Assim não, Janio de Freitas!
Assim não, Janio de Freitas!
Uma tese anda no mercado das idéias, de que a coluna de Janio de Freitas, na Folha desta terça (clique aqui) é parte. Da outra parte, já andei tratando aqui: anda na boca dos marqueteiros. Espero que não contamine o comando da campanha do tucano Geraldo Alckmin. Vamos lá. Explico-me. O texto pode ficar um pouco longo. Lamento. Mas há coisas que não se resolvem em notas de leitura rápida.
Primeira parte
A primeira parte da tese, vocalizada, como disse, por Janio, consiste em acusar Alckmin de excesso de agressividade no debate. No dizer de Janio, ele “apresentou-se como um misto de Carlos Lacerda e Fernando Collor. O pior de ambos: a agressividade compulsiva de Lacerda e a arrogância de Collor.” Fiquei curioso em saber o que o articulista considera, então, “o melhor de ambos”, especialmente de Collor. Confesso que, no caso deste senhor, nada vejo de “melhor”. Sua única contribuição ao Brasil foi ter derrotado Lula em 1989 e, mais tarde, nos ajudado a testar as instituições democráticas. Mas vá lá...
Se Lula fosse um “dotô”, aposto que Janio não estaria apontado a “agressividade” de Alckmin. A acusação só existe porque parte da elite intelectual brasileira, de que Janio faz parte (e eu também, não nego), tende a ver Lula como um inimputável — desse mal não padeço). Escrevi isso no Primeira Leitura umas 800 vezes. Trata-se ainda do velho complexo do bom nhonhô, a exemplo daqueles mocinhos brancos abolicionistas de Benedito Ruy Barbosa em Sinhá Moça. É claro que eu não vejo a novela, já que estou sempre aqui. Acompanho por alguns comentários do Elio Gaspari. Engraçado, Janio: quando Mário Covas botava Paulo Maluf para correr, ninguém registrava a sua “agressividade compulsiva”. Ao contrário: todos aplaudíamos. Mas com Lula... Poxa! Ele veio da “crasse operária”. Merece ser tratado com a cordialidade que aqueles do “andar de cima” (by Gaspari) devem aos do “andar de baixo” (idem). Ainda que sua política monetária seja celebrada lá nas alturas, não é mesmo?
Sobre a principal pergunta que Alckmin fez a Lula, escreve Janio: “Caso as investigações não a respondam antes, continuará explorada a pergunta mais repetida por Alckmin na discussão: ‘De onde veio o dinheiro?’ (do negócio com o dossiê). Não é uma indagação-acusação honesta. Até agora não consta nenhuma sugestão objetiva, nem sugestão, de que Lula tenha algo a ver com o negócio do dossiê ou, ao menos, conhecimento dele -como Roberto Jefferson lhe deu, em parte, do mensalão.” Huuummm, aqui o bicho pega.
Janio acha que não. E, como ele acha, isso altera a honestidade da pergunta alheia. É um jeito estranho, um tanto egótico, de ver o mundo. Eu já acho que os indícios de que Lula sabia ou pode saber, desde que queira, abundam. Empresto-os ao colunista. Quem sabe, assim, ele confira à indagação do tucano o “Certificado Janio de Freitas de Honestidade”. Vamos ver. Jorge Lorenzetti, Osvaldo Bargas e Ricardo Berzoini — deixemos, por ora, Freud Godoy de lado, a despeito da estranha peça de defesa de seu advogado — são homens da absoluta confiança de Lula. Verdade ou mentira, Janio? Terá tido o presidente Lula a curiosidade de lhes perguntar, como observou Diogo Mainardi a Tarso Genro, de onde veio o dinheiro? O fato de serem três pessoas que privam da intimidade do presidente não serve nem de “sugestão”? Você acha mesmo, Janio, que Lula está, até agora, em relação a isso tudo como você ou eu — ou seja, não tem nada com isso? Tal indagação confere a Alckmin a “agressividade” de um Lacerda e a “arrogância” de um Collor?
