Sunday, September 24, 2006

A 'inteligência' do PT


Núcleo de investigação petista funciona desde 1989 e ainda mantém contatos com Dirceu

Gerson Camarotti
,BRASÍLIA O setor de inteligência e análise de risco da campanha petista que o novo coordenador do comitê, Marco Aurélio Garcia, disse ter extinto na semana passada, depois do escândalo da negociação de um dossiê contra tucanos, foi criado pelo PT durante a disputa presidencial de 1989, a primeira de Luiz Inácio Lula da Silva, e estruturado no início dos anos 90. No começo, sua atuação era defensiva, para reagir a denúncias do adversário Fernando Collor de Mello. Mas foi sob o comando do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, então presidente do PT, que o grupo ganhou força nas eleições de 1998 e principalmente na de 2002.

Em 2006, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, herdou o espólio da área de investigação política, que provocou o maior escândalo das eleições deste ano, com a tentativa de compra do dossiê contra tucanos.

Mas a influência de Dirceu sobre o grupo foi tamanha que hoje, mesmo à distância, ele continua mantendo contatos com a área de inteligência do partido.

Segundo relatos de petistas ao GLOBO, na quarta-feira retrasada — dois dias antes da entrevista dos chefes da máfia das ambulâncias na revista “IstoÉ” e da prisão de petistas com R$ 1,7 milhão em São Paulo — Dirceu já havia antecipado a pessoas próximas que estava para sair uma bomba contra o ex-prefeito e candidato tucano ao governo paulista, José Serra.

Segundo um influente parlamentar do PT, apesar de ter perdido o comando do partido, Dirceu permanece com influência junto aos amigos e nunca deixou de monitorar a área de inteligência desde que saiu do governo. De acordo com este petista, Dirceu já tinha informações de que iria surgir uma forte denúncia contra os tucanos.

No blog, Dirceu nega envolvimento  Desde a semana passada, Dirceu vem negando em seu blog conhecimento ou participação no esquema de inteligência do PT.

Mas, no núcleo do partido, são contados vários episódios na direção oposta, confirmando que Dirceu sempre teve participação ativa na área de espionagem política de seus adversários. Por esses mesmos relatos, quando o ex-chefe da Casa Civil caiu em desgraça no ano passado, com o escândalo do mensalão, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) assumiu o comando da “inteligência do PT”, onde já atuara em campanhas passadas.

Apesar de restrito, o setor de inteligência era de conhecimento de vários petistas. O próprio presidente Lula sempre soube e avalizou o grupo de investigação petista, inclusive na campanha deste ano. Lula via no grupo uma forma de se proteger de armadilhas.

— Esse núcleo de inteligência sempre foi um grupo mais restrito, sempre vinculado à presidência do partido. Foi o Zé Dirceu quem sempre falou em formar esse grupo. Agora, no caso desta eleição, houve um desvio das atribuições — diz o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP).

O maior envolvimento de Dirceu com o setor de inteligência petista foi mesmo em 2002. Ao avaliar as chances reais de Lula chegar ao Palácio do Planalto, o ex-ministro organizou um grupo experiente. Para os interlocutores mais próximos, o então presidente do PT avisou que estava montando um serviço secreto para ações sofisticadas. Naquela época, amigos apelidaram o núcleo de Dirceu de “KGB petista”, numa referência ao serviço secreto da antiga União Soviética.

Pelo menos uma das operações secretas de Dirceu foi relatada por ele próprio a dois interlocutores num restaurante de Brasília, durante a pré-campanha de 2002. Ele disse que pretendia monitorar a embaixada do Brasil em Roma. Na ocasião, o embaixador brasileiro na Itália era Andrea Matarazzo, um dos mais próximos aliados do tucano José Serra. Dirceu queria acompanhar os passos de Matarazzo na Itália, pois desconfiava que ele estava a serviço de Serra. Questionado depois pelos mesmos interlocutores, ele não esclareceu se a operação foi concretizada.

