Saturday, September 09, 2006

Marcelo Coelho Nouvelle cuisine


COMO EX-PRESIDENTE, Fernando Henrique Cardoso andava tendo nos últimos anos um desempenho entre regular e razoável, embora isso não passe de impressão puramente subjetiva. Os institutos de pesquisa estão atarefados demais para fazer esse tipo de levantamento.
Mas FHC está deixando de ser ex-presidente para se tornar uma espécie de vice-candidato, e vão de mal a pior as suas atitudes nesse papel. À medida que a candidatura Alckmin foi-se encolhendo, Fernando Henrique entra em cena, com veemências constrangedoras.
Começou lamentando a falta de um "Carlos Lacerda" na atual conjuntura. Para alguém com o passado de esquerda de Fernando Henrique, a frase é um verdadeiro escândalo; um passo a mais, e ele estaria manifestando saudades de Castelo Branco e do regime militar.
Não estamos mais no plano do "esqueçam o que escrevi"; é do "esqueçam quem eu fui" de que se trata. Talvez fosse boa idéia. O problema é que ele próprio não deixa. Agora, lança uma extensa carta, endereçada aos simpatizantes do PSDB.
Críticas aos presídios de Alckmin, defesa das privatizações, autocríticas no plano ético... Várias camadas, com ingredientes diversos, compõem esse "bolo chiffon" retirado às pressas do sofisticado forno de nosso experiente mestre-cuca. Cerejas vermelhas enfeitam, por exemplo, o final do texto, onde o recente acesso de lacerdismo de FHC é corrigido com curiosos apelos à radicalização da democracia e ao diálogo com sindicatos e movimentos populares.
Claro que sem pensar em revolução socialista ou "revolução salvadora", como diz o texto-, pois isso não está "em nosso horizonte histórico". Nunca é demais reiterar esse ponto: caso contrário, Bornhausen e ACM encontrariam sem dúvida um bom pretexto para abandonar o barco do tucanos.
Vai naufragar, provavelmente. O objetivo da carta seria incentivar o voto em Geraldo Alckmin, mas seu conteúdo é tão disperso, que permite mais de uma interpretação. Seria uma tentativa de "refundar" o PSDB? Do mesmo modo que os petistas fiéis, o momento é de reconhecer "os erros". Tivemos o caso Eduardo Azeredo, diz FHC, e "calamos muito tempo". De modo que, "para nos diferenciarmos da podridão moral reinante, temos a obrigação moral de não calar". Já não era sem tempo.
Talvez tenha passado um pouquinho da hora. "Somos diferentes deles", martela FHC. O Bolsa-Família, por exemplo, seria, nas mãos dos tucanos, um compromisso com "os direitos dos cidadãos". Nas mãos de Lula, resume-se às "benesses de um papai-presidente". O "vovô ex-presidente" reclama da podridão dos dias atuais. Mas estamos todos em família.


MARCELO COELHO é colunista da Folha
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