Ademais, basta que se conheça, e Janio conhece, a ferina retórica de Lacerda para saber que ela não estava presente no discurso de Alckmin. Ah, Janio: Lula não resistiria em pé a um discurso de dois minutos do mais famoso dos udenistas e maior orador do Brasil moderno. Claro, devemos ter avaliações distintas sobre o político fluminense. Fez muita bobagem na vida, mas foi uma das mais brilhantes figuras da política brasileira de todos os tempos. Seu mal estava na vocação compulsivamente golpista e num egocentrismo oceânico, mas a) suas teses sobre o país estavam corretas; b) era um administrador de mão cheia, como a antiga Guanabara nunca mais viu. Gostava de bater à porta dos quartéis, o que lhe custou um pedaço do futuro político. Satanizá-lo, no entanto, corresponde a endossar o baguncismo de Getúlio Vargas ou de João Goulart. Lacerda não pregava no deserto, mas num ambiente conflagrado em que ele não era o único irresponsável.
Quando aponta uma suposta e inexistente similaridade entre Alckmin e Lacerda, Janio está dando asas à fantasia de que, vá lá, Alckmin está para o udenista como Lula — que ele também critica — estaria para Getúlio e Jango. O petismo gosta desses paralelismos. Quanto à arrogância à moda Collor, trata-se de uma avaliação absolutamente alheia ao que aconteceu no debate. Arrogante foi Lula: desafio Janio a apontar uma única vez em que o tucano, à diferença de Lula, recorreu à ironia. O petista chegou a se oferecer para ajudar Alckmin a dar uma resposta; indagou-lhe se havia feito “psicodrama”; disse um desdenhoso “você não é assim”; Tarso Genro associou o oposicionista a um “pitbull”, afirmando que o considerava um membro do “Opus Dei”. Como se vê, Janio, tudo muito humilde, não é mesmo?
Na fala mais agressiva, Alckmin tachou a fala do presidente de “mentirosa”. Referia-se à acusação, feita por Lula, de que ele, Alckmin, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e os Correios. O petista admitiu a fala, sustentou-a. O PT continua a fazer proselitismo sobre o tema. Ou seja: são todos mentirosos.
Segunda parte
A segunda parte da tese diz respeito aos prejuízos a que Alckmin estaria sujeito com o tom mais duro, adotado no debate da Band. A explicação consiste no seguinte: a grande massa de eleitores de Lula, os mais pobres, reagirá à postura do tucano, rejeitando a suposta agressão àquele que elegeram como líder. Petistas estão plantando na mídia que pesquisas qualitativas estariam a indicar que vencer o debate não corresponde a atrair eleitores. Bem, isso é o que vamos ver.
A questão está menos na escolha do que na existência ou não de alternativas. A largada do segundo turno apontou, segundo as pesquisas, uma vantagem de Lula entre 8 e 10 pontos. O segundo turno só está aí porque parte da sociedade reagiu à tramóia petista do dossiê. A uma larga fatia do eleitorado, como se viu, o imbróglio pareceu irrelevante. E a única alternativa dos tucanos é, sim, ao lado de fazer propostas para o país, evidenciar a gravidade do que aconteceu. Não! Tanto o mensalão como o dossiê não são malandragens feitas por “meninos aloprados”. São ações de bandidos que não respeitam a democracia.
Vai aqui o parágrafo mais delicado deste texto. Ainda que as pesquisas qualitativas e mesmo as de opinião venham a indicar a rejeição ao que se chama “novo estilo” de Alckmin, espero que o comando de campanha não abra mão de fazer do candidato um veículo de denúncia do que está em curso no país. Trata-se, a despeito de qualquer outra coisa, de um instrumento de educação política. Mesmo que Lula vença a disputa, tal vitória há de se dar sob a sombra da ilegitimidade dos meios com que governou. E cabe a Lula, Janio, indagar firmemente seus amigos: “Qual é a origem do dinheiro, companheiros?”. A menos que ele saiba. E prefira que não saibamos. Não a tempo.
Janio também reclama que o debate transformou-se numa discussão, em que as alternativas e planos de governo não ficaram claras. E o caso de se perguntar: e quando ficaram? Aqui e no mundo democrático, reitero, debates são uma confrontação de temas gerais, de personalidades, de estilos. A menos que houvesse uma mesa, com juízes neutros, para apertar uma campainha: “Opa, o senhor mentiu; a sua conta está errada”. Mas aí não seria debate, e sim julgamento.