O grupo original de inteligência da campanha de 2002 foi desativado.

Só sobraram o próprio Ricardo Berzoini e Osvaldo Bargas, ex-secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho. Isso porque uma reportagem da revista “Veja”, em 2003, revelou que o PT havia montado um núcleo secreto para desencavar denúncias e dossiês contra adversários. Desse grupo, também participariam o advogado João Piza, o ex-secretário-geral da CUT Carlos Alberto Grana e o sindicalista Wagner Cinchetto.

A visibilidade que o grupo ganhou atrapalhou a permanência natural do núcleo de espionagem petista.

Na campanha anterior, o núcleo de inteligência teria conseguido documentos no Banco do Brasil para atingir Serra, então candidato tucano à Presidência, e preparou dossiês contra Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, vice do então presidenciável Ciro Gomes. Mas com os principais integrantes do grupo queimados pela exposição, foi preciso fazer substituições para a campanha de 2006. Berzoini deixou a função de coordenar o grupo para assumir a que era de Dirceu, no comando da inteligência petista. Ele manteve Bargas por dois motivos: por ser de sua confiança e por guardar a memória do funcionamento do serviço de inteligência no partido.

“Dossiê foi uma bobagem colossal”  Para evitar holofotes, novos petistas foram recrutados para o núcleo de análise de risco, que passou a ser chefiado pelo diretor do Besc e churrasqueiro de Lula, Jorge Lorenzetti. O grupo também foi integrado por Expedito Afonso Veloso, que até a semana passada era diretor de Gestão de Risco do Banco do Brasil. Eles passaram a recrutar serviços de petistas como o assessor presidencial Freud Godoy, o tesoureiro petista de Cuiabá, Valdebran Padilha, e do ex-agente Gedimar Passos. Todos envolvidos na desastrosa operação da compra do dossiê da família Vedoin contra o PSDB.

— A disputa por informação sempre existiu no PT. Isso é permanente — reconhece o líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (SP), sobre a existência do grupo de inteligência. — Mas o que foi uma bobagem colossal desse grupo foi investir em compra de dossiê. Isso é coisa de gente despreparada para uma função tão delicada. No passado, isso era tratado por pessoas qualificadas.

Não sei como esse grupo passou a cuidar disso. Talvez por esse motivo, Berzoini acabou caindo.

Integrantes do comando petista ouvidos pelo GLOBO relataram que a compra do dossiê contra os tucanos não foi a única operação do grupo de inteligência nesta campanha. Pelo menos outro dossiê também teria sido montado pelo núcleo de investigação. O primeiro alvo foi Eduardo Jorge, o secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso e que este ano assumiu a coordenação de campanha do tucano Geraldo Alckmin.

Esse núcleo teve acesso ao material produzido por um grupo de auditores da Receita Federal que teria apontado uma suposta ação de Eduardo Jorge na criação de empresas laranjas e emissão de notas frias para arrecadar dinheiro para a campanha de reeleição de Fernando Henrique em 1998.

Primeiro, integrantes do PT sondaram alguns órgãos de imprensa sobre a denúncia. Depois, o chamado “dossiê Eduardo Jorge” foi publicado pela revista “IstoÉ”. Numa carta à revista, Eduardo Jorge desmentiu a denúncia, classificandoa de fantasiosa.

Procurado pelo GLOBO na quarta e na quinta-feira, Ricardo Berzoini (PT-SP) não respondeu aos recados.

Também procurado, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu disse que não tem nada a dizer.

Em seu blog, Dirceu afirmou, no texto intitulado “Teorias fantasiosas geram teses caluniosas”, que está totalmente afastado da direção do partido e da campanha de Lula e negou qualquer participação no escândalo da negociação do dossiê. Em outra nota, publicada no sábado passado, ele negou que tivesse conhecimento prévio da publicação, pela revista “IstoÉ”, das denúncias envolvendo tucanos. VOLTAR A ARTIGOS ETC

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