Thursday, October 19, 2006

DEMÉTRIO MAGNOLI Ministério da Classificação Racial

São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 2005
"Você vai responder que eu sou amarelinha, né pai?" Foi essa a reação de minha filha ao ver o formulário enviado pelo MEC a todas as escolas do país solicitando a declaração nominal de "cor/raça" de cada um dos seus alunos. Às vésperas de comemorar o nono aniversário, ela não "aprendeu" a escolher a resposta "certa" entre as cinco opções apresentadas (branca, preta, parda, amarela e indígena). Tarso Genro, investido na função de ministro da Classificação Racial, está empenhado em suprir a lacuna de aprendizado: a partir de agora, por sua decisão, as escolas ficam obrigadas a incluir nas fichas de matrícula a informação sobre "cor/raça" dos alunos. Essa informação associará a cada nome uma "raça" e não está sujeita à regra do sigilo estatístico que cerca as pesquisas do IBGE.
"Eu sou amarelinha, né pai?" A resposta "certa" exige a competência de sublimar a percepção sensorial, substituindo-a pelos critérios classificatórios abstratos inventados pelo "racismo científico" do século 19. O "racismo científico" serviu como instrumento de justificação do imperialismo europeu na África e na Ásia, contornando o princípio iluminista de que os seres humanos nascem livres e iguais. A genética desmoralizou o "racismo científico", provando que a espécie humana não se divide em raças. Para preencher o formulário do ministro da Classificação Racial, os pais devem ignorar a ciência e eleger o preconceito como guia.
"Eu sou amarelinha?" A noção de que a humanidade se divide em raças ou etnias não é um fato objetivo da cultura ou um mito imemorial inscrito na história dos povos, mas uma construção política relativamente recente. Engajados no empreendimento do nacionalismo ou da expansão imperial, os Estados fabricaram identidades raciais e étnicas por meio de classificações oficiais que definiram o lugar de cada grupo perante as instituições públicas. As novas fichas de matrícula escolar no Brasil atualizam essa tradição, envolvendo-a no manto roto das políticas sociais compensatórias. Elas irrigam as mudinhas da árvore envenenada do ódio racial.
"Você vai responder que eu sou amarelinha, né pai?" Os professores e os pais esclarecidos ensinam às crianças que as pessoas se distinguem por seu caráter, não pelo tom da pele, o formato do rosto ou o desenho dos olhos. Nas aulas de biologia, as crianças aprendem a reconhecer a inconsistência científica do "racismo científico" do século 19. Nas aulas de história e geografia, elas descobrem as funções políticas desempenhadas pelo racismo e aprendem a desprezar as operações estatais de engenharia racial.
Mas o ministro da Classificação Racial, usando o poder burocrático do aparelho de Estado, resolveu invadir todas as escolas do país e ministrar sua própria aula. Tarso Genro, esse herdeiro inesperado do pensamento social racista de Nina Rodrigues (1862-1906) e Oliveira Vianna (1883-1951), está ensinando as crianças a definirem suas identidades segundo o critério da raça. Ele está dizendo às crianças que o Estado divide os cidadãos em cinco grupos raciais. Com seus formulários e fichas de matrícula, está explicando à minha filha que ela não é amarelinha, rosadinha ou marronzinha. Que é branca, como seus "irmãos de raça". E que seus outros colegas formam irmandades diferentes, pois são pretos, pardos, amarelos ou indígenas. Todos iguais, talvez. Mas separados.
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