A verdade, a tristíssima verdade — triste para o jornalismo e para o país — é que Alckmin cometeu o grande pecado de vencer o debate. Mesmo alguns que não suportam nem olhar para a cara de Lula esperavam que ele perdesse. Afinal, são críticos do presidente não por tudo o que ele fez, mas por aquilo que ele não fez.
O Lula que se dizia socialista deixou saudades.
Primeira parte
A primeira parte da tese, vocalizada, como disse, por Janio, consiste em acusar Alckmin de excesso de agressividade no debate. No dizer de Janio, ele “apresentou-se como um misto de Carlos Lacerda e Fernando Collor. O pior de ambos: a agressividade compulsiva de Lacerda e a arrogância de Collor.” Fiquei curioso em saber o que o articulista considera, então, “o melhor de ambos”, especialmente de Collor. Confesso que, no caso deste senhor, nada vejo de “melhor”. Sua única contribuição ao Brasil foi ter derrotado Lula em 1989 e, mais tarde, nos ajudado a testar as instituições democráticas. Mas vá lá...
Se Lula fosse um “dotô”, aposto que Janio não estaria apontado a “agressividade” de Alckmin. A acusação só existe porque parte da elite intelectual brasileira, de que Janio faz parte (e eu também, não nego), tende a ver Lula como um inimputável — desse mal não padeço). Escrevi isso no Primeira Leitura umas 800 vezes. Trata-se ainda do velho complexo do bom nhonhô, a exemplo daqueles mocinhos brancos abolicionistas de Benedito Ruy Barbosa em Sinhá Moça. É claro que eu não vejo a novela, já que estou sempre aqui. Acompanho por alguns comentários do Elio Gaspari. Engraçado, Janio: quando Mário Covas botava Paulo Maluf para correr, ninguém registrava a sua “agressividade compulsiva”. Ao contrário: todos aplaudíamos. Mas com Lula... Poxa! Ele veio da “crasse operária”. Merece ser tratado com a cordialidade que aqueles do “andar de cima” (by Gaspari) devem aos do “andar de baixo” (idem). Ainda que sua política monetária seja celebrada lá nas alturas, não é mesmo?
Sobre a principal pergunta que Alckmin fez a Lula, escreve Janio: “Caso as investigações não a respondam antes, continuará explorada a pergunta mais repetida por Alckmin na discussão: ‘De onde veio o dinheiro?’ (do negócio com o dossiê). Não é uma indagação-acusação honesta. Até agora não consta nenhuma sugestão objetiva, nem sugestão, de que Lula tenha algo a ver com o negócio do dossiê ou, ao menos, conhecimento dele -como Roberto Jefferson lhe deu, em parte, do mensalão.” Huuummm, aqui o bicho pega.
Janio acha que não. E, como ele acha, isso altera a honestidade da pergunta alheia. É um jeito estranho, um tanto egótico, de ver o mundo. Eu já acho que os indícios de que Lula sabia ou pode saber, desde que queira, abundam. Empresto-os ao colunista. Quem sabe, assim, ele confira à indagação do tucano o “Certificado Janio de Freitas de Honestidade”. Vamos ver. Jorge Lorenzetti, Osvaldo Bargas e Ricardo Berzoini — deixemos, por ora, Freud Godoy de lado, a despeito da estranha peça de defesa de seu advogado — são homens da absoluta confiança de Lula. Verdade ou mentira, Janio? Terá tido o presidente Lula a curiosidade de lhes perguntar, como observou Diogo Mainardi a Tarso Genro, de onde veio o dinheiro? O fato de serem três pessoas que privam da intimidade do presidente não serve nem de “sugestão”? Você acha mesmo, Janio, que Lula está, até agora, em relação a isso tudo como você ou eu — ou seja, não tem nada com isso? Tal indagação confere a Alckmin a “agressividade” de um Lacerda e a “arrogância” de um Collor?
Ademais, basta que se conheça, e Janio conhece, a ferina retórica de Lacerda para saber que ela não estava presente no discurso de Alckmin. Ah, Janio: Lula não resistiria em pé a um discurso de dois minutos do mais famoso dos udenistas e maior orador do Brasil moderno. Claro, devemos ter avaliações distintas sobre o político fluminense. Fez muita bobagem na vida, mas foi uma das mais brilhantes figuras da política brasileira de todos os tempos. Seu mal estava na vocação compulsivamente golpista e num egocentrismo oceânico, mas a) suas teses sobre o país estavam corretas; b) era um administrador de mão cheia, como a antiga Guanabara nunca mais viu. Gostava de bater à porta dos quartéis, o que lhe custou um pedaço do futuro político. Satanizá-lo, no entanto, corresponde a endossar o baguncismo de Getúlio Vargas ou de João Goulart. Lacerda não pregava no deserto, mas num ambiente conflagrado em que ele não era o único irresponsável.
