virou assunto da campanha eleitoral na última semana, quando pela primeira vez o presidente Lula se referiu ao assunto. 'Se ele está errado, ele paga. Agora, não posso impedir que ele trabalhe. Se quiser trabalhar que trabalhe e alguém diga se houve alguma coisa ilegal', disse o presidente no programa Roda Viva, da TV Cultura.

'CLARO QUE AJUDOU'

Mas, afinal de contas, o que é a empresa de Fábio Luis?

No que se refere à Gamecorp, é um negócio que pode ser definido como uma operação que nasceu sob suspeita por ter contado com um empurrão providencial na largada - por conta da presença de um filho de presidente entre seus sócios. Mas que hoje, de fato, existe.

O filho de Lula é dono de 16,25% das ações da Gamecorp, produtora com 27 funcionários diretos e 52 prestadores de serviços que tem como negócio principal a produção de programas de TV - que exibe ao longo de 7 horas de programação na PlayTV, o antigo Canal 21. Mas que também tem um site de games e produz penduricalhos para celulares, como ringtones e papéis de parede.

A Gamecorp despertou suspeitas na largada porque contou com injeção inicial de R$ 5 milhões feita pela Telemar, que adquiriu 35% de suas ações quando ela ainda era uma um projeto mantido entre amigos e tinha a única vantagem de ser dona no Brasil da franquia do canal americano de games G4, uma potência na área.

A Telemar é uma empresa privada que tem em seu capital dinheiro público. Um de seus principais acionistas é o BNDES, dono de 25% das ações; outros 19,9% são de fundos de pensão, alguns de empresas públicas, como a Previ, do Banco do Brasil, e a Petros, da Petrobrás. A entrada da Telemar como sócia em um negócio onde só ela colocava dinheiro ainda teria sido disfarçada com uma labiríntica operação de debêntures.

Impulsionado pela ajuda da Telemar, o negócio do primeiro-filho começou comprando horários em canais de TV para exibir programas sobre jogos e clipes. Nesse ponto, a Telemar ajudou outra vez - e comprou R$ 5 milhões em cotas publicitárias.

Os programas caíram nas graças de um nicho de telespectadores jovens. Meses depois, a Gamecorp fechou contrato com o Grupo Bandeirantes para ocupar a faixa mais nobre da antiga Rede 21. Administra uma programação que resulta em uma espécie de MTV mais voltada para o universo de games.

Os seis programas feitos pela produtora de Fábio são uma mistura de videoclipes, animação, imagens de games e entrevistas - embalados em jargões desse mundo estranho aos mais velhos, mas familiar aos jovens.

Indagadas a respeito dos efeitos da presença de Fábio nos negócios da produtora, três pessoas ligadas à empresa responderam ao Estado: 'Claro que ajudou!' Mas dois anos depois da operação e um ano depois das denúncias, a empresa já ocupa certo lugar no mercado, onde foi buscar profissionais de reputação conhecida, e tem lá suas ambições de crescer mais ainda.

A MINA É A TV
Entre todos os braços de sua empresa, Fábio é mais atuante na produção do site GameTV, que tem 4 milhões de pageviews por mês e 41 mil usuários cadastrados em blogs. É até uma performance boa para uma página que funciona fora de grandes portais, que registram até 4 vezes mais. Mas não dá dinheiro.

Na fatia dedicada a negócios ligados à telefonia, a Gamecorp produz vídeos, papéis de parede e ringtones que usuários de celulares podem baixar pela operadora Oi-Telemar. Nesse quesito, a associação da Telemar com a empresa do filho de Lula não causa estranheza no mercado. Todas as empresas de telefonia, TIM, Claro e Vivo, terceirizam esse tipo de negócio, muitas vezes para pequenos grupos. Em média, a Gamercorp vende 10 mil desses produtos por mês, por preços que vão de 99 centavos a R$ 1,99. É um desempenho que responde pelo terceiro maior movimento do gênero na operadora - atrás apenas de fotos de mulheres. E que - por conta de uma divisão de faturamento que inclui empresas que distribuem conteúdo - também não dá lucro.