Quando aponta uma suposta e inexistente similaridade entre Alckmin e Lacerda, Janio está dando asas à fantasia de que, vá lá, Alckmin está para o udenista como Lula — que ele também critica — estaria para Getúlio e Jango. O petismo gosta desses paralelismos. Quanto à arrogância à moda Collor, trata-se de uma avaliação absolutamente alheia ao que aconteceu no debate. Arrogante foi Lula: desafio Janio a apontar uma única vez em que o tucano, à diferença de Lula, recorreu à ironia. O petista chegou a se oferecer para ajudar Alckmin a dar uma resposta; indagou-lhe se havia feito “psicodrama”; disse um desdenhoso “você não é assim”; Tarso Genro associou o oposicionista a um “pitbull”, afirmando que o considerava um membro do “Opus Dei”. Como se vê, Janio, tudo muito humilde, não é mesmo?
Na fala mais agressiva, Alckmin tachou a fala do presidente de “mentirosa”. Referia-se à acusação, feita por Lula, de que ele, Alckmin, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e os Correios. O petista admitiu a fala, sustentou-a. O PT continua a fazer proselitismo sobre o tema. Ou seja: são todos mentirosos.
Segunda parte
A segunda parte da tese diz respeito aos prejuízos a que Alckmin estaria sujeito com o tom mais duro, adotado no debate da Band. A explicação consiste no seguinte: a grande massa de eleitores de Lula, os mais pobres, reagirá à postura do tucano, rejeitando a suposta agressão àquele que elegeram como líder. Petistas estão plantando na mídia que pesquisas qualitativas estariam a indicar que vencer o debate não corresponde a atrair eleitores. Bem, isso é o que vamos ver.
A questão está menos na escolha do que na existência ou não de alternativas. A largada do segundo turno apontou, segundo as pesquisas, uma vantagem de Lula entre 8 e 10 pontos. O segundo turno só está aí porque parte da sociedade reagiu à tramóia petista do dossiê. A uma larga fatia do eleitorado, como se viu, o imbróglio pareceu irrelevante. E a única alternativa dos tucanos é, sim, ao lado de fazer propostas para o país, evidenciar a gravidade do que aconteceu. Não! Tanto o mensalão como o dossiê não são malandragens feitas por “meninos aloprados”. São ações de bandidos que não respeitam a democracia.
Vai aqui o parágrafo mais delicado deste texto. Ainda que as pesquisas qualitativas e mesmo as de opinião venham a indicar a rejeição ao que se chama “novo estilo” de Alckmin, espero que o comando de campanha não abra mão de fazer do candidato um veículo de denúncia do que está em curso no país. Trata-se, a despeito de qualquer outra coisa, de um instrumento de educação política. Mesmo que Lula vença a disputa, tal vitória há de se dar sob a sombra da ilegitimidade dos meios com que governou. E cabe a Lula, Janio, indagar firmemente seus amigos: “Qual é a origem do dinheiro, companheiros?”. A menos que ele saiba. E prefira que não saibamos. Não a tempo.
Janio também reclama que o debate transformou-se numa discussão, em que as alternativas e planos de governo não ficaram claras. E o caso de se perguntar: e quando ficaram? Aqui e no mundo democrático, reitero, debates são uma confrontação de temas gerais, de personalidades, de estilos. A menos que houvesse uma mesa, com juízes neutros, para apertar uma campainha: “Opa, o senhor mentiu; a sua conta está errada”. Mas aí não seria debate, e sim julgamento.
A verdade, a tristíssima verdade — triste para o jornalismo e para o país — é que Alckmin cometeu o grande pecado de vencer o debate. Mesmo alguns que não suportam nem olhar para a cara de Lula esperavam que ele perdesse. Afinal, são críticos do presidente não por tudo o que ele fez, mas por aquilo que ele não fez.
O Lula que se dizia socialista deixou saudades.
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