A mina de ouro do grupo é a TV. A empresa de Fábio e outros 4 sócios administra a programação da PlayTV, das 17 às 24 horas. No princípio, a produtora reempacotava o conteúdo do americano G4. Hoje produz quase tudo o que leva ao ar. Em alguns lugares, como Brasília, já há produção local. Comandados por apresentadores que viraram celebridades em um nicho de jovens, os programas são alvo de processo administrativo no Ministério da Justiça por não ter classificação indicativa.

À Bandeirantes cabe vender anúncios e distribuir a produção para 115 cidades em UHF e VHF e para outras 59 em canais a cabo - tudo amarrado em um contrato com cotas anuais de audiência e faturamento. Mas os sócios da Gamecorp pediram para participar da venda de anúncios. Querem aprender a tocar um departamento comercial - porque pretendem ter um canal a cabo. Um dos acionistas da empresa de Fábio, Fernando Bittar (irmão de outro sócio, Kalil, e filho de Jacó Bittar, ex-prefeito de Campinas e amigo do presidente Lula), trabalha no departamento comercial da Bandeirantes. De vez em quando, Fábio também é visto por lá.

O faturamento é dividido entre a produtora e a emissora. E só agora o negócio começa a dar esperanças de sobreviver longe do apoio da Telemar. 'No começo, perdemos 40% de nossos anunciantes. Mas era um movimento esperado, e, por isso, temos a previsão de faturar entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões no ano que vem', explica Marcelo Meira, vice-presidente do Grupo Bandeirantes.

Os anunciantes foram dar uma volta por causa do reposicionamento do canal. Mas também porque virou um mau negócio ser um dos patrocinadores do 'canal do Lulinha'.

As cotas de patrocínio público, de acordo com a Band, também escapuliram. Antes da entrada da GameTV, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal respondiam por quase 10% do faturamento do Canal 21. Depois, sumiram. Perguntado se a saída do patrocínio oficial tem a ver com a presença de Fábio, Meira diz: 'Não sei, mas vamos tentar trazer de volta.'

'AGORA, FICA'

No auge da polêmica sobre o arranque conseguido com ajuda da Telemar, Fábio chegou a falar em sair da sociedade. Mas foi aconselhado pelo pai a ficar - porque uma retirada poderia parecer confissão de culpa. Ficou, mas tentou se manter nos bastidores. Mudou seu cartão de visitas de 'Fábio Luis Lula da Silva' para 'Fábio L. da Silva'. Não adiantou. No mercado publicitário, a operação ainda é chamada de 'TV Lulinha'.

A Bandeirantes diz que resolveu aceitar o plano de negócios apresentado pela Gamecorp e incorporá-la à sua programação, apesar da polêmica, porque por dois anos os programas da produtora ocuparam as noites de sábado da Band, em canal aberto, e tiveram boa audiência. O grupo afirma ainda que a associação foi mais uma tentativa de dar uma cara ao Canal 21, rede que em 10 anos passou por vários perfis - de exibir seriados antigos a alugar horários para programas de vendas.

Em dois meses de existência, a PlayTV levou de volta alguns anunciantes (como a Renault, Citroen, Virtua, Ipê e Bunge). Mas na prática mantém a mesma média de audiência que conseguia nessa faixa de horário quando se chamava Canal 21: 0,6 ponto no Ibope, o equivalente a 120 mil pessoas diante da TV em
Link São Paulo. Ainda assim, aposta em possibilidades de crescimento ao entregar seu horário nobre - fatia que realmente importa quando se fala de anunciantes - para a produtora de Fábio.

Já para a Gamecorp, foi um baita negócio. A produtora conseguiu ocupar a faixa nobre de um canal nacional e pode se espalhar por toda a grade, se conseguir bom faturamento. Como aposta no mercado jovem, costuma divulgar números de audiência em que bate sistematicamente a MTV. É uma estratégia que serve para mostrar que conseguiu representatividade entre o telespectador jovem. Mas é impopular dentro da Band. Não só porque o Canal 21 sempre bateu mesmo a MTV, mas porque pode afastar anunciantes que não estão interessados apenas em falar com o público jovem. Mas sócios da TV Lulinha, pelo visto, não ficam tímidos com polêmicas. VOLTAR A ARQUIVO DE ARTIGOS ETC

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